segunda-feira, janeiro 19, 2009

ALICE VIEIRA FALA DE EDUCAÇÃO

ALICE VIEIRA EM GRANDE

No excelente "Da Literatura", aparece a transcrição de uma entrevista dada hoje ao "Público" por Alice Vieira. Uma mulher que sempre foi de esquerda, mas não é parva. Aborda vários temas de educação, e ela pode fazê-lo (há dezenas de anos que visita escolas, onde faz palestras e anima debates sobre a sua literatura e a dos outros). É o que se chama uma mulher de cultura. Leiam o que ela diz e vamos todos pensar um bocadinho, que isso faz muito bem. Pode ler-se AQUI.

domingo, janeiro 18, 2009

CINEMA: A TROCA

A TROCA
Há verdades que já se sabem de há muito: Clint Eastwood filma a tragédia da condição humana como poucos. Penetra-lhe no lado mais sórdido e violento com o mesmo olhar com que filma mais adiante a pureza e a bondade de um gesto, e diz-nos, com o conhecimento de vida que só a idade confere, que uns e outros são autênticos, genuínos, humanos e que nada há a fazer para alterar essa condição que se abate sobre nós como uma tragédia, senão não capitular, lutar até ao fim, procurar fazer deste mundo um mundo melhor, sem ilusões de que a vilania seja erradicada, mas que a mesma pode ser circunscrita. O terrível é que todos sabemos que, aqui ou ali, neste preciso momento, se manda para hospícios quem não agrada aos poderosos que ande solto, que se mata com requintes de malvadez crianças sabe-se lá com que justificação traumática, que há garotos desaparecidos que nunca regressam (e outros que felizmente voltam aos pais), que há polícias corruptos e políticos que só pensam na próxima eleição e no poder absoluto, que há médicos comprados pelo sistema para assinarem o que for preciso, todos sabemos pois que tudo isto acontece hoje, neste preciso momento, menos em sociedades mais controladas pelos direitos e deveres dos cidadãos, é verdade, mais nas despoticamente governadas por tiranos sem escrúpulos (e há-os para todas as cores e bandeiras!). Não tenhamos ilusões que nada disto mudará nunca. Basta o rastilho para a pólvora explodir. Por isso o melhor mesmo é afastar o rastilho da pólvora e esperar que a civilização vá cada vez mais controlando a barbárie, com leis justas e educações privilegiadas, sem esquecer o cutelo da lei sempre atento ao violador.
Clint Eastwood é um conservador que aposta nos valores e deles não sai. Sabe-se que muitas vezes é difícil distinguir o Bem do Mal, mas há momentos em que o maniqueísmo do juízo vingará para sempre. Por exemplo, quer seja em Belém de Judá, quer seja nos campos de concentração nazis ou nos “goulags” estalinistas, quer seja em Guantánamo ou nas guerras “justas” de palestinianos (que se imolam com bombas e fazem ir pelos ares crianças inocentes de todos os credos) e israelitas (que bombardeiam sem cessar população civil), quer seja às mãos de “serial killers” isolados em qualquer país do mundo sabe-se, de ciência certa, que a morte de inocentes, sejam crianças ou adolescentes, nunca irá parar. E isso é o Mal, qualquer que seja a justificação. Haverá sempre, em qualquer parte do mundo, um tarado (ou dezenas, ou centenas de tarados, às vezes formando governos!) que acham justo matar crianças. Mas nada nos fará vacilar no juízo: é um crime, venha ele com que justificação, política ou religiosa, um exemplo bárbaro do exercício do Mal. Por isso, Clint Eastwood não vacila. Há utopias em que ninguém deve acreditar. Não haverá “homem novo” nunca. O que temos é o que há, é com este “homem” que teremos viver até ao fim. É com esta natureza humana que há que lidar, que aprender a domesticar, sem retirar a identidade e a diferença, a brandamente civilizar, a tornar mais habitável o planeta. Lentamente, sem grandes ilusões. Mas vagarosamente o caminho vai sendo feito, e, sem euforias, podemos dizer, que para cada “serial killer” privado ou militarizado, há milhões de gente boa que só quer viver bem e ser feliz, de harmonia com o vizinho, sem raivas nem ódios demenciais.
Antigamente, quando era “Dirty Harry” (e muitos o acusavam de um comportamento fascista, porque era polícia e fazia justiça pelas próprias mãos, eu próprio o escrevi e não retiro uma vírgula), empunhava a Magnum e disparava a matar. Agora, com o avançar da idade, segura a câmara de filmar e atira certeiramente no alvo. Curiosamente nos tais polícias que primeiro atiram e depois fazem perguntas. “A Troca” é um ajuste de contas com a corrupta polícia de Los Angeles no final dos idos anos 20, à beira da Grande Depressão, denúncia de tal forma vigorosa que deixa alguns a duvidar se esta “história real” não será antes ficcionada. Mas não, não é na essência, parece que o argumentista J. Michael Straczynski ao descobrir o caso de Christine Collins, através de uma qualquer fonte do “Los Angeles City Hall”, se deixou por tal forma obcecar pelo tema que removeu céus e terra, e sobretudo arquivos policiais e jurídicos, para reconstituir a tragédia e recuperar igualmente o que ficou conhecido como o “Wineville Chicken Coop Murders” ou “Wineville Chicken Murders”, uma série de raptos e de assassinatos de crianças, ocorridos em Los Angeles, durante o final da década de 20 do século XX, praticados por um canadiano de nome Gordon Stewart Northcott, conjuntamente com Sanford Clark, um sobrinho de 14 anos (e diz o registo oficial que com a cumplicidade da afirmada mãe de Gordon, o que no filme é elidido).
Entre as crianças mortas (ou desaparecidas) estaria Walter Collins, filho de Christina Collins, que, a 10 de Março de 1928, havia relatado o desaparecimento da criança à polícia de Los Angeles. É este caso que dá origem a “A Troca”: alguns meses depois da polícia iniciar as buscas, Walter é dado como aparecido em DeKalb, Illinois, e trazido para Los Angeles, para junto da mãe. Esta não reconhece o filho, mas a policia insiste que o deve receber “à experiência”. O que faz, mas o miúdo não é definitivamente o seu filho, o dentista confirma-o, a professora assegura-o, a altura do corpo não bate certo, e uma mãe sabe sempre quem é o seu filho. Excepto se estiver “louca”, o que parece ser uma boa solução para a polícia que, querendo resolver rapidamente a questão e aquietar os ânimos, envia Christine Collins para o “Los Angeles County Hospital”, com uma indicação, assinada pelo capitão J.J Jones, dela ser internada ao abrigo de um celebrado "Code 12", código esse que servia para afastar de cena arbitrariamente mulheres indesejáveis para a tranquilidade das autoridades locais, por essa altura a atravessar um dos períodos de maior corrupção e venalidade, associada a uma brutalidade policial impressionante. O filme mostra-a rapidamente. O caso apaixonou a opinião pública, subiu aos jornais e à rádio, sobretudo pela intensa actividade de um sacerdote, o reverendo Gustav Briegleb, que fez de Christina Collins bandeira para a sua cruzada contra a polícia do Estado. Segundo se apurou, quase todo o argumento escrito por Straczynski é de uma consistência factual total, obedecendo a recolha exaustiva de situações, frases de interrogatórios, de crónicas de jornais, de testemunhos da época, com uma excepção apenas e que se prende com a estadia de Christine Collins no hospício, onde a lenda é mais forte que os dados recolhidos. Como já dizia John Ford, mestre confessado de Clint Eastwood, “quando a lenda é mais forte que a realidade, imprime-se a lenda” (em “O Homem que Matou Liberty Valance”).
Filme sombrio, duro, agreste, paredes-meias entre o melodrama e o negro “thriller” de ressonância social, “A Troca” é uma daquelas obras donde se sai com um sintoma de KO na alma, muito embora o pragmatismo de Clint Eastwood não seja de molde a destruir toda a esperança na condição humana. Muito pelo contrário, como bom americano, no final as instâncias judiciais acabam por funcionar, a opinião pública não desarmou e a mãe não deixou a sua tarefa a meio.
Para nos dar este drama intenso, Clint Eastwood não falha um plano e aponta a câmara com mestria invulgar. Se querem saber o cinema que mais me agrada, é este, sólido, clássico, austero, sem rodriguinhos de nenhuma espécie, direito ao que quer contar, sem efeitos nem floreados, não vivendo de uma montagem habilidosa, mas sim de uma encenação (“mise-en-scéne” lhe chamam os franceses) rigorosa. Aquelas frases célebres que relembram que “só há um local para colocar a câmara” e que esta deve estar “à altura dos olhos do realizador” são aqui paradigmas de verdade. A câmara não anda à deriva, está quase sempre fixa, movimentos só os essenciais, para acompanhar uma personagem, para percorrer um friso de rostos que fazem ligações telefónicas, e nada mais. O enquadramento não mentem. Esta lição de cinema clássico é uma demonstração inequívoca de que as modas passam, mas o essencial permanece imutável. De Griffith a Eastwood. Aqui o cinema é narrativo e poético, porque é sincero e leal. É o grande cinema que faz oscilar corações e verter lágrimas da mesma forma que agita consciências e introduz dúvidas.
Depois há ainda os actores, todos eles admiráveis, desde a fulgurante Angelina Jolie ao radical John Malkovich a roçar o fanatismo, passando por todos os polícias, os políticos, os algozes e as vítimas (que brilhante é o miúdo que confessa a sua ligação aos crimes!). Pode dizer-se que este é um filme de intérpretes, genialmente dirigidos, porque este é seguramente um filme de personagens, de pessoas, que só se poderia erguer se estas possuíssem a densidade e a autenticidade requeridas. Neste aspecto, “Changeling” é também uma lição. De resto, tudo parece perfeito nesta obra de uma sublime opacidade, de uma contagiante angústia e de um desespero eterno. Como eterna é a esperança, não numa utópica redenção que nunca virá, mas numa progressiva regeneração da condição humana.
A TROCA
Título original: Changeling
Realização: Clint Eastwood (EUA, 2008); Argumento: J. Michael Straczynski; Produção: Clint Eastwood, Brian Grazer, Ron Howard, Geyer Kosinski, Robert Lorenz, Tim Moorem, James Whitaker; Música: Clint Eastwood; Fotografia (cor): Tom Stern; Montagem: Joel Cox, Gary Roach; Casting: Ellen Chenoweth; Design de produção: James J. Murakami; Direcção artística: Patrick M. Sullivan Jr.; Direcção artística: Gary Fettis; Guarda-roupa: Deborah Hopper; Maquilhagem: Tania McComas, Carol A. O'Connell; Direcção de Produção: Tim Moore; Assistentes de realização: Katie Carroll, Efrain Cortes, Peter Dress, Donald Murphy, Ruby Stillwater; Departamento de arte: Adrian Gorton, Hugo Santiago, Dianne Wager; Som: Bub Asman, Alan Robert Murray; Efeitos especiais: David A. Poole, Steve Riley, Dominic V. Ruiz, George Zamora; Efeitos visuais: Geoffrey Hancock, Claudia Meglin, Michael Owens; Companhias de produção: Imagine Entertainment, Malpaso Productions, Relativity Media; Intérpretes: Angelina Jolie (Christine Collins), Gattlin Griffith (Walter Collins), Michelle Martin, Jan Devereaux, Michael Kelly (Detective Lester Ybarra), Erica Grant, Antonia Bennett, Kerri Randles, Frank Wood (Ben Harris), Morgan Eastwood, Madison Hodges, John Malkovich (Rev. Gustav Briegleb), Colm Feore (Chefe James E. Davis), Devon Conti (Arthur Hutchins), J.P. Bumstead, Jeffrey Donovan (Capt. J.J. Jones), Debra Christofferson, Russell Edge, Stephen W. Alvarez, Peter Gerety, Pete Rockwell, John Harrington Bland (Dr. John Montgomery), Pamela Dunlap, Roger Hewlett, Jim Cantafio, Maria J. Rockwell, Wendy Worthington, Riki Lindhome, Dawn Flood, Dale Dickey, Jason Butler Harner (Gordon Northcott), Eddie Alderson (Sanford Clark), Sterling Wolfe, Michael McCafferty, Amy Ryan (Carol Dexter), David Goldman (Administrador), Denis O'Hare (Dr. Jonathan Steele), Anthony De Marco, Joshua Logan Moore, Joe Kaprielian, Ric Sarabia, Muriel Minot, Kevin Glikmann, Drew Richards, Hope Shapiro, Caleb Campbell, Jeff Cockey, Zach Mills, Kelly Lynn Warren, Colby French, Scott Leva, Richard King, Clint Ward, Geoffrey Pierson, Reed Birney (Mayor Cryer), Michael Dempsey, Peter Breitmayer, Phil Van Tee, Jim Nieb, Lily Knight (Mrs. Leanne Clay), Jeffrey Hutchinson (Mr. Clay), Brian Prescott, Ryan Cutrona (Juiz), Mary Stein (Janet Hutchins), Gregg Binkley, William Charlton, Cooper Thornton, Asher Axe, Devon Gearhart, Dalton Stumbo, Austin Mensch, Richard Hansen, Jen Lilley, Gabriel Schwalenstocker, Billy Unger, Marissa Welsh, Araksi Willebrand, etc. Duração: 141 minutos; Distribuição em Portugal: Lusomundo; Classificação etária: M/ 16 anos; Estreia em Portugal: 8 de Janeiro de 2009.

