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quarta-feira, janeiro 23, 2013

CINEMA: A VIDA DE PI



A VIDA DE PI
 
Ang Lee nasceu em 1954, em Taiwan, mas vive nos EUA desde há muito. A sua filmografia agrupa um conjunto de excelentes filmes que vão de “O Banquete de Casamento” (1993) ou “Comer Beber Homem Mulher” (1994), até “Sensibilidade e Bom Senso” (1995), “A Tempestade de Gelo” (1997), “Ride with the Devil” (1999), “O Tigre e o Dragão” (2000), “Hulk” (2003), “Chosen” (2001), “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005), “Sedução, Conspiração” (2007) até chegar a este recente “A Vida de Pi” (2012), que recebeu várias nomeações para os Oscars de 2013. Todos os títulos atrás referidos são particularmente curiosos e denotam sobretudo um intenso interesse pelo estudo do choque de culturas, de mentalidades, pelo enfrentar de preconceitos, onde a diferença é olhada de soslaio, por vezes com consequências nefastas.
“A Vida de Pi” parte de um romance de Yann Martel que continua a ter grande sucesso mundial e que nos fala de uma estranha aventura, vivida por um indiano, Pi Patel que deve o seu nome ao interesse do pai pelas piscinas francesas.
O filme inicia-se com um diálogo entre o protagonista e um escritor que o visita para conhecer essa invulgar viagem que ocupará o centro do filme. Pi Patel conta-lhe a sua infância passada na India, onde a família tinha um Zoo, até que um dia o pai resolve partir de barco para o Canadá, onde pensa vender a arca de Noé que viaja consigo. Mas uma tempestade tremenda faz naufragar o navio, Pi Patel perde toda a família, consegue içar-se para um bote, onde anda à deriva no Oceano Pacífico, na companhia de um tigre de Benguela (de nome Richard Parker!), e inicialmente também uma zebra, uma hiena e um orangotango, que vão sendo alimento do tigre. 
Não vou revelar muito mais sobre a acidentada jornada marítima, que tem paragem numa fascinante mas feroz ilha povoada por uma multidão de suricatas e vegetação carnívora, mas gostaria de sublinhar dois ou três aspectos da obra que me parecem interessantes. Inicialmente, o facto de Pi Patel ser um coleccionador de religiões, retendo, de cada uma delas, algum ensinamento e proveito. Isso o irá ajudar a sobreviver e sobretudo a criar um universo de fantasia (ou de realidade?) que torna “maravilhosa”, isto é “fantástica”, e muito pouco provável (ou será real?) toda a sua descrição final, quando é confrontado com dois japoneses de uma companhia de seguros que querem saber o que aconteceu a Pi e por que razão naufragou o navio.
 

É neste momento que acontece o diálogo que dá sentido à obra, depois de Pi narrar uma outra história, alternativa da primeira, e muito mais prosaica. Pi pergunta então ao escritor qual a sua versão preferida e qual gostaria de contar no seu romance. Este não hesita e prefere a primeira, com o mar encrespado, o batel carregado de animais, a tempestade enfurecida, a ilha que se transforma do dia para a noite… enfim toda a fantasia que dá cor à vida e lhe retira o colorido quando Pi conta a versão aparentemente mais realista. A simbologia relembra “O Homem que Matou Liberty Valance” que afirmava que “quando a lenda é mais forte que a realidade, o jornalista imprime a lenda”.
“A Vida de Pi” equilibra-se entre o relato de uma aventura maravilhosa e a receita do livro de ajuda, de como saber viver à maneira oriental. Percebo quem detesta a obra, mas também compreendo quem a coloca entre os grandes filmes de 2012. O estilo garrido, colhendo as cores berrantes da Índia tradicional, e a mensagem de uma espiritualidade simples, pode ser visto como kitsch para converter almas fracas e espíritos carenciados, um pouco à maneira de um Paulo Coelho do Hare Krishna, mas não deixa de ser uma aposta curiosa, transformando a obra numa proposta que pessoalmente não recuso e vou mesmo ao ponto de aconselhar.
Não será Ang Lee de melhor colheita, mas em tempo de vacas magras, um tigre de Benguela, ainda por cima chamado Richard Parker, não deixa de surpreender. 
 
