quinta-feira, fevereiro 11, 2016

CiNEMA 2015: 45 Anos


45 ANOS

Charlotte Rampling (Kate Mercer) e Tom Courtenay (Geoff Mercer) são os dois protagonistas de”45 Anos” e as duas principais razões para o sucesso deste filme discreto e simpático sobre um casal que se prepara para comemorar os quarenta e cinco anos de casados. Mas, pouco tempo antes do dia marcado para a festa que irá reunir amigos e familiares, Geoff Mercer recebe a notícia que o corpo de uma mulher que ele amara na sua juventude e que desaparecera na neve de um desfiladeiro, fora encontrado. Com essa notícia regressa um passado não revelado que provoca em Kate Mercer reações adversas. Ela sente-se enganada, frustrada, e as relações entre o casal não mais voltarão a ser as mesmas, muito embora o clima festivo que aparentemente se mantém, e as belíssimas cores outonais da paisagem do norte de Inglaterra (Norfolk Broads) onde decorre a obra. Andrew Haigh, o realizador, procura apagar-se perante os dois actores que contracenam brilhantemente, num jogo discreto e secreto de emoções. Um notável filme de actores, mas não mais do que isso.


45 ANOS
Título original: 45 Years

Realização: Andrew Haigh (Inglaterra, 2015); Argumento: David Constantine, Andrew Haigh; Produção: Chris Collins, Rachel Dargavel, Louisa Dent, Lizzie Francke, Vincent Gadelle, Tristan Goligher, Richard Holmes, Philip Knatchbull, Sam Lavender, Tessa Ross; Fotografia (cor): Lol Crawley; Montagem: Jonathan Alberts; Casting: Kahleen Crawford; Design de produção: Sarah Finlay; Guarda-roupa: Suzie Harman; Maquilhagem: Nicole Stafford;  Direcção de Produção: Roslyn Hill;  Assistentes de realização: James Chambers, Drew McDonnell, Gemma Louise Read, Gareth Tandy; Departamento de arte: Bobbie Cousins, Robin Jones, Aoife McKim, Tam O'Malley, Katie Utting; Som: Per Boström, Ben Carr, Gavin Marshall, Christer Melén, Joakim Sundström, Ivor Talbot;  Efeitos visuais: David Casey; Companhias de produção: The Bureau; Intérpretes: Charlotte Rampling (Kate Mercer), Tom Courtenay (Geoff Mercer), Geraldine James (Lena), Dolly Wells (Sally),  David Sibley (George), Sam Alexander (Chris), Richard Cunningham (Mr. Watkins), Hannah Chalmers, Camille Ucan, Rufus Wright, Martin Atkinson, Rachel Banham, Michelle Finch, Paul Goldsmith, Peter Dean Jackson, Kevin Matadeen, Alexandra Riddleston-Barrett, Max Rudd, etc. Duração: 95 minutos; Distribuição em Portugal: Alambique; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 31 de Dezembro de 2015.

quarta-feira, janeiro 20, 2016

ANTÓNIO DA NÓVOA À PRESIDÊNCIA



O MEU VOTO PRESIDENCIAL

Agora que se aproxima o dia da eleição do futuro Presidente da República, poderá fazer-se um balanço, obviamente pessoal, isto é, numa óptica própria, que só a mim diz respeito e que se irá concretizar no dia (ou dias) da (ou das) votação (votações).
O facto de terem aparecido dez candidaturas não me causa grande mossa. Entre as e os proponentes, uns foram insuportáveis, outros ingénuos, alguns muito sabidos, uns sisudos, outros pacholas, uma ou outra surpresa boa (não sei se assim poderei colocar o caso de Marisa Matias). Que um português qualquer, com mais de 35 anos, no total usufruto das suas capacidades e direitos possa candidatar-se a um cargo público, tudo bem, é a democracia, que tanto gostamos de louvar, a funcionar.
Ouvidos todos, fica uma certeza: há dois candidatos possíveis, tudo o mais é folclore: Marcelo Rebelo de Sousa, que parte destacado, e Sampaio da Nóvoa. Ambos me merecem consideração e acredito que qualquer deles dará um bom presidente, cada um com o seu estilo, com a sua bagagem pessoal, cultural, política, um mais centro direita, outro mais centro esquerda, mas ambos a navegarem nas águas de uma social democracia abrangente.
Eu, que sempre me senti mais à esquerda, voto Sampaio da Nóvoa, sem vacilar, na primeira volta. Nóvoa tem a cultura, o prestígio, a inteligência, a propensão para o diálogo e um discreto carisma pessoal que faz dele o meu candidato natural. É o tipo de pessoa que gosto de contar como amigo, que sinto ser sincero, preocupado com injustiças, um homem de plena liberdade, que se preocupa com as verdadeiras revoluções: as culturais, de mentalidade, estruturantes da sociedade. Eu voto Sampaio da Nóvoa, portanto. É o meu Reitor.
Mas, na segunda volta, se a houver, e se, por estranho que pareça, Sampaio da Nóvoa não estiver entre os vencedores, aí voto Marcelo Rebelo de Sousa. Digo-o já para que não fiquem dúvidas. Podem dizer que ficaria rendido ao encanto pessoal do Professor que, apesar de tudo o que lhe apontam (nalguns casos, raros, com justiça), é um homem de cultura, inteligente, arguto, nada sisudo (que diferente de Cavaco Silva, meu caro General Ramalho Eanes!), económico na alimentação, discreto nas horas de sono, o que só traz vantagens para os bolsos dos contribuintes. É um homem que gostaria de contar entre os amigos, e nunca entre os inimigos. Muito embora alguns digam que “com amigos destes, não preciso de inimigos”.
Gostaria ainda de referir um aspecto desta campanha que me soou mal. As críticas mais evidentes a Marcelo Rebelo de Sousa foram, nalguns casos, tontas. Por exemplo, que anda há quarenta anos a fazer campanha nas televisões. Portanto, uma personalidade por ter prestígio conquistado na sua actividade, quer como professor universitário, como político, quer como comentador terá de ver esse facto como negativo? Curioso. O elogio do zé ninguém ou do desconhecido sem curriculum? Absurdo.
A outra crítica, sobretudo ao ser utilizada neste contexto, só demonstra a falta de tacticismo de alguns candidatos. Quando Marcelo procura colocar-se ao centro, e a direita mais trauliteira o olha de esguelha, e muitos preferem a abstenção a engolir um sapo, a esquerda lembra a esse eleitorado de direita que pode votar nele calmamente porque o Professor sempre foi de direita e não deixará de sê-lo quando estiver em Belém. 
Abençoados estrategas. Quanto mais disserem isso, mais Marcelo conquista votos que já tinha 