BARACK OBAMA: ORGANiZING FOR AMERICA

Quem apoiou a campanha de Barack Obama para Presidente dos EUA acaba de recer um vídeo que anuncia a criação de um movimento, "Organizing for America".
O poder das novas tecnologias e das novas formas de comunicação a funcionar em pleno. Novos tempos se anunciam.

ORGANIZING FOR AMERICA

LETRAS NOS PASSEIOS DE LONDRES

Descobri o video no blogue do Frederico
(onde há sempre coisas interessantes para ver).
Vejam também:

sábado, janeiro 17, 2009

RAFAEL BORDALO PINHEIRO




RAFAEL BORDALO PINHEIRO EM CRISE?

Afirma o "Público" que a fábrica de cerâmica de Rafael Bordalo Pinheiro, nas Caldas da Rainha, está em risco de fechar e os moldes que foram criados pelo genial ceramista em risco de desaparecerem ou irem para a um museu que os assassinará lentamente. Não haverá mais louça das Caldas e uma das identidades artísticas portuguesas desaparecerá. Constará de livros e albuns e permanecerá na memória de alguns. Apenas. Deixará de ser produzida e vendida. Vem tudo aqui, num texto da Alexandra Prado Coelho.

É absolutamente escandaloso que tal aconteça. Ao contrário de muita gente derrotista, acho Portugal um País fabuloso, mas onde por vezes acontecem coisas bizarras, é certo. Esta não será só bizarra, é criminosa. A quem de direito.

