quarta-feira, novembro 22, 2006

ROBERT ALTMAN

Robert Altman

(nasceu a 20 de Fevereiro de 1925,
em Kansas City, Missouri, EUA;
faleceu a 20 de Novembro de 2006,
em Los Angeles, California, EUA)
Um dos maiores cineastas contemporâneos
ROBERT ALTMAN
nos jornais portugueses
Diário de Noticias

O realizador individualista, independente e do 'contra',
que gostava de filmar histórias colectivas

Pouco antes de morrer, John Ford deu uma entrevista em que confessava já não ir ao cinema porque os filmes não prestavam. Para enfatizar o que ele achava ser o estado deplorável a que Hollywood tinha chegado, disse: "Qualquer dia aparece aí um filho da puta a fazer uma comédia sobre a guerra!" Em 1970, Robert Altman assinava Mash, o seu primeiro sucesso, uma comédia negra anti-Vietname e anti-militarista, passada na guerra da Coreia.
Altman morreu ontem num hospital de Los Angeles, aos 81 anos. Foi um dos realizadores mais individualistas, independentes e avessos aos constrangimentos de Hollywood, e um dos mais influenciados pelo cinema europeu. "Tive muita sorte. Nunca realizei um filme que não tenha escolhido ou feito o projecto", disse ao receber, este ano, o Óscar de Carreira. (Foi nomeado cinco vezes para Melhor Realizador, mas nunca ganhou). Tinha reputação de arrogante e intransigente, o que dificultava as suas relações com estúdios e produtores. Conseguia filmar com orçamentos mínimos, atraindo actores de nomeada que queriam o prestígio de trabalhar com ele.
A sua carreira teve grandes altos e baixos. Um auge nos anos 70, uma longa "travessia do deserto" na década de 80, em que voltou a trabalhar para a televisão onde se havia estreado nos anos 50, e um regresso em 1992 com O Jogador, outra sátira vitriólica, agora a Hollywood, que o recebeu com aplausos.
A sua imagem de marca era os filmes colectivos, feitos de múltiplas pequenas histórias entrecruzadas para formar um quadro panorâmico de vários sectores, grupos ou estratos sociais da sociedade americana (e não só), com elencos intermináveis, muita improvisação e um ar aparentemente desarrumado. Estão entre eles Nashville (1975), Um Casamento (1978), HealtH (1980), Os Americanos (1993), Prêt-a-Porter (1994), Gosford Park, feito em Inglaterra (2001) ou Os Bastidores da Rádio (2006), em exibição entre nós.
Mas Altman também realizou anti-policiais (O Imenso Adeus, 1973), anti-westerns (A Noite Fez-se para Amar, 1974), comédias dramáticas (Brincando com a Sorte, 1974), ficção científica (Quinteto, 1979) e bizarrias (Popeye, 1980). Gostava tanto de actores quanto desprezava os executivos dos estúdios, e deliciava-se a dirigi-los. Este ano, estreou-se nos palcos londrinos, no Old Vic, a encenar uma peça de Arthur Miller.
Nascido em Kansas City, Robert Altman trabalhou em curtas e documentários na sua cidade. Foi para Hollywood nos anos 50 realizar séries de televisão como Bonanza ou Alfred Hitchcock Apresenta, e passou para as longas-metragens em 1968.
Eurico de Barros

BEATRIZ PACHECO PEREIRA
Directora do Fantasporto
Era um dos meus realizadores favo­ritos, sobretudo pela sua extraordi­nária habilidade para coser várias his­tórias. 0 típico filme de Robert Altrnan é uma história que se desen­volve através de várias personagens, que no final se reúnem de forma mag­nífica. Foi um realizador atípico no ci­nema americano, ferozmente de­fensor da sua visão como cineasta, e que fez um dos mais notáveis filmes musicais, “Nashville”, conseguindo ao longo da carreira tocar vários géne­ros. Pertenceu a uma geração dife­rente, a seguir aos grandes realiza­dores como John Ford ou Howard Hawks, mas ao mesmo tempo é um herdeiro deles, tem um espectro lar­go da sociedade. Nem sempre foi compreendido, amado, e, sempre saudavelmente à parte, foi um realiza­dor americano com alguns laivos de cinema europeu, de autor. Era um ho­mem que eu admirava.

