Resumindo e concluindo, nada de muito inesperado. 5 estatuetas para “O Artista” e outras 5 para “A Invenção de Hugo”, mas com a ressalva de o primeiro ter arrecadado três das mais cobiçadas estatuetas. Depois, e tal como se previa, distribui-se o bem pelas aldeias. Aqui fica o relatório final.
(Não é para me gabar mas acertei em quase tudo.)
5 Oscars O ARTISTA
Melhor filme / Thomas Langmann
Melhor realização / Michel Hazanavicius
Melhor actor / Jean Dujardin
Melhor música original / Ludovic Bource
Melhor guarda-roupa / Mark Bridges
5 Oscars A INVENÇÃO DE HUGO
Melhor fotografia / Robert Richardson
Melhor direcção artística / Dante Ferretti (Design de produção); Francesca Lo Schiavo (Decoração)
Melhor som / Philip Stockton e Eugene Gearty
Melhor sonoplastia / Tom Fleischman e John Midgley
Melhores efeitos visuais / Rob Legato, Joss Williams, Ben Grossman e Alex Henning
2 Oscars A DAMA DE FERRO
Melhor actriz / Meryl Streep
Melhor maquilhagem / Mark Coulier and J. Roy Helland
1 Oscar OS DESCENDENTES
Melhor argumento adaptado / Alexander Payne e Nat Faxon & Jim Rash
1 Oscar MEIA NOITE EM PARIS
Melhor argumento original / Woody Allen
1 Oscar ASSIM É O AMOR
Melhor actor num papel secundário / Christopher Plummer
1 Oscar AS SERVIÇAIS
Melhor actriz num papel secundário / Jessica Chastain
1 Oscar UMA SEPARAÇÃO
Melhor filme em língua não inglesa/ Irão / Asghar Farhadi
1 Oscar RANGO
Melhor filme de animação / / Gore Verbinski
1 Oscar MILLENIUM 1 - OS HOMENS QUE ODEIAM AS MULHERES
Melhor montagem / Kirk Baxter e Angus Wall
1 Oscar OS MARRETAS
Melhor canção original / "Man or Muppet" / Música e poema de Bret McKenzie
1 Oscar UNDEFEATED
Melhor longa-metragem documental / / TJ Martin, Dan Lindsay e Richard Middlemas
1 Oscar SAVING FACE
Melhor curta-metragem documental / Daniel Junge e Sharmeen Obaid-Chinoy
1 Oscar THE FANTASTIC FLYING BOOKS OF MR. MORRIS LESSMORE
Melhor curta-metragem de animação / William Joyce e Brandon Oldenburg
1 Oscar THE SHORE
Melhor curta-metragem de ficção / Terry George e Oorlagh George
E lá vem o jogo do ano, que tem muito que contar, antecipando o que podem ser os triunfadores de mais uma noite de Oscars. Na lista abaixo publicada, assinalo a verde os que eu gostaria de ver premiados e a vermelho os que penso ganharam. Quando coincidem, prevalece o vermelho. A laranja os hipotéticos, quando os houver. Há categorias de que desconheço todos os nomeados e onde não faço qualquer tipo de prognóstico. A ver vamos quem ganha no final. Mas não me parece que seja ano para um filme ganhar muitos Oscars. A distribuição pelas aldeias afigura-se-me o mais provável.
Melhor filme The Artist / Thomas Langmann The Descendants /Jim Burke, Alexander Payne e Jim Taylor Extremely Loud & Incredibly Close / Scott Rudin The Help / Brunson Green, Chris Columbus e Michael Barnathan Hugo / Graham King e Martin Scorsese Midnight in Paris / Letty Aronson e Stephen Tenenbaum Moneyball / Michael De Luca, Rachael Horovitz e Brad Pitt The Tree of Life / produtor a determinar War Horse / Steven Spielberg e Kathleen Kennedy Melhor realização The Artist / Michel Hazanavicius The Descendants / Alexander Payne Hugo / Martin Scorsese Midnight in Paris / Woody Allen The Tree of Life / Terrence Malick Melhor argumento adaptado The Descendants / Alexander Payne e Nat Faxon & Jim Rash Hugo / John Logan The Ides of March / George Clooney & Grant Heslov e Beau Willimon Moneyball / Steven Zaillian eAaron Sorkin. História de Stan Chervin Tinker Tailor Soldier Spy / Bridget O'Connor & Peter Straughan Melhor argumento original The Artist / Michel Hazanavicius Bridesmaids / Annie Mumolo e Kristen Wiig Margin Call / J.C. Chandor Midnight in Paris / Woody Allen A Separation / Asghar Farhadi Melhor actor Demián Bichir / A Better Life George Clooney / The Descendants Jean Dujardin / The Artist Gary Oldman / Tinker Tailor Soldier Spy Brad Pitt / Moneyball Melhor actriz Glenn Close / Albert Nobbs Viola Davis / The Help Rooney Mara / The Girl with the Dragon Tattoo Meryl Streep / The Iron Lady Michelle Williams / My Week With Marilyn Melhor actor num papel secundário Kenneth Branagh / My Week With Marilyn Jonah Hill / Moneyball Nick Nolte / Warrior Christopher Plummer / Beginners Max von Sydow / Extremely Loud and Incredibly Close Melhor actriz num papel secundário Bérénice Bejo / The Artist Jessica Chastain / The Help
Melissa McCarthy / Bridesmaids
Janet McTeer / Albert Nobbs Octavia Spencer / The Help Melhor filme em língua não inglesa Bélgica, "Bullhead" / Michael R. Roskam Canadá, "Monsieur Lazhar" / Philippe Falardeau Irão, "A Separation" / Asghar Farhadi Israel, "Footnote" / Joseph Cedar Polónia, "In Darkness" / Agnieszka Holland Melhor filme de animação A Cat in Paris / Alain Gagnol e Jean-Loup Felicioli Chico & Rita / Fernando Trueba e Javier Mariscal Kung Fu Panda 2 / Jennifer Yuh Nelson Puss in Boots / Chris Miller Rango / Gore Verbinski Melhor fotografia The Artist / Guillaume Schiffman The Girl With The Dragon Tattoo / Jeff Cronenweth Hugo / Robert Richardson The Tree of Life / Emmanuel Lubezki War Horse / Janusz Kaminski Melhor montagem The Artist / Anne-Sophie Bion e Michel Hazanavicius The Descendants / Kevin Tent The Girl with the Dragon Tattoo / Kirk Baxter e Angus Wall Hugo / Thelma Schoonmaker Moneyball / Christopher Tellefsen Melhor direcção artística The Artist /Laurence Bennett (Design de produção); Robert Gould (Decoração) Harry Potter and the Deathly Hallows Part 2 / Stuart Craig (Design de