sexta-feira, dezembro 01, 2006

MICHEL HOUELLEBECQ

MICHEL THOMAS,
dito
MICHEL HOUELLEBECQ

1. A vida
Há quem fale “nos horrores do autor francês Michel Houellebecq”, quem acuse o seu último volume, "A Possibilidade de uma Ilha", de ser um mau romance de um mau autor. Outros, lembram Balzac e Schopenhauer, para dizer que ele “entende as pessoas com menos de 30 anos”. A verdade é que vende muito bem e se tornou um fenómeno. Tem tudo o que os leitores actuais querem: desespero existencial a justificar violência comportamental e muito sexo, rápido e sem dor, nada de emoções, apenas sexo pelo sexo, com “imaginação”. Ou seja, em grupo, troca de casais, oral e anal, posições múltiplas, etc. Depois mais uns pozinhos de polémica, um pouquinho de racismo, anti islamismo, e mais etc.
Um jornalista de investigação do “Le Point”, Denis Demonpion, lançou uma biografia, não autorizada, sobre o escritor, que revela muito do obscuro. Chama-se “Houellebecq Non Autoris: Enquete sur un Phenomene” ("O Houellebecq Não-Autorizado: Investigação sobre um Fenômeno"). Houellebecq chegou a propor colaborar no livro, mas Demonpion recusou. A investigação, dita isenta, descobriu que Houellebecq fantasia detalhes de sua vida pessoal com a mesma tranquilidade com que introduz pessoas da vida real na sua ficção. Essa característica começa a partir do próprio nome dele (o seu verdadeiro nome é Michel Thomas), e da data de nascimento (Michel Thomas é dois anos mais velhos do que declara normalmente, até em tribunal).
Mas parece ser verdade que Houellebecq foi mais ou menos abandonado pela mãe quando era bebé. O escritor alimenta esse mito de rejeição. Demonpion afiança que, apesar de não serem muito íntimos, se viam. Aos 37 anos, parece que enviou à mãe um curioso e significativo ultimato: "Enquanto mãe, a senhora tem sido abjecta e, dado que tem oportunidade de se corrigir antes de morrer, envie-me o dinheiro suficiente para eu poder sustentar-me durante três anos. Se a sua carta vier sem um cheque, irá directamente para o lixo." Também rompeu com o pai, depois deste lhe ter criticado os insultos aos avós paternos no seu romance “Atomised”, onde divulgou várias mentiras sobre eles, usando nomes verdadeiros - os mesmos avós que o criaram, com grande dedicação e amor.

2. No cinema
Ao que consta. Demonpion desvenda, ainda, que, após estudar agricultura, Houellebecq fez dois anos na escola de cinema, tendo-se formado em 1981, e afirma que o escritor nunca chegou a trabalhar na indústria cinematográfica. O que não é verdade. Uma ínfima investigação revela que em 1978, escreveu (com Pierre Lamalattie), realizou e interpretou “Cristal de Souffrance”, com Michel Thomas (Michel Houellebecq) em Johnny de Smythe-Winter (as), Dominique Plé, a mulher, e Henri Villedieu de Torcy, o viajante, uma média metragem de 30 minutos, passado num velho castelo, onde Johnny de Winter-Smythe martiriza um velho pintor, ajudado por um corcunda. Até que chega um viajante e uma mulher…
Em 1982, volta à realização, com “Déséquilibres”, que volta a escrecver, adaptando desta vez uma obra de Jean Ray que fala de uma mulher estropiada que reconhece um dia o homem que a atirou abaixo de uma ponte, quando ambos eram crianças. Jean-Christophe Debar era o homem, Marie Villedieu de Torcy, a mulher. 12 minutos.
Posteriormente, após 18 meses sem trabalho, tornou-se técnico de computadores, trabalhando seis meses no Ministério da Agricultura e, a partir de 1991, durante cinco anos na Assembleia Nacional Francesa.
Demonpion mantém a reserva nalguns casos: não revela, por exemplo, a identidade da primeira mulher do escritor, afirmando apenas que ela é descendente da nobreza europeia e que tinha 22 anos quando casou com Michel Thomas, então dois anos mais velho. No ano seguinte, nasceu o filho de ambos, muito acarinhado nessa altura e agora totalmente esquecido. Demonpion passa por cima de muitos factos que poderiam prejudicar terceiros, não fala sobre o fracasso do casamento, e é igualmente discreto quanto aos hábitos alcoólicos de Houellebecq, embora não deixe de os mencionar. Em 1991, Houellebecq passa a viver com "Marie-Pierre", que trabalhava no campo editorial e com quem se casou mais tarde. Ambos são frequentadores assíduos do mundo dos clubes de swing e de sexo em grupo, onde o escritor é nesta altura figura notória.