 
A VIDA DE PI
Título original: Life of Pi
Realização: Ang Lee (EUA, Taiwan, 2012); Argumento: David Magee, segundo romance de Yann Martel; Produção: Ang Lee, David Lee, Gil Netter, Pravesh Sahni, David Womark; Música: Mychael Danna; Fotografia (cor): Claudio Miranda; Montagem: Tim Squyres; Casting: Avy Kaufman; Design de produção: David Gropman; Direcção artística: Al Hobbs, Ravi Srivastava, James F. Truesdale, Dan Webster, Decoração: Terry Lewis, Anna Pinnock; Guarda-roupa: Arjun Bhasin; Maquilhagem:  Kirstin Chalmers, Barrie Gower, Fae Hammond; Direcção de produção: Sandrine Gros d'Aillon, Kaushik Guha, Marc A. Hammer, Steven Kaminsky, Sanjay Kumar, Michael J. Malone, Sharon Miller; Assistentes de realização: William M. Connor, Renato De Cotiis, Sarah Hood, Nitya Mehra, Tiya Tejpal, David Ticotin; Departamento de arte: Sarah Contant, Shemi Dabhade, Wylie Griffin, Seema Kashyap, Malcolm Roberts, Gurubaksh Singh, Easton Michael Smith; Som: Shalini Agarwal, John Morris, Philip Stockton; Efeitos especiais: Jean-Martin Desmarais; Efeitos visuais: Lubo Hristov; Companhias de produção: Fox 2000 Pictures, Haishang Films, Rhythm and Hues; Intérpretes: Suraj Sharma (Pi Patel), Irrfan Khan (Pi Patel, adulto), Ayush Tandon (Pi Patel, adolescente), Gautam Belur (Pi Patel, criança), Adil Hussain (Santosh Patel), Tabu (Gita Patel), Ayan Khan (Ravi Patel, criança), Mohd Abbas Khaleeli (Ravi Patel, adolescente), Vibish Sivakumar Ravi Patel (19 anos), Rafe Spall (escritor), Gérard Depardieu (cozinheiro), James Saito, Jun Naito, Andrea Di Stefano, Shravanthi Sainath, Elie Alouf, Padmini Ramachandran, T.M. Karthik, Amarendran Ramanan, Hari Mina Bala, Bo-Chieh Wang, Ko Yi-Cheng, Jian-wei Huang, etc. Duração: 127 minutos; Distribuição em Portugal: Big Picture 2 Films; Classificação etária: M/12 anos; Data de estreia em Portugal: 20 de Dezembro de 2012. 



Ang Lee e os protagonistas de "A Vida de Pi"

 

