
segunda-feira, janeiro 19, 2009
ALICE VIEIRA FALA DE EDUCAÇÃO

domingo, janeiro 18, 2009
CINEMA: A TROCA


Antigamente, quando era “Dirty Harry” (e muitos o acusavam de um comportamento fascista, porque era polícia e fazia justiça pelas próprias mãos, eu próprio o escrevi e não retiro uma vírgula), empunhava a Magnum e disparava a matar. Agora, com o avançar da idade, segura a câmara de filmar e atira certeiramente no alvo. Curiosamente nos tais polícias que primeiro atiram e depois fazem perguntas. “A Troca” é um ajuste de contas com a corrupta polícia de Los Angeles no final dos idos anos 20, à beira da Grande Depressão, denúncia de tal forma vigorosa que deixa alguns a duvidar se esta “história real” não será antes ficcionada. Mas não, não é na essência, parece que o argumentista J. Michael Straczynski ao descobrir o caso de Christine Collins, através de uma qualquer fonte do “Los Angeles City Hall”, se deixou por tal forma obcecar pelo tema que removeu céus e terra, e sobretudo arquivos policiais e jurídicos, para reconstituir a tragédia e recuperar igualmente o que ficou conhecido como o “Wineville Chicken Coop Murders” ou “Wineville Chicken Murders”, uma série de raptos e de assassinatos de crianças, ocorridos em Los Angeles, durante o final da década de 20 do século XX, praticados por um canadiano de nome Gordon Stewart Northcott, conjuntamente com Sanford Clark, um sobrinho de 14 anos (e diz o registo oficial que com a cumplicidade da afirmada mãe de Gordon, o que no filme é elidido).


Para nos dar este drama intenso, Clint Eastwood não falha um plano e aponta a câmara com mestria invulgar. Se querem saber o cinema que mais me agrada, é este, sólido, clássico, austero, sem rodriguinhos de nenhuma espécie, direito ao que quer contar, sem efeitos nem floreados, não vivendo de uma montagem habilidosa, mas sim de uma encenação (“mise-en-scéne” lhe chamam os franceses) rigorosa. Aquelas frases célebres que relembram que “só há um local para colocar a câmara” e que esta deve estar “à altura dos olhos do realizador” são aqui paradigmas de verdade. A câmara não anda à deriva, está quase sempre fixa, movimentos só os essenciais, para acompanhar uma personagem, para percorrer um friso de rostos que fazem ligações telefónicas, e nada mais. O enquadramento não mentem. Esta lição de cinema clássico é uma demonstração inequívoca de que as modas passam, mas o essencial permanece imutável. De Griffith a Eastwood. Aqui o cinema é narrativo e poético, porque é sincero e leal. É o grande cinema que faz oscilar corações e verter lágrimas da mesma forma que agita consciências e introduz dúvidas.


Título original: Changeling
Realização: Clint Eastwood (EUA, 2008); Argumento: J. Michael Straczynski; Produção: Clint Eastwood, Brian Grazer, Ron Howard, Geyer Kosinski, Robert Lorenz, Tim Moorem, James Whitaker; Música: Clint Eastwood; Fotografia (cor): Tom Stern; Montagem: Joel Cox, Gary Roach; Casting: Ellen Chenoweth; Design de produção: James J. Murakami; Direcção artística: Patrick M. Sullivan Jr.; Direcção artística: Gary Fettis; Guarda-roupa: Deborah Hopper; Maquilhagem: Tania McComas, Carol A. O'Connell; Direcção de Produção: Tim Moore; Assistentes de realização: Katie Carroll, Efrain Cortes, Peter Dress, Donald Murphy, Ruby Stillwater; Departamento de arte: Adrian Gorton, Hugo Santiago, Dianne Wager; Som: Bub Asman, Alan Robert Murray; Efeitos especiais: David A. Poole, Steve Riley, Dominic V. Ruiz, George Zamora; Efeitos visuais: Geoffrey Hancock, Claudia Meglin, Michael Owens; Companhias de produção: Imagine Entertainment, Malpaso Productions, Relativity Media; Intérpretes: Angelina Jolie (Christine Collins), Gattlin Griffith (Walter Collins), Michelle Martin, Jan Devereaux, Michael Kelly (Detective Lester Ybarra), Erica Grant, Antonia Bennett, Kerri Randles, Frank Wood (Ben Harris), Morgan Eastwood, Madison Hodges, John Malkovich (Rev. Gustav Briegleb), Colm Feore (Chefe James E. Davis), Devon Conti (Arthur Hutchins), J.P. Bumstead, Jeffrey Donovan (Capt. J.J. Jones), Debra Christofferson, Russell Edge, Stephen W. Alvarez, Peter Gerety, Pete Rockwell, John Harrington Bland (Dr. John Montgomery), Pamela Dunlap, Roger Hewlett, Jim Cantafio, Maria J. Rockwell, Wendy Worthington, Riki Lindhome, Dawn Flood, Dale Dickey, Jason Butler Harner (Gordon Northcott), Eddie Alderson (Sanford Clark), Sterling Wolfe, Michael McCafferty, Amy Ryan (Carol Dexter), David Goldman (Administrador), Denis O'Hare (Dr. Jonathan Steele), Anthony De Marco, Joshua Logan Moore, Joe Kaprielian, Ric Sarabia, Muriel Minot, Kevin Glikmann, Drew Richards, Hope Shapiro, Caleb Campbell, Jeff Cockey, Zach Mills, Kelly Lynn Warren, Colby French, Scott Leva, Richard King, Clint Ward, Geoffrey Pierson, Reed Birney (Mayor Cryer), Michael Dempsey, Peter Breitmayer, Phil Van Tee, Jim Nieb, Lily Knight (Mrs. Leanne Clay), Jeffrey Hutchinson (Mr. Clay), Brian Prescott, Ryan Cutrona (Juiz), Mary Stein (Janet Hutchins), Gregg Binkley, William Charlton, Cooper Thornton, Asher Axe, Devon Gearhart, Dalton Stumbo, Austin Mensch, Richard Hansen, Jen Lilley, Gabriel Schwalenstocker, Billy Unger, Marissa Welsh, Araksi Willebrand, etc. Duração: 141 minutos; Distribuição em Portugal: Lusomundo; Classificação etária: M/ 16 anos; Estreia em Portugal: 8 de Janeiro de 2009.
BARACK OBAMA: ORGANiZING FOR AMERICA
O poder das novas tecnologias e das novas formas de comunicação a funcionar em pleno. Novos tempos se anunciam.
ORGANIZING FOR AMERICA
LETRAS NOS PASSEIOS DE LONDRES
sábado, janeiro 17, 2009
RAFAEL BORDALO PINHEIRO

