segunda-feira, outubro 02, 2006

CINEMA - Voltar



"VOLVER"


Tenho que confessar que sou um "almodovista" convicto. Fartam-se alguns de comentar que o cineasta se esgotou, se auto plagia, faz o mesmo filme, não tem ideias, etc, e tal o costume. Pedro Almodôvar para mim é indiscutivelmente um dos grandes, dos maiores cineastas europeus contemporâneos, um daqueles raros que se entrarmos numa sala de projecção com um filme a correr, e sem saber ao que vamos, acabamos logo por saber que vamos por Almodôvar, tão forte é a sua imagem, a sua voz, as suas obsessões, o seu universo, a sua estética.

“Volver” é voltar a Almodôvar, o de início de carreira ("Que Fiz Eu Para Merecer Isto?"), o de meio de carreira (“Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos”), o da carreira mais recente (“Tudo sobre a Minha Mãe”). Voltar simplesmente a Almodôvar. Não o das obras-primas (“Volver” anda longe de ser uma obra-prima, anuncia-se mais como um exercício de estilo, um intervalo de entretenimento brilhante, mas não mais o que isso). Mas quem anda só à procura de obras-primas? Acontece que irmãs, tias, mães, conhecidas e outras tias também são gente, e Almodôvar prova-o bem nesta comédia melodramática e kitsch como só ele seria capaz de dirigir de forma a tornar plausível todo aquele universo de um neo-realismo pós-moderno, garrido e estridente, repenicado de beijos, beijinhos e beijões, com mulheres que já ultrapassaram o ataque de nervos e vão à vida, como heroínas de um dia a dia que Almodôvar sabe pintar como poucos.

À saída dizia eu: “A Penélope Cruz está magnifica!”, e respondiam-me “E a Cármen Maura, extraordinária, dezassete anos depois!”, “E a miúda (Yohana Cobo),, que trabalho fabuloso!”, “é verdade, mas que dizer daquela actriz careca, a…” “A vizinha da aldeia?, a Agustina? É a Blanca Portillo. Soberba.” “Sim, mas não podemos esquecer Sole, a irmã, Lola Dueñas, nem a velhota, a tia que morre, espantosa a Chus Lampreave.” Assim é. Neste universo de mulheres, onde quase não há homens, e os que há e são hetero e gostam de mulheres, ou são pedófilos, ou passam a entregar as chaves do restaurante e vão embora, neste universo de mulheres, dizia, Pedro Almodôvar sente-se à vontade, passeia-se com uma curiosidade apaixonada, aproxima-se de mansinho, e dá-nos retratos admiráveis de mulheres de sete ofícios que têm de se desengomar sozinhas, que vão à luta, que ultrapassam mesmo as regras mais elementares de conduta civilizada (há assassinatos para todos os gostos, e sobretudo crimes perfeitos, perpetrados na mais completa ingenuidade), mas que Almodôvar desculpabiliza (de certa forma atirando todo o mal do mundo para cima dos homens “machistas” que não controlam o desejo quando vêem uma fêmea). Mas que importância tem isso? Os “autores” (e Almodôvar é um verdadeiro “autor” em toda a acepção da palavra!) têm destas coisas, dizem-se e redizem-se, fazem sempre o mesmo filme, andam pelos mesmo cenários, com as mesmas personagens, pensam da mesma maneira, olham e filmam com o mesmo olhar, e é isso mesmo que procuramos, esse universo único, impossível de copiar a não ser pelo próprio.
Aqui há uma mulher casada, Raimunda (Penélope Cruz) que tem em casa um marido operário, acabado de ser despedido, que olha com apetite para as pernas da suposta filha adolescente (Yohana Cobo), enquanto emborca cerveja e vê jogos de futebol na televisão. Há a irmã de Raimunda, Sole (Lola Dueñas), cabeleireira em casa, depois do marido a ter deixado. Raimunda, Sole, e Paula viajam e passam por casa da tia (Chus Lampreave) que vive na aldeia distante de Madrid. A tia habita uma casa enorme, onde está aparentemente só, mas não, a seu lado está o “fantasma” da irmã (Carmen Maura), mãe de Raimunda e Sole, e que aparentemente terá morrido num incêndio, juntamente com o marido. Agarrada a esse marido que era tudo quanto ela mais amava. Morreu feliz, suspira Raimunda. Terá sido assim? A verdade é que o pai de Raimunda e Sole era um mulherengo, e andava enrolado com a mãe de Agustina (Blanca Portillo), que desapareceu desde o dia do incêndio que vitimou o infeliz casal. Pois… “fantasmas” e “fantasmas de fantasmas” que a memória engana enviando para um terreno desconhecido, à beira de um rio, onde se gosta de passar o tempo e fazer um piquenique.
Detestando a televisão (que desanca de filme para filme com uma acutilância critica notável), Almodôvar cita Visconti e “Belíssima” (com a belíssima Anna Magnani, que nesse filme “vende” a filha ao cinema, pelo preço da “glória de um dia de fama”, tal como hoje se faz na televisão). Oscilando entre o subúrbio de Madrid e o mundo rural, com os majestosos moinhos de vento a pautar as viagens entre a cidade e as serras, equilibrando-se entre o pender fantasmagórico das crendices rurais e o realismo da cidade, onde o aparecimento de equipas de filmagem também cria os seus “milagres”, “Volver” é um filme magnifico, brilhante, contagiante. Um daqueles filmes que não sei, nem me importa saber, se é obra-prima ou não. Sai-se do cinema com vontade de voltar a entrar. Melodrama sem lágrimas (nos espectadores, no filme são um riacho), comédia sem gargalhadas, “Volver” nada tem de fácil. É uma lição magistral de cinema e de representação. Que dizer de Penélope Cruz? Meu Deus, onde chegaste pela mão de Almodôvar! Também aqui o cineasta se mostra um dos mais seguros e comovedores directores de actrizes. Saídos há poucas horas da sala de cinema, que saudades já daquelas personagens!



VOLTAR (Volver), de Pedro Almodôvar (Espanha, 2006); com Penélope Cruz (Raimunda), Carmen Maura (avó Irene), Lola Dueñas (Sole), Blanca Portillo (Agustina), Yohana Cobo (Paula), Chus Lampreave (Tía Paula), etc. 121 min; M/ 12 anos.

1 comentário:

Claudia Sousa Dias disse...

Claro qué volveré a Almodóvar!

Siempre!


Un beso


CSd