Mostrar mensagens com a etiqueta fumar. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta fumar. Mostrar todas as mensagens

sábado, janeiro 05, 2008

FUMAR OU NÃO FUMAR



A "Operação Antitabagista" foi um sucesso.
Dia 4 de Janeiro de 2008.
Pouco antes das onze da noite,
na esplanada do Café Vavá,
onze pessoas fumavam.
Em pé ou sentadas em mesas.
No interior do café havia um único freguês, sentado.
Entrei, tomei o meu café ao balcão e voltei a sair
(deixei de fumar espontaneamente ha cinco anos).
Vai morrer muito menos gente por fumar em Portugal.
Já não há "fumadores passivos".
Esta operação foi um sucesso.
Agora vem aí a nova “Operação”
– evitar a morte por pneumonia e gripes.
Ou optar por outra via:
deixar morrer de frio os fumadores activos.

quinta-feira, junho 14, 2007

POLITICAMENTE INCORRECTO

Saí de casa pela manhãzinha e logo ao pôr o pé no passeio dou de caras com um anúncio de todo o tamanho a informar: “Atenção! Andar na rua Mata!”, especificando mais abaixo, em letra miudinha, que “respirar é um perigo, dada a fortíssima poluição ambiente, e atravessar a rua pode matar, pela alarmante frequência de condutores assassinos”, continuando a lista de hipóteses fatais por aí fora. Desisti de ler até ao fim. As letras apareciam a negro, debruadas por uma discreta moldura, muito simples e enxuta, toda negra.
Confesso que hesitei antes de dar um passo na rua, mas tinha de ir ao supermercado, fazer compras inadiáveis. Atravessei a rua e sobrevivi. Assassino ao volante não fora desta que se cruzara comigo, mas sentia a garganta apertada pelo peso da poluição. Uma caravana de carros a alta velocidade, precedida e fechada por batedores da GNR, ia-me apanhando desprevenido, mas ainda consegui ver na porta de um dos carros um novo anúncio que me era obviamente destinado: ”!Atenção! Ministros a alta velocidade Matam!”.
Já do outro lado da rua, entrei no quiosque que frequento todos os dias e ao longo de todas as estantes, escaparates e palanques, anúncios idênticos, com letras negras, ocupando metade de cada artigo: “Atenção! os jornais mentem, manipulam, desvirtuam a verdade, são tendenciosos, um ou outro até diz mal do governo!”, e assim por diante, terminando: “Se comprar, não leia; se ler, tenha cuidado, pode Matar!” Ao lado, as caixas de fósforos e isqueiros mal se viam : “Atenção! Fósforos, isqueiros, detonadores, granadas da guerra das colónias, barris de pólvora, bidões de gasolina ou petróleo, etc. causam incêndios! Proteja-se a si e ao próximo.” As cassetes e os DVDs com filmes não escapavam: “Atenção! Ver muitos filmes na TV causa cegueira!” Quanto aos livros: “Atenção: Poupe a sua vista, não leia!.”
Na secção das pastilhas, rebuçados e brinquedos para crianças, o anúncio não era mais tranquilizante: “Atenção com quem compra: pastilhas, rebuçados e brinquedos e produtos afins podem causar actos de pedofília.” E, em letras pequeninas, continuava: “Se lhe quiserem oferecer algum destes produtos recuse. Atrás de um rebuçado ou pastilha elástica há um pedófilo.” (entre parentesis dizia-se: “Cuidado! Se leu isto pode cegar!”).