CINEMA: VIRTUDE FÁCIL

VIRTUDE FÁCIL
Noel Coward é um dos maiores escritores e dramaturgos ingleses, um homem de um humor corrosivo, mas fino e elegante, sarcástico e snob, mas absolutamente imprevisível. As suas obras criticam numa aparência ligeira os traumas mais profundos da natureza humana e, sobretudo, da sociedade britânica de início de século XX. Tal como Oscar Wilde, o escritor que nos parece que mais dele se aproxima, fez da “boutade” uma arte, do cinismo um modo de vida, do olhar sobranceiro sob os outros uma arte. Como ele próprio se definia, "my life really has been one long extravaganza”.
“Virtude Fácil” foi escrita em 1925, estreada com êxito no palco, logo passada a cinema por Alfred Hitchcock em 1928. Surge agora uma nova versão, com direcção de Stephan Elliott, cineasta australiano que há anos nos dera uma extravagância fabulosa, um musical “queer”, “As Aventuras de Priscila, a Rainha do Deserto”. Esta nova “Virtude Fácil” parece afastar-se de alguma forma do original (que desconhecemos), sobretudo introduzindo alguns anacronismos musicais, e envolvendo-a num olhar actual, muito embora os cenários respeitem escrupulosamente os loucos anos vinte.
A história passa-se quase toda ela numa casa de campo inglesa (o esplendoroso palacete dos falidos Whittaker), aonde regressa o filho da casa, o jovem John Whittaker (Ben Barnes), recém-casado com uma escultural americana, Larita (Jessica Biel), cujas maneiras chocam por completo com o puritanismo convencional e hipócrita da matriarca, Mrs. Whittaker (Kristin Scott Thomas), casada com o distante e cínico Mr. Whittaker (Colin Firth).
Tal como em muitas outras obras de finais do século XIX e inícios do XX, assiste-se a um confronto de duas culturas e duas civilizações: de um lado a vitoriana Inglaterra, com preceitos e preconceitos arreigados, do outro lado, uma estouvada e algo inocente América, que ousa abrir-se à novidade e à aventura e arrisca novos hábitos e uma mentalidade radicalmente diferente. Já “Daisy Miller”, de Henry James, falava do mesmo, mas há inúmeros autores a abordar o tema em diversos romances, peças, etc. O despertar da América, com o que era considerado o seu novo riquismo e a sua licenciosidade, não deixava de causar entraves na Velha Grã Bretanha. Esse o conflito central de “Easy Virtue”, que Noel Coward desenvolve com uma ironia cortante, um humor divertidíssimo, um diálogo brilhante, que a realização de Stephan Elliott serve eficazmente e um elenco soberbo transforma numa pequena pérola da arte de representar.
Este corpo a corpo entre uma indomável americana e uma castrante família com sete gerações de antepassados a tolher-lhe os movimentos é deliciosamente letal. As mulheres Whittaker, comandadas pela fria e seca mãe, não dão tréguas à bela americana que trás atrás de si um passado misterioso, que um dia é posto a descoberto. Mas os homens Whittaker têm, curiosamente comportamentos diferentes. O filho regressa a casa apaixonado, mas vai lentamente sendo absorvido pela conjura materna. Enquanto isso, o pai (um admirável Colin Firth) vai progressivamente aproximando-se da nora, até… um final mais ou menos previsível, ou de todo inesperado (conforme a perspectiva).
O humor instala-se logo desde as primeiras imagens, mas o riso nunca explode em gargalhadas, antes fica suspenso num sorriso que saboreia cada frase e uma vez por outra escorrega até à farsa (como na sequência de um antipático cãozinho que Larita, inadvertidamente, transforma em almofada). Uma belíssima comédia de costumes que terá passado um pouco desapercebida no volume de excelentes estreias deste inicio de 2009, mas que merece inteiramente a atenção do espectador.
VIRTUDE FÁCIL
Título original: Easy Virtue
Realização: Stephan Elliott (Inglaterra, 2008); Argumento: Stephan Elliott, Sheridan Jobbins, segundo peça de Noel Coward; Produção: Joseph Abrams, Paul Brett, Alexandra Ferguson, Louise Goodsill, Douglas Hansen, Ralph Kamp, Cindy Kirven, George McGhee, Peter Nichols, Tim Smith, James Spring, James D. Stern, Barnaby Thompson; Música: Marius De Vries; Fotografia (cor): Martin Kenzie; Montagem: Sue Blainey; Design de produção: John Beard; Direcção artística: Mark Scruton; Decoração: Niamh Coulter; Guarda-roupa: Charlotte Walter; Maquilhagem: Tamsin Dorling, Paul Gooch, Paul Mooney, Paula Price, Jeremy Woodhead; Direcção de Produção: Polly Duval, Charlie Simpson, Tim Wellspring; Assistentes de realização: James Chasey, Richard Goodwin, Christopher Newman, Carly Taverner; Som: Simon Gershon; Efeitos especiais: Mark Holt; Efeitos visuais: Simon Carr; Casting: Louis Elman; Companhias de produção: Ealing Studios, Fragile Films, Endgame Entertainment, BBC Films; Intérpretes: Jessica Biel (Larita Whittaker), Ben Barnes (John Whittaker), Kristin Scott Thomas (Mrs. Whittaker), Colin Firth (Mr. Whittaker), Kimberley Nixon (Hilda Whittaker), Katherine Parkinson (Marion Whittaker), Kris Marshall (Furber), Christian Brassington (Phillip Hurst), Charlotte Riley (Sarah Hurst), Jim McManus (Jackson), Pip Torrens (Lord Hurst), Georgie Glen (Mrs. Landrigin), Laurence Richardson (Marcus), etc. Duração: 97 minutos; Distribuição em Portugal: Valentim de Carvalho; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 1 de Janeiro de 2009;

quarta-feira, janeiro 14, 2009

CRÍTICA DIVIDIDA: QUEM TEM RAZÃO?

VÁRIAS OPINIÕES PARA O MESMO FILME?
Comentário aparecido no meu blogue e que julgo merecedor de um post:
Há dias li a mui douta opinião do Lauro António sobre o filme "Austrália" e sinceramente apesar do que se diz por aí fiquei muito interessado em ver o filme. Ainda não o consegui. Mas chamou-me a atenção a crónica da senhora crítica da "Visão" de 31.12.08. Para a dita senhora o filme é execrável pelos vistos. E eu pergunto. O que poderá levar pessoas que percebem de cinema a dizerem muito bem enquanto outros dizem muito mal ? Afinal deveremos seguir a opinião dos críticos ou apenas guiarmo-nos pela nossa sensibilidade? Uma boa tarde - Palma –Louletania

Meu caro Palma, da Louletania: ora aqui está uma questão extremamente interessante. As críticas oficiais de ditos "especialistas", claro que podem ser importantes, mas não passam disso mesmo, opiniões, como tal discutíveis. Os “críticos” ou os “especialistas” têm uma visão “por vezes” estribada em conhecimentos técnicos e artísticos (por exemplo: se são profissionais da mesma arte), devem ter informações mais profundas que o espectador normal, mas não passam de opiniões. Respeitáveis, mas opiniões. Cada pessoa, especialista ou não, gosta ou não gosta de algo, julga uma obra, com base numa experiência pessoal que é só sua. Irrepetível. Por isso há quem ame e há quem deteste a mesma obra. Nada de surpreendente. O cidadão deve estar habituado à diferença, e julgar por si mesmo. Não nos devemos abespinhar por A dar uma bola preta e B cinco estrelas ao mesmo filme. Uma diferença estética, uma divergência ideológica impõem por vezes essa inversão total de valores. É assim mesmo e o cidadão tem apenas de aceitar a diferença, e depois, se possível escolher aquele que está mais de acordo com a sua própria sensibilidade e cultura, ciente de que não estará nunca a cem por cento de acordo com alguém.
Mas há ainda um outro problema relativo à crítica, por exemplo cinematográfica: Eu julgo (e escrevi, e escrevo tendo em conta este julgamento), que um crítico não deve impor a sua opinião aos filmes que vê. Um crítico deve estar aberto ao que cada filme propõe. Eu tenho, como realizador, por exemplo, um certo tipo de filmes que quero fazer, e só os faço da maneira que eu julgo a minha (por isso, faço pouco filmes, mas os que faço são inteiramente como quero, dentro das condicionantes da produção). Como crítico, porém não imponho esse modelo aos filmes que vejo e de que falo ou escrevo. Tento perceber o que cada filme pretende e verificar se o atinge, desde que os processos e as intenções me pareçam honestos e legítimos. Não desconsidero um filme por ser vanguardista, nem outro por ser comercial, não nego um por optar por uma estética nem valorizo outro por seguir uma outra. Cada um no seu campo pode ser bom. É obvio que deve sentir-se sempre no que escrevo um entusiasmo mais nítido por certa obra que me é mais familiar. É humano. Mas tento respeitar o que vejo ou leio ou ouço em função das intenções dos autores.
Quanto ao cidadão consumidor de arte, qualquer que seja a sua forma de expressão, só vejo uma atitude salutar: julgar por si próprio, e ler as críticas para contrapor ao seu julgamento, para com elas se debater, para colher um ou outro informe que não possui, para se situar por vezes num terreno que não domina completamente. Mas nunca para seguir como carneiro em rebanho a opinião dominante ou não.
A liberdade de julgamento é um dos nossos direitos mais inalienáveis. Mas sabe-se também que a liberdade é difícil, dá trabalho, obriga a tomar posição em tudo. Muitos escudam-se na opinião dos “leaders” ou dos “opions makers” e não questionam o que vêem ou lêem ou ouvem. Seguem o que lêe, sem questionar nada. O que se passa no domínio das artes, passa-se no domínio da política. Às vezes saem-se mal e vão atrás de manipuladores de opinião mal intencionados ou fascistas encapotados de democratas que vendem sonhos de paraísos terrestres. Infelizmente o que há mais são carneirinhos enlevados por lobos sedentos de sangue fresco. Sóo descobrem tarde demais. Por isso, cada um deve analisar bem, por si, antes de alinhar com as doces palavras que lhe vêem de fora.
No caso de “Austrália”, por exemplo, veja primeiro, e diga-me depois qual o veredicto. Se não estiver de acordo com o que escrevi, eu não me importo, continuo a lê-lo (não sei onde, mas pelo menos aqui, nos comentários) e a achar que “Austrália é um bom filme”.