quinta-feira, janeiro 14, 2016

OSCARS DE 2016: NOMEADOS



OSCARS DE 2016: NOMEADOS

Foram hoje anunciados os nomeados para os Oscars de 2016. A lista completa é: 

Melhor Filme

Ponte dos Espiões
Perdido em Marte
Brooklyn
Quarto
O Caso Spotlight
Mad Max: Estrada da Fúria
The Revenant: O Renascido
A Queda de Wall Street

Melhor Realizador

Adam McKay (A Quede de Wall Street)
George Miller (Mad Max: Estrada da Fúria)
Alejandro G. Iñárritu (The Revenant: O Renascido)
Lenny Abrahamson (Quarto)
Tom McCarthy (O Caso Spotlight)

Melhor Actriz

Cate Blanchett - Carol
Brie Larson - Quarto
Jennifer Lawrence - Joy
Charlotte Rampling - 45 Anos
Saoirse Ronan - Brooklyn

Melhor Actor

Bryan Cranston - Trumbo
Matt Damon - Perdido em Marte
Leonardo DiCaprio - The Revenant: O Renascido
Michael Fassbender - Steve Jobs
Eddie Redmayne - A Rapariga Dinamarquesa

Melhor Actriz Secundária

Jennifer Jason Leigh - Os Oito Odiados
Rooney Mara - Carol
Rachel McAdams - O Caso Spotlight
Kate Winslet - Steve Jobs

Melhor Ator Secundário

Christian Bale - A Queda de Wall Street
Tom Hardy - The Revenant: O Renascido
Mark Ruffalo - O Caso Spotlight
Mark Rylance - Ponte dos Espiões
Sylvester Stallone - Creed

Melhor Argumento Original

Ponte dos Espiões
Ex Machina
Divertida-mente
O Casos Spotlight
Straight Outta Compton

Melhor Argumento Adaptado

A Queda de Wall Street
Brooklyn
Carol
Perdido em Marte
Quarto

Melhor Filme de Animação (Longa-Metragem)

Anomalisa
Divertida-mente
A Ovelha Choné - O Filme
Memórias de Marnie
O Rapaz e o Monstro

Melhor Filme Estrangeiro

Embrace of the Serpent (Colombia)
Mustang (França)
Son of Saul (Hungria)
Theeb (Jordânia)
A War (Dinamarca)

Melhor Filme de Animação (Curta-Metragem)

Bear Story
Prologue
Sanjay’s Superteam
We Can’t Live Without Cosmos
World of Tomorrow

Melhor Documentário (Longa-Metragem)

Amy
Cartel Land
The Look of Silence
What Happened, Miss Simone?
Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom

Melhor Documentário (Curta-Metragem)

Body Team 12
Chau Beyond the Lines
Claude Lanzmann
A Girl in the River
Last Day of Freedom

Melhor Curta-Metragem (Live Action)

Ava Maria
Day One
Everything Will Be Okay
Shok
Stutterer

Melhor Fotografia

Carol
Os Oito Odiados
Mad Max: Estrada da Fúria
The Revenant: O Renascido
Sicario

Melhor Montagem

A Queda de Wall Street
Mad Max: Estrada da Fúria
The Revenant: O Renascido
Star Wars: O Despertar da Força
O Caso Spotlight

Melhor Banda Sonora Original

Ponte dos Espiões
Carol
Os Oito Odiados
Sicario
Star Wars: O Despertar da Força

Melhor Canção Original

Earned It - 50 Shades of Grey
Til It Happens To You - The Hunting Ground
Writings On The Wall - Spectre
Manta Ray - Racing Extinction
Simple Song 3 - Youth

Melhor Edição de Som

Sicario
Mad Max: Estrada da Fúria
Perdido em Marte
The Revenant: O Renascido
Star Wars: O Despertar da Força

Melhor Mistura Sonora

Ponte dos Espiões
Mad Max: Estrada da Fúria
Perdido em Marte
The Revenant: O Renascido
Star Wars: O Despertar da Força

Melhor Direcção Artística

Ponte dos Espiões
A Rapariga Dinamarquesa
Mad Max: Estrada da Fúria
Perdido em Marte
The Revenant: O Renascido

Melhores Efeitos Visuais

Ex Machina
Mad Max: Estrada da Fúria
Perdido em Marte
The Revenant: O Renascido
Star Wars: O Despertar da Força

Melhor Guarda-Roupa

Carol
Cinderela
A Rapariga Dinamarquesa
Mad Max: Estrada da Fúria
The Revenant: O Renascido