3. Produção literária

Os primeiros poemas de Houellebecq foram publicados numa revista em 1988. Em 1991, ele lançou um ensaio sobre “HP Lovecraft” (1890-1937), escritor americano de histórias de horror e ficção científica, ao que consta também admirador de Hitler. "Foi escrevendo esse artigo", disse mais tarde Houellebecq, "que eu descobri o racismo". Os dois escritores revelam outras facetas em comum: Lovecraft tinha um óbvio "desprezo pela vida e ódio pela humanidade"; e estava convencido de que o ser humano foi criado por extraterrestres - uma ideia que Houellebecq explora em seu novo romance. Em 1994, Houellebecq publicou o seu primeiro e possivelmente melhor romance: “Extension du Domaine de la Lutte” ("Extensão do Domínio da Luta"). Quatro anos depois, o seu segundo romance, “Les Particules Élèmentaires”, projecta-o definitivamente, primeiro na França - onde ele foi saudado como o melhor romancista francês vivo - e depois no resto do mundo, onde foi aclamado como o único romancista francês vivo. Polémico e nada pacífico, no mínimo pode dizer-se que revitalizou a ficção francesa.
Com ele, a literatura francesa foi subitamente vulgarizada, lançada no mundo do marketing e do dinheiro. Todos falam dele, por boas e más razões. Os apresentadores de programas de debates na televisão passaram a discutir com Houellebecq práticas como “fellatio” e “cunnilingus”. Em 2001, surgiu “Plateforme” ("Plataforma"), propalando as virtudes do turismo sexual na Tailândia como um caminho para acabar com a pobreza do terceiro mundo. Não se pode dizer que não seja original defender o que todos atacam, mas pelos visto tem adeptos. No romance, há ainda extremistas muçulmanos que, furiosos com esse sinal ostensivo do imperialismo ocidental, explodem um dos hotéis especializados em comércio sexual. Na campanha de promoção do livro, Houellebecq fez comentários ofensivos ao Islão, e, em meia dúzia de dias, o livro tinha vendido 200 mil cópias na França. Os editores, aproveitando o escândalo, sentiram-se obrigados a pedir desculpas pelos comentários do autor e foram, de boné na mão, a uma mesquita em Paris, na manhã do 11 de Setembro. Ao saírem da mesquita, viram pela TV, como se fosse uma premonição dirigida por Houellebecq, as imagens da destruição das Torres Gémeas. Um ano depois, fundamentalistas islâmicos bombardearam também casas nocturnas no Bali, matando 202 ocidentais, construindo para Houellebecq a reputação de “profeta”. Da desgraça.

"As Partículas Elementares", no cinema

4. “A Possibilidade de uma Ilha”
Agora chegou o seu quarto romance, com o título “La Possibilité d’ une Íle” ("A Possibilidade de uma Ilha"). Em França explode novamente uma polémica, ao ser divulgado que ele recebeu 1,3 milhão de euros como adiantamento por parte de um novo editor, e que se recusou a enviar cópias para críticos de mais de meia dúzia de publicações seleccionadas, entre as quais o jornal “Le Monde”.
Quem já leu conta: há duas narrativas dentro do romance. A primeira envolve Daniel, um provocante comediante-solista, cínico como Houellebecq, como ele multimilionário à custa de muita polémica. Daniel abandona a primeira mulher assim que ela engravida, e vai viver com Isabelle, editora de Lolita, aparentemente uma revista para pré-adolescentes, mas que na verdade é lida por mulheres da faixa dos trinta anos, aterrorizadas pela perspectiva de envelhecimento. Diversão e sexo também se tornam o objectivo de Daniel, e o pavor de ficar mais velho é o tema central do romance.
A segunda narrativa em “The Possibility of an Island”, entremeada com a primeira, acontece daqui a mil anos - Daniel 24, um neo-humano, está no futuro, analisando a primeira narrativa, e as memórias de seu ancestral, o humano Daniel 1. Neo-humanos, clonados, vivem em moradias especiais, numa terra devastada por ataques nucleares e mudanças climáticas.
De volta ao presente, Isabelle, aos 40 anos, está demostrando sinais de que está ficando meio louca. Como prova de amor, Daniel1 se casa com ela, mas tarde demais. Ela é preterida por uma actriz de 22 anos. Agora, aos 47 anos, o cínico, exaurido e muito rico Daniel 1 descobre os verdadeiros prazeres do sexo e, através deles, uma felicidade intensa. Já os neo-humanos como Daniel 24, e depois o Daniel 25, perderam todo o seu desejo sexual. Eles discutem a enlouquecida condição humana com desapego e sem humor, com um desprezo reforçado pela visão dos poucos remanescentes da espécie humana, na verdade selvagens que se agitam por detrás das barreiras que protegem a Cidade Central.
Nesse ponto do romance, Daniel 1 tem seu primeiro encontro com os Elohimitas- uma seita semelhante aos Raelianos. Os Elohimitas aproveitam o sexo livre e compartilhado, sem culpas, numa sociedade reclusa como as que Houellebecq descreveu em dois de seus romances anteriores, o acampamento hedonista de Atomised e os hotéis do circuito turístico asiático em Platform.
Para os Elohimitas, o sexo está já dissociado de suas consequências actuais, porque a reprodução é obtida através da clonagem. Isso não ajuda muito o descrente Daniel. Reconhecendo-se ridículo, e incapaz de controlar sua própria obsessão pela jovem actriz, que passa a traí-lo com homens que têm a metade da idade dele, Daniel se mata - não sem antes fornecer seu DNA para os Elohimitas.
Houellebecq é o autor mais conhecido da França, mas qual é o real valor dele? Seu último livro é uma sátira, género que não está entre as melhores tradições na literatura francesa. Alguns o acusam de não ter nada profundo para dizer. E o facto de seus livros serem exaltados em outros países como um ponto alto da ficção na França parece irritar alguns críticos franceses. Um crítico do jornal Figaro disse a respeito de “Plateforme”: "Os livros de Houellebecq são escritos como os memorandos de empresas de porte médio - talvez seja por isso que todo mundo os lê". "A Literatura não tem nada a ver com facilidade e disponibilidade. Ela exige um esforço", escreveu, por seu turno, Eric Naulleau no seu livro mais recente “Au Secours! Houellebecq revient! ("Socorro! Houellebecq voltou!"), atacando Houellebecq. "Para justificar o sofrível francês... utilizado por alguns de nossos mais notáveis escritores, começando por Houellebecq, autores como Cline apelam para introduzir a linguagem falada na literatura..." "O Mundo de Houellebecq", uma conferência internacional sobre o autor, aconteceu em 28 e 29 de Outubro na Biblioteca de Poesia Escocesa, em Edimburgo, na Escócia. Uma organização de Gavin Bowd, tradutor de "The Possibility of an Island". Houellebecq falou na sessão de encerramento.
Neste universo há de tudo, cada um se sirva e escolha o que lhe convier. Por mim, estou a ler "A Possibilidade de uma Ilha" e já comprei “Plataforma – No Meio do Mundo” e “As Partículas Elementares”. Enfim, todo o Houelebecq. Vou ver até onde tenho paciência. Ou me conquista ou me derrota. Juro que não faço sacrifícios.

