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quarta-feira, fevereiro 28, 2018

DUNKIRK



DUNKIRK

A chamada batalha de Dunquerque decorreu durante a II Guerra Mundial, em território francês. Tropas francesas, inglesas, belgas, entre outras, ficaram isoladas e encurraladas pelo avanço nazi na costa de Dunquerque, entre finais de Maio e o dia 4 de Junho de 1940. Esta batalha teve um desfecho trágico, pelo número de baixas que se verificaram, sobretudo do lado dos Aliados, mas a conclusão é complexa e contraditória: pode falar-se, de um lado e do outro, de vitória e derrota. Os Aliados tiveram de retirar numa situação não muito heroica, mas essa retirada acaba por ser uma vitória, pois evita a morte de quase 350.000 militares, de entre os mais de 400.000 que ali se encontravam concentrados, à mercê do avanço da infantaria alemã e dos raids da Luftwaffe. Por outro lado, os nazis conseguiram expulsar da região aquele contingente de tropas militares inimigas, mas acabaram por sentirem frustrados os seus intentos, pois a grande maioria deles escapou numa operação naval de grande fôlego, desencadeada pelo Reino Unido, sob o comando persistente de Winston Churchill (veja-se o filme “Darkest Hour”, que explica bem a génese desta iniciativa).
Perante o quadro existente na altura (400.000 militares encurralados e à espera de uma morte anunciada, numa praia do norte de França), duas atitudes se colocavam aos altos dirigentes políticos e militares ingleses: ou tornam aqueles militares vítimas indefesas dos nazis, dada a dificuldade de os defender ou tentam evacuá-los numa perspectiva quase suicida, quer para os encurralados, quer para os que os iriam tentar libertar. Optou-se pela última solução, enviando para Dunquerque vários navios de guerra, mas igualmente centenas de pequenas embarcações de pesca ou de recreio, que partiram do porto de Dover, sob o comando do vice-almirante Bertram Ramsay. A esta operação foi dado o nome de Dinamo.
É este o quadro do último filme de Christopher Nolan, que foi nomeado para oito Oscars, entre os quais o de Melhor Filme e Melhor Realizador. 
Christopher Nolan é um dos realizadores norte-americanos mais interessante entre os revelados já no século XXI. Norte-americano por quase toda a sua obra ser produzida e realizada em estúdios de Hollywood, apesar da sua naturalidade ser inglesa (nasceu em Londres a 30 de Julho de 1970). Mas já assinou títulos notáveis e de grande originalidade, como “Memento” (2000), “Insónia” (2002), “Batman, o Início” (2005), “O Terceiro Passo” (2006), O Cavaleiros das Trevas (2008), “A Origem” (2010), “O Cavaleiro das Trevas Renasce” (2012) ou “Interstellar” (2014), todos anteriores a “Dunkirk” (2017). Uma conclusão se pode desde logo retirar deste conjunto de obras: o seu autor consegue conciliar com extremo equilíbrio o sucesso comercial e o rigor de um verdadeiro autor, com uma temática própria e um gosto facilmente identificável de uma narrativa original, jogando sobretudo com o factor tempo (ou com tempos diversos).
“Dunkirk” é um filme brilhante sob diversos pontos de vista. Transformar uma retirada estratégica num acto heroico é conseguido de forma notável. Não há praticamente heróis individuais, há uma força colectiva que se movimenta, nas praias de Dunquerque ou nas águas do canal da Mancha, por ar, mar e terra. Consegue montar em paralelo estas acções, ora documentando a espera da morte, ou de um barco salvador, nas areias da praia, ora acompanhando batalhas aéreas entre pilotos britânicos e alemães, ora testemunhando a odisseia de barcos de guerra ou de pequenas embarcações com civis voluntários que se oferecem para esta acção quase suicida de resgate. O clima de inquietação e suspense é magnificamente dado pela montagem de Lee Smith, a fotografia de Hoyte Van Hoytema consegue uma tonalidade de quotidiano dramatismo que se impõe, a música de Hans Zimmer e todo o som do filme criam uma banda sonora de grande carga emotiva, sem, no entanto, ser redundante ou excessiva. A interpretação, sem grandes sobressaltos individuais, alia-se a essa intenção de produzir uma gesta colectiva. Um belíssimo e pungente filme que ajuda a consolidar a imagem de um cineasta.