Melhor Maquilhagem 

Mad Max: Estrada da Fúria
The Revenant: O Renascido
O Centenário Que Fugiu Pela Janela e Desapareceu


segunda-feira, janeiro 11, 2016

TEATRO: POUCO BARULHO


POUCO BARULHO

“Pouco Barulho” é uma excelente comédia inglesa, da autoria de Michael Frayn, e que tem sido encenada um pouco por todo o lado com resultados brilhantes. Em Londres “Noises Off”, no seu título original, recebeu o prémio de melhor comédia do ano de 1982, o mesmo acontecendo em Nova Iorque, em 1984.
O que tem de tão especial esta comédia? Parte de uma ideia brilhante, que é muito bem estruturada. Não se trata de um texto de tese, não procura modificar o mundo, apenas divertir os espectadores de uma forma inteligente, ao mesmo tempo que põe a descoberto os cordelinhos de uma produção teatral. O primeiro acto é ocupado com o ensaio geral, ou ensaio técnico, vá-se lá saber qual é o ensaio, de uma peça de teatro que irá estrear no dia seguinte. Nem tudo corre bem. Ou quase tudo corre mal. O que num ensaio geral nem costuma ser mau sinal. Dizem por aí os vaticinadores do futuro que um mau ensaio geral prenuncia uma boa estreia. No segundo acto não vemos o que os espectadores do suposto teatro veem, mas sim o que acontece nos bastidores, a parte detrás do cenário. Se as coisas correm mal pela frente, por detrás são ainda mais calamitosas. Finalmente, no terceiro acto, a companhia já rodou por várias salas e cidades, e está a dar o seu último espectáculo. Pode dizer-se que é a bandalheira geral.

Em 1985, vi no Teatro Villaret, numa produção Vasco Morgado um “Pouco Barulho” de boa recordação, com um elenco de luxo, Nicolau Breyner, Manuela Maria, Henrique Santos, Morais e Castro, Guida Maria, Victor de Sousa, Rosa de Canto, Isabel Mota, Jorge Nery. A tradução era de César de Oliveira e Barry Scraig e a encenação de Varela Silva, com cenários de Octávio Clérigo. Gostei bastante, mas tive uma desilusão de peso. Por essa altura andava eu a escrever uma peça de teatro que tinha mais ou menos a mesma ideia inicial. Depois de ver esta, desisti.


Em 2013, o Centro Cultural Malaposta, apresentou a mesma peça, agora sob a designação de "Tudo a Nu", com nova tradução de Paulo Oom, encenação de Fraga e música original de Adriano Filipe. O elenco era composto por Ângela Pinto, Gonçalo Ferreira, Hélder Gamboa, Inês Castel-Branco, Isabel Ribas, Mónica Garcez, Paulo Oom, Rui Raposo e Rui Sérgio. Não vi esta versão, mas tinha razões para ser interessante.
Agora surge no Cartaxo, no Centro Cultural, numa produção “Área de Serviço”, uma nova tradução da mesma peça, assinada por Frederico Corado, Vânia Calado e Maria Eduarda Colares, por sinal bastante boa, com encenação de Frederico Corado, que também assina a concepção cenográfica e ainda integra o elenco, ao lado de Hugo Rendas, Margarida Leonor, Vânia Parente, Mário Júlio, Carlos Ramos, Sara Inês, Mauro Cebolo e Mónica Coelho. A “Área de Serviço” é uma companhia comunitária, onde todos trabalham por amor à arte, e se veem e desejam para pagar os custos dos cenários e dos adereços. Nenhum apoio substancial, apenas algumas generosas dádivas, e uma vontade férrea de fazer teatro.  Ambiciosos. Já encenaram Oscar Wilde, Bernando Santareno, William Shakespeare, Eduardo De Filippo, Nikolai Gogol, Alice Vieira, Robert Thomas, George S. Kaufman e Moss Hart, entre outros.
Esta encenação de “Pouco Barulho” é extremamente divertida, inteligente e consegue manter um ritmo endiabrado. Trata-se de uma peça dentro de outra peça, de uma daquelas comédias com muitas portas, por onde entram e saem personagens que não se devem encontrar, com pratos de sardinhas, malas e caixas com fichas das finanças, arranjinhos amorosos, fugas ao fisco, ramos de flores trocados e tudo o mais que se possa imaginar. Reservam-se algumas surpresas. O cenário é bonito, sóbrio, mas bem imaginado, e o elenco, quase todo constituído por amadores sem grande experiência, porta-se à altura de algumas companhias profissionais (para não falar de outras, igualmente profissionais, que é melhor esquecer!). É um excelente divertimento, daqueles que não envergonham ninguém, e que devia, isso sim!, fazer corar de vergonha algumas peças e filmes, ditos cómicos, que abundam nas nossas salas nos últimos tempos.
Para os mal-intencionados tenho uma declaração de princípios a fazer. O Frederico Corado é meu filho. Mais uma razão para irem ver, no próximo fim de semana, sexta e sábado às 21,30, e domingo às 16 horas, para ficarem a saber se sou parcial. Eu julgo que não, mas vão lá e vejam. Depois digam.