LAURO ANTÓNIO
Cineasta

Era um dos grandes realizadores norte-americanos. Um homem que tinha um estilo de cinema inconfun­dível e que marcou, sem dúvida, al­gumas gerações. 0 seu cinema é como um puzzle de vidas que se en­trecruzavam e tinha uma maneira muito original e muito crítica de ob­servar a realidade norte-americana. Robert Aitman foi sempre um realizador afastado dos grandes cir­cuitos e nunca teve o apoio das pro­dutoras, preocupando-se sempre em alhear-se delas para fazer um cine­ma mais independente. Altman dei­xa uma filmografia muito vasta e par­ticularmente interessante, desde” Nashville” até ao último filme que vi dele, “Os Bastidores da Rádio”, que é um tes­tamento brilhante de um dos gran­des realizadores do cinema contem­porâneo.

Público:


Robert Altman
Morreu o realizador que viveu à margem de Hollywood

Era um cineasta incómodo que gostava de fazer retratos satíricos da América. M*A*S*H, Nashville e Gosford Park foram os seus grandes sucessos comerciais. Teve sempre conflitos com os grandes estúdios. Só em 2006 recebeu um Óscar, uma homenagem de Hollywood à sua obra. Altman morreu aos 81 anos.
Quando A Prairie Home Companion - Bastidores da Rádio (2006) se estreou, quase todos os observadores foram unânimes em ver nesta comédia uma espécie de "testamento cinematográfico" de Robert Altman. Em entrevistas, o realizador concedeu que Bastidores da Rádio (que se estreou há poucas semanas em Portugal) era um filme "sobre a morte", e ficará como a última das suas quase 40 longas-metragens: Robert Altman morreu num hospital de Los Angeles na segunda-feira, de causas não reveladas, aos 81 anos.
Bastidores da Rádio é um final apropriado para uma carreira que viu Robert Altman erguer-se a pulso como um dos mais importantes cineastas americanos da década de 1970, trabalhando quase sempre à margem, observando com um olhar clínico, muitas vezes satírico mas sempre lúcido, as idiossincrasias, grandezas e misérias da sociedade americana.
Os seus filmes mais conhecidos são, ainda hoje, os retratos sem complacências que lhe valeram o seu estatuto de "mestre": a violenta sátira anti-militarista de M*A*S*H (1969), o cruzamento dos mundos da política e da música country de Nashville (1975), o dissecar de uma cerimónia de casamento pequeno-burguês em Um Casamento (1978), o olhar desencantado para a Los Angeles moderna em Short Cuts - Os Americanos (1993).

Obra inovadora
Cineasta incómodo e pouco atreito a catalogações, Altman passou a sua carreira permanentemente "à margem": nunca foi recompensado pelos Óscares, apesar de por cinco vezes ter sido nomeado para melhor realizador (já este ano, recebeu um Óscar honorário pelo conjunto da sua carreira - Comentou: "Antes ser premiado por todo o meu trabalho do que por este ou aquele filme"), contam-se pelos dedos os seus efectivos sucessos comerciais, as suas relações com os grandes estúdios foram sempre conflituosas, mesmo a crítica nem sempre o defendeu. No entanto, conseguiu ultrapassar esses obstáculos para construir uma obra coerente, estimulante mesmo quando menos conseguida, inovadora formalmente através da fuga às convenções do género (a sua adaptação do clássico do romance negro O Imenso Adeus, de Raymond Chandler, provocou a ira dos fãs do escritor), da sobreposição de diálogos, da liberdade dada aos actores para improvisarem frente à câmara, da colisão de estruturas narrativas paralelas que exploravam uma densidade ausente do cinema mainstream.
Ironicamente, Robert Altman começara carreira precisamente dentro do establishment que tanto irritava. Depois de uma primeira tentativa sem grande sucesso em finais da década de 1940, arranjou emprego numa firma de filmes industriais na sua Kansas City natal e, entre 1950 e 1956, aprendeu e aperfeiçoou a sua técnica como realizador e argumentista de curtas industriais e anúncios televisivos. Chegou à longa-metragem com The Delinquents (1957), que levou a um convite para dirigir alguns episódios da série Alfred Hitchcock Apresenta, e, até 1965, trabalhou essencialmente para televisão, assinando episódios de Maverick, Bonanza ou Estrada 66.
Foi M*A*S*H, recusado por mais de uma dezena de realizadores e com o qual a 20th Century-Fox não sabia o que fazer, que valeu a Altman, então com 44 anos, o reconhecimento. O filme enjeitado pelo estúdio ("A Fox não lançou este filme, ele fugiu-lhes") foi um sucesso comercial e crítico improvável (valeu-lhe a Palma de Ouro em Cannes) e lançou Altman para uma carreira em que "nunca [teve] de dirigir um filme que não [escolheu]", cujo ponto alto terá sido, em 1975, o triunfo comercial e crítico de Nashville. Mas os insucessos comerciais que se seguiram, e que culminaram na recepção desastrosa a Popeye (1980), atiraram-no para uma "travessia do deserto" na década de 1980, mantendo um invejável ritmo de produção com uma série de pequenos filmes bem recebidos mas pouco vistos e a aclamada sátira política televisiva Tanner "88, criada com o humorista Garry Trudeau.