DUNKIRK
Título original: Dunkirk
Realização: Christopher Nolan (Inglatewrra, EUA, 2017); Argumento:

Christopher Nolan; Produção: Christopher Nolan, Maarten Swart, Emma Thomas, Andy Thompson, John Bernard, Erwin Godschalk, Jake Myers; Música: Hans Zimmer; Fotografia (cor): Hoyte Van Hoytema; Montagem: Lee Smith; Casting: John Papsidera, Toby Whale; Design de produção: Nathan Crowley; Direcção artística: Toby Britton, Oliver Goodier, Kevin Ishioka, Eggert Ketilsson, Benjamin Nowicki, Erik Osusky; Decoração: Emmanuel Delis, Gary Fettis; Guarda-roupa: Jeffrey Kurland; Maquilhagem: Luisa Abel, Jessica Brooks, Nicola Buck, Patricia DeHaney, etc. Direcção de Produção: Daniel-Konrad Cooper, Chris Dowell, Christine Raspillère, Page Rosenberg-Marvin, Nicky Tüske; Som: Richard King; Efeitos especiais: Karine Branco, Ian Corbould, Paul Corbould, Tony Edwards, Marie Korf, Jason Leinster, Ben Vokes; Efeitos visuais: Nick Ghizas, Arushi Govil, Andrew Jackson, Anshul Kashyap, Anne Putnam Kolbe, Liz Mann, Jeff Reeves,  Emma Rider; Companhias de produção: Syncopy, Warner Bros., Dombey Street Productions, Kaap Holland Film, Canal+, Ciné+, RatPac-Dune Entertainment; Intérpretes: Fionn Whitehead (Tommy), Damien Bonnard (soldado francês), Aneurin Barnard (Gibson), Kenneth Branagh (comandante Bolton), Tom Nolan, James D'Arcy, Lee Armstrong, James Bloor, Barry Keoghan, Mark Rylance, Tom Glynn-Carney, Tom Hardy, Jack Lowden, Luke Thompson, Michel Biel, Constantin Balsan, Billy Howle, Mikey Collins, Callum Blake, Dean Ridge, Bobby Lockwood, Will Attenborough, James D'Arcy, Matthew Marsh, Cillian Murphy, Adam Long, Harry Styles, Miranda Nolan, Bradley Hall, Jack Cutmore-Scott, Brett Lorenzini, Michael Fox, Brian Vernel, Elliott Tittensor, Kevin Guthrie, Harry Richardson, etc. Duração: 104 minutos; Distribuição em Portugal: NOS Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 20 de Julho de 2017. 