Pouco Barulho (Noises Off). Texto de Michael Fryan | Encenação: Frederico Corado | Tradução: Frederico Corado, Vãnia Calado e Maria Eduarda Colares | Concepção Cenográfica: Frederico Corado | Intérpretes: Hugo Rendas, Margarida Leonor, Vânia Parente, Frederico Corado, Mário Júlio, Carlos Ramos, Sara Inês, Mauro Cebolo e Mónica Coelho | Execução Cenográfica: Mário Júlio | Produção da Área de Serviço: Frederico Corado, Vânia Calado e Mário Júlio com a assistência de Florbela Silva e Carolina Viana | Assistente de Encenação: Carolina Viana | Direcção de Cena: Mário Júlio | Técnica: Miguel Sena | Contra-Regra: Carolina Viana | Fotografia: Vitor Neno | Montagem: Mário Júlio | Construção de Adereços: Rosário Narciso | Uma Produção da Área de Serviço com o Centro Cultural do Cartaxo e Câmara Municipal do Cartaxo

quarta-feira, janeiro 06, 2016

CINEMA 2015: HOMEM IRRACIONAL



HOMEM IRRACIONAL


Abe Lucas (Joaquin Phoenix) é um atormentado professor de filosofia que entra numa universidade norte-americana em estado de depressão, desespero, futilidade, frustração e impotência. O melhor amigo morreu há pouco vítima de uma bomba no Médio Oriente e a mulher deixou-o. Nas aulas cita Heidegger e Kierkegaard, fala de liberdade e mentira e afirma mesmo que a filosofia são tretas, apenas “palavras”. Ele procura a acção directa. E vai encontrá-la, enquanto namorisca com Rita (Posey), uma colega professora, e Jill (Emma Stone), uma jovem aluna. A sua terá de ser uma escolha existencial que altere toda a sua persectiva de vida. A ambição do crime perfeito? Possivelmente.
“Homem Irracional” é Woody Allen a 100% o que não deixa de ser uma afirmação que é um lugar comum. Todos os seus filmes o são. Uma comédia que lentamente se transforma numa tragédia. Crime e castigo, com Dostoiévski de permeio, um pouco na linha de “Match Point”, “Crimes e Escapadelas”, “O Sonho de Cassandra” ou “O Misterioso Assassínio em Manhattan”, para só citar alguns dos seus títulos. Todos iguais e todos diferentes. As obsessões e os fantasma de Woody Allen, escritos com a leveza e a eficácia de quem domina a sua arte como poucos.


Não será do melhor Woody Allen, mas é um Woody Allen estimulante. Sobretudo pela forma nada convencional como combina a ligeireza da escrita, a superficialidade do tema musical, a aparente banalidade do tom inicial com a gravidade do que se vai avizinhando. O primarismo dos conceitos filosóficos que Abe Lucas vai enunciando marcam o primarismo dos seus conceitos pessoais e conduzem-no à divagação irracional, ao comportamento aberrante. “Heidegger e o fascismo” é o título do novo ensaio que prepara e que o deixa suspenso sobre a escrita. Compreensivelmente.
O filme é muito interessante, mas extremamente valorizado pelas excelentes interpretações de Joaquin Phoenix, Emma Stone e Parker Posey e ainda pela notável fotografia de Darius Khondji, deliberadamente de um romantismo de tonalidades e de cenários que envolve o espectador e contrasta como o percurso final e o desfecho.


HOMEM IRRACIONAL
Título original: Irrational Man

Realização: Woody Allen (EUA, 2015); Argumento: Woody Allen; Produção: Letty Aronson, Ron Chez, Helen Robin, Jack Rollins, Adam B. Stern, Allan The, Stephen Tenenbaum, Edward Walson; Fotografia (cor): Darius Khondji; Montagem: Alisa Lepselter; Casting: Patricia Kerrigan DiCerto, Juliet Taylor; Direcção artística: Carl Sprague; Decoração: Jennifer Engel; Guarda-roupa: Suzy Benzinger; Maquilhagem: Judy Chin, Jason Joseph Sica; Direcção de Produção: Helen Robin; Assistentes de realização: Mike McGuirk, Danielle Rigby, Brad Robinson; Departamento de arte: Lindsay Boffoli, David Rotondo, Carly Serodio, Shann Whynot-Young; Som: Ryan Baker, Matthew Haasch, Robert Hein, Darrell R. Smith; Efeitos especiais: Adam Bellao; Efeitos visuais: Alex Miller; Companhia de produção Gravier Productions; Intérpretes: Joaquin Phoenix (Abe), Emma Stone (Jill), Parker Posey (Rita), Joe Stapleton (Professora), Nancy Carroll (Professora), Allison Gallerani (estudante), Brigette Lundy-Paine (estudante), Katelyn Seme (estudante), Betsy Aidem (mãe de Jill), Ethan Phillips (pai de Jill), Jamie Blackley (Roy), Leah Anderson, Paula Plum, Nancy Giles, Henry Stram, Geoff Schuppert, Robert Petkoff, Alex Dunn, Ron Chez, Tamara Hickey, Sophie von Haselberg, Susan Pourfar, Tom Kemp, etc. Duração: 95 minutos; Distribuição em Portugal: Pris Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 17 de Setembro de 2015.

quinta-feira, dezembro 17, 2015

RECORDANDO "A GUERRA DAS ESTRELAS" EM 1977


A GUERRA DAS ESTRELAS

Agora que se anuncia a estreia de mais um episódio da saga "A Guerra das Estrelas", recorde-se o que escrevi, em 1977, na estreia, e depois 1981, na reposição, quando era crítico no "Diário de Noticias". 