CINEMA: CONTRATO

CONTRATO
Confesso que fui para a antestreia com receio. Julgo que Nicolau Breyner é presentemente um dos melhores actores portugueses, o que tem demonstrado ao longo de vários filmes, muitos dos quais quase só valem pelo seu trabalho. Depois, Nicolau Breyner é um amigo e não gostaria de ter de fugir escada abaixo do S. Jorge logo que a palavra Fim se projectasse, para não ter de ser sincero com a personagem em causa. Quando não gosto, não gosto, seja amigo ou desconhecido. E aos amigos sobretudo não se pode mentir. Por isso às vezes o melhor mesmo é a piedosa fuga à realidade dos factos. Neste caso não foi preciso e fiquei com gosto até final para lhe dar um abraço de parabéns. “Contrato”, a sua estreia na realização, é um filme bastante interessante, e julgo que um dos melhores filmes abertamente comerciais que vi nos últimos anos saído dos estúdios portugueses.
"Contrato" é a adaptação de "Requiem para D.Quixote", policial de Dennis McShade (pseudónimo de Dinis Machado), segundo versão de Pedro Bandeira Freire, com argumento assinado por Álvaro Romão e Nicolau Breyner. Não será bem “policial”, mas “filme negro”, já que se trata de um ajuste de contas entre mafiosos do sub mundo do crime. Nada de muito intelectual, deliberadamente: um assassino profissional é contratado para matar um tal Giorgio Thanatos que gosta de arte e vive por vezes em Portugal (Sintra, mais precisamente). Nenhuma mensagem sub-reptícia, nenhuma denúncia de corrupção na polícia, na política ou nos clubes de futebol. Apenas acção: fulano de tal quer matar sicrano, por dinheiro, leva uma coça que o põe entre a vida e a morte nos braços de uma bela enfermeira, por quem se apaixona. Mas contrato é para se cumprir até ao fim. O que tenta fazer, para logo a seguir se embrenhar noutro contrato que Lourenço julga ser o derradeiro da sua vida. Lourenço teve uma infância difícil e passou as passas do Algarve na guerra. Nada mais. Este lado de filme sem pretensões de salvar o mundo, é simpático. Não engana. É o que é à vista desarmada. Claro que qualquer série “nobre” americana é melhor, tem outros meios, outras ambições. Mas até aqui “Contrato” se safa bem, dentro de género de filme de acção. Pobrezinha, mas honrada, o que faz, faz bem. A realização é escorreita, não inventa onde não tem de inventar, e consegue mesmo alguns excelentes momentos, quando tem actores pela frente. Há meia dúzia de cenas brilhantes, das melhores do cinema português, que deixam boas perspectivas para o Nicolau Breyner realizador: A cena com José Wallenstein, o travesti Sonny, é notável como representação e como realização, o mesmo se passando com Nicolau Breyner a dirigir Nicolau Breyner, numa demonstração plena de como se compõe uma personagem partindo do nada e dando-lhe uma autenticidade e densidade humana notáveis. Vítor Norte, José Raposo, Adelaide João são igualmente muito bons nos seus apontamentos, e sempre que aparecem actores o filme sobe e ganha uma força de tragédia humana invulgar neste tipo de filmes. Os miúdos que aparecem no filme são igualmente notáveis. Depois aparecem as fragilidades: um filme um pouco a mata cavalos com alguém a explicar o que ainda não se sabia, e alguns intérpretes (quase todos modelos) sem a consistência necessária. Pedro Lima, Cláudia Vieira e Sofia Aparício, por exemplo. Mas a estreante Cláudia Vieira é uma figura não só sensual, mas também simpática, integrando-se bem no lado despreconceituoso do filme.
O abraço de parabéns que dei no final a Nicolau Breyner foi sincero e gostoso. Esperemos por mais e melhor. Iniciar uma carreira aos 68 anos promete.

CONTRATO
Título original: Contrato
Realização: Nicolau Breyner (Portugal, 2009); Argumento: Pedro Bandeira-Freire, Álvaro Romão, Nicolau Breyner, segundo romance de Dinis Machado ("Requiem para D.Quixote", sob pseudónimo de Dennis McShade); Produção: Isabel Chaves; Fotografia (cor): José António Loureiro; Montagem: João Braz; Música: Elvis Veguinha, José Manuel Afonso; Decoração: Pedro Sá; Guarda-roupa: Joana Rodrigues; Assistente de realização: César Fernandes; Som: Quintino Bastos, Branko Neskov; Companhia de produção: Hora Mágica, TVI.
Intérpretes: Pedro Lima (Lourenço), Cláudia Vieira, Sofia Aparício, José Boavida, Nicolau Breyner (Giorgios Thanatos), Maria Dias, George Felner, Pedro Granger, Adelaide João, Joaquim Nicolau (Dr. Machado), Vítor Norte, Tiago Teotónio Pereira (António), José Raposo (o careca), José Wallenstein (Sonny), etc.
Duração: 100 minutos; Data de estreia: 15 de Janeiro de 2009 (Portugal); Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição: Hora Mágica.

terça-feira, janeiro 13, 2009

GLOBOS DE OURO 2009

Começou a corrida aos prémios de cinema e televisão em Hollywood, antecipando de alguma forma o que poderá acontecer a 22 de Fevereiro, na noite dos Oscars. Para já foram os Globos. A lista de premiados, quase todos ainda inéditos em Portugal, pode ser consultada AQUI.