produção); Stephenie McMillan (Decoração) Hugo / Dante Ferretti (Design de produção); Francesca Lo Schiavo (Decoração) Midnight in Paris / Anne Seibel (Design de produção); Hélène Dubreuil (Decoração) War Horse /Rick Carter (Design de produção); Lee Sandales (Decoração) Melhor guarda-roupa Anonymous / Lisy Christl The Artist / Mark Bridges Hugo / Sandy Powell Jane Eyre / Michael O'Connor W.E. / Arianne Phillips Melhor música original The Adventures of Tintin / John Williams The Artist / Ludovic Bource Hugo / Howard Shore Tinker Tailor Soldier Spy / Alberto Iglesias War Horse / John Williams Melhor canção original "Man or Muppet", de “The Muppets” / Música e poema de Bret McKenzie “Real in Rio”, de “Rio” / Música de Sergio Mendes e Carlinhos Brown; poema de Siedah Garrett Melhor som Drive / Lon Bender e Victor Ray Ennis The Girl with the Dragon Tattoo / Ren Klyce Hugo / Philip Stockton e Eugene Gearty Transformers: Dark of the Moon / Ethan Van der Ryn e Erik Aadahl War Horse / Richard Hymns e Gary Rydstrom Melhor sonoplastia The Girl with the Dragon Tattoo / David Parker, Michael Semanick, Ren Klyce e Bo Persson Hugo / Tom Fleischman e John Midgley Moneyball / Deb Adair, Ron Bochar, Dave Giammarco e Ed Novick Transformers: Dark of the Moon / Greg P. Russell, Gary Summers, Jeffrey J. Haboush e Peter J. Devlin War Horse / Gary Rydstrom, Andy Nelson, Tom Johnson e Stuart Wilson Melhor maquilhagem Albert Nobbs / Martial Corneville, Lynn Johnston and Matthew W. Mungle Harry Potter and the Deathly Hallows Part 2 / Nick Dudman, Amanda Knight and Lisa Tomblin The Iron Lady / Mark Coulier and J. Roy Helland Melhores efeitos visuais Harry Potter and the Deathly Hallows Part 2 / Tim Burke, David Vickery, Greg Butler e John Richardson Hugo / Rob Legato, Joss Williams, Ben Grossman e Alex Henning Real Steel / Erik Nash, John Rosengrant, Dan Taylor e Swen Gillberg Rise of the Planet of the Apes / Joe Letteri, Dan Lemmon, R. Christopher White e Daniel Barrett Transformers: Dark of the Moon / Dan Glass, Brad Friedman, Douglas Trumbull e Michael Fink Melhor longa-metragem documental Hell and Back Again / Danfung Dennis e Mike Lerner If a Tree Falls: A Story of the Earth Liberation Front / Marshall Curry e Sam Cullman Paradise Lost 3: Purgatory / Joe Berlinger e Bruce Sinofsky Pina / Wim Wenders e Gian-Piero Ringel Undefeated / TJ Martin, Dan Lindsay e Richard Middlemas Melhor curta-metragem documental The Barber of Birmingham: Foot Soldier of the Civil Rights Movement / Robin Fryday e Gail Dolgin God is the Bigger Elvis / Rebecca Cammisa e Julie Anderson Incident in New Baghdad / James Spione Saving Face / Daniel Junge e Sharmeen Obaid-Chinoy The Tsunami and the Cherry Blossom / Lucy Walker e Kira Carstensen Melhor curta-metragem de animação Dimanche/Sunday / Patrick Doyon The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore / William Joyce e Brandon Oldenburg La Luna / Enrico Casarosa A Morning Stroll / Grant Orchard e Sue Goffe Wild Life / Amanda Forbis e Wendy Tilby Melhor curta-metragem de ficção Pentecost / Peter McDonald e Eimear O'Kane Raju / Max Zähle e Stefan Gieren The Shore / Terry George e Oorlagh George Time Freak / Andrew Bowler e Gigi Causey Tuba Atlantic / Hallvar Witzø
“A Invenção de Hugo Cabret” ("The Invention of Hugo Cabret"), de Brian Selznick, é um livro magnífico, reunindo de forma muito cinematográfica (ou não fosse o autor da família de David O. Selznick), texto e ilustrações, sobretudo estas lindíssimas, no seu preto e branco depurado. Conta a história de Hugo Cabret, um miúdo que vive escondido nos bastidores dos mecanismos de relojoaria de uma estação de caminhos-de-ferro de Paris, na década de 30 do século passado. Nessa mesma estação existe uma loja de brinquedos e guloseimas, propriedade de um tal senhor George, a quem Hugo vai furtando uns brinquedos e umas ferramentas, para concertar um robot que herdara do pai, relojoeiro e empregado do museu de cinema, que um dia morre num incêndio. O miúdo acha que o pai lhe deixou uma mensagem secreta no interior daquele robot, cuja principal característica é escrever, e que ele salvara da sucata do museu. As peripécias são muitas, até se chegar à conclusão de que o robot tinha sido construído pelo tal senhor George, que não é outro senão George Méliès, um dos pais do cinematógrafo, e o primeiro que intuíra que o cinema era a fábrica de sonhos que hoje povoa o imaginário das plateias de todo o mundo. O livro é uma homenagem a esse pioneiro e um hino de amor ao cinema.
Foi este livro que esteve na base de “Hugo”, filme de Martin Scorsese, que neste momento disputa os Oscars de 2012, referentes a filmes estreados no ano de 2011. Digo desde já que, entre os nomeados para melhor filme, este é o meu favorito. Mas adianto mais. Acho que “A Árvore da Vida”, de Terrence Malick, seria outro dos meus favoritos, mas reconheço que não tem hipóteses nenhumas, dada a sua experimentação e arrojo formal. Também acredito que o triunfador da noite será “O Artista”, apesar de admitir que, sendo um filme simpático e divertido, não passa de uma flute de champanhe, que se esvai com as borbulhas de satisfação que provoca momentaneamente. Curiosamente, sendo “O Artista” e “Hugo” duas homenagens ao cinema, e ao cinema mudo, a obra de Scorsese tem uma densidade e um alcance que a de Michel Hazanavicius nem de perto nem de longe logra. Mas tudo indica que “O Artista” saia triunfante do Oscar de melhor filme e talvez também o de melhor realizador.