GEORGE LUCAS: A GUERRA DAS ESTRELAS

Possivelmente os mesmos que, em 1963, torceram o nariz aquando da estreia de “2001” (nessa altura a ficção científica não era um valor cultural solidariamente implantado), olham agora de soslaio esta “A Guerra das Estrelas”. E para diminuir o filme de George Lucas estabelecem comparações, servindo-se já do “2001”. Como se fosse possível atacar “Fanfan la Tulipe”, em nome de “O Mundo e Seus Pés”.
“A Guerra das Estrelas” pretende ser uma maravilhosa aventura no espaço. E consegue-o. De que maneira! Uma galáxia dominada por um despótico tirano assiste à insurreição. A revolta é o tema do filme de George Lucas, que se inscreve na melhor tradição do cinema de aventuras norte-americano, de Errol Flynn a “O Comboio Apitou Três Vezes”.
As trucagens são brilhantes, mas o menos importante nesta obra-prima da aventura, da audácia, do arrojo, do humor. Mesmo num plano filosófico, o filme se revela de grande riqueza e complexidade, permitindo-se inovações de certa monta, como por exemplo o lugar ocupado pelo Homem neste universo povoado por seres das mais diversas configurações e origens. Temos assim, finalmente, o Homem a viver com outros seres, sentindo-se um entre vários habitantes do espaço. O que até agora o cinema não nos tinha dado com a clareza e exemplaridade deste “Star War”.
Ao lado do Homem, androides que relembram Bucha e Estica e “saloons” espaciais onde o “Muppet Show” marca “rendez vous”. A banda sonora recorda os “cartoons” do «Buq's Bunny» e o Cavalo de Troia recolhe “robots” usados para revenda. Peter Cushing e Alec Guiness defrontam-se ainda nesta luta pelo poder e pela liberdade com espadas de raio Laser, enquanto a “princesa” e Luke tentam a destruição da estação de guerra. Emocionante.
(D. N.) - 1977


A GUERRA DAS ESTRELAS DE GEORGE LUCAS (REVISÃO)

A década de 70, quando a aventura épica e generosa que fizera a lenda do cinema americano, parecia desaparecer, sob uma onda de violência descompassada, de mercenarismo e hipocrisia, eis que George Lucas descobre que afinal os heróis resistem nas suas brancas indumentárias e Tom Mix, o cavaleiro íntegro, poderia continua a sua gesta, agora nas estrelas.
“Star Wars”, com a data de 1977, é isso mesmo, um regresso à idade da inocência do cinema americano, repescando aqui e ali influências de uma adolescência dourada passada no interior de salas escuras, povoadas pelo ruído das lanças dos torneios do príncipe Valente, os saltos de Tarzan, as naves espaciais de Buck Rodgers e Flash Gordon em “serials” de dezenas de parte, ou as cavalgadas de Gary Cooper ou John Wayne nas pradarias do Oeste. Entre dezenas de outras referências possíveis, crescem as personagens desta “A Guerra das Estrelas”, onde os bons são mesmo bons e os maus intrinsecamente mau. Não há complexidades psicológicas nesta obra de uma linearidade gratificante, porque inteiramente assumida enquanto tal e por isso mesmo defendida. Luke Skywalker, a quem os tiranos mataram os pais, vive uma aventura que comporta apenas as cores puras da armadura de um cavaleiro da corte do rei Artur, aqui em busca da suprema “força”. A princesa Leia Organa apenas se distingue das virginais damas medievais, por quem se terçavam lanças em mortais duelos de honra desagravada, por uma ou outra réplica mais ousada, um outro gesto mais intempestivo. Mas Darth Vader é obviamente a personificação do Mal, simbolicamente assinalado por uma máscara e uma silhueta que impedem toda a identificação com o espectador.
A única figura de contornos mais imprecisos será o oportunista Hans Solo, que, todavia, deixa falar o coração no momento derradeiro e regressa à luta e ao campo da honra em defesa dos fracos e dos oprimidos. Desesperando de qualquer retribuição monetária ou honraria. Ben Kenobi, por seu turno, é o ideal arquétipo que se persegue, a fonte de inspiração que se tenta continuar, depois de se ter provado merecê-la. Do burlesco, uma dupla de “robots”, C3PO e R2D2, prolongam desajustamento Bucha e Estica e o seu discreto humor, invadido pela ternura. Chewbacca, “esse enorme tapete rolante mal cheiroso”, como lhe chamava a princesa, introduziu-nos no entanto num universo onde tudo é possível de acontecer, onde os humanos perderam o centro do mundo, sendo uns entre vários, princípio de cooperação cósmica cuja lição é depois continuada, por exemplo nos “Encontros Imediatos”, de Spielberg.
Aventura pela aventura, A Guerra das Estrelas é a afirmação lúcida de uma arte que se alimenta do movimento, da acção, do ritmo e de uma imaginação feérica de contos de fadas, onde, para valorizar devidamente o Bem, são imprescindíveis os muito maus. Há um maniqueísmo que nunca se procura encobrir sob falsas roupagens de intelectualismo ou filosofice. A pretensão está ausente desta movimentada aventura que restitui ao espectador um prazer quase perdido: num sofisticado reino interplanetário, povoado por robots e seres estranhos (de antologia a sequência do “saloon” onde, lado a lado, coexistindo sem qualquer estranheza, se descobrem as figuras mais inconcebíveis, os heróis do “western” voltam a cavalgar, por sua dama e por el-rei. Ao público resta embarcar nesta nave espacial de direcção à distância, e percorrer nela o quarto de brinquedos mágicos de um feiticeiro chamado George Lucas.
(D. N.) - 1981 


