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domingo, fevereiro 28, 2016

OS FILMES DE 2015: CAROL


CAROL

O que distingue um belíssimo melodrama de um mau melodrama, eis uma questão curiosa, de uma difícil resposta. Creio que se trata tudo de uma questão de sensibilidade, de quem realiza a obra e de quem a observa. Na verdade, vi em dois dias sucessivos duas obras que rondam o melodramático. “Brooklyn” foi uma desilusão, “Carol” uma luminosa certeza. O filme de Todd Haynes prolonga harmoniosamente o que o cineasta já havia feito anteriormente, “Velvet Goldmine” ou “Longe do Paraíso”, por exemplo, mantendo algumas das suas constantes obsessões: o gosto pelo melodrama, e a inspiração de Douglas Sirk, o fascínio pelos anos 50 do século passado (o que se liga ao melodrama e a Sirk) e um interesse manifesto pela homossexualidade como comportamento sexual não respeitado pela sociedade. 
“Carol” parte de um romance de Patricia Highsmith, escrito em 1952, usando o pseudónimo de Claire Morgan. A obra chamava-se então “The Price of Salt” e só mais de trinta anos depois é que a autora o reivindicou em nome pessoal, com o novo título, “Carol”. Tudo porque Patricia Highsmith era lésbica e o romance era de certa forma autobiográfico, narrando uma história de amor ocorrida entre a escritora, então jovem empregada de balcão numa grande loja de brinquedos em Nova Iorque, pouco antes do Natal de 1948, e uma elegante e sofisticada loura que comprou brinquedos para a filha e convidou depois a empregada para encontros que redundaram numa apaixonante aventura emocional e sexual. Por essa altura uma história destas era altamente censurável pela sociedade bem-pensante, e quando lançou “Carol”, já na década de 80, Patricia Highsmith terminaria o seu epílogo com uma frase elucidativa: “Alegra-me pensar que este livro tenha dado a milhares de pessoas, solitárias e assustadas, algo a que se apoiarem”.


Adaptado ao cinema por Phyllis Nagy, “Carol” foi rodado, em Cincinnati, Ohio, EUA, entre 12 de Março e 25 de Abril de 2014, mas a ideia era passar por Nova Iorque no ano de 1952. A recriação dos anos 50 é excelente, não só de um ponto de vista decorativo, mas igualmente psicológico, ambiental e comportamental. Algo que já se havia notado como preocupação dominante no brilhante “Longe do Paraíso”. A recuperação da época não funciona só como cenário, mas como caracterização de um período. Magnífica é a fotografia e a banda sonora. Mas, sobretudo, fabulosa é a representação de Cate Blanchett e Rooney Mara, de uma sensibilidade, discrição, elegância, intensidade emotiva, e, no caso de Cate Blanchett, de uma provocante sedução que só uma actriz absolutamente notável consegue sugerir com olhares, pequenos gestos, palavras dúbias, presença absorvente. Depois, a realização de Todd Haynes é igualmente admirável na conjugação de todos estes elementos e na criação de um clima envolvente, mantido em suspense até final, com uma subtileza e elegância raras e uma intensidade emotiva invulgar. Grande filme de autor e de actrizes.


CAROL
Título original: Carol
Realização: Todd Haynes (EUA, Inglaterra, 2015); Argumento: Phyllis Nagy, segundo romance de Patricia Highsmith; Produção: Dorothy Berwin, Gwen Bialic, Cate Blanchett, Elizabeth Karlsen, Danny Perkins, Tessa Ross, Thorsten Schumacher, Andrew Upton, Christine Vachon, Bob Weinstein, Harvey Weinstein, Stephen Woolley; Música: Carter Burwell; Fotografia (cor): Edward Lachman; Montagem: Affonso Gonçalves; Casting: Laura Rosenthal; Design de produção: Judy Becker; Direcção artística: Jesse Rosenthal; Decoração: Heather Loeffler; Guarda-roupa: Sandy Powell; Maquilhagem: John Jack Curtin, Jerry DeCarlo, Ashley Flannery, Patricia Regan; Direcção de Produção: Gwen Bialic, Luciano Silighini Garagnani, Gretchen McGowan, Karri O'Reilly; Assistentes de realização: Kyle LeMire, Jesse Nye, Derek Rimelspach; Departamento de arte: Francis Link Boysie, Eric Johns, Meredith Lippincott, Paul Peabody, Bob Smith; Som: Geoff Maxwell, Nigel Maxwell, James David Redding III; Efeitos visuais: Ed Chapman, Chris Haney; Companhias de produção: Number 9 Films, Film4, Killer Films; Intérpretes: Cate Blanchett (Carol Aird), Rooney Mara (Therese Belivet), Kyle Chandler (Harge Aird), Jake Lacy (Richard Semco), Sarah Paulson (Abby Gerhard), John Magaro (Dannie McElroy), Cory Michael Smith (Tommy Tucker), Kevin Crowley (Fred Haymes), Nik Pajic (Phil McElroy), Carrie Brownstein (Genevieve Cantrell), Trent Rowland (Jack Taft), Sadie Heim (Rindy Aird), Kk Heim (Rindy Aird), Amy Warner (Jennifer Aird), Michael Haney (John Aird), Wendy Lardin (Jeanette Harrison), Pamela Evans Haynes, Greg Violand, Michael Joseph Thomas Ward, Kay Geiger, Christine Dye, Deb G. Girdler, Douglas Scott Sorenson, Ken Strunk, Mike Dennis, Ann Reskin, etc. Duração: 118 minutos; Distribuição em Portugal: NOS Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 4 de Fevereiro de 2016.