Voltando a “Hugo”, há que referir que se trata de uma belíssima reconstituição não direi histórica mas emotiva de um tempo e de uma certa cinefilia. Como se sabe, Martin Scorsese é não só um grande cineasta, um dos maiores vivos do cinema mundial, como ainda um cinéfilo obstinado que muito tem feito pela divulgação e preservação da história do cinema americano e mundial. A ele se devem séries magníficas sobre a história do cinema e do cinema italiano, como ainda campanhas em defesa do restauro e da conservação dos clássicos da cinematografia mundial. É um bom exemplo neste campo, inclusive produzindo e distribuindo na América e no mundo obras de cineastas que admira.
“Hugo” é apenas um prolongamento desta sua actividade e deste seu sentir. Ama o cinema, e esse amor sente-se em cada imagem de “Hugo”. Um dos aspectos que julgo mais conseguidos desta obra é a forma como ela se integra no espírito do cinema de fantasia e sonho que procura evocar. Ao assistir à projecção do filme, em 3D (indispensável vê-lo em 3D), participamos desse clima de magia e de arrojo técnico que fez (e faz) as delícias de quem conhece a obra de Méliès. Entre o ilusionismo do prestidigitador e a inocência do pioneiro, “Hugo” devolve-nos esse espaço de encantamento, enquanto em simultâneo nos vai conduzindo ao longo de uma pequena lição de história de cinema.
Mas este percurso de “Hugo” cruza-se com um outro, que é igualmente muito interessante e que completa muito bem o anterior. A história de Hugo Cabret e as suas aventuras e desventuras (aventuras desejadas por Hugo e a sua amiga Isabelle, desventuras com a sua condição de órfão, pobre, perseguido, ameaçado com a prisão e o orfanato, etc.) assemelha-se em muito a uma intriga de Charles Dickens, trocando o cenário londrino do século XIX pelo parisiense dos anos 30, com todo o seu pitoresco. Acrescente-se que o tom parisiense é muito bem captado, o que não deixa de ser curioso se cruzado com o “Artista”. O filme de Michel Hazanavicius é uma produção franco-belga, em grande parte filmada na América, e consegue reproduzir muito bem o clima norte-americano, enquanto, pelo contrário, “Hugo”, uma produção americana, parcialmente rodada em Paris, logra igual consistência nessa reconstituição de uma época e de um clima parisiense. Filmes que se cruzam, ambos exaltando a grandiosidade do cinema “mudo”.
De resto, “Hugo” conta com um apurado sentido estético e técnico. Fotografia, direcção artística, guarda-roupa, som, partitura musical são de altíssima qualidade e servem na perfeição as intenções da obra, bem assim como o excelente aproveitamento das 3D, aqui utilizadas não para atirar à cara do espectador efeitos espectaculares, mas para criar uma tridimensionalidade de planos que resulta muito bem. As personagens soltam-se dos cenários, criam espaços entre si, e introduzem alguma novidade neste processo que, até agora, quase só tem servido para “épater le bourgeois”. Na interpretação, Ben Kinglsey é um Méliès brilhante, e Sacha Baron Cohen um inesquecível inspector de polícia. Asa Butterfield não será um Hugo Cabret marcante, mas Chloë Grace Moretz destaca-se na sua composição de Isabelle. De resto, todos os restantes actores conseguem integrar-se bem no tom do projecto, desde Jude Law a Johnny Deep, numa furtiva composição de um músico.
A INVENÇÃO DE HUGO
Título original: Hugo
Realização: Martin Scorsese (EUA, 2011); Argumento: John Logan, segundo obra de Brian Selznick ("The Invention of Hugo Cabret"); Produção: David Crockett, Barbara De Fina, Christi Dembrowski, Johnny Depp, Tim Headington, Georgia Kacandes, Graham King, Charles Newirth, Martin Scorsese, Emma Tillinger Koskoff; Música: Howard Shore; Fotografia (cor): Robert Richardson; Montagem: Thelma Schoonmaker; Casting: Ellen Lewis; Design de produção: Dante Ferretti; Direcção artística: Alastair Bullock, Dimitri Capuani, Steve Cárter, Stéphane Cressend, Martin Foley, Christian Huband, Stuart Rose, Luca Tranchino, David Warren, Ashley Winter; Decoração: Francesca Lo Schiavo; Guarda-roupa: Sandy Powell; Maquilhagem: Jan Archibald, Ann Buchanan, Nicola Buck, Morag Ross; Direcção de Produção: David Bell, Georgia Kacandes, Angus More Gordon, Scott Rudolph, Donald H. Walker; Assistentes de realização: Mallorie Ballestra-Duquesnoy, Tania Gordon, Richard Graysmark, Robert Legato, Guilhem Malgoire; Departamento de arte: Loïc Chavanon, Stéphane Cressend, Laura Dishington, Dominic Sikking, Delis Valerie; Som: John Midgley, Philip Stockton, Clémence Stoloff; Animação: Ana Maria Alvarado; Efeitos especiais: Jess Lewington, Alistair Williams, Joss Williams; Efeitos visuais: Matt Akey, Anjel Alcaraz, Katrina Barton, Tyler Bennink, Tom Driscoll, Brenda Finster, Trevor Graciano, Danny Huynh, David Ireland, Keith Kolod, Jason Kolowski, Robert Legato, Brendan Llave, Tyler Marino, Erasmo Romero, Jared Sandrew, Jakris Smittant, Julia Smola, Loicia Ware; Companhias de produção: Paramount Pictures, GK Films, Infinitum Nihil; Intérpretes: Ben Kingsley (Georges Méliès), Sacha Baron Cohen (Inspector da estação), Asa Butterfield (Hugo Cabret), Chloë Grace Moretz (Isabelle), Ray Winstone (Tio Claude), Emily Mortimer (Lisette), Christopher Lee (Monsieur Labisse), Helen McCrory (Mama Jeanne), Michael Stuhlbarg (Rene Tabard), Frances de la Tour (Madame Emilie), Richard Griffiths (Monsieur Frick), Jude Law (pai de Hugo), Kevin Eldon (policia), Gulliver McGrath, Shaun Aylward, Emil Lager, Angus Barnett, Edmund Kingsley, Max Wrottesley, Marco Aponte, Ben Addis (Salvador Dali), Robert Gill (James Joyce), Ed Sanders, Terence Frisch, Max Cane, Frank Bourke, Stephen Box, Mihai Arsene, Eric Haldezos, Johnny Depp, Martin Scorsese (fotógrafo), Brian Selznick (estudante), etc. e excertos de filmes de Charles Chaplin, Douglas Fairbanks, Buster Keaton, Harold Lloyd, etc. Duração: 126 minutos; Distribuição em Portugal: Zon Lusomundo Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 16 de Fevereiro de 2012.