segunda-feira, outubro 12, 2015

Figueira da Foz, 1976


CHANTAL AKERMAN

1976. Figueira da Foz. Era eu crítico regular do “Diário de Lisboa” e na Figueira existia um festival de cinema que era absolutamente indispensável. Na altura os jornais davam muito mais atenção à cultura. Caiam na Figueira críticos de todos os diários e semanários que reportavam o que viam. Eu escrevia uma crónica mais ou menos diária. Depois reuni em livro os balanços dos primeiros dez anos desse festival. Chamava-se “Figueira da Foz: Dez Anos de Cinema em Festival”. O livro saiu em 1982, numa edição do Secretariado Executivo das Comemorações do Primeiro Centenário da Elevação da Figueira da Foz a Cidade. Numa das páginas de balanço ao festival de 1976 dava conta de um filme que abalou a calma revolucionária do certame. Um filme invulgar, cujas imagens nunca mais esqueci. Depois vi alguns outros filmes da mesma realizadora. Quase todos muito interessantes, originais, provocadores. Ela esteve pessoalmente na Figueira da Foz, era uma presença discreta, mas igualmente sedutora. Lembro-me da sua figurinha discreta sentada numa mesa de uma explana frente ao Casino, onde decorria o festival. Fiz-lhe uma entrevista que, infelizmente, não localizo. Chamava-se Chantal Akerman, vinha da Bélgica, “avec la mer du Nord pour dernier terrain vague (…) avec infiniment de brumes à venir, avec le vent d'ouest écoutez le tenir, le plat pays qui est le mien”, como cantava Brel.
Morreu agora, em Paris, a 4 de Outubro, com 65 anos, ao que se supõe suicidou-se. É mais uma recordação que fica neste desvario de vazios que se amontoam à minha volta, à volta de todos nós.


Em 1976 escrevi assim, e não me arrependo:
“Igualmente presente na Figueira, Chantal Akerman, belga, 26 anos de idade, vinha falar de “Jeanne Dielman, 23 Quais du Commerce, 1080, Bruxelles”, obra rodada quando ainda só contava 24 anos e que é já hoje uma etapa importante na história do cinema.
“Jeanne Dielman” é uma proposta extremamente sugestiva: acompanhar o dia a dia desinteressante e repetitivo de uma dona de casa, viúva, com um filho. Vive de expedientes, prostituição possivelmente. Recebe em sua casa cavalheiros de quem guarda algumas notas. Momentos de tédio que se sucedem à repetição dos gestos, na cozinha, no quarto, na sala, na rua, no café ou no drugstore. Jeanne Dielman é uma mulher entre muitas. A prostituição de que vive serve somente para enunciar uma outra prostituição mais vasta, na qual a condição de mulher se inscreve exemplarmente.

Massacrantemente lento, cerca de duzentos minutos de minucioso retrato a que já se chamou, com razão, ultra-realismo, “Jeanne Dielman” é uma provocação fascinante. Em lugar de elidir momentos considerados desnecessários para a progressão dramática tradicional, Akerman opta pelo tempo real de duração das cenas. Diríamos mesmo que por vezes distende esse tempo de duração, Delphine Seyrig, que sustenta todo o peso desta obra, enquadrada de princípio a fim do filme, movimenta-se por entre electrodomésticos, com a familiaridade do quotidiano, transparecendo de toda esta encenação da vida real uma densidade dramática que chega a ser insuportável e é sempre desconfortante. Razão de ser do sucesso do filme, muito embora a polémica fosse o prato forte do debate que se seguiu à projecção”.

quarta-feira, setembro 02, 2015

ROSSELLINI NA RTP-2



JÁ VI ESTE FILME

RTP2 - Todos os sábados

Ciclos de cinema comentados por alguns dos melhores cinéfilos portugueses
Programa semanal onde dois convidados comentam, individualmente, filmes inseridos em ciclos de cinema mensais. A apresentação e breve comentário são feitos pelo primeiro convidado. Após a exibição do filme o segundo convidado partilha a sua opinião, fazendo uma última análise.

ROMA, CIDADE ABERTA
Sábado, dia 5 de Setembro de 2015
O realizador português Lauro António apresenta e faz o comentário do filme Roma, Cidade Aberta inserido no ciclo Rossellini a exibir durante o mês de Setembro de 2015. No final, a realizadora Susana Nobre faz a sua análise pessoal do filme.

Próximos filmes do ciclo:
PAISA (LIBERTAÇÃO) - 12 de Setembro
STROMBOLI -19 de Setembro