sábado, janeiro 10, 2009

CINEMA: A TURMA

A TURMA







François Bégaudeau escreveu o romance que, conjuntamente com Robin Campillo e Laurent Cantet, adaptou ao cinema, tendo este último realizado o filme, enquanto o primeiro ficava com a interpretação do protagonista, o professor de francês François Marin, a leccionar numa escola de Paris, onde, numa turma do 9º ano, se misturam jovens entre os treze e os quinze anos, de origens diversas, apesar do todos franceses (ainda que a designação de “franceses”, neste caso, pouco queira dizer). Árabes, negros, mestiços, brancos, chineses, etc. são a massa nada uniforme dos jovens das grandes cidades, quer se trate de Paris, de Lisboa, de Madrid, de Londres ou de Nova Iorque. Esta miscigenação que as grandes emigrações acarretaram traz problemas delicados à escola pública (e “republicana”, como se afirma a escola francesa). Esse é o tema de “Entre les Murs”, um filme extremamente curioso que demonstra como é falsa a teoria de que um filme adaptado de um romance é normalmente inferior à obra de origem: aqui passa-se precisamente o contrário. O romance é interessante, mas o filme é bastante superior, talvez por ter condensado de forma muito hábil tudo quanto de importante o romance continha, dando-lhe uma maior consistência e coerência. Depois, a densidade psicológica e humana das personagens ganha com a sua representação (o filme é todo ele magnificamente interpretado por jovens e adultos, os alunos são espantosos de autenticidade e presença, os professores são muito bons na forma como desenham personagens de certa complexidade comportamental, em raras aparições). Há sobretudo na obra uma definitiva negação de todo o tipo de maniqueísmo, de simplificação de análise, de olhar a preto e branco a realidade. Todas as figuras merecem uma atenção especial, sem paternalismos escusados e despropositados, nem com uma compreensão exagerada, ainda que se note em toda a obra um olhar de simpatia e sincera emoção que se transmite ao espectador. Todas aquelas personagens, nos seus desencontros e querelas, estão marcadas por destinos sociais, por registos humanos, por parâmetros económicos, por definições conjunturais, por aprendizagens culturais, que os limitam nos movimentos e na sua forma de expressão. A aula é de francês e poucos sabem exprimir-se correctamente nessa língua, muito embora todos (ou quase todos) tenham nascido e habitem Paris, capital de França. Muito estão ali porque os pais para ali vieram trabalhar, mas não se sentem franceses, sentem-se perdidos das origens e náufragos num oceano inóspito. Reagem enquanto tal, mas o professor pretende não só pô-los a falar francês, ensinar-lhes o significado de certas palavras e a conjugação os verbos, como sobretudo quer levá-los a pensar, a agir, a tornarem-se cidadãos com direitos e deveres. A educação, diga-se o que se disser, é isso mesmo: o ensino da integração de “rebeldes” sem civilidade numa sociedade organizada, onde existem regras. Tal como domar um potro selvagem, até que ele obedeça às vozes de comando. A educação pode ser mais ou menos “moderna”, mais ou menos liberta de amarras, mas nunca será outra coisa, porque essa é a sua essência. E a sua necessidade intrínseca. A sociedade só vinga se integrar. Qualquer sociedade. Pretender o contrário é ingenuidade. O que a escola pode e deve fazer é não assassinar dentro de cada um a sua personalidade, enquanto a integra no conjunto, na sociedade. Deve ensinar as regras de convivialidade para que posteriormente cada um escolha o seu caminho, até o da “desintegração”, se acaso for esse o seu desejo.
Mas o mais interessante em “A Turma” é a sua construção que tem tudo a ver com o que se pretende expressar. Ao contrário do romance (que se assume quase como um esboço para o que viria a ser depois o filme), onde há curtas saídas do espaço da escola, no filme de Laurent Cantet tudo se passa rigorosamente entre as paredes da escola, em quatro espaços definidos, mas que surgem como prolongamentos naturais uns dos outros: a sala de aulas, a sala dos professores, o gabinete do principal, e o recreio (há umas escadas e uns corredores a ligá-los, mas nada de muito significativo). Há o espaço do confronto diário, a sala de aula, há o espaço de recolha e descanso do guerreiro, que é a sala dos professores, há o outro espaço de pausa e revigoramento do outro contendor, o recreio, e há o espaço de litígio (que tanto pode ser o gabinete do director, como a improvisada sala do conselho disciplinar. Tudo se estrutura como um confronto, uma refrega diária: o professor a tentar domar os alunos da sua turma, estes a debaterem-se para não serem domados, isto é, integrados, assimilados. Luta de classes? Não me parece. Uma luta de um tipo completamente novo, que, tendo como uma das bases óbvias diferenciações económicas, não se limita a elas e as transcende em muito: são lutas geracionais, culturais, civilizacionais, rácicas, comportamentais. Se virmos bem, ali não haverá grandes distinções de classe: na verdade, professores e alunos integram-se facilmente numa burguesia trabalhadora, com ofícios diferenciados, mas com aspirações muito semelhantes: os pais dos alunos querem o mesmo que os professores: serem integrados, participarem todos de uma mesma sociedade (basta ver os depoimentos dos pais, sempre que estes participam na intriga). O problema maior reside numa outra perspectiva do conflito: os alunos, melhor dizendo alguns alunos que se tornam focos de indisciplina, não querem ser assimilados. Por razões políticas? Um pouco, é certo. Há vislumbres de insubmissão política nalgumas das questões suscitadas ao longo das aulas, mas também não parece ser essa a questão fulcral. Essa cinge-se a um crescente mal estar de convivência que se vai ampliando à medida que o filme decorre.
De resto, o professor não aparece aqui como o apóstolo da boa vontade, disposto a tudo para transformar e elevar o estatuto dos alunos (há vários filmes que, de uma maneira ou de outra tentarem essa via desde o magnífico “Sementes de Violência” (Blackboard Jungle), de Richard Brooks (1955), até aos mais recentes “To Sir, With Love”, de James Clavell (1967), “Mr. Holland's Opus”, de Stephen Herek (1995), ou “Dangerous Minds”, de John N. Smith (1995), para só citar alguns). François Marin opta por uma via de constante confronto, não aceita qualquer tipo de insubordinação, os alunos levantam o braço para falar, pedem para se levantar, não há telemóveis nem bonés nas aulas, levantam-se quando o director entra na sala, ninguém se trata por tu, há um distanciamento obrigatório entre professor e alunos. Há provocações ao nível das perguntas e respostas. O professor não é um pacífico instrumento de transmissão de saber. É mais do que isso, porque o que ele pretende é impor aos alunos regras de pensamento, de actuação, de civilidade. O que os alunos tentam é furtar-se a esses ensinamentos.
Enquanto alguns alunos se deixam integrar facilmente, outros reagem a essa assimilação. Em nome de quê? “O professor embirra connosco”, dando a ideia de que existem tratamentos diferenciados com base na cor da pele, na raça, no estilo de vida. Sim, existem vestígios de um deficiente enquadramento social, mas quais as ambições dos jovens? Ser Zidane, para os originários de África, mas com curiosas nuances entre os de Marrocos e os do Mali. Depois, entre os brancos, lá está a camisola da equipa portuguesa, com o seu escudo no peito e, ia jurar, com o nome de Ronaldo nas costas. E para lá de serem famosos e ricos, muito ricos, que mais os norteia? O uso do telemóvel, o “gosto de fazer amor” e de espreitar os seios da miúdas, a utilização de t-shits com dísticos alusivos e a insolência de balouçar nas cadeiras. É pouco, muito pouco, como ideal de vida, mas é o que se pode arranjar. Ao ver este filme, nada diferencia muito estes jovens dos que se encontram numa aula pública em Portugal. Talvez os professores franceses sejam mais exigentes em disciplina, quando não desistem clamorosamente derrotados, como é o caso de um exemplo que nos é dado ver.
Estamos no perfeito domínio da tragédia grega (o que, sendo a Grécia o berço da civilização ocidental, não deixa de ser uma referência muito significativa neste contexto), com um protagonista e um coro (professor e alunos), e algumas outras personagens (que por vezes também podem ser vistas como um coro: os professores), onde sobressai a figura do juiz e o tribunal final. De resto, as três unidades de tempo, local e personagens estão estritamente comportadas no esquema narrativo. Esta estrutura oferece ao filme uma densidade dramática muito forte, levando o espectador a aderir instantaneamente a uma teia ficcional realista (sempre muito próxima da realidade) que se acompanha como um policial, sem que os autores façam a mais pequena transigência ao espectáculo ou ao facilitismo das plateias. Creio mesmo que este é um documento de uma séria e profunda reflexão sobre a educação, a escola, e sobretudo sobre o sentido a dar às sociedades actuais, onde se mantêm lutas de classes, mas onde se sobrepuseram outras de muito mais radicais consequências: o que hoje impera no mundo são lutas de culturas, civilizações, religiões que querem dominar economicamente o planeta e que para o conseguirem não hesitam em tentarem destruir-se mutuamente. Neste campo, professores e alunos, consciente ou inconscientemente, travam a sua luta nas salas de aulas, numa altura em que a globalização coloca lado a lado, numa turma qualquer de uma qualquer escola, representantes distintos e adversos. Ultrapassar este problema numa perspectiva moderna, aberta, livre, sinceramente democrática, igualitária, é o grande repto das sociedades actuais. Nomeadamente da sociedade ocidental, que, não devendo suicidar-se e não podendo renegar os seus valores e as suas características, terá de arranjar forma de coexistir com outras sociedades, fortemente ameaçadoras e invasivas. Um equilíbrio na desordem contemporânea não é fácil, mas ou se encontra, ou a tragédia global está eminente. Ver um filme como “A Turma” desbloqueia e antecipa as mais assustadoras perspectivas.


François Bégaudeau nasceu a 10 julho de 1971 em Luçon, França. Os pais eram professores. Estuda no liceu Jules-Verne, em Nantes. Tirou o bacharelato, jogou futebol (no Mangin-Beaulieu e até um selecções nacionais de federados), o que lhe deixa uma forte ligação ao desporto. O seu primeiro romance chama-se “Jouer Juste”, dirigiu uma obra colectiva “Le Sport par les Gestes”, e durante um ano comentou o campeonato francês no “Le Monde”. Foi professor no liceu Guist'hau em 1989, depois tira a licenciatura em “Letras Modernas”, na Universidade de Nantes. Funda um grupo de rock punk, “Zabriskie Point”, de que era vocalista. Volta à escola, como professor de francês, em Dreux (Lycée technique Edouard Branly), e depois no Colégio Mozart, em Paris. Dedica-se à escrita, como crítico de cinema nos “Cahiers du Cinéma” e, em 2003, publica o primeiro romance, o já citado “Jouer Juste”. Em 2004, funda a revista “Inculte”, juntamente com outros escritores e filósofos. Outras obras : “Dans la Diagonale” (2005), “Un Démocrate, Mick Jagger 1960-1969” (2006), “Entre les Murs” (Prix France Culture/Télérama) e, finalmente, “Fin de l'Hstoire”, consagrado a Florence Aubenas. Interveio em diversas obras colectivas como “Débuter dans l'enseignement: Témoignages d'Enseignants, Conseils d'Experts” (2006), ou “Collaboration à Devenirs du Roman” (2007). Escreveu ainda peças de teatro, crónicas de televisão e artigos. Em 2008, “Entre les Murs” passa a filme e François Bégaudeau estreia-se como actor, interpretando a personagem principal desta obra que haveria de ganhar a “Palma de Ouro”, do Festival de Cannes. Em Outubro de 2008 anuncia a pretensão de comprar o clube de futebol, FC Nantes, de que é sócio há muito.
A TURMA
Título original : Entre les Murs ou The Class
Realização: Laurent Cantet (França, 2008); Argumento: François Bégaudeau, Robin Campillo, Laurent Cantet, segundo romance de François Bégaudeau; Produção: Caroline Benjo, Carole Scotta ; Fotografia (cor): Pierre Milon; Montagem: Robin Campillo; Direcção de produção: Christina Crassaris, Michel Dubois; Assistentes de Realização: Aurelio Cardenas, Mathieu Danielo; Som: Jean-Pierre Laforce, Olivier Mauvezin, Agnes Ravez; Casting: Vicky Brougiannaki, Christine Campion; Companhias de produção: Haut et Court, Canal+, Centre National de la Cinématographie (CNC), France 2 Cinéma, Memento Films Production;
Intérpretes: François Bégaudeau (François Marin), Nassim Amrabt, Laura Baquela, Cherif Bounaïdja Rachedi, Juliette Demaille, Dalla Doucoure, Arthur Fogel, Damien Gomes, etc.
Duração: 128 minutos; Distribuição em Portugal: Midas Filmes; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 30 de Outubro de 2008.