Portugal conquista dois prémios no Festival de Cinema de Berlim "Tabu", de Miguel Gomes, ganha o prémio Alfred Bauer para a Melhor Inovação Artística e "Rafa", de João Salaviza, alcança o Urso de Ouro para a Melhor Curta-Metragem.
O prémio Alfred Bauer, em memória do fundador do Festival de Cinema de Berlim, atribuído a "Tabu", de Miguel Gomes, marca o reaparecimento, ao fim de 12 anos, de uma longa-metragem portuguesa nesta competição berlinense.
"Tabu" tem como protagonistas Ana Moreira, Carloto Cotta, Teresa Madruga, Laura Soveral, Isabel Cardoso, Henrique Espírito Santo. Recorde-se que ontem "Tabu" conquistara o Prémio da Critica Internacional no mesmo festival.
Entretanto, "Rafa", de João Salaviza, foi premiado com o Urso de Ouro para a Melhor Curta-Metragem, e conta nos papéis principais com Joana de Verona e Rodrigo Perdigão.
O júri do festival era constituído por oito jurados, presidido pelo realizador inglês Mike Leigh, e intregava a actriz francesa Charlotte Gainsbourg, o cineasta francês François Ozon e o iraniano Asghar Farbadi, de "A Separação".
Depois digam mal da cultura e do cinema português. Se temos orgulho nalgumas “coisas” portuguesas, não é seguramente na política e na economia. Mas continuem a cortar no essencial, e a desperdiçar no supérfluo.
O SCP voltou a enviar para casa mais um treinador. Nada de novo, nada de surpreendente.
Na verdade, desde Paulo Bento que nada corre menos mal ao SCP. Digo menos mal, e não bem, porque nem com Paulo Bento se ganhou o campeonato. Mas jogava-se alguma coisa e ficava-se em segundo, o que, vistas as coisas em perspectiva, não era nada mau.
Depois, veio este turbilhão de treinadores e o maremoto de jogadores que entram e saem, muitos deles quase sem se dar por eles. Muitos até seria melhor não se dar por eles, mas dá-se.
Há muita coisa mal no SCP. Desde há muito tempo. Esta nova direcção terá parecido trazer algum alento, mas foi sol de pouca duração. A paciência não é muita. Nem para um Domingos Paciência que me parece um bom treinador com futuro garantido à sua frente. Mas, já que falamos de Paciência, coloca-se, desde logo, uma questão que me persegue desde a sua vinda para o SCP. Há muita coisa estranha neste mundo da bola. Contratar um treinador que está a treinar uma equipa concorrente para o terceiro lugar, antes de um jogo decisivo entre ambas, como aconteceu no passado final da época? Será lícito? Não andará por aqui um pouco de falta de ética?
Logo a seguir outra questão: contratar um treinador que se sabe ter sido enquanto jogador um símbolo de um clube rival? Não ponho em dúvida a honestidade de Paciência, mas alguém contrataria o Toni ou o Humberto Coelho como treinador do Sporting? Não está e causa nem o prestígio nem a idoneidade de cada um deles. Está em causa algo que se situa um pouco acima desses considerandos – os símbolos são para se respeitar, lá onde devem estar. Ou seja: nos seus clubes predilectos. Acha-se mal que um jogador mude de clube, mas de um treinador já se aceita tudo?
Quanto mais não seja para evitar especulações, como as que já por aí grassam, não me parece boa política. Nem para os clubes, nem para os treinadores. Nem para sócios e adeptos. Claro que falo somente ao nível dos três grandes (onde ainda incluo o meu SCP) dada a rivalidade existente e que é bem acesa.
Sá Pinto é uma boa hipótese? Pode ser que sim ou que não, mas pode ser uma má hipótese com duas contrapartidas: não vingar nos seniores e perder-se o seu trabalho, que se julgo bom, nos juniores.
Que esperar do futuro próximo? Julgo que com um ou outro retoque o SCP tem nesta altura um plantel promissor. Na defesa está o seu calcanhar de Aquiles, com centrais que não convencem. Para mim, e de longe, o melhor central do SCP é o Polga, apesar de uma vez por outra dar as suas fífias. Mas quem as não dá? Só que ao Polga nada se perdoa e as assobiadelas dos sócios em Alvalade fazem regra de ouro. Já o simpático Capitão América pode ser um bom “pinheiro” para caso de força maior, mas a jogar a avançado de centro, nunca como central, onde só acerta por alto, quando acerta. Não vejo qualquer razão para Rodriguez estar no SCP. O recém chegado Xandão deu boas indicações. Acertada a defesa, creio que, no resto, basta ter os jogadores operacionais (outro problema do SCP: por quê tantas lesões?) e colocá-los nos sítios certos. Os resultados virão. Com paciência ou sem Paciência.
Mas há que dar algum tempo ao tempo, dizem. A equipa é jovem e tem de se impor. Mas há outro problema: quando os jovens se começam a impor e a equipa a revelar algum conjunto, lá surgem os agentes e intermediários que os vendem a torto e a direito, como é uso e costume.
A verdade é que o SCP poderia ter uma equipa das melhores do mundo, se tivesse mantido as jóias da coroa. Podia até jogar ao meio dia para poder ser vista na China.
Nunca fui um entusiasta de Margaret Thatcher, logo não serei alguém muito próximo deste projecto. Mas, curiosamente, e talvez dando razão ao meu afastamento desta primeira-ministra britânica, “The Iron Lady” parece manter algumas curiosas afinidades entre a política desta “dama de ferro” conservadora e o que está a acontecer presentemente na Europa, governada com mão de ferro por outra dama, esta a alemã Merkel – a defesa de uma política de austeridade em nome do equilíbrio das contas públicas, em ambos os casos caindo sobre os mais pobres e a massa trabalhadora o ónus de pagar a conta. Este é, todavia, um aspecto lateral ao filme em questão, uma obra certamente idealizada para servir de veículo ao trabalho de uma actriz, Meryl Streep, com quem a realizadora Phyllida Lloyd já havia trabalhado na sua película de estreia, a divertida “Mamma Mia!”. Posto isto, deve dizer-se que a interpretação de Meryl Streep é excelente, mas também vos devo dizer, em abono da verdade e para ser honesto comigo mesmo, que já a vi muito melhor, em papéis que deram menos nas vistas. Esta é uma composição de encher o olho, muito bem conseguida é certo, mas nem por isso a melhor da carreira desta fulgurante actriz. Mas uma interpretação vistosa, daquelas a que os votantes dos Oscars não costumam resistir.