RAFAEL BORDALO PINHEIRO EM CRISE?


CINEMA: VIRTUDE FÁCIL



“Virtude Fácil” foi escrita em 1925, estreada com êxito no palco, logo passada a cinema por Alfred Hitchcock em 1928. Surge agora uma nova versão, com direcção de Stephan Elliott, cineasta australiano que há anos nos dera uma extravagância fabulosa, um musical “queer”, “As Aventuras de Priscila, a Rainha do Deserto”. Esta nova “Virtude Fácil” parece afastar-se de alguma forma do original (que desconhecemos), sobretudo introduzindo alguns anacronismos musicais, e envolvendo-a num olhar actual, muito embora os cenários respeitem escrupulosamente os loucos anos vinte.
A história passa-se quase toda ela numa casa de campo inglesa (o esplendoroso palacete dos falidos Whittaker), aonde regressa o filho da casa, o jovem John Whittaker (Ben Barnes), recém-casado com uma escultural americana, Larita (Jessica Biel), cujas maneiras chocam por completo com o puritanismo convencional e hipócrita da matriarca, Mrs. Whittaker (Kristin Scott Thomas), casada com o distante e cínico Mr. Whittaker (Colin Firth).
Tal como em muitas outras obras de finais do século XIX e inícios do XX, assiste-se a um confronto de duas culturas e duas civilizações: de um lado a vitoriana Inglaterra, com preceitos e preconceitos arreigados, do outro lado, uma estouvada e algo inocente América, que ousa abrir-se à novidade e à aventura e arrisca novos hábitos e uma mentalidade radicalmente diferente. Já “Daisy Miller”, de Henry James, falava do mesmo, mas há inúmeros autores a abordar o tema em diversos romances, peças, etc. O despertar da América, com o que era considerado o seu novo riquismo e a sua licenciosidade, não deixava de causar entraves na Velha Grã Bretanha. Esse o conflito central de “Easy Virtue”, que Noel Coward desenvolve com uma ironia cortante, um humor divertidíssimo, um diálogo brilhante, que a realização de Stephan Elliott serve eficazmente e um elenco soberbo transforma numa pequena pérola da arte de representar.
Este corpo a corpo entre uma indomável americana e uma castrante família com sete gerações de antepassados a tolher-lhe os movimentos é deliciosamente letal. As mulheres Whittaker, comandadas pela fria e seca mãe, não dão tréguas à bela americana que trás atrás de si um passado misterioso, que um dia é posto a descoberto. Mas os homens Whittaker têm, curiosamente comportamentos diferentes. O filho regressa a casa apaixonado, mas vai lentamente sendo absorvido pela conjura materna. Enquanto isso, o pai (um admirável Colin Firth) vai progressivamente aproximando-se da nora, até… um final mais ou menos previsível, ou de todo inesperado (conforme a perspectiva).
O humor instala-se logo desde as primeiras imagens, mas o riso nunca explode em gargalhadas, antes fica suspenso num sorriso que saboreia cada frase e uma vez por outra escorrega até à farsa (como na sequência de um antipático cãozinho que Larita, inadvertidamente, transforma em almofada). Uma belíssima comédia de costumes que terá passado um pouco desapercebida no volume de excelentes estreias deste inicio de 2009, mas que merece inteiramente a atenção do espectador.


Título original: Easy Virtue
Realização: Stephan Elliott (Inglaterra, 2008); Argumento: Stephan Elliott, Sheridan Jobbins, segundo peça de Noel Coward; Produção: Joseph Abrams, Paul Brett, Alexandra Ferguson, Louise Goodsill, Douglas Hansen, Ralph Kamp, Cindy Kirven, George McGhee, Peter Nichols, Tim Smith, James Spring, James D. Stern, Barnaby Thompson; Música: Marius De Vries; Fotografia (cor): Martin Kenzie; Montagem: Sue Blainey; Design de produção: John Beard; Direcção artística: Mark Scruton; Decoração: Niamh Coulter; Guarda-roupa: Charlotte Walter; Maquilhagem: Tamsin Dorling, Paul Gooch, Paul Mooney, Paula Price, Jeremy Woodhead; Direcção de Produção: Polly Duval, Charlie Simpson, Tim Wellspring; Assistentes de realização: James Chasey, Richard Goodwin, Christopher Newman, Carly Taverner; Som: Simon Gershon; Efeitos especiais: Mark Holt; Efeitos visuais: Simon Carr; Casting: Louis Elman; Companhias de produção: Ealing Studios, Fragile Films, Endgame Entertainment, BBC Films; Intérpretes: Jessica Biel (Larita Whittaker), Ben Barnes (John Whittaker), Kristin Scott Thomas (Mrs. Whittaker), Colin Firth (Mr. Whittaker), Kimberley Nixon (Hilda Whittaker), Katherine Parkinson (Marion Whittaker), Kris Marshall (Furber), Christian Brassington (Phillip Hurst), Charlotte Riley (Sarah Hurst), Jim McManus (Jackson), Pip Torrens (Lord Hurst), Georgie Glen (Mrs. Landrigin), Laurence Richardson (Marcus), etc. Duração: 97 minutos; Distribuição em Portugal: Valentim de Carvalho; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 1 de Janeiro de 2009;
quarta-feira, janeiro 14, 2009
CRÍTICA DIVIDIDA: QUEM TEM RAZÃO?