o realizador Laurent Cantet

sexta-feira, janeiro 09, 2009

LIVROS: O HÓSPEDE




O HÓSPEDE

Numa Londres vitoriana, envolvida pelo nevoeiro e pelo mistério, lá fora acontecem os crimes sangrentos de Jack, o Estripador, que assinava os seus loucos e sádicos esventramentos de prostitutas e alcoólicas com a sinistra designação de “O Vingador”, enquanto dentro daquela pobre casa vivia um casal de criados aposentados, que havia aceite um hóspede. Um estranho inquilino, na verdade. Este o ponto de partida de "O Hóspede" de Marie Belloc Lowndes (ed. Quidnovi, 2008).
Mr. e Mrs. Bunting tinham dificuldades na vida até à chegada de Mr. Sleuth, um bem apessoado gentleman, que só lê a Bíblia, vive retirado no seu quarto durante o dia, e dá problemáticas e intrigantes escapadas durante a noite. As libras começam a correr naquela casa, enquanto nas ruas pobres e mal iluminadas de Londres corre o sangue. A esmerada educação e placidez de que dá sobejas provas Mr. Sleuth, ao mesmo tempo que o tornam simpático, fazem dele uma personagem assustadora, sobretudo sabendo-se que, lá fora, na noite, os surtos de um cavalheiro bem vestido, com uma mala ou um embrulho na mão, não dão tréguas a mulheres perdidas que se encontram barbaramente assassinadas pelas vielas e becos mais desertos.
Ellen Bunting, que de parva não tem nada, mas viu entrar pela porta dentro uma mina de libras e não a quer delapidar, pressente o perigo, mas acha que denunciar não é da sua competência. Vai de íntima desculpa em secreta desculpa, até a realidade se afirmar na sua frente. Numa altura em que Daisy, a filha de um antigo casamento de Mr. Bunting se instala lá em casa e anuncia noivado com o detective Joe, da Scotland Yard, que não deixa de visitar a casa sob qualquer pretexto, sem no entanto farejar nada de estranho. Tudo tão obvio e afinal tão longe de o ser.
Entretanto lá fora, pela manhã, ou ao cair da noite, as noticias dos jornais sensacionalistas, não deixam de atordoar a cabeça do velho casal, com a progressão imparável de novos crimes gritados a plenos pulmões. Entre a pacifica existência do “dentro de casa”, e a assustadora realidade do “lá fora”, se prolonga a escrita engenhosa na sua estrutura dramática, elegante, precisa, envolvente, misteriosa de Marie Belloc Lowndes, uma escritora inglesa de policiais (e outros romances mais) que Portugal não conhecia (apesar de muita da sua família viver em Portugal) e que a editora Quidnovi agora lançou (em boa hora). Trata-se de um belíssimo policial, que está na origem de diversas adaptações cinematográficas (entre as quais uma de Alfred Hitchcock, de 1927, “The Lodger, a Story of the London Fog”, que quero agora muito rever, bem como algumas outras versões de que mais tarde darei conta).

terça-feira, janeiro 06, 2009

PRÓXIMO VAVADIANDO

28 º J A N T A R D A T E R T Ú L I A
V Á .V Á . D I A N D O
22.JANEIRO.2009 + 20,00 horas

VAMOS FALAR DE MÚSICA
CONVIDADO:
ANTÓNIO VICTORINO D’ ALMEIDA
(NOME MAIOR DA MÚSICA PORTUGUESA CONTEMPORÂNEA,
ESTARÁ NO CENTRO DE MAIS UM DEBATE, NUMA
ESTIMULANTE CONVERSA À RODA DA MESA)

Depois de RAÚL SOLNADO, FERNANDO DACOSTA, NUNO JÚDICE, TEOLINDA GERSÃO, IVA DELGADO, LÍDIA JORGE, MARIA DO CÉU GUERRA, EURICO GONÇALVES, PAULO PORTAS, LAURO ANTÓNIO, ROGÉRIO SAMORA, CARLOS DO CARMO, CELINA PEREIRA, OTELO SARAIVA DE CARVALHO, MARCELO REBELO DE SOUSA, IRENE PIMENTEL, PADRE FEYTOR PINTO, FERNANDO ROSAS, BÁRBARA GUIMARÃES, NICOLAU BREYNER, GONÇALO RIBEIRO TELLES, FRANCISCO MOITA FLORES, BAPTISTA BASTOS, ALICE VIEIRA, SÃO JOSÉ LAPA, INÊS LAPA LOPES CONTINUAM OS NOSSOS ENCONTROS, MANTENDO UMA TRADIÇÃO DE TERTÚLIA DO CAFÉ-RESTAURANTE VÁVÁ.

ENTRADA: 17,5 EUROS POR PESSOA. COM DIREITO A ENTRADAS, SOPA, UM PRATO DO DIA, PEIXE OU CARNE, SOBREMESA, BEBIDA (VINHO É O DA CASA!) E CAFÉ. EXTRAS POR CONTA DO FREGUÊS.


[ LOTAÇÃO LIMITADA A 50 CADEIRAS. ACEITAM-SE INSCRIÇÕES NO BALCÃO DO VÁVÁ. ]
PRÓXIMO CONVIDADO: JOSÉ MANUEL ANES (Fevereiro de 2009)
Para informações e marcações de lugares:
LAURO ANTÓNIO - Blogue Va.Va.diando (http://vava-diando.blogspot.com/]
[mail: laproducine@gmail.com]
RESTAURANTE - CAFÉ VÁVÁ AV. EUA, Nº 100 - 1700-179 – LISBOA (TELF 21.7966761).
VÁ.VÁ.DIANDO
ANTÓNIO VICTORINO D’ ALMEIDA

Figura bem conhecida no panorama cultural português, António Vitorino d' Almeida é considerado "o homem dos sete instrumentos". Se é verdade que o talento deste comunicador sempre foi uma certeza nos campos da música e composição, não é menos verdade que demonstra excelentes capacidades ao aventurar-se pelos terrenos da televisão, do cinema, do teatro, da escrita, não esquecendo a rápida incursão que fez no mundo da política/diplomacia. António Vitorino d' Almeida é um comunicador nato, capaz de cativar todo o tipo de públicos com a inteligência das suas palavras e a sua simpatia. Cultiva alguma excentricidade, visível na bengala e nos cabelos em desalinho, traços que sublinham o seu espírito crítico desconcertante.
António Victorino Goulart de Medeiros e Almeida
é uma das figuras mais populares da música e da televisão portuguesas.