domingo, outubro 03, 2010

CINEMA: A ORIGEM

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A ORIGEM

"A Origem", de Christopher Nolan, é um filme surpreendente a vários títulos. Não o será tanto pelo tema. Na verdade, quem conhece a obra de Nolan sabe que o seu território de eleição são os mundos paralelos, sobretudo os que se situam no interior do próprio homem. Foi assim em "Memento" (2000), onde os labirintos da memória eram o tema central, foi assim em "Insónia" (2002), onde Al Pacino e Robin Williams se embrenhavam num campo de letargia, foi assim em "O Terceiro Passo" (2006), onde a magia e a ilusão interagiam com a realidade, e foi ainda assim nas duas etapas de “Batman” que Nolan dirigiu, recuperando a personagem para terrenos de uma outra exigência, "Batman: O Início" (2005) e "O Cavaleiro das Trevas" (2008).
De onde surge então a estranheza desta obra? Antes de mais, este é um filme de autor, que aparentemente se diria de uma complexidade de tema e de narrativa que nada fazia prever ficar à frente do “box office” mundial neste ano de 2010. E ficou como uma das obras mais rentáveis da temporada. Depois, é sabido que presentemente a maior percentagem do público que vai às salas de cinema mundiais são jovens, adolescentes, e não esperava francamente que se interessassem por duas horas e meia de acção, é certo, mas de acção que tem por cenário a mente humana e os meandros dos sonhos. A verdade é que vi “A Origem” numa sala repleta de jovens, que seguiram silenciosamente o filme e o discutiram de forma muito madura no final. Muito mais madura, diga-se, que muitos adultos que o acharam “chato” e incompreensível. Questão nítida de diferença de gerações e de desadaptação a novas linguagens e temas, onde as realidades paralelas assumem papel preponderante. Que os jovens tratam por tu, e os menos jovens tendem a não compreender, ou a não entenderem tão bem e tão rapidamente. Afinal, um filme de autor, “difícil”, manuseando conceitos abstractos, narrado de forma descontínua, apelando ao onirismo e senhor de um apuro gráfico e plástico invulgar, pode ser um grande sucesso de público. Ainda bem.
Don Cobb (DiCaprio), é um profissional do roubo. Dir-se-ia que nos encontramos no início de mais um daqueles célebres filmes de “assaltos a bancos, comboios ou casinos”, que alguns apelidam de "heist movie", mas neste caso o roubo é de natureza muito diferente: Cobb assalta sonhos, de onde rouba preciosas informações, segredos recolhidos no mais profundo do inconsciente e que os sonhos revelam. Obviamente que estamos no domínio da ficção científica, mas também no da metáfora. Cobb (e a sua equipa de especialistas) revela-se um tão exímio profissional que lhe propõem desafios ainda mais extenuantes. Não apenas roubar sonhos, mas introduzir sonhos nos sonhos. Esta engenhosa forma de manipular mentes conduzi-lo-á a um caso de espionagem industrial. Ele terá que entrar no sonho de Fischer (Cillian Murphy), o filho de um magnata que acaba de falecer, e que um concorrente directo quer anular. O que se ambiciona é que Fisher “sonhe” que o seu pai pretendia desmembrar o seu império. Adormecido Fisher, o grupo lança-se na aventura, tanto mais perigosa quanto, do lado de Fisher, também existem exércitos de protectores, que obrigam a que os sonhos se multipliquem, isto é, dentro de cada sonho pode viajar-se para um outro sonho mais profundo, até se atingirem perigosos níveis de onde dificilmente se escapará, podendo permanecer-se num limbo de efeito incalculável.
Sequestrado Fischer, impõe-se levá-lo a abrir um cofre inscrito no mais recôndito esconso do seu subconsciente, onde foi inscrita a semente de uma ideia que ele terá de acreditar ser sua. Inventa-se um forjado testamento e leva-se Fisher a relembrar a “chave” que o irá abrir. Tudo isto no meio das mais invulgares peripécias, perseguições desenfreadas, lutas corpo a corpo na imponderabilidade do vazio, explosões desmedidas em montanhas nevadas, comboios ultrasónicos que atravessam o ecrã e as mentes dos espectadores. E momentos de aparente relaxe, como os que induzem ao sonho, sob o efeito de “Non, Je Ne Regrette Rien”, celebrizada por Édith Piaf, e por Marion Cotillard no filme biográfico que a entronizou (a mesma Marion Cotillard que interpreta a figura de Mal, a “femme fatal”, casada com Cobb).
Por falar nisso, há mais a sublinhar. Cobb não entra na aventura apenas pelo sucesso desta, mas porque procura, através dela, resgatar uma culpa antiga que se prende com um pretenso, ou real, suicídio da sua mulher, Mal. Tenta ainda o regresso aos Estados Unidos, para se reunir aos seus dois filhos. A culpa é igualmente um dos temas recorrentes na filmografia de Christopher Nolan, que aqui reaparece, e que introduz um clima pesado e dramático numa história já de si nebulosa.
O desafio proposto ao espectador, é estimulante e obriga a uma atenção constante. Difícil se torna saber onde começa a realidade (que realidade?, já é outra questão), onde começa o sonho, nível 1, onde se salta para um nível inferior, quando se regressa (será que se regressa?) e assim por diante. Depois há ainda uma agravante temporal: a realidade tem uma duração, cada nível onírico tem a sua duração própria, como interagir neste universo de tempos paralelos? Um carro a cair de uma ponte sobre um rio pode demorar 20 segundos na realidade, 20 minutos no nível 1 dos sonhos, e 2 horas no patamar seguinte. Cada sonho é gerido por um dos elementos do grupo de assalto que o liberta, logo cada sonho impõe uma lógica diferente, ligada ao estado de espírito e à situação física de quem o sonha: alguém com necessidade imperiosa de urinar pode desenvolver um sonho onde a chuva tenha papel preponderante.
“A Origem” é difícil de resumir num texto, nem o intuito deste é fazê-lo, inclusive para não retirar “suspense” a quem o vê (por falar em “suspense”, anda por aqui um pouco de Hitchcock à mistura com os mundos paralelos de “Matrix”). Mas importa ainda referir quer a qualidade da fotografia de Wally Pfister, quer a montagem (impossível!) de Lee Smith, a partitura musical de Hans Zimmer ou a sonoplastia de Richard King. Direcção artística, guarda-roupa, efeitos especiais são todos eles excepcionais, bem como o trabalho de um elenco invulgarmente dotado. Por aqui andarão muitas nomeações para os Oscars, que se adivinham já.
Um belíssimo e inteligente filme de um autor que se confirma como um dos mais importantes da moderna cinematografia norte-americana.