Se a interpretação é boa, o resto é uma lástima. A estrutura do argumento, estilo salta-pocinhas, agora presente com a senhora perto da morte, velha, doente, alucinada, logo a seguir jovem empregada de mercearia, promissora deputada, leader dos Conservadores ou Primeira Ministra, não convence pelo artificialismo. Esta técnica do flash-back desaustinado não leva a bom porto. A realização é absolutamente nula, a interpretação da figura histórica inexistente, o jogo de ilusão que se estabelece entre Margaret Thatcher e as suas visões de Dennis, o falecido marido, pouco menos que confrangedor, e o resultado final não anda longe da biografia incompleta, descentrada, melodramática e, por tudo isso, insignificante. Pena ver-se esbanjar tanto talento de Streep numa tal empreitada sem alicerces convincentes. Phyllida Lloyd confirma o princípio de Peter: divertida em “Mamma Mia!”, indigesta em “The Iron Lady”.
A DAMA DE FERRO Título original: The Iron Lady Realização: Phyllida Lloyd (Inglaterra, França, 2011); Argumento: Abi Morgan; Produção: François Ivernel, Damian Jones, Adam Kulick, Cameron McCracken, Anita Overland, Tessa Ross, Colleen Woodcock; Música: Thomas Newman; Fotografia (cor): Elliot Davis; Montagem: Justine Wright; Casting: Nina Gold; Design de produção: Simon Elliott; Direcção artística: Bill Crutcher, Nick Dent; Decoração: Annie Gilhooly; Guarda-roupa: Consolata Boyle; Maquilhagem: Marese Langan; Direcção de Produção: Bobby Prince, Michael Solinger, Sarah Wheale; Assistentes de realização: Chris Foggin, Guy Heeley, Charlie Reed; Departamento de arte: Philip Elton; Som: Nigel Stone; Efeitos especiais: Neal Champion; Efeitos visuais: Angela Barson; Companhias de produção: Film4, UK Film Council, Canal+, CinéCinéma, Goldcrest Pictures, DJ Films, Pathé; Intérpretes: Meryl Streep (Margaret Thatcher), Jim Broadbent (Denis Thatcher), Susan Brown (June), Alice da Cunha (Cleaner), Phoebe Waller-Bridge (Susie), Iain Glen (Alfred Roberts), Alexandra Roach (Margaret Thatcher, em jovem), Victoria Bewick (Muriel Roberts), Emma Dewhurst (Beatrice Roberts), Olivia Colman (Carol Thatcher), Harry Lloyd (Denis Thatcher, em jovem), Sylvestra Le Touzel, Michael Culkin, Stephanie Jacob, Robert Portal, Richard Dixon, Amanda Root, Clifford Rose, Michael Cochrane, Jeremy Clyde, Michael Simkins, etc. Duração: 105 minutos; Distribuição em Portugal: PRIS Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 9 de Fevereiro de 2012.
Veio do Irão, possivelmente, o melhor filme estreado em Portugal durante o ano de 2011. Chama-se “Uma Separação” e é uma pequena obra-prima que surpreende pela precisão da escrita do argumento, pela eficácia da realização, pela segurança da interpretação, pela ironia amarga que destila, pela serenidade expositiva, pela habilidade escolhida na forma como critica uma sociedade, sem demagogia, mas com cuidada pertinácia. Um exemplo para qualquer pequena cinematografia que se preze e que pode disputar um Oscar de melhor filme em língua não inglesa e ganhá-lo (quase de certeza). O cineasta iraniano Asghar Farhadi não era ainda conhecido em Portugal, apesar de nos dizerem que realizou em 2009 um outro filme merecedor de todos os encómios, e que cujo título se poderia traduzir, em português, por “À Procura de Elly”. “Uma Separação”, sua obra seguinte, vence o Festival de Berlim, e foi nomeado para duas categorias de Oscars, “melhor filme em língua não inglesa” e “melhor argumento original”. Como já se disse, o argumento de “Uma Separação” é extremamente inteligente e bem urdido, partindo de um acontecimento aparentemente sem significado especial, a não ser para os intervenientes: Naader (Peyman Moaadi) e Simin (Leila Hatami) são um casal que vive em comum há anos, têm uma filha de onze anos, Termeh (Sarina Farhadi, filha do realizador), mas resolvem divorciar-se. O filme começa mesmo com um plano frontal dos dois invocando as razões para o divórcio, perante um juiz (em off, que se assume como os olhos do espectador). Ela quer o divórcio porque se lhe afigura difícil viver no Irão, quer abandonar o país, e tem uma licença para o fazer que espira dentro de 40 dias. Desconhecem-se as razões específicas para esta opção, mas depreendem-se. Ele, por sua vez, não pode abandonar Teerão, tem o velho pai doente, acamado, com Alzheimer, e acha desumano abandoná-lo.
Na impossibilidade de deixar o país com a filha, para o que necessita do acordo do pai, Simin sai de casa. Só com a filha, mas necessitando ambos de se ausentarem de casa, para o trabalho e o estudo, Naader contrata uma empregada, Razieh (Sareh Bayat), para tomar conta do pai. Mas esta atravessa igualmente um mau período, preocupada com vários problemas, está grávida, o marido desempregado e com dívidas que tem de pagar, e não pode dizer-lhe que trabalha fora. Problemas religiosos agravam a questão. Um dia, Naader regressa a casa, encontra o pai caído no chão, amarrado a um móvel, e de Razieh nem sombra. Quando esta aparece, travam-se de razões, e Naader despede a empregada e empurra-a para fora de casa. Razieh acaba por abortar e culpa o incidente, levando Naader a tribunal, no que é suportada por Hodjat (Shahab Hosseini), o seu impulsivo marido. Há aspectos desta obra que relembram algum neo-realismo, pela forma como aborda temas sociais do dia a dia, procurando retirar deles conclusões sociais mais abrangentes, ainda que o recurso a actores profissionais e os métodos de filmagem apontem para outras estéticas mais clássicas. Mas sente-se a preocupação de desenhar os contornos de uma sociedade onde a religião adquire um peso comportamental indesmentível e de analisar certas instituições iranianas, sem as afrontar directamente, mas colhendo reflexos da sua ineficácia, desde a saúde à justiça, do trabalho à educação. A verdade oculta-se para se poder sobreviver, e só a jura sobre o Alcorão parece infundir um receio irremediável.
Se o argumento é engenhoso e sempre cativante, acompanhando-se com o interesse de um caso policial, a realização é magnifica de sobriedade e delicadeza, sem nunca sobrecarregar o significado, acreditando na inteligência do espectador para ser ele próprio a retirar as conclusões que se impõem. A qualidade técnica é excelente e o trabalho dos actores magnífico, valorizando de sobremaneira o conjunto. Asghar Farhadi assume-se como um dos grandes cineastas contemporâneos, chamando a atenção para uma cinematografia que já sabíamos, por outras provas dadas, de grande qualidade, mas aqui refinada por esta manifestação de maturidade. A não perder.