Recuei, preocupado e esbarrei num senhor de meia idade que ia a passar. Pedi desculpa pelo encontrão, mas o cavalheiro colocou o dedo indicador junto ao nariz e exigiu silêncio. Encolhi os ombros. Ele virou-me as costas, de forma desabrida, mas, colado na sua pasta de couro negro, lia-se um anúncio em letras bem grandes: “Atenção! Não fales com desconhecidos!” (em letras mais pequeninas, em rodapé, acrescentavam: “Também não é conveniente falar com o pai, o tio, o padrinho, a mãe, a tia, a madrinha, e todos os que te ofereçam rebuçados, pastilhas elásticas, brinquedos ou 50 mil reis” Em letras mínimas, daquelas que dão direito directo à cegueira instantânea, também se lia: “Não fales com a Catherine Deneuve!” Estranhei.
Entrei no supermercado e foi uma sensação de horror que me invadiu. Um cemitério, ou a página de anúncios da necrologia de um jornal da província bem interior, não seria mais aterrador: “Atenção!” “A Carne de Vaca Mata!” (olha as vacas loucas!), “A Carne de Porco Mata!” (olha a triquinose!), “A Carne de Frango Mata” (olha os nitrofuranos!), “O Peixe Mata!” (atenção ao mercúrio!), “Os Vegetais Matam!”, “O Vinho Mata!”, “A Cola Cola Mata!” (caganitas de rata na tampa, não perdoam!), “O Café Mata”, “O Açúcar causa a Diabetes e Mata!”, “O Sal Mata!” quando usado sem Conta, Peso e Medida”, mas “A Conta Mata!”, “O Peso Mata!”, “A Medida Mata!”. “Comer Mata!”, informa o Governo, “Não Comer Mata!,” divulga a Oposição.
Preparei-me para sair do supermercado, num silêncio tumular, sem nada comprar. Na caixa registadora, uma loira gira alentou-me a alma, antes de ver, preso na mini saia, o fatídico “O Sexo Mata!” (e lá vinha por baixo a lista de doenças, venéreas ou não, a começar pela SIDA!). Desviei o olhar... Mas, não resisti, e voltei a procurar os belos olhos da garota. Reparei então que, por cima da caixa registadora, um placard bem visível não deixava margem para dúvidas: “Não lhe dissemos já que fornicar Mata!?” (“além de ser pecado”, percebia-se em letras mais miudinhas). Paciência, pensei. Ainda aparecem por aí as quatro (4) santas mulheres de Bragança, com mais um abaixo assinado. Não é que tenha medo de morrer de apoplexia enterrado num corpo daqueles, mas as 4 (quatro) mulheres de Bragança é que não, por favor, livrai-me das mulheres de Bragança! Não há um anúncio a avisar: “Cuidado! As 4 Mulheres de Bragança Matam pelo Ridículo!” ? Não há?
Emigrar? Na agência de viagens, eram mais os anúncios da tarja preta, do que as indicações dos destinos turísticos: “Andar de Avião Mata!”, “Andar de Comboio Mata!”, “Andar de Barco Mata!”, “Andar de Carro Mata!”, “Atravessar Pontes em Portugal, Mata!”, “Passar por baixo de Viadutos, Mata!”, “Estar Parado Mata!”...
Que fazer? À saída da agência de viagens, um enorme cartaz colado na parede dava alguma esperança. Afinal nem tudo é mau. O rosto de George Bush, com a mão na nossa direcção e o dedo indicador apontando para mim, gritava-me: “Vive a Vida! Inscreve-te na GNR e viaja até ao Iraque!” Em segundo plano, em contraluz, percebia-se a silhueta de Durão Barroso.
Regressei a casa, sem nada ter comprado, nem sequer o maço de tabaco que também pretendia adquirir. Apenas me restava um cigarro, contei. Entrei no elevador, mas atras de mim, precipitadamente, entrou um indivíduo que nunca tinha visto antes e que, mal a porta correu, e nos encontrámos fechados no estreito cubículo, puxou de um revólver, e gritou: “A Bolsa ou a Vida!”. Os tempos são rigorosos, e a bolsa está vazia. Foi o que lhe fiz ver, esvaziando os bolsos. Apenas sobrava um cigarro no maço amarfanhado. Agarrou nele, acendeu-o, tocou no botão de parar, saiu do elevador, e deixou-me seguir caminho até ao oitavo andar. Entrei em casa, ainda sobressaltado e pensei: “Um cigarro salvou-me a vida!”.