Há dias li a mui douta opinião do Lauro António sobre o filme "Austrália" e sinceramente apesar do que se diz por aí fiquei muito interessado em ver o filme. Ainda não o consegui. Mas chamou-me a atenção a crónica da senhora crítica da "Visão" de 31.12.08. Para a dita senhora o filme é execrável pelos vistos. E eu pergunto. O que poderá levar pessoas que percebem de cinema a dizerem muito bem enquanto outros dizem muito mal ? Afinal deveremos seguir a opinião dos críticos ou apenas guiarmo-nos pela nossa sensibilidade? Uma boa tarde - Palma –Louletania
Meu caro Palma, da Louletania: ora aqui está uma questão extremamente interessante. As críticas oficiais de ditos "especialistas", claro que podem ser importantes, mas não passam disso mesmo, opiniões, como tal discutíveis. Os “críticos” ou os “especialistas” têm uma visão “por vezes” estribada em conhecimentos técnicos e artísticos (por exemplo: se são profissionais da mesma arte), devem ter informações mais profundas que o espectador normal, mas não passam de opiniões. Respeitáveis, mas opiniões. Cada pessoa, especialista ou não, gosta ou não gosta de algo, julga uma obra, com base numa experiência pessoal que é só sua. Irrepetível. Por isso há quem ame e há quem deteste a mesma obra. Nada de surpreendente. O cidadão deve estar habituado à diferença, e julgar por si mesmo. Não nos devemos abespinhar por A dar uma bola preta e B cinco estrelas ao mesmo filme. Uma diferença estética, uma divergência ideológica impõem por vezes essa inversão total de valores. É assim mesmo e o cidadão tem apenas de aceitar a diferença, e depois, se possível escolher aquele que está mais de acordo com a sua própria sensibilidade e cultura, ciente de que não estará nunca a cem por cento de acordo com alguém.
Mas há ainda um outro problema relativo à crítica, por exemplo cinematográfica: Eu julgo (e escrevi, e escrevo tendo em conta este julgamento), que um crítico não deve impor a sua opinião aos filmes que vê. Um crítico deve estar aberto ao que cada filme propõe. Eu tenho, como realizador, por exemplo, um certo tipo de filmes que quero fazer, e só os faço da maneira que eu julgo a minha (por isso, faço pouco filmes, mas os que faço são inteiramente como quero, dentro das condicionantes da produção). Como crítico, porém não imponho esse modelo aos filmes que vejo e de que falo ou escrevo. Tento perceber o que cada filme pretende e verificar se o atinge, desde que os processos e as intenções me pareçam honestos e legítimos. Não desconsidero um filme por ser vanguardista, nem outro por ser comercial, não nego um por optar por uma estética nem valorizo outro por seguir uma outra. Cada um no seu campo pode ser bom. É obvio que deve sentir-se sempre no que escrevo um entusiasmo mais nítido por certa obra que me é mais familiar. É humano. Mas tento respeitar o que vejo ou leio ou ouço em função das intenções dos autores.
Quanto ao cidadão consumidor de arte, qualquer que seja a sua forma de expressão, só vejo uma atitude salutar: julgar por si próprio, e ler as críticas para contrapor ao seu julgamento, para com elas se debater, para colher um ou outro informe que não possui, para se situar por vezes num terreno que não domina completamente. Mas nunca para seguir como carneiro em rebanho a opinião dominante ou não.
A liberdade de julgamento é um dos nossos direitos mais inalienáveis. Mas sabe-se também que a liberdade é difícil, dá trabalho, obriga a tomar posição em tudo. Muitos escudam-se na opinião dos “leaders” ou dos “opions makers” e não questionam o que vêem ou lêem ou ouvem. Seguem o que lêe, sem questionar nada. O que se passa no domínio das artes, passa-se no domínio da política. Às vezes saem-se mal e vão atrás de manipuladores de opinião mal intencionados ou fascistas encapotados de democratas que vendem sonhos de paraísos terrestres. Infelizmente o que há mais são carneirinhos enlevados por lobos sedentos de sangue fresco. Sóo descobrem tarde demais. Por isso, cada um deve analisar bem, por si, antes de alinhar com as doces palavras que lhe vêem de fora.
No caso de “Austrália”, por exemplo, veja primeiro, e diga-me depois qual o veredicto. Se não estiver de acordo com o que escrevi, eu não me importo, continuo a lê-lo (não sei onde, mas pelo menos aqui, nos comentários) e a achar que “Austrália é um bom filme”.
CINEMA: CONTRATO
"Contrato" é a adaptação de "Requiem para D.Quixote", policial de Dennis McShade (pseudónimo de Dinis Machado), segundo versão de Pedro Bandeira Freire, com argumento assinado por Álvaro Romão e Nicolau Breyner. Não será bem “policial”, mas “filme negro”, já que se trata de um ajuste de contas entre mafiosos do sub mundo do crime. Nada de muito intelectual, deliberadamente: um assassino profissional é contratado para matar um tal Giorgio Thanatos que gosta de arte e vive por vezes em Portugal (Sintra, mais precisamente). Nenhuma mensagem sub-reptícia, nenhuma denúncia de corrupção na polícia, na política ou nos clubes de futebol. Apenas acção: fulano de tal quer matar sicrano, por dinheiro, leva uma coça que o põe entre a vida e a morte nos braços de uma bela enfermeira, por quem se apaixona. Mas contrato é para se cumprir até ao fim. O que tenta fazer, para logo a seguir se embrenhar noutro contrato que Lourenço julga ser o derradeiro da sua vida. Lourenço teve uma infância difícil e passou as passas do Algarve na guerra. Nada mais. Este lado de filme sem pretensões de salvar o mundo, é simpático. Não engana. É o que é à vista desarmada. Claro que qualquer série “nobre” americana é melhor, tem outros meios, outras ambições. Mas até aqui “Contrato” se safa bem, dentro de género de filme de acção. Pobrezinha, mas honrada, o que faz, faz bem. A realização é escorreita, não inventa onde não tem de inventar, e consegue mesmo alguns excelentes momentos, quando tem actores pela frente. Há meia dúzia de cenas brilhantes, das melhores do cinema português, que deixam boas perspectivas para o Nicolau Breyner realizador: A cena com José Wallenstein, o travesti Sonny, é notável como representação e como realização, o mesmo se passando com Nicolau Breyner a dirigir Nicolau Breyner, numa demonstração plena de como se compõe uma personagem partindo do nada e dando-lhe uma autenticidade e densidade humana notáveis. Vítor Norte, José Raposo, Adelaide João são igualmente muito bons nos seus apontamentos, e sempre que aparecem actores o filme sobe e ganha uma força de tragédia humana invulgar neste tipo de filmes. Os miúdos que aparecem no filme são igualmente notáveis. Depois aparecem as fragilidades: um filme um pouco a mata cavalos com alguém a explicar o que ainda não se sabia, e alguns intérpretes (quase todos modelos) sem a consistência necessária. Pedro Lima, Cláudia Vieira e Sofia Aparício, por exemplo. Mas a estreante Cláudia Vieira é uma figura não só sensual, mas também simpática, integrando-se bem no lado despreconceituoso do filme.
O abraço de parabéns que dei no final a Nicolau Breyner foi sincero e gostoso. Esperemos por mais e melhor. Iniciar uma carreira aos 68 anos promete.