segunda-feira, fevereiro 22, 2016

OS FILMES DE 2015: A QUEDA DE WALL STREET


A QUEDA DE WALL STREET

Julgo que uma das habilidades dos banqueiros e do mundo da alta finança foi criar uma terminologia técnica de tal forma cerrada que poucos a dominam. Quem detém a entrada nesse universo onde imperam swaps, subprimes, agências de rating, taxas de juros, bolhas imobiliárias, hipotecas, alavancagens, singles tranches, moratórias, seguros, e muitas outras palavras e expressões de difícil significado, detém o poder e não o quer ver disseminado. Vem do tempo de “O Nome da Rosa” e do poder armazenado numa biblioteca onde só os eleitos penetravam. Hoje em dia as torres são as das Wall Streets de todo o mundo, onde se cozinham as negociatas que engordam os magnates, os banqueiros e os aldrabões de todo o género, e que depois a arraia miúda vai pagar por ter andado a “viver acima das suas posses”.
O caso de “The Big Short”, que Adam McKay realizou, e escreveu de colaboração com Charles Randolph, adaptando a obra de Michael Lewis, “The Big Short: Inside the Doomsday Machine”, é um bom exemplo para se desmistificar toda esta engrenagem que provocou o grande colapso bolsista e bancário de 2008, cuja crise se arrasta até hoje e que não sabemos bem quando irá acabar, se não for pelo contrário essa crise a acabar connosco. O filme joga com toda essa terminologia e para leigos na matéria (como eu), o risco parece grande de início. Mas cedo realizador e argumentista nos apaziguam a angústia. Estamos aqui para perceber como se forjou o grande golpe financeiro e, apesar de toda a areia para os olhos, compreende-se o essencial.  
Na verdade, trata-se de banditismo ao mais alto nível, daquele que altas figuras na hierarquia social praticam e do qual saem ilesas, sendo os prejuízos pagos pelo cidadão comum, que vai pagando aos bancos os prejuízos e as ameaças de falência com os impostos que crescem desenfreadamente com a justificação de que o estado social não se aguenta como tal, nas actuais condições. Claro que os bancos e as bolsas essas aguentam-se muito bem. “Ai aguentam, aguentam!”