Os últimos sucessos
O Jogador, feroz sátira do sistema hollywoodiano (que Altman dizia ser muito suave quando comparada com a realidade), marcou em 1992 o seu regresso "pela porta grande" e Short Cuts - Os Americanos (1993), adaptação fidelíssima dos contos do escritor Raymond Carver, consagrou-o definitivamente, revelando-o a toda uma nova geração.
Os dois filmes exploravam os mosaicos narrativos que Altman refinara em Nashville e que funcionariam surpreendentemente bem transplantados para a Inglaterra dos anos 1930 em Gosford Park (2001). Este mistério policial ambientado numa casa de campo, dobrado de violenta sátira à luta de classes, tornar-se-ia no seu maior sucesso comercial e crítico desde M*A*S*H, com sete nomeações para os Óscares.
Casado por três vezes, Altman teve cinco filhos, um dos quais adoptivo (Stephen, o terceiro, trabalhou regularmente como cenógrafo nos filmes do pai). Para além de realizador, foi também produtor, fundou a Lion"s Gate (que vendeu em 1981 e é hoje um pequeno estúdio independente especializado em filmes de género) e produziu filmes de Alan Rudolph e Robert Benton. Como escrevia ontem a BBC on-line, morreu o realizador rebelde.
Jorge Mourinha

A Prairie Home Companion, o testamento
O último filme de Robert Altman, A Prairie Home Companion - Bastidores da Rádio (que continua em exibição em Portugal), baseia-se na emissão que o humorista Garrison Keillor anima há mais de 30 anos no serviço público de rádio americano; Altman, um grande apreciador do programa, convidou Keillor para escrever um guião original, onde se ficciona a última emissão do programa devido à demolição do teatro de onde é transmitido ao vivo para dar lugar a um parque de estacionamento. Apesar do bom humor reinante, não é difícil ver Bastidores da Rádio como uma elegia por uma certa América, individualista, camarada, liberal, tolerante, que Altman lamenta estar à beira de desaparecer; mistura de requiem embargado e velório irlandês, é um filme sobre a morte e sobre a memória, cuja estrutura em mosaico e elenco de luxo (Meryl Streep, Kevin Kline, Lily Tomlin ou Woody Harrelson) o inscreve na tradição dos melhores filmes de Altman. J.M.

Alguns filmes:
M*A*S*H (1969) - Palma de Ouro em Cannes; nomeado para Óscar de melhor realizador
A Noite Fez-se para Amar (1971)
O Imenso Adeus (1973)
Nashville (1975) - nomeado para Óscar de melhor realizador
Buffalo Bill e os Índios (1976) - vencedor do Urso de Ouro em Berlim
Três Mulheres (1977)
Um Casamento (1978)
O Jogador (1992) - vencedor do prémio de melhor realizador em Cannes; nomeado para Óscar de melhor realizador
Short Cuts - Os Americanos (1993) - Leão de Ouro em Veneza; nomeado para Óscar de melhor realizador
Gosford Park (2001) - Globo de Ouro de melhor realizador; nomeado para Óscar de melhor realizador

6 comentários:

  1. O "clássico moderno".
    A designação de "Maverick" ficava-lhe tão bem.

    Ficam as imagens e essas ninguém apaga.

    cumprimentos

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  2. Certo, tem M.A.S.H., tem Nashvile, mas, mas ele dirigiu alguns epsódios de Combate e de Bonanza, os seriados de televisão que mais adorava no fim da minha infância!
    M.A.S.H me agoniava, acho que se ainda ver, me agonio, uma comédia agoniante...
    Beijos, :).

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  3. O que ameniza de certa forma a dor desta notícia é o estatuto Imortal de Altman, comprovado pelo primor da sua Filmografia e pela sua eterna influência.

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  4. Recebi esta notícia ontem com muita tristeza.
    Gosto imenso do trabalho dele.

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  5. Apesar de tdo há quem morra "menos".

    Esses que lembramos.

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