VIAGGIO A ITÁLIA -26 de Setembro

quarta-feira, julho 08, 2015

MARIA BARROSO



MARIA BARROSO
Maria Barroso foi uma mulher extraordinária. Para lá de toda a sua actividade social, pedagógica, política, foi uma actriz admirável. Tive o privilégio de a ouvir recitar poemas era ainda muito jovem e ela ainda estava no D. Maria II, de onde seria afastada por questões políticas, depois vi-a nalguns trabalhos no teatro, e também no cinema, sobretudo em “Mudar de Vida”, de Paulo Rocha, e “Benilde”, “Amor de Perdição” e “O Sapato de Cetim”, todos de Oliveira. A última vez que a vi em palco, foi num espectáculo memorável, durante um festival de Teatro de Almada, numa encenação de Joaquim Benite, ao lado de Eunice Muñoz e Carmen Dolores. Um experiencia única. Acabado o espectáculo, falei com o Benite, a Carmen, a Eunice e a Maria Barroso e pedi-lhes autorização para apresentar uma proposta à RTP para eu filmar aquele momento que eu calculava que não se iria repetir mais. Todos concordaram, escrevi uma proposta à RTP, houve ainda quem me dissesse pessoalmente que seria uma óptima ideia para apresentar no dia mundial da poesia. E depois, até hoje. Curiosamente, na noite em que falei com as actrizes, uma delas, já não recordo qual, disse-me, pesarosa. “Você pode propor, mas eles não vão aceitar. Isto não lhes interessa.” Não lhes interessou, é verdade, mas perdemos, todos nós, um registo de três das nossas melhores actrizes de sempre a dizerem poesia numa sóbria mas inesquecível encenação de Benite. Malhas que o império tece.
Maria Barroso era uma mulher de uma beleza límpida, de uma grande inteligência, de uma invulgar sensibilidade e de uma generosidade a toda a prova. Sempre que a convidei para uma qualquer minha actividade, ela nunca se recusou. Apareceu sempre. Com aquele sorriso bonito, o olhar brilhante, o gesto solidário. Nos anos 80, organizei um Festival de Cinema em Portalegre e passei um ciclo sobre José Régio, que foi meu professor quando andei no liceu da terra. No dia da passagem de “Benilde, ou a Virgem Mãe”, convidei Maria Barroso para aparecer. Lá esteve, no velho Cine Teatro Crisfal. Foi a primeira vez que a homenageei publicamente. Anos depois, no Porto, durante um Festival de Vídeo Escolar que dirigi no IPP, onde era professor, convidei-a para uma mesa redonda para discutir questões pedagógicas, e a Maria Barroso não só apareceu como foi dos oradores ouvidos com maior atenção e mais aplaudidos (e havia muitos e dos melhores do país). Ouvi-la era um prazer.
Anos depois, dirigi em Famalicão um festival sobre Cinema e Literatura, o Famafest. Na sua edição de 2006, ao lado de Graça Lobo, Teolinda Gersão e Manuel de Oliveira, Maria Barroso foi uma das homenageadas, recebendo a “Pena de Camilo”. Mais uma vez não se fez rogada e subiu de Lisboa ao Norte para aceitar de novo o abraço comovido deste admirador de sempre. Maria Barroso ostentava uma doçura de porte e uma nobreza de caracter que não se esquecem.
O meu filho Frederico nunca foi um bom aluno no sentido tradicional do termo. Adorava algumas disciplinas e detestava outras. Passou por um colégio onde chegou a ser maltratado por isso. Tirámo-lo de lá e, por indicação de alguns amigos, inscrevemo-lo no Colégio Moderno. Continuou a não ser bom aluno no “sentido tradicional do termo”. Ele gostava de cinema, teatro, ler o que não lhe mandavam e detestava ginástica. Chumbou um ano a ginástica e o professor, anos mais tarde, encontrou-me e veio-me explicar: “Eu não podia fazer outra coisa. Ele era um moço excelente, mas nem sequer se equipava”. No Colégio Moderno teve várias negativas, mas nas festas de fim do ano recebeu uma medalha pelas suas actividades extracurriculares. E foi sempre incentivado a estudar as cadeiras no “sentido tradicional do termo”, mas igualmente sempre apadrinhado pela Maria Barroso e a Isabel Soares nas suas ânsias de criatividade no campo do teatro e do cinema. Hoje é um bom profissional nessas áreas. Se não fosse a sensibilidade da direcção do Colégio Moderno (e a dos pais também, sejamos justos) poderia ter sido um revoltado desintegrado da sociedade.
Devo também isso a Maria Barroso. Devo ainda uma referência numa entrevista que nunca esquecei, sublinhando a minha actividade e as escolhas como programador de cinema da TVI. 
Maria Barroso estará sempre no meu coração, e no de milhares de portugueses. Foi um exemplo, e não é a simples paragem de um coração que a fará deixar de estar junto de nós. Ela continuará sempre aqui, como exemplo, sobretudo numa época em que os exemplos vão rareando.
(as fotos são do Famafest 2006)






sábado, maio 30, 2015

"A NOITE DAS MIL ESTRELAS" NO CASINO DO ESTORIL



A NOITE DAS MIL ESTRELAS



Devo dizer que gosto muito da Costa do Sol, com particular destaque para Oeiras, Estoril e Cascais. Recordei recentemente uma série de reportagens que publiquei no extinto jornal “República”, corria o ano de 1966, e que percorria a rota “Do Cais do Sodré a Cascais”, com subtítulo “Em Comboio eléctrico – primeira etapa de férias”, reportagem que foi premiada com o primeiro prémio no concurso promovido pela Junta de Turismo da Costa do Sol, “O Melhor Artigo sobre a Costa do Sol” (reportagem republicada  em “Cascais e seus Lugares”, Cascais, 1968). Teria muitas histórias para contar do tanto que por ali tenho vivido, desde as férias passadas com a família em Cascais, à minha estreita relação com o TEC desde a sua fundação, não esquecendo, infelizmente!, as últimas férias de meu pai, num hotel do Estoril, até às masterclasses que agora mantenho em Oeiras. Depois, devo confessar que gosto bastante de arriscar uns escudos ou uns euros nas máquinas do Casino, prazer que tenho abandonado pois os tempos não estão para esses apetites, e fui frequentador assíduo de concertos grandiosos, de espectáculos feéricos, com que Assis Ferreira dinamizou o novo Casino, sobretudo a partir de umas Galas orientadas pelo João Maria Tudela e que ajudaram a mudar a cara do velho para o novo. O “velho” era aquele Casino onde uma vez fui impedido de entrar porque não levava gravata e que justificou uma crónica no “Diário de Lisboa”, onde então escrevia. O “novo” é aquele espaço multicolor, explodindo em néones e jackpots (estes muito raros, infelizmente), com um salão preto e prata por onde passaram algumas das maiores vozes do mundo e também do maior silêncio mímico.
Há dias estreou um novo espectáculo neste espaço, “A Noite das Mil Estrelas”, da autoria de Filipe La Féria, que o escreveu e encenou, tendo por base uma viagem pelos momentos mais emblemáticos da história do Casino Estoril, desde os anos trinta à actualidade, fazendo, ainda, o enquadramento com a História de Portugal do séc. XX aos nossos dias. É um espectáculo ligeiro, um daqueles espectáculos para Casino. É conveniente não esquecer isto. Muita luz, cor, movimento, ritmo, mulheres bonitas, lantejoulas e plumas, entremeados com números de actores e cantores. O que me pareceu mais bem conseguido foram algumas evocações “históricas”, desde a fundação do casino, à praia do Tamariz, passando pela presença de personalidades como os reis de Espanha (Juan Carlos) e de Itália (Humberto), Grace Kelly, Ian Fleming, Margaret de Inglaterra, Soraya do Irão, Jorge Amado ou Salvador Dali. Mais desequilibradas são as recordações de algumas das muitas estrelas que deram luz a esta noite: Amália, Carlos do Carmo, Gloria Swanson, Tony Bennett, Elis Regina, Charles Aznavour, Júlio Iglésias, Liza Minnelli, The Platters, Stevie Wonder, Woody Allen, Ray Charles, entre muitos outros. Sem esquecer aquele memorável "Só Nós Três". 


