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sexta-feira, agosto 15, 2008

JOGOS OLIMPICOS, 2

PEQUIM, 2008, II
É verdade que há muita coisa na China actual a merecer críticas e críticas severas. Mas a campanha orquestrada contra os Jogos Olímpicos e a China que os organiza ronda a esquizofrenia mais atormentada.
As imbecilidades que por aí circulam bradam aos céus: a menina que se via a cantar não era afinal a menina que cantava, porque uma não era assim tão bonita, mas cantava bem, e outra não cantava assim tão bem, mas era muito engraçadinha, e os aldrabões dos chineses colocaram a voz de uma e a cara da outra. Coisa nunca vista, a não ser milhares de vezes em qualquer filme americano ou não. Quantos musicais não mostram um rosto a cantar e se ouve outra voz? Dezenas e dezenas, e até há mesmo uma obra-prima (“Serenata à Chuva”) que termina parodiando a situação com imensa graça. O “play back” é uma técnica muito usada no teatro, no cinema, nos próprios concertos. Um espectáculo, em qualquer parte do mundo, procura ser o melhor possível, reunindo o melhor dos diversos componentes integrantes. Nada a opor portanto à utilização das duas meninas. A não ser para mentes torturadas, em buca de quaqluer pretexto para dizer mal.
O mesmo se deve dizer quanto à utilização de filmagens com céu límpido, em lugar de um directo com céu encoberto. A ideia era fornecer um espectáculo que fosse o melhor possível, repete-se. Um espectáculo não é um documentário que imponha uma ética rigorosa quanto ao que se mostra. Um espectáculo é por definição uma verdade encenada, ou uma mentira que se legitima por isso mesmo, por ser artificial, criada, recriada.
Lugares vazios ocupados por figurantes? Que tragédia! Pois é a mesma tragédia que ocorre em quase todas as grandes transmissões, dos Óscares aos Emis, e por aí fora. Toda a gente sabe que se faz assim, e que assim é que funciona bem. Excepto na China. Aqui esse artifício não pode ser admissível. Minha nossa!
Mais uma apenas: os chineses contrataram para algumas grandiosas obras arquitectónicas na cidade olímpica um arquitecto, Albert Spear, Jr, filho do célebre Albert Spear, arquitecto oficial do regime nazista, e amigo pessoal de Hitler. Claro que o referido arquitecto é um dos mais famosos do mundo, construiu um dos estádios do Mundial de Futebol de 2008, em Munique, tem trabalhos dispersos por todo o mundo, mas não podia funcionar na China. Aqui levanta-se igualmente uma questão curiosa: o filho de um nazi tem de ser obrigatoriamente nazi. “Se não foste tu, foi o teu pai!”, há uma fábula que termina assim, procurando criticar certos comportamentos. Pois, se fossemos por esse caminho, quantos “filhos da mãe” (ou do pai) não se tramariam em Portugal, e em todas as localidades do mundo? Mas um filho de nazi passa incólume em Munique a erguer um estádio, mas já é muito suspeito em Pequim. Por favor!
Durante a transmissão da cerimónia de abertura, um comentador técnico da RTP ia protestando contra a demora de tudo. Foi ao ponto de vociferar conta a volta que o atleta olímpico deu ao estádio, na pista olímpica virtual que se estendia no alto do mesmo. Acontece que aquela volta foi, só por si, um momento único e de uma originalidade total. Saborear aquele momento era quanto se pedia a qualquer ser medianamente sensível. Mas o comentador protestava. Já se tinha visto ele subir, para quê ele agora andar ali às voltas? Protestara antes por haver velhos atletas olímpicos a serem homenageados quando transportavam ente si o facho olímpico. Para quê essa palhaçada sem sentido, chego quase a perguntar? Enfim, perdoai-lhe Senhor porque não sabem o que dizem.
E num jornal qualquer, um articulista dizia que o facho olímpico servia os interesses imperialistas dos chineses, tal como o fizera aquando da sua aparição, nas olimpíadas de Berlim, no tempo de Hitler. Até pode o facho ter esse significado, mas por que razão só o relembram agora, na China? Em Los Angeles ou em Sidney não representava o mesmo? Não seria já aí um símbolo fascista?
Enfim, falem do trabalho infantil, falem da falência do sindicalismo, falem do partido único, falem da exploração gritante, falem da poluição que é mais grave do que a dos EUA, mas tenham olhos para a verdade e um algum sentido da imparcialidade.

