sábado, janeiro 06, 2007

TEATRO EM LISBOA - Zé do Telhado


ZÉ DO TELHADO

Regresso à Malaposta, onde já não ia há uns tempos. Ligam-me a este Centro Cultural laços muito íntimos. Antes de mais pelo Festival de Cinema Documental, que ali era organizado pelo Manuel Costa e Silva, grande amigo, visita regular de minha casa, companheiro de king e de aventuras cinematográficas. Depois foi ali que se efectuou uma exposição da obra de meu pai, anos depois dele falecer. Bonita homenagem. Não há muitos anos a Florbela Oliveira ali encenou uma peça minha, “A Encenação”, numa versão muito pessoal, mas onde fui muito bem tratado e acarinhado. Gosto da Malaposta, portanto, e sou ingrato ao não a frequentar mais. Desta vez, Fernando Gomes e “Zé do Telhado” levaram-me até ao Centro Cultural de Olival Basto. Ainda bem que o fiz.
O “Zé do Telhado”, escrito e encenado por Fernando Gomes, com um elenco de que fazem parte Carlos Macedo, Elsa Galvão, Fernando Gomes, Isabel Ribas, José Nobre, Luís Pacheco, Paula Fonseca e Rui Raposo, é um espectáculo a não perder.
“Zé do Telhado” é uma daquelas personagens que me fascinam desde miúdo. Vi o filme com Vergílio Teixeira, algumas peças de teatro já foram escritas sobre ele, como a de Hélder Costa, há vários livros que comprei sobre a figura do salteador e ladrão que se tornou conhecido com esta alcunha, mas tinha o nome de José Teixeira da Silva, nascera a 22 de Junho de 1818 na Aldeia de Castelães, Comarca de Penafiel, filho de um capitão de ladrões e bem instalado no meio de uma família que fazia do ofício de extorquir haveres ao próximo uma arte. Ficou conhecido como um lendário “Robin Hood portugês” por "roubar aos ricos para dar aos pobres" e será seguramente um dos mais famosos salteadores portugueses do século XIX, chefe da mais temível quadrilha do Marão, que executou um grande número de assaltos em todo o norte de Portugal entre 1842 e 1859.
Também nos amores a vida não foi fácil, e a peça de Fernando Gomes testemunha-o. A 3 de Fevereiro de 1845 casou-se com a sua prima Anna Lentina de Campos, depois de muito contrariado pelos tios. Teve cinco filhos deste matrimónio. Em 31 de Março de 1859, Zé do Telhado foi apanhado pelas autoridades que o perseguiam há muito, quando tentava fugir para o Brasil, e foi preso na Cadeia da Relação, onde esteve lado a lado com Camilo Castelo Branco, que, em “Memórias do Cárcere”, lhe dedica o capitulo 26. Em 27 de Abril de 1861 foi condenado a degredo em África, tendo vivido em Malange, onde se fez negociante de borracha, cera e marfim, e se casou com uma angolana, de nome Conceição, de quem teve mais três filhos. Morreu de varíola em 1875.
O espectáculo criado por Fernando Gomes, e por ele encenado, com a companhia “Klássikus”, parte desse capítulo 26 que Camilo dedica a José do Telhado em "Memórias do Cárcere", mas voa livremente para uma comédia musical, cheia de fantasia e imaginação, extremamente divertida, tendo por base a verdade histórica, é certo, mas arrancando dela se for caso disso. A produção explica que "quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto", e por isso “este espectáculo não pretende ser um documento histórico mas um fantasioso divertimento, uma "biografia não autorizada de Zé do Telhado" segundo Camilo Castelo Branco”.
De resto, a encenação é excelente, num estilo popular e jocoso. Faz lembrar “uma récita de amadores”, mas executada por profissionais conscientes do que estão a fazer e que se divertem à brava com o facto. O texto não se esquece de piscar o olho a uma crítica social actual, mas também não vai ao ponto de fazer o elogio destemperado da ladroagem. Mostra como roubar se tornou actividade sistemática e produtiva, mas julgada de forma diferente, consoante é obra de poderosos ou de arraia miúda e sublinha o facto de Zé do Telhado ser “um bom malandro”, de piedoso coração, pois não roubava só para si, mas era “um ladrão de classe” (roubava em nome dos pobres). De resto, “um ladrão pequenino”, porque por estas bandas tudo é “em pequenino”. “Nem para ladrões temos direitos a grandes épicos.” Fernando Gomes é ainda um óptimo actor, chefiando um conjunto muito homogéneo. Os “números” musicais são divertidíssimos. E agora um apontamento muito pessoal: o “Zé do Telhado” é interpretado, e muito bem, por Carlos Macedo que, em 1980, era ele um puto, foi o Amílcar na minha “Manhã Submersa”. Um grande abraço Carlos, e um forte aplauso. Do “Mão Negra” para o “Zé do Telhado”, não largas os salteadores justiceiros.

ZÉ DO TELHADO
Texto e Encenação: Fernando Gomes; Cenografia e Adereços: Natércia Costa; Figurinos: Manuel Moreira; Design Gráfico: Armando Vale; Fotografia: Margarida Nunes; Interpretação: Carlos Macedo, Elsa Galvão, Fernando Gomes, Isabel Ribas, José Nobre, Luís Pacheco, Paula Fonseca, Rui Raposo; Uma co-produção: Klássikus / Teatro da Malposta; Maiores de 12 anos
Teatro da Malaposta: R. de Angola – Olival Basto (Metro linha Amarela Sr. Roubado); Marcações: 21 938 31 00; Espectáculos (até 28 de Janeiro): Quinta a Sábado às 21h30, Domingo às 16h00.

10 comentários:

  1. Caro Lauro António, esta peça não foi, em tempos idos, também levada à cena pelo TAS - Teatro de Animação de Setúbal ?

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  2. Referia-me à " Encenação " ( da sua autoria )...

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  3. Foi, sim. Eu encenei a "Encenação" no TAS. Viste?
    Um beijo. LA

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  4. E que tal a recordação? Não é má de todo? Beijo.

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  5. Recordações muito boas ! Por variadas razões ... que envolveram toda esta realização teatral,

    para mais tarde recordar ...

    Um beijo ao autor

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  6. As coisas que desconheço...Pois então, uma peça de teatro?
    Gostava de falar consigo a esse respeito! Interessa-me!

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  7. Patricia: quando quiser. já sabe, é só ligar. Beijo

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  8. Um grande abraço do Carlos Macedo (amilcar!). Foi pena não nos termos cruzado. Fica para próxima; ou para breve. Estás sempre na minha memória. Até sempre.

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