quarta-feira, junho 13, 2007

UM CONTO COM UM CIGARRO NOS LÁBIOS



Aqui há anos ainda fumava e escrevi um conto. Há quatro anos deixei de fumar, cigarrilhas e charutos (já não fumava há muito cigarros). Não fiz nem promessa nem sacrifício. Simplesmente dexou de me apetecer fumar. Deixou de me dar prazer. Parei, obviamente, e ainda bem.

Mas a cruzada anti-tabagista, continua, a um ritmo cada vez mais demêncial, entrando nos terrenos da verdadeira loucura. Agora, os filmes americanos onde apareçam fumadores são classificados para "adultos", segundo a nova legislação do "novo Código Hayes". Matar, assassinar, violar, morrer de overdose, traficar, manipular, ir para o Iraque ou o Afeganistão metralhar, prostituir e etc, passa para maiores de 12 anos. Fumar é para adultos. Em Portugal ia-se fazendo algo parecido: fumar incorria em penas mais graves do que injectar-se. Preferivel mesmo vender droga, está visto.

Haja tento na cabeça.

Em homenagem aos tempos em que se fumava no cinema, aqui fica um conto inédito, escrito há mais de oito anos.




O SENHOR Y
O telemóvel tocou e ele estremeceu. Apressou-se a carregar na tecla Yes para que a leve campainha – que ele tivera o cuidado de previamente colocar no mínimo de volume – não fosse ouvida ao longo da casa.
- Esta?
- Sim, senhor...Y?
- Sou. Y ao telefone..
- Consegui o que queria. Posso passar agora por sua casa?
O aludido senhor Y olhou à sua volta e apurou o ouvido. Na cozinha ouvia-se a mulher a acabar os preparativos para o jantar. No quarto, o filho jogava vídeo games no computador. A velha mãe dormitava no sofá da sala.
- Acho que sim. Quanto tempo demora a chegar?
- Daqui a dez minutos estou aí.
- Espero por si à porta de casa. Eu desço...
- Ok, senhor Y...
E a chamada caiu.
O escritório estava em completo desalinho, contrastando com a rigorosa arrumação de todo o resto da casa. O senhor Y tinha à sua frente o computador onde passava o dia escrevendo, e que reunia o scanner, o fax, o vídeo telefone, o net meeting versão 2.003, a mais moderna versão aparecida no mercado. A anterior, do ano passado, era já completissima, mas a nova tornara obsoleta a placa de teclado. Todas as ordens podiam agora ser transmitidas oralmente. A última descoberta de Bill Gtes que assim mantinha e consolidava o seu império informático.
O senhor Y vestiu o casaco. Apesar de estarmos ainda em Setembro, àquela hora do dia, com o sol a descer já no horizonte, devia fazer algum fresco, pensou. O casaco era leve, beje. Y fechou atras de sai porta do escritório e dirigiu-se ao quarto do velho. Espreitou à porta.
- Pai, já consegui chegar ao nível 5...
- Vais ver que consegues. Tu és barra nisso...
Passou pela porta da sala: a mãe ressonava brandamente. Na cozinha, a mulher lutava com tachos e panelas, e cheirava a cozido à portuguesa.
- Vais sair?
- Vou lá baixo comprar... hesitou...Vou lá baixo apanhar um pouco de ar...
- O jantar está quase pronto... Vê lá não te demores...
- Cinco minutos... (olhou o relógio). Cinco minutos e estou de regresso....
Ela olhou para ele desconfiada:
- Que vais fazer?
- Apanhar um pouco de ar, já disse...
- Mesmo?... Vê lá o que fazes... Sentes-te bem?
- Sim, nada de especial... Apenas vontade de dar um passeio e apanhar ar puro na cara...
Y olhou e relógio e partiu. Apressado. Chamou o elevador, aguardou impaciente a descida dos doze andares, pautados pelos sons metalizados das passagens por cada patamar, passou os dedos pelos lábios. Estavam secos. Nervosismo certamente. Há dois dias que Y esperava este momento. Os contactos com o fornecedor estavam a ser cada vez mais difíceis. E mais raros. Tempos houve em que era fácil armazenar o suficiente para todo um mês. Mas agora tudo piorara de forma drástica. As campanhas na televisão tinham sido agressivas. O apelo aos familiares para denunciarem quem prevaricasse, em nome da defesa do ambiente, da saúde pública e mesmo da longevidade dos entes queridos, deu os seus resultados. Y sentia-se cada vez mais culpado, mas aos cinquenta e sete anos era difícil mudar. E não compreendia mesmo a histeria. De inicio brincara com a perseguição. Aceitara de bom grado algumas restrições: afinal a sua liberdade acabava quando começava a liberdade dos outros. Mas depois, lentamente, o clima de perseguição sistemática adensou-se. Começou a dizer que era o fascismo quotidiano, mas ninguém aparentemente o levava a sério. Os amigos iam cada vez mais furtando-se às conversas sobre o tema. Todos pareciam aceitar a proibição em nome do bem público. Mas Y sabia que alguns deles continuavam a ser abastecido pelo mesmo fornecedor.