CONTRATO
Título original: Contrato
Realização: Nicolau Breyner (Portugal, 2009); Argumento: Pedro Bandeira-Freire, Álvaro Romão, Nicolau Breyner, segundo romance de Dinis Machado ("Requiem para D.Quixote", sob pseudónimo de Dennis McShade); Produção: Isabel Chaves; Fotografia (cor): José António Loureiro; Montagem: João Braz; Música: Elvis Veguinha, José Manuel Afonso; Decoração: Pedro Sá; Guarda-roupa: Joana Rodrigues; Assistente de realização: César Fernandes; Som: Quintino Bastos, Branko Neskov; Companhia de produção: Hora Mágica, TVI.
Intérpretes: Pedro Lima (Lourenço), Cláudia Vieira, Sofia Aparício, José Boavida, Nicolau Breyner (Giorgios Thanatos), Maria Dias, George Felner, Pedro Granger, Adelaide João, Joaquim Nicolau (Dr. Machado), Vítor Norte, Tiago Teotónio Pereira (António), José Raposo (o careca), José Wallenstein (Sonny), etc.
Duração: 100 minutos; Data de estreia: 15 de Janeiro de 2009 (Portugal); Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição: Hora Mágica.
terça-feira, janeiro 13, 2009
GLOBOS DE OURO 2009