A Origem
Título original: Inception
Realização: Christopher Nolan (EUA, 2010); Argumento: Christopher Nolan; Produção: Jordan Goldberg, Thomas Hayslip, Christopher Nolan, Kanjiro Sakura, Yoshikuni Taki, Emma Thomas; Música: Hans Zimmer; Fotografia (cor): Wally Pfister; Montagem: Lee Smith; Casting: John Papsidera; Design de produção: Guy Dyas; Direcção artística: Luke Freeborn, Brad Ricker, Dean Wolcott; Decoração: Larry Dias, Douglas A. Mowat; Guarda-roupa: Jeffrey Kurland; Maquilhagem: Luisa Abel, Janice Alexander, Terry Baliel; Direcção de produção: Jan Foster, David E. Hall, Elona Tsou; Assistentes de realização: Richard Graysmark, Brandon Lambdin, Nilo Otero; Departamento de arte: Charlsey Adkins, Dominique Arcadio, Jim Barr, Aric Cheng; Som: Richard King; Efeitos especiais: Chris Corbould, John Fleming; Efeitos visuais: Richard Bain, Mikael Brosset, Monette Dubin, Paul J. Franklin; Companhias de produção: Warner Bros. Pictures, Legendary Pictures, Syncopy; Intérpretes: Leonardo DiCaprio (Cobb), Joseph Gordon-Levitt (Arthur), Ellen Page (Ariadne), Tom Hardy (Eames), Ken Watanabe (Saito), Dileep Rao (Yusuf), Cillian Murphy (Robert Fischer), Tom Berenger (Peter Browning), Marion Cotillard (Mal), Pete Postlethwaite (Maurice Fischer), Michael Caine (Miles), Lukas Haas (Nash), Tai-Li Lee, Claire Geare, Magnus Nolan, Taylor Geare, Johnathan Geare, Tohoru Masamune, Yuji Okumoto, Earl Cameron, Ryan Hayward, Miranda Nolan, Russ Fega, Tim Kelleher, Talulah Riley, etc. Duração: 148 minutos; Distribuição em Portugal: Columbia TriStar Warner Filmes de Portugal; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 22 de Julho de 2010.