domingo, setembro 14, 2008

CINEMA: SEDUÇÃO, CONSPIRAÇÂO

SEDUÇÃO, CONSPIRAÇÂO
Depois de uma permanência na América que lhe permitiu rodar dois filmes de seguida, “Hulk” (2003) e “O Segredo de Brokeback Mountain” (2006), Ang Lee parece ter tido necessidade de refundar a sua individualidade, regressando à China, para filmar “Sedução, Conspiração”, baseado num romance da escritora Eileen Chang, que aborda um tempo dramático da história da sua pátria, precisamente a época da II Guerra Mundial, durante a qual a China foi ocupada pelo Japão, e onde se incubou igualmente a China contemporânea, divida entre a República Popular da China e Taiwan, ou simplesmente República da China.
Diga-se de passagem que Ang Lee não é um nado da China comunista, da comandada por Mao Tsé-Tung, mas sim da China nacionalista de Chiang Kai-Shek, pois foi em Pingtung (Taiwan), que nasceu em 23 de Outubro de 1954, tendo estudado no National Taiwan College of Arts, emigrando depois, ainda novo, com a família para os Estados Unidos da América, onde cursaria “realização”, na University of Illinois, e produção cinematográfica na New York University. Durante o tempo da faculdade foi assistente de realização no filme de fim de curso de Spike Lee, "Joe's Bed-Stuy Barbershop: We Cut Heads". Em 1992 estreia-se na longa-metragem com "A Arte de Viver", a que se segue um pequeno grupo de filmes que lhe traçam uma sólida reputação: em 1993 dirige "O Banquete de Casamento", que ganhou o Urso de Ouro em Berlim, em 1994, "Comer, Beber, Homem, Mulher”, que recebeu uma nomeação para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (rodado em Taiwan), adaptando depois, no ano seguinte, uma obra de Jane Austen, " Sensibilidade e Bom Senso", até que, depois de ter assinado ainda, em 1997, "A Tempestade de Gelo", vê confirmado e reconhecido o seu talento, com “O Tigre e o Dragão" (2000), filme com que ganha dois Globos de Ouro, triunfando igualmente no Festival de Cannes. A sua excelente versão de “Hulk” é de 2003, a que se segue, em 2005, "O Segredo de Brokeback Mountain", com apoteóticos Óscar e Globo de Ouro para Ang Lee. Casado e pai de dois filhos, divide a sua existência pelos EUA e a China.
Realizador de uma extrema sensibilidade, voltado para as minorias e para os seus problemas, voluptuoso no seu cinema, quer nas imagens, quer nos temas abordados, onde o amor e a sexualidade impõem presença absorvente, Ang Lee é um dos grandes cineastas actuais, mais um a contribuir para o progressivo peso que a cultura e as artes orientais ocupam presenemente no panorama mundial contemporâneo, com uma ressonância muito especial nas culturas ocidentais. “Sedução, Conspiração” regressa aos tempos da II Guerra Mundial, precisamente a Xangai, 1942, durante a ocupação japonesa. O filme revela de início uma construção relativamente complexa com o recurso a “flash backs” nem sempre muito perceptíveis. Uma senhora de porte burguês, de nome Mak, passeia por uma das ruas de Xangai, entra num café, telefona de forma misteriosa, despoletando uma qualquer acção, e senta-se, olhando a rua através da vidraça. Boa altura para o seu pensamento, e nós com ele, retrocedermos a 1938, quando essa assumida senhora Mak não passava de uma estudante universitária de nome Wong Chia Chi, que é convidada se juntar ao elenco de um grupo de teatro nacionalista e revolucionário, que não aceita representar “esse burguês drama que é “A Casa de Bonecas””, e opta por algo que faz levantar todas as noite o fervoroso público, entusiasmado, que grita “Viva a China!”. A jovem está igualmente arrebatada com a revelação da arte dramática, e timidamente apaixonado pelo colega Kuang, o mesmo que a convidara a integrar o grupo e a desvia para uma acção não já de representação em palco, mas na perigoso e sedutora vida real.
Wong Chia Chi aceita associar-se à conspiração urdida para matar um importante político chinês, Mr. Yee, que é um dos mais relevantes colaboracionistas chineses com o governo japonês. Wong passará a ser a senhora Mak, a quem cabe a difícil tarefa de se insinuar no restrito e muito bem guardado grupo de senhoras que joga todos os dias “majong”, entre as quais se conta a mulher de Mr. Yee. Será através dela que irá mais longe, até junto de Yee, tornando-se sua amante. A ligação leva tempo a assumir-se e não será nessa primeira tentativa que o assassinato resultará. Anos depois, em 1941, Kuang reencontra Wong, esta volta a vestir a pele da senhora Mak, e desta feita a relação amorosa com Yee resulta plenamente, para desilusão de ambos os amantes: Wong nunca terá pensado deixar-se submeter por esse desejo mórbido que a entrega literalmente nas mãos torturadoras de Yee, este deixa-se finalmente sucumbir aos encantos da dita senhora Mak que o entrega à morte. Nem tudo será, porém, tão simples, há muitas outras peripécias e um final que não se revela, mas o breve resumo permite prever várias questões: um filme de fundo político, sobre a China esmagada pelo Japão, que tenta sobreviver como nação, e será deste cadilho de paixões políticas extremadas que irão surgir as duas Chinas até hoje inconciliáveis. Por outro lado, desenvolvendo-se em paralelo, uma outra história de submissão e tortura, mas esta a um nível pessoal, e atormentadamente desejada pela vitima.
O filme não tem a desenvoltura formal de algumas outras obras de Ang Lee, arranca mal, é muito lenta e relativamente confusa na sua meia hora inicial, revela nalgumas sequências, um academismo não muito conforme ao autor em questão, mas é uma obra interessante, com uma boa descrição histórica de China desta época, e sobretudo um estudo muito curioso de uma relação intimamente conflituosa entre um torturador sádico e uma mulher submissa no seu intimo, mas revolucionária na sua conduta, o que torna toda a relação muito complexa. Wong deseja sexualmente a presença de Yee, que a domina, a brutaliza e a satisfaz, mas entrega-o enquanto carrasco do seu povo. O conflito entre o seu desejo e o seu dever nunca se resolve até final e ela (e os seus camaradas) vem a ser vítima desse descontrolo. O que relembra o fascinante “Senso”, de Visconti, sem o fulgor melodramático do mestre italiano. Mas as relações entre vítima e carrasco, e a sedução que delas pode advir, inclusive para o submisso, isso aponta para Liliana Cavani e “O Porteiro da Noite”, na altura um filme tão incompreendido e maltratado e hoje em dia tão “in” nas sexualidades alternativas.
Mais uma vez Ang Lee se embrenha num universo de uma sexualidade reprimida (e repressora: uma não existe sem a outra!), demonstrando não só tacto, como uma grande agilidade e sensibilidade a filmar cenas de sexo explícito, que nunca caem no pornográfico de mau gosto, apesar de rondarem perigosamente esse abismo. Excelentes actores, com especial destaque para Tony Leung Chiu Wai, um Mr. Yee de uma frieza e de um rigor de composição notáveis, que deixa explodir na cama toda a sua agressividade, e para a estreante Wei Tang, que consegue transmitir toda a perturbante duplicidade de sentimentos.