sábado, janeiro 10, 2009
CINEMA: A TURMA





Mas o mais interessante em “A Turma” é a sua construção que tem tudo a ver com o que se pretende expressar. Ao contrário do romance (que se assume quase como um esboço para o que viria a ser depois o filme), onde há curtas saídas do espaço da escola, no filme de Laurent Cantet tudo se passa rigorosamente entre as paredes da escola, em quatro espaços definidos, mas que surgem como prolongamentos naturais uns dos outros: a sala de aulas, a sala dos professores, o gabinete do principal, e o recreio (há umas escadas e uns corredores a ligá-los, mas nada de muito significativo). Há o espaço do confronto diário, a sala de aula, há o espaço de recolha e descanso do guerreiro, que é a sala dos professores, há o outro espaço de pausa e revigoramento do outro contendor, o recreio, e há o espaço de litígio (que tanto pode ser o gabinete do director, como a improvisada sala do conselho disciplinar. Tudo se estrutura como um confronto, uma refrega diária: o professor a tentar domar os alunos da sua turma, estes a debaterem-se para não serem domados, isto é, integrados, assimilados. Luta de classes? Não me parece. Uma luta de um tipo completamente novo, que, tendo como uma das bases óbvias diferenciações económicas, não se limita a elas e as transcende em muito: são lutas geracionais, culturais, civilizacionais, rácicas, comportamentais. Se virmos bem, ali não haverá grandes distinções de classe: na verdade, professores e alunos integram-se facilmente numa burguesia trabalhadora, com ofícios diferenciados, mas com aspirações muito semelhantes: os pais dos alunos querem o mesmo que os professores: serem integrados, participarem todos de uma mesma sociedade (basta ver os depoimentos dos pais, sempre que estes participam na intriga). O problema maior reside numa outra perspectiva do conflito: os alunos, melhor dizendo alguns alunos que se tornam focos de indisciplina, não querem ser assimilados. Por razões políticas? Um pouco, é certo. Há vislumbres de insubmissão política nalgumas das questões suscitadas ao longo das aulas, mas também não parece ser essa a questão fulcral. Essa cinge-se a um crescente mal estar de convivência que se vai ampliando à medida que o filme decorre.
De resto, o professor não aparece aqui como o apóstolo da boa vontade, disposto a tudo para transformar e elevar o estatuto dos alunos (há vários filmes que, de uma maneira ou de outra tentarem essa via desde o magnífico “Sementes de Violência” (Blackboard Jungle), de Richard Brooks (1955), até aos mais recentes “To Sir, With Love”, de James Clavell (1967), “Mr. Holland's Opus”, de Stephen Herek (1995), ou “Dangerous Minds”, de John N. Smith (1995), para só citar alguns). François Marin opta por uma via de constante confronto, não aceita qualquer tipo de insubordinação, os alunos levantam o braço para falar, pedem para se levantar, não há telemóveis nem bonés nas aulas, levantam-se quando o director entra na sala, ninguém se trata por tu, há um distanciamento obrigatório entre professor e alunos. Há provocações ao nível das perguntas e respostas. O professor não é um pacífico instrumento de transmissão de saber. É mais do que isso, porque o que ele pretende é impor aos alunos regras de pensamento, de actuação, de civilidade. O que os alunos tentam é furtar-se a esses ensinamentos.
Enquanto alguns alunos se deixam integrar facilmente, outros reagem a essa assimilação. Em nome de quê? “O professor embirra connosco”, dando a ideia de que existem tratamentos diferenciados com base na cor da pele, na raça, no estilo de vida. Sim, existem vestígios de um deficiente enquadramento social, mas quais as ambições dos jovens? Ser Zidane, para os originários de África, mas com curiosas nuances entre os de Marrocos e os do Mali. Depois, entre os brancos, lá está a camisola da equipa portuguesa, com o seu escudo no peito e, ia jurar, com o nome de Ronaldo nas costas. E para lá de serem famosos e ricos, muito ricos, que mais os norteia? O uso do telemóvel, o “gosto de fazer amor” e de espreitar os seios da miúdas, a utilização de t-shits com dísticos alusivos e a insolência de balouçar nas cadeiras. É pouco, muito pouco, como ideal de vida, mas é o que se pode arranjar. Ao ver este filme, nada diferencia muito estes jovens dos que se encontram numa aula pública em Portugal. Talvez os professores franceses sejam mais exigentes em disciplina, quando não desistem clamorosamente derrotados, como é o caso de um exemplo que nos é dado ver.
Estamos no perfeito domínio da tragédia grega (o que, sendo a Grécia o berço da civilização ocidental, não deixa de ser uma referência muito significativa neste contexto), com um protagonista e um coro (professor e alunos), e algumas outras personagens (que por vezes também podem ser vistas como um coro: os professores), onde sobressai a figura do juiz e o tribunal final. De resto, as três unidades de tempo, local e personagens estão estritamente comportadas no esquema narrativo. Esta estrutura oferece ao filme uma densidade dramática muito forte, levando o espectador a aderir instantaneamente a uma teia ficcional realista (sempre muito próxima da realidade) que se acompanha como um policial, sem que os autores façam a mais pequena transigência ao espectáculo ou ao facilitismo das plateias. Creio mesmo que este é um documento de uma séria e profunda reflexão sobre a educação, a escola, e sobretudo sobre o sentido a dar às sociedades actuais, onde se mantêm lutas de classes, mas onde se sobrepuseram outras de muito mais radicais consequências: o que hoje impera no mundo são lutas de culturas, civilizações, religiões que querem dominar economicamente o planeta e que para o conseguirem não hesitam em tentarem destruir-se mutuamente. Neste campo, professores e alunos, consciente ou inconscientemente, travam a sua luta nas salas de aulas, numa altura em que a globalização coloca lado a lado, numa turma qualquer de uma qualquer escola, representantes distintos e adversos. Ultrapassar este problema numa perspectiva moderna, aberta, livre, sinceramente democrática, igualitária, é o grande repto das sociedades actuais. Nomeadamente da sociedade ocidental, que, não devendo suicidar-se e não podendo renegar os seus valores e as suas características, terá de arranjar forma de coexistir com outras sociedades, fortemente ameaçadoras e invasivas. Um equilíbrio na desordem contemporânea não é fácil, mas ou se encontra, ou a tragédia global está eminente. Ver um filme como “A Turma” desbloqueia e antecipa as mais assustadoras perspectivas.


Título original : Entre les Murs ou The Class
Realização: Laurent Cantet (França, 2008); Argumento: François Bégaudeau, Robin Campillo, Laurent Cantet, segundo romance de François Bégaudeau; Produção: Caroline Benjo, Carole Scotta ; Fotografia (cor): Pierre Milon; Montagem: Robin Campillo; Direcção de produção: Christina Crassaris, Michel Dubois; Assistentes de Realização: Aurelio Cardenas, Mathieu Danielo; Som: Jean-Pierre Laforce, Olivier Mauvezin, Agnes Ravez; Casting: Vicky Brougiannaki, Christine Campion; Companhias de produção: Haut et Court, Canal+, Centre National de la Cinématographie (CNC), France 2 Cinéma, Memento Films Production;
Intérpretes: François Bégaudeau (François Marin), Nassim Amrabt, Laura Baquela, Cherif Bounaïdja Rachedi, Juliette Demaille, Dalla Doucoure, Arthur Fogel, Damien Gomes, etc.
Duração: 128 minutos; Distribuição em Portugal: Midas Filmes; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 30 de Outubro de 2008.