domingo, setembro 07, 2008

CINEMA: O CAVALEIROS DAS TREVAS

O CAVALEIRO DAS TREVAS
“O Cavaleiro das Trevas”, de Christopher Nolan, baseia-se num conceito e numa personagem, para sobre eles erguer todo o filme. O conceito é a dualidade de potencialidades que existe no interior de cada ser humano, e que podem ser desenvolvidas para o Bem ou para o Mal, o que se exemplifica de forma bem concreta na personagem de Harvey Dent (Aaron Eckhart), mais tarde também chamado precisamente “Two-Face”, e que deita à sorte a morte ou a sobrevivência de quem consigo se cruza atirando uma moeda ao ar, uma cara clara ou uma coroa bem escura. Ou seja, para Jonathan Nolan e Christopher Nolan, que escreveram o argumento de “The Dark Knight”, conjuntamente com David S. Goyer, segundo lendárias personagens criadas por Bob Kane, na célebre banda desenhada, o Homem tem dentro de si a capacidade de escolher o seu caminho, investindo no Bem ou acometendo o Mal, consoante o seu desígnio. Mas este desígnio é prefigurado no filme por dois símbolos igualmente muito significativos enquanto tal: Batman (Christian Bale) e Joker (Heath Ledger). O Bem sabe-se que se chama, na realidade, Bruce Wayne, que tem uma dupla existência, sendo por vezes o misteriosos Batman, que é milionário e se serve da sua riqueza não só para lutar contra o crime, como para socorrer quem precisa. Do Mal, nada se sabe. O Joker é, efectivamente, um enigma, como enigma são todos os grandes “monstros” da história humana. Como chegaram ao que foram ninguém sabe, apesar de se lançarem muitas pistas sociais e psicanalíticas. O Mal existe, está aí, é o Joker neste filme. Um Mal terrível, que não se preocupa com a acumulação do dinheiro ou a conquista poder, que não tem intenções pessoais de grandeza desmedida, mas que se instila e segreda ao ouvido de cada um, como o grilo do Pinóquio, mas sempre numa catastrófica perspectiva demoníaca. São as modernas “Tentações de Santo Antão”, onde as provocações do Mal existem apenas como forma de corromper o homem, a sociedade e, sobretudo, o Bem. O Joker não tem qualquer fito concreto na extensão do Mal a não ser precisamente isso, expandir o Mal. O seu olhar não repousa tranquilamente sobre as vitimas, vagueia no espaço, fala de forma capciosa para alguém, mas olha em redor em busca de nova vítima, quer multiplicar os pecadores, ampliar o horror, criar o caos total, sem intuitos pré definidos, apenas porque o caos é assim, sem princípio nem fim, sem arrumação possível, imprevisível e absurdo, tal qual a genial criação de Heath Ledger.
Se Batman é arrumadinho e consciencioso, tem escritório e guarda-fato electrónico para a sua máscara secreta, se tem a ciência que o ajuda (que o aconselha sobretudo a ser moralmente irrepreensível e não invadir a privacidade do cidadão, coisa de somenos para a actual administração Busb), se tem um mordomo que vela pela sua comodidade, se aceita passar por vilão, para que a polis sobreviva, se Batman é a norma positiva da vida em sociedade, o Joker é obviamente o seu contrário, o triunfo do absurdo sob a forma de horror. Um horror que se estampa desde logo no seu rosto de um riso imposto, de boca riscada a lâmina, com múltiplas explicações, adaptadas a cada novo ouvinte.
O Joker normalmente é a carta do baralho que traz fortuna (veja-se a ambiguidade do termo “fortuna”, que quer dizer “sorte” e “riqueza”, como se ambas se sobrepusessem). Aqui o Joker não anuncia nada de benigno, antes pelo contrário. Em Gotham City, o crime vive ameaçado por um promotor público que o quer erradicar da cidade e por um chefe da polícia que está igualmente disposto a não pactuar com a corrupção e o desmando. Batman é o aliado de ambos a quem se recorre para impor ordem na desordem. Basta acender rumo ao céu o holofote que a comunidade já conhece para que o temor e o respeito pela justiça desçam sobre a cidade. O que leva a Máfia a saturar-se da situação que lhe deixa pouca margem de manobra. Aceita por isso os serviços do Joker para restaurar a velha anarquia e impor de novo o caos. O Joker agradece. Nada lhe dá mais prazer do que o Mal. Praticá-lo, sim, mas sobretudo difundi-lo, alargar horizontes, contaminar, perverter, ir ao hospital onde se encontra um doente especial e transformar o seu rosto de belo e justo cidadão no estertor da morte. Assim seja.