terça-feira, agosto 12, 2008

JOGOS OLIMPICOS, ABERTURA

PEQUIM, 2008
A cerimónia da abertura oficial dos Jogos Olímpicos de Pequim merece certamente alguma reflexão. A primeira, e seguramente uma conclusão óbvia para quem não for cego, é que se tratou de um espectáculo “único”, pela grandeza, pela beleza, pelo significado. Zhang Yimou o encenador deste espectáculo inesquecível, é um dos maiores cineastas vivos, o homem, que nos deu já algumas obras admiráveis, como “Milho Vermelho” (1987), “Esposas e Concubinas” (1991), “A História de Qiu Ju” (1992), “Viver” (1994), “A Tríade de Xangai” (1995), “O Caminho para Casa” (1999), “Nenhum a Menos” (1999), “Herói” (2002), “O Segredo dos Punhais Voadores” (2004), “Caminho Solitário” (2005) ou “A Maldição da Flor Dourada” (2006). Obras que repensam a história da China do século XX, que criticam asperamente a época da dita “Revolução Cultural”, mas que igualmente recuperam a tradição milenar de uma cultura e de uma civilização sui generis.
O seu trabalho, na noite do dia 8 de Agosto de 2008, em Pequim, foi uma demonstração notável de talento, imaginação, mestria técnica, sábia utilização da tecnologia ao serviço de uma ideia e do seu desenvolvimento e, sobretudo, de sensibilidade, de bom gosto, na articulação de aspectos culturais, históricos, poéticos num todo que se queria espectacular, mas onde os valores do “espectáculo” não sufocassem o requinte de certas minúcias de sabor muito oriental. Foi uma verdadeira lição de História da China, mas sobretudo uma lição da força de um povo, da sua história, da sua milenar sensibilidade.
Há uma assinatura óbvia por detrás deste espectáculo, que vai desde o início fulgurante de milhares de músicos e figurantes a evoluírem de forma síncrona até ao voo do atleta olímpico que dá uma volta ao estádio até acender a chama, segundo técnicas que são constantes em filmes seus, como por exemplo “O Segredo dos Punhais Voadores”. Há uma mais que visível marca de Zhang Yimou em todo este espectáculo que esperemos venha a ser editado em DVD para que o possamos desfrutar em toda a sua grandeza.
Ora bem, a orquestração de milhares de figurantes a funcionarem como um único elemento e a fazerem-se ouvir como uma única voz, não acredito que possa conseguir-se sem ter por detrás de si um estado autoritário, mesmo ditatorial. A China, na sua actual situação politica, é uma força emergente com uma capacidade de iniciativa espantosa, a fase de modernização por que passa é inegável e projecta-se a uma velocidade imparável. Mas não se deve esquecer que congrega em si algumas das virtudes de dois regimes, é certo, mas o pior dos defeitos de uma ditadura comunista e do capitalismo mais selvagem. Um espectáculo como o que vimos e nos deslumbrou a todos, ainda por cima imaginado e encenado por um dos mais destacados críticos de alguns aspectos mais gritantes do comunismo chinês, nunca seria possível numa sociedade onde o indivíduo fosse olhado como algo mais do que um número. O que não nos impede de achar esta realização humana brilhante (se não, que dizer das pirâmides ou das catedrais, para só citar dois exemplos?), mas não nos deve fazer esquecer o trabalho escravo e a exploração ignóbil que lhe estarão por detrás. Possivelmente não por detrás dos figurantes que ali vimos (e que se calhar correspondem a minorias privilegiadas do regime), mas seguramente por detrás dos milhões de operários que diariamente se vergam a um trabalho sem regalias nem pausas. Obviamente por detrás de uma total falta de liberdade de opinião (relembre-se Tiananmen!). Certamente na ausência de toda a liberdade política e religiosa (veja-se o caso do Tibete!) e sindical. Neste aspecto, não gostaria de ver os trabalhadores daqui com o ritmo de trabalho dos trabalhadores de lá. Gostaria de ver, sim, a reacção dos sindicatos daqui. Os mesmos que defendem o comunismo de lá. Enfim, questões de economia global que nada tem a ver com o bem-estar dos povos e com ideologias, mas sim com a defesa de prorrogativas individuais e de clãs, quer eles sejam de Ocidente ou Oriente, de capitalismo ou comunismo.
Mas há mais lições a retirar: será que alguns ocidentais como o presidente George W. Bush terão alguma credibilidade para falarem em “democracia” e “liberdades”? Não estarão eles ao mesmo nível do presidente chinês? Não estarão todos eles a defender posições conquistadas de poder económico? Não será tudo uma treta, essa coisa “das liberdades”, quando o que está realmente em causa não é nada mais do que petróleo, dólares e vias de passagem e escoamento? O que derrota e desilude qualquer bem intencionado que não esteja vendido a uma qualquer ideologia profundamente deturpada na prática pelo jogo do “capital”, é que existam tantos idiotas de um lado e do outro a tentarem defender o indefensável, a procurarem justificar agressões e guerras, terrorismos e boicotes assassinos quer venham de um lado ou do outro. É realmente terrível virarmo-nos para um lado e para o outro e não ver nada de seguro, de autêntico, a que nos agarrarmos. Agarremo-nos então ao que de belo a arte nos vai proporcionando e ao que faz ainda um certo orgulho dos povos: os chineses sentiram-se, sentem-se, sentir-se-ão orgulhosos e felizes do espectáculo que estão a oferecer ao mundo. Assim seja. Que as dores por que passam no seu dia a dia tenham alguma compensação de quando em vez, mesmo que essa compensação possa ser aproveitada politicamente pelo sistema. Na verdade, os Jogos Olímpicos podem ser uma boa altura para o regime ser empurrado para algumas reformas, o que será sempre louvável. De resto, o povo sofrerá menos quando se sentir orgulhoso de algo que seja genuinamente seu. Não acredito na teoria do quanto pior melhor que só tem dado (quase sempre) maus resultados ao longo da História. As revoluções sangrentas que depõem tiranos quase nunca fazem mais do que substituir uma ditadura por outra. Vejam-se os exemplos na História. Muitas transformações graduais, “reformistas”, dizem alguns em tom depreciativo, quase sempre acabam bem melhor. Vejam o caso português, uma reforma com um “empurrãozinho” que ajudou. Se os Jogos Olímpicos de 2008 forem um empurrãozinho para o povo chinês já não valeram apenas pelos “records” e as medalhas olímpicas.
( imagens retiradas do site oficial dos Jogos Olimpicos)