UMA SEPARAÇÃO Título original: Jodaeiye Nader az Simin
Realização: Asghar Farhadi (Irão, 2011); Argumento: Asghar Farhadi; Produção: Negar Eskandarfar, Asghar Farhadi; Música: Sattar Oraki; Fotografia (cor): Mahmoud Kalari; Montagem: Hayedeh Safiyari; Design de produção: Keyvan Moghaddam; Maquilhagem: Mehrdad Mirkiani; Assistentes de realização: Hamid Reza Ghorbani; Som: Mahmoud Samakbashi; Companhias de produção: Asghar Farhadi; Intérpretes: Peyman Maadi (Nader), Leila Hatami (Simin), Sareh Bayat (Razieh), Shahab Hosseini (Hodjat), Sarina Farhadi (Termeh), Merila Zare'i (Miss Ghahraii), Ali-Asghar Shahbazi (pai de Nader), Babak Karmi, Kimia Hosseini, Shirin Yazdanbakhsh, Sahabanu Zolghadr, Mohammadhasan Asghari, Shirin Azimiyannezhad, Hamid Dadju, Mohammad Ebrahimian, Samad Farhang, Ali Fattahi, Nafise Ghodrati, Roya Hosseini, Seyyed Jamshid Hosseini, Hamid Janane, Sahar Kave, Seyyd Hamid Mirshams, Manuchehr Mohammadzade, etc. Duração: 123 minutos; Distribuição em Portugal: Alambique Destilaria de Ideias Unipessoal; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 15 de Dezembro de 2011.
“O Artista” foi uma das grandes surpresas do ano passado e encontra-se agora a disputar todos os grandes prémios internacionais, dos Globos aos Oscars, depois de ter passado fulgurantemente pelo Festival de Cannes. Trata-se de uma produção franco-belga, em grande parte rodada nos EUA, que tem tudo para agradar ao público americano, desde uma sensibilidade à flor da pele, um bom gosto indesmentível, uma toada nostálgica sobre a década de 30 (curiosamente ou talvez não, a da grande crise do pós “Crash” de 1929, que tanto tem a ver com os nossos dias, e também aquela que, em termos cinematográficos, assistiu à passagem do “mudo” para o “sonoro”), um humor discreto mas saudável, um “happy end” meio amoroso, meio laboral, que mostra que quem não desiste arranja sempre uma forma de suplantar as dificuldades, e ainda muito bons aspectos técnicos, e um elenco de superior qualidade. Tudo resumido, resulta num excelente divertimento, um entretenimento que sabe bem saborear, mas muito pouco mais.
Comecemos pelas novidades. Nenhumas ou muito poucas. Em 1976, Mel Brooks já tinha realizado um filme “mudo”, precisamente “A Última Loucura” (Silent Movie), no qual um realizador norte-americano procurava dirigir uma longa-metragem “muda”, em época de “sonoro” avançado. Curiosamente, o único que dizia uma palavra durante toda a obra, era um mimo, Marcel Marceau, que nos seus espectáculos nunca falava. Ali invertiam-se os papéis. Muito divertido e engenhoso, com Mel Brooks, Marty Feldman e Dom DeLuise em grande forma.
Também a homenagem a grandes filmes da história do cinema tem sido pano para muitas mangas, e recordo uma bem interessante, a divertida comédia detectivesca de Carl Reiner, em 1982, “Cliente Morto Não Paga a Conta” (Dead Men Don't Wear Plaid), onde se procurava homenagear o policial e o “filme negro”, com a recuperação de muitos dos estereótipos e ícones do género. A ligação entre cenas dos próprios filmes citados e as recreadas era brilhante e Steve Martin deu um salto qualitativo na sua carreira com esta interpretação. “O Artista”, em muitos aspectos, fez-me recordar este filme.
“O Artista” tenta uma evocação dos tempos gloriosos do “mudo” e, simultaneamente, recordar as provações a que estiveram submetidas algumas das grandes vedetas do cinema silencioso, quando apareceu o som síncrono no ecrã. Já o víramos de forma absolutamente notável na obra-prima de Stanley Donen e Gene Kelly, “Serenata à Chuva” (Singing the Rain), de 1952. Nesse aspecto, “O Artista” é um quase “remake” desse musical admirável, como Gene Kelly, Debbie Reynold e Donald O´Connor. “The Artist” conta-nos a história de uma grande vedeta do cinema mudo, George Valentin (Jean Dujardin), que um dia ajuda a singrar no cinema uma jovem pretendente a actriz, que aparece como figurante em pequenas cenas de dança, Peppy Miller (Bérénice Bejo), precisamente nos anos charneira em que a industria vai abandonar o cinema mudo e lançar-se no cinema sonoro. A estreia oficial do filme que Valentin acaba de rodar, logo nas cenas iniciais, não pode ser mais idêntica à sequência final de “Singing the Rain”, com a actriz medíocre a ser subalternizada no palco pelo galã que dirige as operações. Valentin tem nome de Rudolfo, mas filmes de Douglas Fairbanks (aquelas cenas de aventura trepidante, onde só muda o cenário, “A Russian Affair” logo seguido por “A German Affair” são bem uma referência óbvia). Depois há um pouco de tudo como homenagem a grandes clássicos do mudo, mas também do sonoro. Logo a abrir, o grito durante a tortura, é uma evocação de “O Couraçado Potemkine”, mais adiante os eléctrodos lembram “Metropolis”, a luz vinda da janela durante as reuniões remetem para “O Mundo a seus Pés”, bem assim como a sucessão de planos de pequenos almoços que vão assinalando o esmorecer da relação do actor com a mulher, o bailado final recupera outros de Fred Astaire e Ginger Rogers, e por aí fora.
Michel Hazanavicius, o realizador de “O Artista”, é um cinéfilo, um apaixonado pelo cinema e conhece bem os clássicos. Anteriormente, tinha rodado duas paródias aos filmes de espionagem que são muito divertidas e que já utilizavam o mesmo princípio de evocação-homenagem: “Agente 117” (2006) e “OSS 117: Rio ne Répond Plus” (2009), curiosamente com o mesmo protagonista, Jean Dujardin.
Ora bem, onde é que esta obra de Hazanavicius me parece mais interessante, ganhando algum relevo? Precisamente na forma como se relaciona com o “mudo”. George Valentin é um actor mudo, o próprio nome diz-nos que deve ser de origem francesa, logo não fala muito bem o inglês (um óbice fatal, quando se passa para o sonoro), mas durante todo o filme ele (ou as suas personagens) recusa falar. Logo no início, o herói por si vivido no ecrã é torturado para falar e “não fala”, depois a mulher (na vida real) deixa-lhe um recado, “Precisamos falar. Por que não falas?”, and so on, and so on.