Um tal filme poderia passar por uma parábola simplista para incautos desprevenidos. Mero raciocínio falhado. Ao que se assiste é a um dos melhores filmes do ano, alicerçado num argumento escrito com inteligência e intencionalidade, sem primarismos nem facilidades, saído de uma banda desenhada, cujo espírito respeita, mas a que confere uma maturidade e uma universalidade evidentes, e que consegue o feito indesmentível de transmitir ao longo de toda a sua projecção um enorme mal estar, esse mal estar que se instalou há anos na sociedade norte-americana e que lentamente se vai estratificando numa psicose malsã. O mundo atravessa uma crise profunda, mas essa crise ainda se sentirá mais na sociedade norte-americana, dividida profundamente quanto ao que de mais essencial a democracia significa, o que se pode verificar inclusive pelos resultados das sondagens eleitorais. Sem querer identificar de forma muito primária o Mal e o Bem com divisões partidárias, o que se pode concluir é que esta divisão (em grande parte consequência do 11 de Setembro, mas também do catastrófico governo Bush, para lá de outras causas de menor impacto) está a gerar no subconsciente colectivo uma onda de insegurança, de pânico, de angústia, de inquietação que ninguém pode ignorar, com as consequências para o futuro dessa sociedade (e do mundo) que também ninguém pode antever com precisão.
Para recriar plasticamente este clima de ameaça latente, de á beira de fim de mundo, Christopher Nolan serve-se de uma direcção artística magnifica, de uma excelente fotografia, de uma banda sonora impressionante, de uma partitura musical inspirada, de uma montagem que sabe criar o clima próprio, mas sobretudo de um conjunto de actores absolutamente invulgar. Christian Bale, Michael Caine, Gary Oldman, Morgan Freeman, Aaron Eckhart, Maggie Gyllenhaal, Eric Roberts e tantos outros mostram-se dignos uns dos outros, criando um elenco de luxo, onde será justo destacar a cereja em cima do bolo, o malogrado Heath Ledger que demonstra aqui o seu enorme talento e a justeza da sua representação. Ser vilão é muito mais fácil do que ser um honesto e cinzento cidadão. Mas há vilões e vilões. Este de Heath Ledger não é apenas mais uma figura pitoresca, uma máscara postiça, um fato que se veste como se despe. Ele carrega de vida intensa uma personagem histriónica, coloca angústia no esgar que se pensa apenas sorridente, mas nunca se afasta da figura da tragédia. Ele transforma o Joker num símbolo de maldade imanente e absoluta que consegue alastrar a cada espectador e imbuir de pesadelos os nossos sonhos ao sair da sala de cinema. Se há actor que se liberta da lei da morte, aqui está um que se torna inesquecível. Ele continuará a povoar de inquietação e de sardónico riso as ruas solitárias e nocturnas das grandes metrópoles.
O CAVALEIRO DAS TREVAS
Título original: The Dark Knight