Este filme baseia-se em factos reais ainda que ficcionados. Fala de personagens fictícios, mas existiram outras, com outros nomes, que fizeram mais ou menos o mesmo. Michael Burry (Christian Bale) é dono de uma media empresa norte-americana que decide investir na bolsa num fundo que coordena o sistema imobiliário nos EUA, prevendo que o mesmo venha a colapsar. É jogar ao contrário do habitual. Apostar no falhanço, tal como “Os Produtores”, de Mel Brooks, o fazia, mas aí numa produção teatral. Sabendo deste invulgar investimento, o corretor Jared Vennett (Ryan Gosling) aproveita a boleia e passa a oferecê-la a seus clientes, entre os quais Mark Baum (Steve Carell), dono de uma corretora em dificuldades. Entretanto, um especialista em questões financeiras, Ben Rickert (Brad Pitt), é igualmente convocado para a geringonça.
Michael Lewis, hoje conceituado jornalista e escritor, com 24 anos foi contratado pelo banco Salomon Brothers. Era bem pago, percebia muito pouco de actividade bolsista, mas começou a descortinar o que se passava nos bastidores da banca. Três anos depois demitiu-se e escreveu o "Liar’s Poker", onde relatava as suas experiências. Nessa altura tinha a certeza de que o colapso iria surgir. Esperou até 2007, quando descobriu que muitos investidores estavam a apostar tudo na queda do sistema, na desvalorização do imobiliário e na desregularização do mercado subprime.
Tirar daqui um filme que se acompanha como uma investigação policial, cheia de ironia e de invenções narrativas, é obra. O argumento terá de ser controlado ao milímetro, a montagem tem de ser ritmada e nervosa, sem, no entanto, cair do sufoco para o espectador, as interpretações convêm que sejam eficazes e, se possível, notáveis para credibilizarem as personagens. A realização terá que controlar tudo isto e mostrar alguma agilidade. “A Queda de Wall Street” consegue tudo isso, e temos que creditar boa parte do sucesso a um pouco conhecido Adam McKay, que vem da comédia e de “Saturday Night Live”, companheiro de Will Ferrer em varias comédias, actor, argumentista e realizador pouco visto fora dos EUA e que neste seu primeiro trabalho de grande folego não deixa de espantar. Na verdade, a forma como constrói “The Big Short” é invulgar, intercalando diferentes tipos de narrativas, actores falando para a câmara ou figuras vip da sociedade internacional (como a actriz Margot Robbie, a cantora e actriz Selena Gomez, o prémio Nobel de economia Richard Thaler, o gastrónomo Anthony Bourdain…) a explicarem terminologia técnica e conceitos mais difíceis de controlar. O resultado é surpreendente, mas funciona como um puzzle bem-humorado, inteligente e particularmente ácido para os visados.
Aí está, pois, pronto a disputar os Oscars, com cinco nomeações: Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Actor Secundário (Christian Bale) e Melhor Montagem. Tudo nos diz que não virá de mãos a abanar. É um forte candidato.


A QUEDA DE WALL STREET
Título original: The Big Short

Realização: Adam McKay (EUA, 2015); Argumento: Charles Randolph, Adam McKay, segundo obra de Michael Lewis; Produção: Dede Gardner, Jeremy Kleiner, Kevin J. Messick, Arnon Milchan, Brad Pitt, Louise Rosner; Música: Nicholas Britell; Fotografia (cor): Barry Ackroyd;  Montagem: Hank Corwin; Casting: Kathy Driscoll, Francine Maisler; Design de produção: Clayton Hartley;  Direcção artística: Elliott Glick; Decoração: Linda Lee Sutton; Guarda-roupa: Susan Matheson; Maquilhagem: Michelle Diamantides, Julie Hewett, Adruitha Lee, Annabelle MacNeal, Pamela S. Westmore; Direcção de Produção: Teddy Au, Lisa Rodgers, Louise Rosner; Assistentes de realização: Matt Rebenkoff, Amy Lauritsen, Pamela Monroe, Josh Muzaffer, Cali Pomes; Departamento de arte: Chris Arnold, Joe Bergman, Randall S. Coe, Jann K. Engel, Harrison Hartley, John Herbert, Lisa Kutyreff, K. Emily Levine, Wright McFarland; Som: Andrew DeCristofaro, Becky Sullivan; Efeitos especiais: Michelle Dickson, Drew Jiritano; Efeitos visuais: Sumriti Bhogal, Richard Bluff, Paul Linden, Mare McIntosh; Companhias de produção: Plan B Entertainment, Regency Enterprises; Intérpretes: Christian Bale (Michael Burry), Steve Carell (Mark Baum), Ryan Gosling (Jared Vennett), John Magaro (Charlie Geller), Finn Wittrock ( Jamie Shipley), Brad Pitt (Ben Rickert), Hamish Linklater (Porter Collins), Rafe Spall (Danny Moses), Jeremy Strong (Vinny Daniel), Marisa ( Cynthia Baum), Melissa Leo (Georgia Hale), Stanley Wong (Ted Jiang), Byron Mann( Wing Chau), Tracy Letts (Lawrence Fields), Karen Gillan (Evie), Max Greenfield, Margot Robbie, Selena Gomez, Richard Thaler, Anthony Bourdain, etc. Duração: 130 minutos; Distribuição em Portugal: NOS Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 14 de Janeiro de 2016.