Nascido em Lisboa a 21 de Maio de 1940, Victorino d' Almeida foi profundamente marcado pelas referências culturais que o ambiente familiar lhe proporcionou: O seu avô paterno, Achilles d'Almeida, era músico amador, poeta, autor e encenador de peças de teatro e Maria Amélia Goulart de Medeiros, de origem açoriana, mãe do Maestro, iniciou uma curta carreira de cantora lírica. Sua sogra, Odete Saint-Maurice (primeiro casamento com Maria Armanda, mâe de Inês e Maria de Medeiros), Odete Saint-Maurice, foi escritora. Seu pai, o advogado Victorino d'Almeida,
filho único, a desenvolver o gosto pela música.
Com tantos ascendentes artísticos, o jovem António começou desde muito cedo a aprender música. Aos cinco anos compôs a primeira obra, mas apesar de ter sido considerado menino-prodígio, teve uma infância «normal». Com sete anos deu a primeira audição e interpretou obras de Mozart e Beethoven, para além de duas peças de sua autoria. Uma crítica da época, no Século Ilustrado, baptiza o pequeno prodígio de "Antonito" e considera "maravilhoso o seu poder de interpretação".
Victorino d' Ameida frequentou o liceu em simultaneidade com o Curso Superior de Piano no Conservatónio Nacional de Lisboa.Campos Coelho terá sido o professor de música que mais o influenciou. Concluiu o curso com 19 valores e obteve uma bolsa de estudo do Instituto de Alta Cultura para estudar composição em Viena de Áustria, na Academia de Música. Foi aluno do professor austríaco Karl Schiske, e concluiu esta post-graduação com a mais alta classificação dada por aquela escola: a distinção por unanimidade do júri e consequente prémio especial do Ministério da Cultura da Áustria. Fixou residência em Viena, onde viveu durante duas décadas,
sem contudo deixar de fazer visitas regulares ao seu país.
Durante sete anos (1974-1981), foi adido cultural da Embaixada Portuguesa em Viena, cargo que lhe valeu uma condecoração atribuída pelo Presidente da República da Áustria. Em 1989 decide entrar na arena política nacional e apresenta a sua candidatura ao Parlamento Europeu como cabeça de lista pelo MPD/CDE, vaga que não chegou a preencher. Victorino d' Almeida leccionou ainda cursos de musicologia
na Universidade do Porto e em Tavira.
A sua carreira como concertista entrou algumas vezes em conflito com a actividade de composição e ambas sofrem da dispersão por áreas aparentemente tão distintas como o cinema, a televisão, a escrita e a rádio. Apesar de ter sempre o tempo muito ocupado, António Victorino d' Almeida privilegia sempre a música, pois considera ser essencialmente um compositor e argumenta que a música é o elo de ligação
que dá consistência a tudo o que faz.
A sua obra é muito vasta e abrange os mais variados géneros musicais, desde a ópera, à música sinfónica, de câmara, à música para cinema, teatro e fado.
Maria de Medeiros e Inês de Medeiros são filhas do Maestro António Victorino d' Almeida. Inês estreou-se com dez anos no filme que o pai realizou. Maria e Inês de Medeiros, as filhas mais velhas, são já actrizes reconhecidas internacionalmente e a mais nova, Ana Victorino d' Almeida, decidiu seguir a carreira do pai no campo da música.
Editou recentemente uma monumental obra em dois volumes, "Toda a Musica que eu Conheço", Oficina do Livro, 2008.
Biografia retirada de CITI, Centro de Investigação da Universidade Nova de Lisboa, e rectificada nalguns pontos.

segunda-feira, janeiro 05, 2009

GRANDE CONCERTO DE ANO NOVO

GRANDE GALA STRAUSS
Acabei de ser dirigido pelo maestro búlgaro Dimitar Panov no encerramento do “Grande Concerto de Ano Novo”, dedicado a “Johann Strauss”, no Coliseu dos Recreios. No dia um deste mês tinha assistido, via RTP, a um outro “Concerto de Ano Novo” ou “Grande Gala Srauss”, este “comme il faut”, com tudo “en su sitio”, isto é em Viena de Áustria, com músicos e bailarinos de primeira escolha. Os de Lisboa não eram maus, vêm daquela tradição de eficazes funcionários públicos das ex-democracias de Leste, tocam bem mas não encantam, têm a lição bem aprendida mas falta-lhes alma. A Strauss Festival Orchestra tocou o reportório habitual, esse mesmo a que íamos, Tatsiana Piatrova, soprano, destacou-se pela bela voz nalgumas áreas, e o Strauss Festival Ballet Ensemble enfeitou o conjunto com a elegância das meninas e alguma falta de jeito dos meninos. O Coliseu dos Recreios tinha meia plateia cheia e o resto às moscas, e, no final, quando o maestro deu ordem para se atacar a “Marcha Rdetzky”, lá vieram as palmas do público. Dimitar Panov acenou para nós, e, única excitação extra, nós acompanhámos ao ritmo. Foi assim que acabei de ser dirigido pelo maestro búlgaro Dimitar Panov. No Coliseu dos Recreios. Neste caso o nome está muito bem atribuído: dos recreios. Foi o que aconteceu: um recreio de início de ano para exorcizar os demónios que dizem que podem vir aí.

domingo, janeiro 04, 2009

SETÚBAL, 3 DE JANEIRO DE 2009

DO TRABALHO E DOS DIAS,
DO LAZER E DA AMIZADE
Se há coisas boas na vida, uma delas é viajar com amigos, almoçar com amigos uma dourada de mar, divina, num restaurante de Setúbal, regatear e comprar depois um par de estatuetas negras da Nigéria, enquanto se espera pela aludida dourada, beber um bom café e fumar uma cigarrilha, com amigos, numa esplanada a cheirar a mar ao fundo, mesmo num dia de Inverno, com a chuva a ameaçar entrar por entre as ligações dos toldos. Se há coisas boas na vida é visitar, pela tardinha, com amigos, um museu, dirigido carinhosamente por mão fraterna, que reúne peças do trabalho árduo e quotidiano da faina da pesca e da conserva de peixe (falo do Museu do Trabalho, em Setúbal) e reviver dramas profundos e alegrias breves de esforçados trabalhadores que deram suor e arte a troco de parcas lentilhas. Coisa boa não é certamente recordar os dramas e as tragédias, mas já o será saber que elas não caíram de todo no esquecimento e ali estão para serem meditadas no presente e no futuro, a fim de impedir, se possível, outros tantos dramas e tragédias e prolongar as alegrias breves de quem trabalha. Foi esta a visita que se fez, acompanhados pela voz de quem sabe explicar que aquele edifício era a antiga fábrica de conserva de peixe da família francesa Perienes, como foi recuperado e lançado museu, de como se recolheu uma parte do espólio de Michel Giacometti (ao encontro do povo, no mundo rural), de como se acomodou centenas de peças e registos sobre o universo da pesca e da conserva de peixe, de como se transladou para o interior das suas instalações todo o recheio da fabulosa Mercearia Liberdade (que existia na Av. da Liberdade e foi parar a Setúbal com armas e bagagens, com um efeito de mágico resgate que assombra). No museu ainda se pôde ver, guiados pelos olhos do autor, uma exposição temporária de João Concha sobre as suas cada vez mais célebres Alices. Sempre rodeado de amigos. E com amigos se terminou a tarde, num espaço muito agradável, “Três quinze Dias”, bebendo um chá ou um chocolate, servidos por uma simpática ucraniana, reencontrando a Célia David, protagonista de uma peça minha que encenei há anos no TAS, antes de com amigos se regressar a Lisboa, já a combinar nova viagem, possível ou impossível, a Braga, por exemplo. Pelo meio ficam os sorrisos que não se descrevem, os cheiros que perduram no ar da cidade, a neblina do porto, a auto-estrada e a ponte. E como Setúbal foi generosa até ao fim, no desfecho da noite, já em casa, regressei à cidade do Sado para ver, na tv, o Sporting ganhar. Passado este embate desejo ao Vitória que ganhe todos os encontros até jogar em Alvalade.
Os amigos desta tarde memorável foram a Eduarda e o Frederico (que são mais do que amigos), a Isabel MF e a Rosário, a Isabel (directora) Victor e o Pedro, e o Pires F, e a Sónia e o João (Alice) Concha. É bom ter amigos como vocês. Verdadeiros “bandidos” no tráfico de beijos e abraços.