o realizador Laurent Cantet
sexta-feira, janeiro 09, 2009
LIVROS: O HÓSPEDE





Mr. e Mrs. Bunting tinham dificuldades na vida até à chegada de Mr. Sleuth, um bem apessoado gentleman, que só lê a Bíblia, vive retirado no seu quarto durante o dia, e dá problemáticas e intrigantes escapadas durante a noite. As libras começam a correr naquela casa, enquanto nas ruas pobres e mal iluminadas de Londres corre o sangue. A esmerada educação e placidez de que dá sobejas provas Mr. Sleuth, ao mesmo tempo que o tornam simpático, fazem dele uma personagem assustadora, sobretudo sabendo-se que, lá fora, na noite, os surtos de um cavalheiro bem vestido, com uma mala ou um embrulho na mão, não dão tréguas a mulheres perdidas que se encontram barbaramente assassinadas pelas vielas e becos mais desertos.
Ellen Bunting, que de parva não tem nada, mas viu entrar pela porta dentro uma mina de libras e não a quer delapidar, pressente o perigo, mas acha que denunciar não é da sua competência. Vai de íntima desculpa em secreta desculpa, até a realidade se afirmar na sua frente. Numa altura em que Daisy, a filha de um antigo casamento de Mr. Bunting se instala lá em casa e anuncia noivado com o detective Joe, da Scotland Yard, que não deixa de visitar a casa sob qualquer pretexto, sem no entanto farejar nada de estranho. Tudo tão obvio e afinal tão longe de o ser.
Entretanto lá fora, pela manhã, ou ao cair da noite, as noticias dos jornais sensacionalistas, não deixam de atordoar a cabeça do velho casal, com a progressão imparável de novos crimes gritados a plenos pulmões.


terça-feira, janeiro 06, 2009
PRÓXIMO VAVADIANDO
22.JANEIRO.2009 + 20,00 horas

CONVIDADO:
ANTÓNIO VICTORINO D’ ALMEIDA
(NOME MAIOR DA MÚSICA PORTUGUESA CONTEMPORÂNEA,
ESTARÁ NO CENTRO DE MAIS UM DEBATE, NUMA
ESTIMULANTE CONVERSA À RODA DA MESA)
Depois de RAÚL SOLNADO, FERNANDO DACOSTA, NUNO JÚDICE, TEOLINDA GERSÃO, IVA DELGADO, LÍDIA JORGE, MARIA DO CÉU GUERRA, EURICO GONÇALVES, PAULO PORTAS, LAURO ANTÓNIO, ROGÉRIO SAMORA, CARLOS DO CARMO, CELINA PEREIRA, OTELO SARAIVA DE CARVALHO, MARCELO REBELO DE SOUSA, IRENE PIMENTEL, PADRE FEYTOR PINTO, FERNANDO ROSAS, BÁRBARA GUIMARÃES, NICOLAU BREYNER, GONÇALO RIBEIRO TELLES, FRANCISCO MOITA FLORES, BAPTISTA BASTOS, ALICE VIEIRA, SÃO JOSÉ LAPA, INÊS LAPA LOPES CONTINUAM OS NOSSOS ENCONTROS, MANTENDO UMA TRADIÇÃO DE TERTÚLIA DO CAFÉ-RESTAURANTE VÁVÁ.
ENTRADA: 17,5 EUROS POR PESSOA. COM DIREITO A ENTRADAS, SOPA, UM PRATO DO DIA, PEIXE OU CARNE, SOBREMESA, BEBIDA (VINHO É O DA CASA!) E CAFÉ. EXTRAS POR CONTA DO FREGUÊS.
[ LOTAÇÃO LIMITADA A 50 CADEIRAS. ACEITAM-SE INSCRIÇÕES NO BALCÃO DO VÁVÁ. ]
PRÓXIMO CONVIDADO: JOSÉ MANUEL ANES (Fevereiro de 2009)
Para informações e marcações de lugares:
LAURO ANTÓNIO - Blogue Va.Va.diando (http://vava-diando.blogspot.com/]
RESTAURANTE - CAFÉ VÁVÁ AV. EUA, Nº 100 - 1700-179 – LISBOA (TELF 21.7966761).