Realização: Christopher Nolan (EUA, 2008); Argumento: Jonathan Nolan, Christopher Nolan, David S. Goyer, segundo personagens criadas por Bob Kane; Produção: Christopher Nolan, Charles Roven, Emma Thomas, Kevin De La Noy, Jordan Goldberg, Philip Lee, Karl McMillan, Benjamin Melniker, Thomas Tull, Michael E. Uslan; Música: James Newton Howard, Hans Zimmer; Fotografia (cor): Wally Pfister; Montagem: Lee Smith; Casting: John Papsidera; Design de produção: Nathan Crowley; Direcção artística: Mark Bartholomew, James Hambidge, Kevin Kavanaugh, Simon Lamont, Steven Lawrence, Naaman Marshall; Decoração: Peter Lando; Guarda-roupa: Lindy Hemming; Maquilhagem: Janice Alexander, Peter Robb-King; Direcção de produção: Chen On Chu, Bill Daly, Geoff Dibben, Jan Foster, David E. Hall, Thomas Hayslip, Michael Murray, Susan Towner; Assistentes de realização: Julian Brain, Michael T. McNerney, Nilo Otero; Departamento de arte: J. André Chaintreuil, Jenne Lee, Robert Woodruff; Som: Richard King; Efeitos especiais: Chris Corbould, Don Parsons; Efeitos visuais: Joyce Cox-Weisiger, Nick Davis, Raul Esparza III, Julie Verweij, Mark H. Weingartner; Companhias de produção: Warner Bros. Pictures, Legendary Pictures, DC Comics, Syncopy;
Intérpretes: Christian Bale (Bruce Wayne ou Batman), Heath Ledger (The Joker), Aaron Eckhart (Harvey Dent ou Two-Face), Michael Caine (Alfred), Maggie Gyllenhaal (Rachel Dawes), Gary Oldman (Det. Lt. James Gordon), Morgan Freeman (Lucius Fox), Monique Curnen (Det. Anna Ramirez), Ron Dean (Detective Wuertz), Cillian Murphy (Scarecrow), Chin Han (Lau), Nestor Carbonell (Mayor Anthony Garcia), Eric Roberts (Salvatore Maroni), Ritchie Coster (The Chechen), Anthony Michael Hall (Mike Engel), Keith Szarabajka, Colin McFarlane, Joshua Harto, Melinda McGraw, Nathan Gamble, Michael Vieau, Michael Stoyanov, William Smillie, Danny Goldring, Michael Jai White, Matthew O'Neill, William Fichtner, Olumiji Olawumi, Gregory Beam, Erik Hellman, Beatrice Rosen, Vincenzo Nicoli, Edison Chen, Nydia Rodriguez Terracita, Andy Luther, James Farruggio, Tom McElroy, Will Zahrn, James Fierro, Patrick Leahy, Sam Derence, Jennifer Knox, Patrick Clear, Sarah Jayne Dunn, Chucky Venice, Winston Ellis, David Dastmalchian, Sophia Hinshelwood, Keith Kupferer, Joseph Luis Caballero, Richard Dillane, Daryl Satcher, Chris Petschler, Aidan Feore, Philip Bulcock, Paul Birchard, Walter Lewis, Vincent Riotta, Nancy Crane, K. Todd Freeman, Matt Shallenberger, Michael Andrew Gorman, Lanny Lutz, etc.
Duração: 152 minutos; Distribuição em Portugal: Columbia Pictures; Classificação etária: M/ 12 anos; Locais de filmagem: EUA: Atwood Café, 1 W Washington St, Chicago, Illinois; Hotel 71 - 71 E. Wacker Drive, Downtown, Chicago, Illinois; IBM Building - 330 N Wabash, Chicago, Illinois; (interiors) Los Angeles, California; Lower Wacker Drive, Downtown, Chicago, Illinois; McCormick Place - 2301 S. Lake Shore Drive, Near South Side, Chicago, Illinois; Millennium Station, Chicago, Illinois; Navy Pier - 600 E. Grand Avenue, Near North Side, Chicago, Illinois; Old Post Office, Chicago, Illinois; Old Town, Near North Side, Chicago, Illinois; Richard J. Daley Center - 55 W. Randolph Street, The Loop, Downtown, Chicago, Illinois; Trump International Hotel & Tower - 401 N Wabash, Chicago, Illinois; Twin Anchors Restaurant & Tavern - 1655 N. Sedgwick Street, Lincoln Park, Chicago, Illinois. Inglaterra: Battersea Power Station, Battersea, London; Bedford, Bedfordshire; Cardington, Bedfordshire; Chertsey, Surrey; Criterion Theatre, Jermyn Street, St James's, London; George Farmiloe Building - 28-36 St John Street, Clerkenwell, London; Leavesden Studios, Leavesden, Hertfordshire; Liverpool, Merseyside; London; Longcross, Surrey; Piccadilly Circus, Piccadilly, London; Pinewood Studios, Iver Heath, Buckinghamshire; Senate House, University College London, Malet Street, Bloomsbury, London; St John Street, Clerkenwell, London; Twickenham, Middlesex; University of Westminster, London. China, Hong Kong: International Finance Centre, Central; Queen's Road Central, Central; The Center, Central; The Peninsula Hong Kong Hotel, Salisbury Road, Kowloon; Victoria Harbour; Estreia em Portugal: 24 de Julho de 2008.

sábado, setembro 06, 2008

BATMAN, O CAVALEIRO DAS TREVAS

Uma excelente campanha publicitária para um excelente filme, de que se falará aqui proximamente. Para já, assinale-se a eficácia, a qualidade (e a modernidade) deste conjunto de cartazes.