"Extensão do Dominio da Luta", no cinema

5. Ainda no cinema
Entretanto, a sua colaboração com o cinema intensificou-se. Em 1999, adaptam “Extension du Domaine de la Lutte”, com argumento e realização de Philippe Harel, segundo o romance de Michel Houellebecq. Entre os intérpretes, Philippe Harel, José Garcia, Catherine Mouchet, Cécile Reigher, Marie-Charlotte Leclaire, Philippe Agael, etc. 120 min.
Em 2001, surge “La Rivière”, com direcção do próprio Michel Houellebecq, que também escreve o argumento, numa curta metragem com 16 minutos e um elenco constituído por Laetitia Clément, Cielle Delhomme, Audrey Jouffain, Annabelle Brun e Naïma Abdalahoui.
Jens Albinus escreve e realiza, na Dinamarca, uma nova adaptação do romance “Extension du domaine de la lutte”, em 2002, desta feita para a televisão , com o título “Udvidelse af kampzonen”, e interpretações de Espen Bækmark, Nicolas Bro, Arne Elkrog Hansen, Benedikte Hansen, Nikolaj Lie Kaas, Mia Lyhne e Niels Skousen.
Em 2004, David Rault realiza “Monde Extérieur”, com argumento de Michel Houellebecq e Loo Hui Phang, e Defne Alphan, Olivier Barroux, Olivier Champion, Laurent Chrétien, Loïse Coquelin, Philippe Dupuy, Yannick Dyvrande e Pauline Guimard.
Finalmente, já em 2006, uma nova adaptação “Elementarteilchen”, com realização e argumento de Oskar Roehler (partindo do romance “As partículas Elementares”, de Michel Houellebecq), com Moritz Bleibtreu, Christian Ulmen, Martina Gedeck, Franka Potente, Nina Hoss, Uwe Ochsenknecht , um filme alemão com 113 minutos.
Mas há ainda duas outras contribuições de Hoellebecq, uma em “L’ Érotisme vu par...”, (TV, 2001), com realização colectiva de Christine Angot, Michel Houellebecq, Vincent Ravalec, Zoé Valdês e Jean Van Hamme, e interpretação de Jackie Berroyer e Jean Abeillé, e ainda “9 Songs” (2004), um filme de Michael Winterbottom, onde a colaboração do escritor é ainda especialmente agradecida.


Para saber mais (há imenso material na net):
http://homepage.mac.com/michelhouellebecq/textes/Menu37.html
http://www.houellebecq.info/
http://www.evene.fr/celebre/biographie/michel-houellebecq-1321.php

3 comentários:

  1. Olá Lauro António!

    Pelo que li, nesta análise vou experimentar ler "Plataforma" na Biblioteca. Assim, se me decepcionar evito gastar dinheiro num livro de que não gostei...

    :-)

    Bom fim-de-semana!

    CSD

    ResponderEliminar
  2. pois, muito interessante o que escreveu. ainda nao li as pariculas elementares, mas nao vai ser por muito tempo!
    gosto dele, o infame..

    ResponderEliminar
  3. Teresa: gostas de todos os infames, mulher. Até gostas de mim. Beijos. LA

    ResponderEliminar