ANTÓNIO VICTORINO D’ ALMEIDA
Figura bem conhecida no panorama cultural português, António Vitorino d' Almeida é considerado "o homem dos sete instrumentos". Se é verdade que o talento deste comunicador sempre foi uma certeza nos campos da música e composição, não é menos verdade que demonstra excelentes capacidades ao aventurar-se pelos terrenos da televisão, do cinema, do teatro, da escrita, não esquecendo a rápida incursão que fez no mundo da política/diplomacia. António Vitorino d' Almeida é um comunicador nato, capaz de cativar todo o tipo de públicos com a inteligência das suas palavras e a sua simpatia. Cultiva alguma excentricidade, visível na bengala e nos cabelos em desalinho, traços que sublinham o seu espírito crítico desconcertante.
António Victorino Goulart de Medeiros e Almeida
é uma das figuras mais populares da música e da televisão portuguesas.
Nascido em Lisboa a 21 de Maio de 1940, Victorino d' Almeida foi profundamente marcado pelas referências culturais que o ambiente familiar lhe proporcionou: O seu avô paterno, Achilles d'Almeida, era músico amador, poeta, autor e encenador de peças de teatro e Maria Amélia Goulart de Medeiros, de origem açoriana, mãe do Maestro, iniciou uma curta carreira de cantora lírica. Sua sogra, Odete Saint-Maurice (primeiro casamento com Maria Armanda, mâe de Inês e Maria de Medeiros), Odete Saint-Maurice, foi escritora. Seu pai, o advogado Victorino d'Almeida,
Com tantos ascendentes artísticos, o jovem António começou desde muito cedo a aprender música. Aos cinco anos compôs a primeira obra, mas apesar de ter sido considerado menino-prodígio, teve uma infância «normal». Com sete anos deu a primeira audição e interpretou obras de Mozart e Beethoven, para além de duas peças de sua autoria. Uma crítica da época, no Século Ilustrado, baptiza o pequeno prodígio de "Antonito" e considera "maravilhoso o seu poder de interpretação".
Victorino d' Ameida frequentou o liceu em simultaneidade com o Curso Superior de Piano no Conservatónio Nacional de Lisboa.Campos Coelho terá sido o professor de música que mais o influenciou. Concluiu o curso com 19 valores e obteve uma bolsa de estudo do Instituto de Alta Cultura para estudar composição em Viena de Áustria, na Academia de Música. Foi aluno do professor austríaco Karl Schiske, e concluiu esta post-graduação com a mais alta classificação dada por aquela escola: a distinção por unanimidade do júri e consequente prémio especial do Ministério da Cultura da Áustria. Fixou residência em Viena, onde viveu durante duas décadas,
Durante sete anos (1974-1981), foi adido cultural da Embaixada Portuguesa em Viena, cargo que lhe valeu uma condecoração atribuída pelo Presidente da República da Áustria. Em 1989 decide entrar na arena política nacional e apresenta a sua candidatura ao Parlamento Europeu como cabeça de lista pelo MPD/CDE, vaga que não chegou a preencher. Victorino d' Almeida leccionou ainda cursos de musicologia
A sua carreira como concertista entrou algumas vezes em conflito com a actividade de composição e ambas sofrem da dispersão por áreas aparentemente tão distintas como o cinema, a televisão, a escrita e a rádio. Apesar de ter sempre o tempo muito ocupado, António Victorino d' Almeida privilegia sempre a música, pois considera ser essencialmente um compositor e argumenta que a música é o elo de ligação
A sua obra é muito vasta e abrange os mais variados géneros musicais, desde a ópera, à música sinfónica, de câmara, à música para cinema, teatro e fado.
Maria de Medeiros e Inês de Medeiros são filhas do Maestro António Victorino d' Almeida. Inês estreou-se com dez anos no filme que o pai realizou. Maria e Inês de Medeiros, as filhas mais velhas, são já actrizes reconhecidas internacionalmente e a mais nova, Ana Victorino d' Almeida, decidiu seguir a carreira do pai no campo da música.
segunda-feira, janeiro 05, 2009
GRANDE CONCERTO DE ANO NOVO


domingo, janeiro 04, 2009
SETÚBAL, 3 DE JANEIRO DE 2009

Os amigos desta tarde memorável foram a Eduarda e o Frederico (que são mais do que amigos), a Isabel MF e a Rosário, a Isabel (directora) Victor e o Pedro, e o Pires F, e a Sónia e o João (Alice) Concha. É bom ter amigos como vocês. Verdadeiros “bandidos” no tráfico de beijos e abraços.
sexta-feira, janeiro 02, 2009
CINEMA: AUSTRÁLIA


Como já perceberam, gosto muito do filme, ainda que não o considere uma obra-prima (mas que importa isso? que importa se um filme não é perfeito, quando nos sentimos tão bem na sua companhia?). Ora já convém saber o que me leva a gostar do filme, porque gostar só por gostar não interessa muito (a não ser numa perspectiva pessoal).
Vamos ver se consigo colocar aqui as principais razões. A primeira, porque se trata de um filme que gosta de contar histórias, que vive de contar histórias, o que se percebe logo desde o inicio quando uma criança aborígene australiana explica o que o mágico seu avô lhe confessou: “O mais importante do mundo é contar histórias”, porque ao contar histórias estamos a perpetuar a nossa História. Esta perspectiva de “contar histórias”, que começou por ser oral, passou à escrita e ao papel, e agora progride nas imagens e nos sons, é algo de fabuloso que urge preservar. “Contar histórias” pode ser tanta coisa, mas é sobretudo dialogar, ofertar saber, imaginação, e transformar o homem num ser “culto”. A cultura alimenta-se de histórias. Um filme que gosta de personagens que contam histórias é um filme que gosta de contar histórias, para um público que goste de ouvir histórias. Agrada-me.

Estamos em 1939, a Alemanha nazi invadiu a Polónia e “O Feiticeiro de Oz” estreia-se nos cinemas, com Judy Garland a cantar “Over de Rainbow”. Sarah Ashley (Nicole Kidman), uma aristocrata inglesa, cujo marido se encontra na Austrália, criando gado e preparando-se para o vender ao exército, resolve viajar até Darwin, a cidade mais próxima de “Faraway Downs”, uma quinta de criação de cavalos e vacas, com terras a perder de vista, no norte do continente. Não é o marido que a recebe, mas o condutor de gado, Drover (Hugh Jackman). Sarah e Drover não simpatizam desde logo um com o outro, Sarah vem para esta terra inóspita carregada de malas, de preconceitos e de ideias estabelecidas (julga que o marido a trocou por alguma aborígene), mas lentamente descobre várias realidades encobertas, a primeira das quais que o senhor Ashley acabara de ser assassinado, que ela se encontra viúva numa terra estranha, que dirigir “Faraway Downs” vai ser matéria dura de roer, que existe nessa fazenda um miúdo, Nullah (Brandon Walters), órfão, que “não é preto nem branco” e foge das autoridades que o querem aprisionar e tornar escravo, por quem se vai tomar de amores. Escusado será dizer que por outros amores se tomará pelo condutor de gado. Mas antes há que referir a existência de um cruel e desapiedado administrador da quinta, Neil Fletcher (David Wenham) e o tenebroso latifundiário e proprietário de gado, King Carney (Bryan Brown), que não quer concorrentes neste campo e tudo faz para afastar Sarah e “Faraway Downs” do seu caminho. Mas quanto mais a enxotam, mais Sarah parece interessada em levar a sua avante, ou não fosse ela uma continuação das mulher abnegadas e de rija temperada que têm em Scarlett O’Hara modelo, tal como “Austrália” tem como paradigma “E Tudo o Vento Levou” (para lá de outras epopeias de um David Lean, por exemplo), e “Faraway Downs” recorda “Tara”. As semelhanças vão mais longe. Vejam-se as heroínas: uma sai da Irlanda para a América, jovem nação, que entra numa guerra de Norte contra o Sul, de irmãos contra irmãos; a outra viaja de Inglaterra, rumo à Austrália, onde vai descobrir igualmente os horrores de uma guerra devastadora, a II Guerra Mundial, com os japoneses a bombardearem e invadirem a Austrália, entrando por Darwin, que destroem por completo.