George Valentin não é homem de palavras, não quer falar, e vai manter-se irredutível. Quando o produtor Al Zimmer (excelente John Goodman), dos Kiograph Studios, lhe diz que o cinema a partir daquela altura tinha som, ele responde, “Fique com os seus filmes sonoros, eu fico com as minhas obras-primas” e, qual Griffith ou Chaplin, roda um novo “mudo”, “Tears of Love”, que irá arruiná-lo por completo. Ele é o “Lonely Star” que vemos anunciado num cinema ao longe, mas irá ter o seu “Guardian Angel”, outro título visível numa sala quando sabemos que Peppy Miller corre em seu auxílio.
Valentin sente os ruídos à sua volta, os copos a tilintar, uma pena a esvoaçar que cai no chão com o barulho de um trovão, e esse som incomoda-o visivelmente. Atormenta-o. Marca a sua queda. A ruína. O incêndio, onde o vemos, qual Citizen Kane, em cima das bobines dos seus velhos filmes que ele destrói, aparentemente dominando a situação, mas na realidade sendo consumido pela decadência inexorável, é igualmente retrato de uma solidão suicida que só não vai avante pelos esforços combinados do seu fiel cão, Uggie, do seu não menos devotado mordomo e motorista, Clifton (magnífico James Cromwell), e da sua apaixonada Peppy Miller.
A única vez que George Valentin fala é no final, para agradecer um cumprimento do produtor, e percebe-se por que foi afastado no “sonoro”: nem a voz é agradável, nem o sotaque é possível. Ele, como muitos outros, será uma vítima das conquistas da tecnologia. O seu tempo de grande vedeta pertence ao passado, a menos que o seu sapateado mereça ser colocado ao lado do de Fred Astaire. Mas este também cantava. O futuro não deixa grande margem para optimismo, apesar do aparente “happy end”.
Grande filme? Não tanto. Mas uma obra que se vê com agrado, num magnífico preto e branco, com uma reconstituição de época notável, e um elenco que merece todos os encómios, onde se destacam o francês Jean Dujardin e a argentina Bérénice Bejo, um belíssimo par romântico, com um ironia fina que se auto parodia com inteligência. Hazanavicius já era um realizador a seguir com atenção. Agora redobradamente.
O ARTISTA
Título original: The Artist
Realização: Michel Hazanavicius (França, Bélgica, 2011); Argumento: Michel Hazanavicius; Produção: Jeremy Burdek, Antoine de Cazotte, Daniel Delume, Nadia Khamlichi, Thomas Langmann, Richard Middleton, Emmanuel Montamat, Adrian Politowski, Gilles Waterkeyn; Música: Ludovic Bource; Fotografia (p/b): Guillaume Schiffman; Montagem: Anne-Sophie Bion, Michel Hazanavicius; Casting: Heidi Levitt; Design de produção: Laurence Bennett; Direcção artística: Gregory S. Hooper; Decoração: Austin Buchinsky, Robert Gould; Guarda-roupa: Mark Bridges; Maquilhagem: Cydney Cornell, Julie Hewett; Direcção de Produção: Antoine de Cazotte, Segolene Fleury-Slimane, Varujan Gumusel, Frank Mettre, Christina Lee Storm; Assistentes de realização: James Canal, David Allen Cluck, David Paige, Lou Salomé Piron; Departamento de arte: Martin Charles, Carol Kiefer, Adam Mull; Som: Valeria Ghiran, Nadine Muse; Efeitos especiais: David Waine; Efeitos visuais: Seif Boutella, Amandine Moulinet, Romain Moussel ; Companhias de produção: La Petite Reine, La Classe Américaine, JD Prod, France 3 Cinéma, Jouror Productions, uFilm, Canal+, CinéCinéma, France Télévision, Le Tax Shelter du Gouvernement Fédéral de Belgique; Intérpretes: Jean Dujardin (George Valentin), Bérénice Bejo (Peppy Miller), John Goodman (Al Zimmer), James Cromwell (Clifton), Penelope Ann Miller (Doris), Missi Pyle (Constance), Malcolm McDowell, Beth Grant, Ed Lauter, Joel Murray, Bitsie Tulloch, Ken Davitian, Basil Hoffman, Bill Fagerbakke, Nina Siemaszko, Stephen Mendillo, Dash Pomerantz, Beau Nelson, Alex Holliday, Wiley M. Pickett, Ben Kurland, Katie Nisa, Katie Wallack, Hal Landon Jr., Cleto Augusto, etc. Duração: 100 minutos; Distribuição em Portugal: PepperView Entertainment; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 2 de Fevereiro de 2012.
Depois de ter tratado sempre com grande amor e entusiasmo os casos de divas como Amália, Maria Callas ou Edith Piaf, Filipe La Féria lança-se na evocação de Judy Garland, através da encenação do musical “Judy Garland - O fim do arco-íris”, um original de Peter Quilter, que tem sido bem recebido nos palcos de todo o mundo e agora sobe à cena no Teatro Politeama de Lisboa. Inglês de nascimento (Colchester), Peter Quilter estudou na Universidade de Leeds, emigrando depois para as Ilhas Canárias, onde reside. Iniciou a carreira como apresentador de televisão, na BBC, e estreou-se como dramaturgo com uma comédia, “Respecting Your Piers”, mais tarde rebaptizada como "Curtain Up", a que se seguiram uma adaptação de Oscar Wilde, “The Canterville Ghost”, o musical, e uma nova comédia, “BoyBand”. O seu primeiro grande sucesso internacional seria, todavia, em 2005, “End of the Rainbow”, que se estreou na Sydney Opera House, na Austrália. Em Inglaterra, surgiu no Royal Theatre de Northampton, com encenação de Terry Johnson, e interpretação de Tracie Bennett. Chegou ao West End londrino, para se instalar no Trafalgar Studios, tendo recebido quatro nomeações para os “Laurence Olivier Awards”, melhor nova peça, melhor actriz, melhor actriz num papel secundário, melhor som. A sua carreira prosseguiu em Madrid, Hamburgo, Rio de Janeiro, e vai estrear nos EUA, a caminho da Broadway, onde conta chegar a 19 de Março deste ano. Outro musical de grande sucesso do mesmo autor é “Glorious!”, contando-se ainda no seu reportório obras como “Celebrity”, “Just the Ticket”, “Curtain Up!”, “The Nightingales” ou “The Morning After”. “Judy Garland - O fim do arco-íris” é, como se calcula, uma homenagem à lendária actriz e cantora que nos legou, entre outros, filmes como “O Feiticeiro de Oz” ou “Não Há Como a Nossa Casa”, “O Pirata dos Meus Sonhos” ou “Assim Nasce Uma Estrela”, para só citar alguns.