Y estava já na rua há algum tempo, sem que ninguém aparecesse. Por debaixo do seu prédio havia uma floresta de colunas que lhe permitia esperar sem ser visto. Encostado a uma das colunatas, procurou sobretudo não dar nas vistas. Olhou para as varandas dos prédios que rodeavam a praceta. No nono andar do prédio em frente, vislumbrou uma fugaz chama. Um fósforo aceso? Um isqueiro? Tudo o que conseguia distinguir depois era um vulto de homem (ou seria mulher?) de costas para a rua. As luzes dessa varanda estavam apagadas, apenas penumbra e um vulto imóvel. Era o nono direito, pensou. Quem o habitaria? Pensava nisso quando sentiu um toque nas costas. Alguém lhe passou para as mãos um pequeno embrulho envolto num jornal dobrado em dois. Y levou a mão ao bolso, tirou um envelope e passou-o ao estranho que prosseguiu o seu caminho. Y encaminhou-se rapidamente para a porta do prédio. O elevador ainda se encontrava no rés-do-chão. Entrou, subiu, abriu a porta de casa, atravessou o corredor, ouviu a mulher gritar:
- O jantar está a arrefecer...
Dirigiu-se ao escritório, fechou a porta atrás de si, abriu uma gaveta da secretária, desdobrou o jornal, retirou o pequeno pacote. A curiosidade foi mais forte: que marca seria? Rasgou o papel que envolvia o volume. O filho abriu a porta do escritório e disse:
- Pai, a mãe chamou para jantar... Não vens?
Os olhos do filho centraram-se no pequeno volume que o pai tinha nas mãos. Y olhou o filho, segui-lhe o olhar, voltar a olhar os olhos do filho. Por instantes, ambos aguentaram esse olhar fixo. Depois o filho fechou a porta, Y fechou a gaveta da secretária, e foi jantar. À mesa ninguém abordou o assunto. Era cozido à portuguesa, e estava como sempre: delicioso. Mal acabou o jantar, Y foi ao escritório, regressou, passou pela sala onde todos viam televisão, e disse:
- Vou ao café...
A mulher e o filho entreolharam-se e não disseram nada, a mãe já voltara a cair no sono. Ressonava mesmo. Y saiu apressado. Mal a porta da rua se fechou, o filho levantou-se do sofá onde se encontrava sentado com a mãe e dirigiu-se ao hall. Ouviu o elevador descer. Pelo pequeno controlador de entrada, viu o pai sair do elevador no rés-do-chão e sair do prédio. Já de volta à sala, olhou a mãe, pegou no telefone e marcou o número das urgências do serviço de saúde e de apoio ao cidadão.
- Sim. Era para participar uma grave ocorrência. Um cidadão põe em causa o ambiente e arrisca mesmo a sua saúde... Sim, neste momento... Nas traseiras do edifício “Jardins do Éden”... Sim!...
E desligou.
Y passeava nas traseiras de sua casa, olhando em redor. Ninguém. A onda de violência que assolara a cidade impedia os habitantes de sair à noite. Poucos se afoitavam. Depois, os mais de duzentos canais de televisão disponíveis por cabo, tinham sempre algo de muito sedutor a oferecer ao público. O último grande sucesso de audiências era um concurso, com o sugestivo título de ”Apaga o Cigarro!” Os concorrentes perseguiam fumadores inveterados e “apagar o cigarro” era a finalidade. Cada fumador abatido valia mil pontos e a possibilidade de passar uma semana de verão na “Ilha Virtual” com todos os prazeres do mundo à descrição. O segredo era conseguir o “Capacete de Ouro”. Quem o lograva através do programa dispunha dele durante uma “semana de sonho”, “onde tudo lhe é permitido”. O concurso não tinha horário fixo, podia surgir a qualquer momento, em directo, e com o apoio dos Ministérios do Ambiente e da Tecnologia.
Y sabia o risco que corria, mas acendeu o cigarro.
Um holofote cruzou a noite e incidiu sobre Y. Dois policias vestidos de azul marinho, e de viseiras negras, abriram fogo. Y sentiu que as costas ficavam subitamente geladas, atravessadas por uma dor extrema, e caiu de bruços no chão. O cigarro saltou-lhe da boca. Y teve ainda forças para agarrar nele, levá-lo à boca e dar uma última fumaça. Olhou para as traseiras do décimo segundo andar do edifício “Jardins do Éden” mas não estava ninguém à janela. “Será que estão a ver o “Apaga o Cigarro!”, pensou ainda, numa altura em que sentiu a pesada bota de um dos agentes da ordem pisar o cigarro que tinha entre os dedos. O esmigalhar dos ossos já não o incomodou excessivamente, mas imaginou que a cena seria dada em “pormenor” pelo realizador destacado no canal de televisão de serviço público. O seu derradeiro pensamento, expressou-se em forma de dúvida: “Quem teria nessa noite direito ao “Capacete de Ouro”?