Mas o mais curioso é que Baz Luhrmann não pega na história de uma forma realista. Nada disso ou não fosse ele o autor de “Romeo + Julieta” e de “Moulin Rouge”. O que faz é precisamente recolher os estereótipos destas histórias melodramáticas e coser um puzzle onde tudo se apresenta conforme a convenção, para depois se reconduzir ao seu lugar mais realista. A inglesa (num novo continente) surge em Darwin carregada de malas azuis, de roupa interior rendada, de saltos altos, tremelicando ao andar nas ruas de terra batida, tal como a lenda diria que o que fora, assim acontecera. O “condutor de gado” anda à zaragata num bar como nos bons velhos tempos do Oeste, sozinho contra todos e acabando por vencer. O miúdo é salvo de ser espezinhado por uma manada de mil e quinhentas vacas por acção mágica. E, no entanto, pelo poder de contar uma história, ali estamos nós, comovidos e absortos, a rir intimamente com os estereótipos e a chorar por fora, que bem se ouviam os soluços na sala e os lenços amarfanhados nas mãos.

Talvez um pouco excessivamente longo, talvez um pouco desequilibrado, talvez um pouco … sei lá, não é uma obra-prima perfeita, mas é um daqueles filmes que dá um prazer danado ver. Por isso o cinema é grande.

Título original: Australia
Director: Baz Luhrmann (Austrália, EUA, 2008); Argumento: Baz Luhrmann, Stuart Beattie, Ronald Harwood, Richard Flanagan; Produção: G. Mac Brown, Catherine Knapman, Baz Luhrmann, Catherine Martin, Paul 'Dubsy' Watters; Música: David Hirschfelder; Fotografia (cor): Mandy Walker; Montagem: Dody Dorn, Michael McCusker; Casting: Nikki Barrett, Ronna Kress; Design de produção: Catherine Martin; Direcção artística: Ian Gracie, Karen Murphy; Decoração: Beverley Dunn; Garda-roupa: Catherine Martin; Maquilhage: Simone Wajon, Kerry Warn; Direcção de produção: Aaron Downing, Simon Lucas; Assistentes de realização: Danielle Blake, Jeremy Grogan, Bruce Hunt, Jennifer Leacey, Scott Lovelock, Guy Norris, Simon Warnock; Departamento de arte: Kristen Anderson, Colette Birrell, Simon Elsley, Jenny Hitchcock; Som: Wayne Pashley; Efeitos especiais: Brian Cox, Thomas Van Koeverden; Efeitos visuais: Myles Asseter, Viv Baker, David Booth, Chris Godfrey, Danny Huerta, Gemma James, Chad Malbon, James E. Price, Peter Webb; Animação (cena de cangurus): Gerard Van Ommen Kloeke; Companhias de produção: Bazmark Films, Twentieth Century-Fox Film Corporation.
Intérpretes: Nicole Kidman (Lady Sarah Ashley), Hugh Jackman (Drover), Bryan Brown (King Carney), Brandon Walters (Nullah), Ray Barrett (Bull), David Wenham (Neil Fletcher), Ben Mendelsohn (Capitão Dutton), Sandy Gore (Gloria Carney), Jacek Koman (Ivan), Essie Davis (Cath Carney), Tony Barry, Tara Carpenter, Rebecca Chatfield, Lillian Crombie, Max Cullen, Arthur Dignam, Michelle Dyzla, Haidee Gaudry, Terence Gregory, David Gulpilil, Jamie Gulpilil, Peter Gwynne, Sean Hall, Joy Hilditch, Matthew Hills, Jimmy Hong, Bill Hunter, Jarwyn Irvin-Collins, Robert Jago, John Jarratt, Eugene Kang, Crusoe Kurddal, Liam Lannigan, Siena Larsson, Cody Lea, Jack Leech, Charles Leung, Jacob Linger, Mark Malabirr, John Martin, Logan Mattingley, Adam McMongial, Dylan Minggun, Phillippe Moon, Nyalik Munungurr, Patrick Mylott, David Ngoombujarra, Barry Otto, Angus Pilakui, Robin Queree, Mark Rathbone, Garry Scott, John Sheerin, Bruce Spence, Jack Thompson, Wah Yuen, Kerry Walker, Elaine Walker, Matthew Whittet, Ursula Yovich, Anthony Cogin, Anton Monsted, etc.
Duração: 165 minutos; Distribuição em Portugal: Filmes Castello Lopes; Classificação etária: M /12 anos; Estreia em Portugal: 25 de Dezembro de 2008 (Portugal).