Mas, globalmente, esta “A Noite das Mil Estrelas” é um grande espectáculo de music-hall, com um belíssimo guarda-roupa de Costa Reis, bem ritmado e animado, com o talento (e a loucura, pois então! de La Féria a dar boa conta de si. Não sei como aparece “O Rei Leão” nesta fantasia, mas trata-se de um número imperdível. Entre os intérpretes contam-se Alexandra, Rui Andrade, Gonçalo Salgueiro, Pedro Bargado, Vanessa, David Ripado, Dora, Cláudia Soares, João Frizza e Catarina Mouro. Obviamente que há um vistoso corpo de bailarinos, acrobatas e uma orquestra ao vivo. Tudo boas razões para optar por uma noite relaxante e fresca, a partir das 21h30, com o musical “A Noite das Mil Estrelas”, em exibição de quinta-feira a domingo (às 17h00), no Salão Preto e Prata do Casino do Estoril. M/12 anos. 

sexta-feira, maio 08, 2015

TEATRO: HÉCUBA


“HÉCUBA”

“Hécuba” é uma tragédia grega, escrita por Eurípides no ano de 424 a.C.. Passa-se depois de terminada a Guerra de Tróia, antes dos gregos deixarem a cidade, e tem como protagonista Hécuba, uma mulher que foi rainha e é agora escrava, que foi mãe de dois filhos e agora os chora, transformando-se “de um ser bom e humano numa “cadela vingadora de olhos de fogo” (citando o programa do espectáculo e a própria peça). 
A tragédia que agora se estreou no São Luiz, numa produção conjunta da Escola de Mulheres e do próprio São Luiz, é apresentada como “o sofrimento desmedido”, e que outra coisa se pode dizer de uma mulher que perde o país, o marido e dois filhos. A encenação de Fernanda Lapa toma esta base grega para nos falar do “sofrimento desmedido” de todas as mulheres em todas as guerras. Sem local definido, sem tempo anunciado. "Consideramos este espectáculo um libelo contra a guerra e dedicamo-lo a todas as mulheres que por esse mundo fora vivem, por esse motivo, um sofrimento desmedido", diz a encenadora. E continua: "A violência gera violência e o sofrimento em excesso a degradação. Ontem como hoje", escreve Fernanda Lapa.
Digamos que o resultado desta incursão pela tragédia grega é brilhante e asseguro que será, desde já, um dos grandes espectáculos de 2015 em Portugal. O trabalho da encenação é invulgarmente bem conseguido, moldando os corpos e as vozes do elenco, obedecendo a marcações imaginativas e surpreendentes, tudo isto num espaço extremamente austero, mas absolutamente espantoso em termos de eficácia espectacular, um cenário com a assinatura de António Lagarto, que ainda concebe um guarda-roupa admirável. Lagarto é sempre uma garantia e volta a demonstrá-lo. De resto, o elenco chega igualmente a ser notável, com presenças poderosas de Carla Calvão, Margarida Cardeal, Filomena Cautela, Fernanda Lapa, Luís Gaspar, entre outras e outros.
Escusado será aconselhar o público a entrar antes do espectáculo começar (porque também não pode entrar depois deste ter início), mas seria imperdoável perder o prólogo, com o fantasma de Polidoro a lançar luz sobre o flashback que se sucede.


Hécuba, de  Eurípedes; Tradução: José Luís Coelho, Maria do Céu Fialho e Fernanda Lapa; Dramaturgia e encenação: Fernanda Lapa; Espaço cénico e figurinos: António Lagarto; Coreografia e assistência de encenação: Marta Lapa; Desenho de luz: José Nuno Lima; Sonoplastia: Pedro Costa e Sérgio Henriques; Direcção de produção: Ruy Malheiro; Intérpretes: Hécuba: Carla Galvão, Cassandra: Margarida Cardeal, Polixena: Filomena Cautela, Serva: Nuna Livhaber, Clitemnestra: Fernanda Lapa, Coro: Fernanda Lapa, Filomena Cautela, Inês Santos Cruz, Margarida Cardeal, Sandra de Sousa, Nuna Livhaber, Expectro de Polidoro: Vasco Batista, Ulisses: Luís Gaspar, Polimestor: Luís Gaspar, Taltíbio: Vasco Batista, Agamémnon: Afonso Molinar; Co-produção: Escola de Mulheres e São Luiz Teatro Municipal; de 7 a 17 de Maio no São Luiz.