Judy Garland nasceu com o nome de Frances Ethel Gumm, a 10 de Junho de 1922, em Grand Rapids, Minnesota, nos EUA, e viria a falecer muito jovem ainda, aos 47 anos, em Londres, a 22 de Junho de 1969. Desde muito nova que se entregou ao espectáculo, os pais eram artistas de variedades e cantores, Francis Avent "Frank" Gumm (1886-1935) e Ethel Marion Milne (1893-1953), e formou com duas outras irmãs mais velhas, Mary Jane "Suzy" Gumm (1915-64) e Dorothy Virgínia "Jimmie" Gumm (1917-77), um trio a que deram o nome “The Sisters Gumm”, que, depois de muitos espectáculos de teatro de “vaudeville”, se estreou no cinema, em 1929, em “Revue Big”. A última aparição de “The Sisters Gumm” no ecrã surgiu em 1935, em “La Fiesta de Santa Barbara”, uma curta-metragem musical. Passaram então a chamar-se “The Garland Sisters”, dado que Gummo não era nome que soasse bem. Mas o trio não durou muito. Suzanne Garland casou, abandonou a carreira, e também Frances Ethel Gumm foi substituída por Judy Garland. "Judy", como homenagem a uma popular canção de Hoagy Carmichael, e Garland, aí as explicações fiam mais fino e há várias, para todos os gostos, desde uma influência da personagem de Carole Lombard (Lily Garland), até um elogio recebido por telegrama da actriz Judith Anderson, onde se referia a palavra "Garland" (grinalda). É já como Judy Garland que assina o seu primeiro contrato a solo com a MGM. Estávamos em 1935, ela tinha treze, catorze anos 1, 64 m de altura, , o pai morrera pouco antes, vítima de meningite, e a “,Babe”, como era chamada pelos familiares e amigos, logo passou a “filha da MGM”, onde dominava Louis Mayer, que tinha por hábito alimentar-se sexualmente de todas as suas actrizes. A seu lado, tinha as “vedetas” da casa, entre as quais Ava Gardner, Lana Turner ou Elizabeth Taylor, e Garland não era o que se pode chamar o “glamour” em pessoa, a uma primeira vista. Na sua idade, não era nem carne nem peixe, e Louis B. Mayer, uma vez recusados os avanços, ao que consta, referia-se a ela como a "pequena corcunda". Mas a popularidade da jovem actriz era muita, sobretudo desde que cantara “You Made Me Love You”, no aniversário de Clark Gable, e posteriormente no “All-Star Extravaganza Broadway Melody” de 1938, desta feita perante a fotografia do actor. A MGM inventou então a parelha Judy Garland - Mickey Rooney, que apareceu numa série de musicais para adolescentes. O primeiro data de 1940, “Thoroughbreds B Don't Cry”, a que se seguiram mais oito. Mas foi “O Feiticeiro de Oz”, de 1939, que marcaria para sempre a sua carreira e a tornaria imortal, sobretudo através do êxito sem precedentes que foi a sua interpretação do clássico tema “Over the Rainbow”.
Rapidamente Judy Garland se torna dependente de medicamentos e drogas, de álcool e tabaco. Afirma-se que Louis Mayer, “para melhor rentabilizar os serviços da jovem” lhe administrava anfetaminas para a estimular e, depois, barbitúricos para que dormisse quando já não era necessária”. A sua vida torna-se um carrossel com altos e baixos cíclicos. Profissionalmente é uma das mais celebradas vedetas dessas décadas de ouro do musical, aparecendo nalguns dos grandes filmes que assinalaram o género. Mas, em simultâneo, a dependência torna-se uma constante, as crises multiplicavam-se, com tentativas de suicídio regulares, e os seus efeitos sobre o trabalho também, com atrasos e ausências a filmagens. Começou várias obras que não terminou, sendo despedida e substituída por outra actriz. Particularmente, a sua vida sentimental era instável. Casou com David Rose (1941-1944), com o cineasta Vincente Minnelli, de cuja ligação nasceu Liza Minnelli, (1945-1951), Sidney Luft (1952-1965), Mark Herron (1965-1967), e Mickey Deans (1969), que a encontrou morta na banheira do seu apartamento, num hotel da capital inglesa. Em 1999, o “American Film Institute”, numa sondagem entre os seus membros, colocou-a em oitavo lugar, entre as dez maiores estrelas femininas da história do cinema americano. Desde a sua morte, cujo enterro foi acompanhado por mais de 22 mil pessoas, que é um ícone da história do cinema e do espectáculo. Foi esta personagem singular, mas não tão singular assim, quando olhamos a história do espectáculo mundial, onde exemplos similares são frequentes, que serviu de base à peça de Peter Quilter, que se centra somente nas últimas semanas de vida da actriz, quando em Londres se encontra a actuar no “Talk of the Town”. A peça mostra o mau feitio da actriz, no seu relacionamento com o seu dedicado pianista, Anthony (Carlos Quintas), e com o seu quinto marido, Mickey Deand (Hugo Rendas), mas, de certa forma, tenta fazer compreender esse génio desesperado pelos amargos de boca por que a actriz passou ao longo de toda a vida. De qualquer forma, este tipo de trabalhos deixa sempre uma certa sensação de ligeira hipocrisia e de aproveitamento pós-mortem. É verdade que Judy Garland, como muitas outras e outros, tiveram vidas sacrificadas, mas também não o é menos que deveria ser muito traumatizante trabalhar com ela, sujeito a todos os seus estados de espírito. Mas a peça parece uma sincera homenagem, não muito brilhante enquanto escrita teatral, mas suficientemente interessante para se acompanhar com agrado.
Filipe La Féria, tal como o país, vive um período de vacas magras, e não se nota em “Judy Garland - O Fim do Arco-Íris” aquele arrojo espectacular que costuma ser seu timbre. A encenação oscila entre dois cenários, o quarto de hotel e o palco do “Talk of the Town”, sendo que é aqui que se passam os momentos mais exaltantes, com a interpretação de Vanessa Silva, como Judy Garland, uma bonita e poderosa voz e uma interpretação que, na noite da estreia, começou naturalmente nervosa e lentamente foi ganhando o palco e admiração dos espectadores. Carlos Quintas e Hugo Rendas cumprem com a habitual dedicação.
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