SEDUÇÃO, CONSPIRAÇÂO
Título original: Se, jie ou Se jie ou Lust, Caution
Realização: Ang Lee (EUA, China, Taiwan, Hong Kong, 2007); Argumento: James Schamus, Hui-Ling Wang, segundo romance de Eileen Chang ; Produção: Lloyd Chao, William Kong, Ang Lee, David Lee, Zhong-lun Ren, James Schamus, Darren Shaw, Dai Song, Doris Tse; Música: Alexandre Desplat; Fotografia (cor): Rodrigo Prieto; Montagem: Tim Squyres; Casting: Rosanna Ng; Design de produção: Lai Pan; Direcção artística: Kwok-wing Chong, Eric Lam, Sai-Wan Lau, Bill Lui, Alex Mok; Guarda-roupa: Lai Pan; Direcção de produção: Gerry Robert Byrne, Eric Fong, Chiu Wah Lee, Wai Luen Pang; Assistentes de Realização: Tze Hung Lam, Rosanna Ng; Departamento de arte: Sai Kit Wong; Som: Eugene Gearty, Philip Stockton; Efeitos visuais: Jeff Briant, Zachary J. Gans, Matt Glover, Sarah McMurdo, Ben Simons, Brendan Taylor, Fiona Campbell Westgate; Companhias de produção: Hai Sheng Film Production Company, Focus Features, Haishang Films, Mr. Yee Productions, River Road Entertainment, Sil-Metropole Organisation.
Intérpretes: Tony Leung Chiu Wai (Mr. Yee), Wei Tang (Wong Chia Chi / Mak Tai Tai), Joan Chen (Yee Tai Tai), Lee-Hom Wang (Kuang Yu Min), Chung Hua Tou (Old Wu), Chih-ying Chu (Lai Shu Jin), Ying-hsien Kao (Huang Lei), Yue-Lin Ko, Johnson Yuen, Kar Lok Chin, Su Yan, Caifei He, Ruhui Song, Anupam Kher, Liu Jie, Hui-Ling Wang, Akiko Takeshita, Hayato Fujiki, Yu Lai Cheng, Li Dou, Yuji Kojima, Lisa Lu, Jacob J Ziacan, etc.
Duração: 157 minutos; Distribuição em Portugal: Lusomundo; Classificação etária: M/ 18 anos; Data de estreia: 31 de Janeiro de 2008 (Portugal); Data de estreia: 24 de Setembro de 2007 (mundial).