fotos (2) de MEC e as restantes do autor

sexta-feira, janeiro 02, 2009

CINEMA: AUSTRÁLIA

AUSTRÁLIA
Baz Luhrmann não tem sorte com a maioria dos críticos encartados. Quando os seus filmes se estreiam, por exemplo em Portugal, as primeiras opiniões são francamente desfavoráveis, depois com o passar do tempo e com as opiniões do comum dos espectadores que transformam os seus filmes em obras de culto, muitos dão a mão à palmatória, dão o dito por não dito, e aclamam os lançamentos em DVD, e outras coisas tais. Aconteceu em “Romeo + Julieta”, aconteceu de forma dramática com essa obra-prima chamada “Moulin Rouge”, volta a acontecer agora com este belíssimo e sumptuoso épico melodramático erigido em louvor da sua terra natal, “Austrália”
Como já perceberam, gosto muito do filme, ainda que não o considere uma obra-prima (mas que importa isso? que importa se um filme não é perfeito, quando nos sentimos tão bem na sua companhia?). Ora já convém saber o que me leva a gostar do filme, porque gostar só por gostar não interessa muito (a não ser numa perspectiva pessoal).
Vamos ver se consigo colocar aqui as principais razões. A primeira, porque se trata de um filme que gosta de contar histórias, que vive de contar histórias, o que se percebe logo desde o inicio quando uma criança aborígene australiana explica o que o mágico seu avô lhe confessou: “O mais importante do mundo é contar histórias”, porque ao contar histórias estamos a perpetuar a nossa História. Esta perspectiva de “contar histórias”, que começou por ser oral, passou à escrita e ao papel, e agora progride nas imagens e nos sons, é algo de fabuloso que urge preservar. “Contar histórias” pode ser tanta coisa, mas é sobretudo dialogar, ofertar saber, imaginação, e transformar o homem num ser “culto”. A cultura alimenta-se de histórias. Um filme que gosta de personagens que contam histórias é um filme que gosta de contar histórias, para um público que goste de ouvir histórias. Agrada-me. A seguir vem a história que Baz Luhrmann quer contar, o que pode ser observado sob vários pontos de vista. Mas há um que sobressai sobre todos os outros: Baz Luhrmann é australiano e ama a sua terra, a cor da paisagem, o pó dessa terra vermelha, ensanguentada, os pores-do-sol, a água que jorra em cascatas infinitas, as montanhas rasgadas a pique sobre desfiladeiros ou planícies, ama as vacas e os cavalos selvagens, ama a vida livre e selvagem, ama os mágicos que se sustentam do alto das montanhas só sobre um pé, ama as crianças que acreditam nos poderes sobrenaturais, ama os actores e os técnicos do seu país (o filme é quase integralmente criado por um elenco e uma equipa técnica australiana) e consegue transmitir-nos esse enorme amor a uma terra, uma cultura, uma história, uma realidade presente (que se torna “presente” através de uma história do passado recente). Fá-lo não de forma pretensiosa, mas com uma sinceridade que surpreende. Nada no filme soa a falso, nada faz lembrar um frete de encomenda (apesar do governo da Austrália, ao que se sabe, ter subsidiado em grande o filme, para fazer dele um cartão de visitas condigno). É, pois, uma parte da história da Austrália que Baz Luhrmann quer contar, ou, como confessou numa entrevista, “explicar aos filhos porque eles se devem orgulhar da sua terra.” Aos seus filhos e aos filhos de todo o mundo que olham esta gesta e se devem sentir ufanos não só de serem australianos, mas humanos. Porque esta é também uma história sobre a grandeza do homem. De um homem que para ser grande tem de ultrapassar barreiras ignóbeis criadas pelo próprio homem. Essa é já uma outra parte da história.
Estamos em 1939, a Alemanha nazi invadiu a Polónia e “O Feiticeiro de Oz” estreia-se nos cinemas, com Judy Garland a cantar “Over de Rainbow”. Sarah Ashley (Nicole Kidman), uma aristocrata inglesa, cujo marido se encontra na Austrália, criando gado e preparando-se para o vender ao exército, resolve viajar até Darwin, a cidade mais próxima de “Faraway Downs”, uma quinta de criação de cavalos e vacas, com terras a perder de vista, no norte do continente. Não é o marido que a recebe, mas o condutor de gado, Drover (Hugh Jackman). Sarah e Drover não simpatizam desde logo um com o outro, Sarah vem para esta terra inóspita carregada de malas, de preconceitos e de ideias estabelecidas (julga que o marido a trocou por alguma aborígene), mas lentamente descobre várias realidades encobertas, a primeira das quais que o senhor Ashley acabara de ser assassinado, que ela se encontra viúva numa terra estranha, que dirigir “Faraway Downs” vai ser matéria dura de roer, que existe nessa fazenda um miúdo, Nullah (Brandon Walters), órfão, que “não é preto nem branco” e foge das autoridades que o querem aprisionar e tornar escravo, por quem se vai tomar de amores. Escusado será dizer que por outros amores se tomará pelo condutor de gado. Mas antes há que referir a existência de um cruel e desapiedado administrador da quinta, Neil Fletcher (David Wenham) e o tenebroso latifundiário e proprietário de gado, King Carney (Bryan Brown), que não quer concorrentes neste campo e tudo faz para afastar Sarah e “Faraway Downs” do seu caminho. Mas quanto mais a enxotam, mais Sarah parece interessada em levar a sua avante, ou não fosse ela uma continuação das mulher abnegadas e de rija temperada que têm em Scarlett O’Hara modelo, tal como “Austrália” tem como paradigma “E Tudo o Vento Levou” (para lá de outras epopeias de um David Lean, por exemplo), e “Faraway Downs” recorda “Tara”. As semelhanças vão mais longe. Vejam-se as heroínas: uma sai da Irlanda para a América, jovem nação, que entra numa guerra de Norte contra o Sul, de irmãos contra irmãos; a outra viaja de Inglaterra, rumo à Austrália, onde vai descobrir igualmente os horrores de uma guerra devastadora, a II Guerra Mundial, com os japoneses a bombardearem e invadirem a Austrália, entrando por Darwin, que destroem por completo. Uma mulher “de rendas”, vinda do velho continente, que surpreende dentro de si as forças necessárias para levar a sua tarefa até ao fim, um condutor de gado que não aceita amarras nem conluios, uma criança que gosta de ouvir histórias, e à volta de tudo isto, exploradores de gado gananciosos, assassinos a soldo, padres vendidos, missões transformadas em bases de recrutamento de mão de obra escrava, preconceitos de raça, de sexo e de casta financeira, brancos, pretos e nem uma coisa nem outra, aborígenes que lentamente foram sendo dizimados, e a II Guerra Mundial a estoirar no centro das suas vidas. Uma história e tanto!
Mas o mais curioso é que Baz Luhrmann não pega na história de uma forma realista. Nada disso ou não fosse ele o autor de “Romeo + Julieta” e de “Moulin Rouge”. O que faz é precisamente recolher os estereótipos destas histórias melodramáticas e coser um puzzle onde tudo se apresenta conforme a convenção, para depois se reconduzir ao seu lugar mais realista. A inglesa (num novo continente) surge em Darwin carregada de malas azuis, de roupa interior rendada, de saltos altos, tremelicando ao andar nas ruas de terra batida, tal como a lenda diria que o que fora, assim acontecera. O “condutor de gado” anda à zaragata num bar como nos bons velhos tempos do Oeste, sozinho contra todos e acabando por vencer. O miúdo é salvo de ser espezinhado por uma manada de mil e quinhentas vacas por acção mágica. E, no entanto, pelo poder de contar uma história, ali estamos nós, comovidos e absortos, a rir intimamente com os estereótipos e a chorar por fora, que bem se ouviam os soluços na sala e os lenços amarfanhados nas mãos. Romântico até dizer chega (o par em contraluz numa baía de sonho, à noite, com as luzes da cidade a reflectirem-se na água), melodramático até às lágrimas (o reencontro final não deixa ninguém indiferente), bem intencionado até à medula (com a defesa dos fracos e dos oprimidos, dos negros e dos aborígenes, das mulheres e das crianças, e da liberdade do mundo), “Austrália” consegue ser tudo isso de uma forma tão galvanizante que, partindo da mentira do espectáculo que todos descobrem ser falso, acaba por atingir a verdade. A verdade dos travellings de Baz Luhrmann sobrevoando aquela terra mágica com uma beleza selvagem e pura. A verdade de um elenco extremamente bem dirigido, onde os momentos míticos, na linha do mais puro cinema clássico americano, surgem fulgurantes (deixemos de lado a presença de Nicole Kidman, que já conhecemos, e que se mantém igual a si própria, ou seja excelente sob todos os pontos de vista, e atentemos nas “aparições” do novo sex symbol do cinema, Hugh Jackman, que são escolhidas a preceito: toma banho para valorizar o tronco, numa cena certamente das mais épicas para o público feminino – e algum masculino; surge de súbito no cimo de uma escadaria, em impoluto fato branco, deslumbrando pelo inesperado; embrenhar-se nalguns dos beijos mais sensuais do cinema dos últimos anos; etc.). Depois temos a referência constante a “O Feiticeiro de Oz”, ao seu universo mágico, e ao prazer inesquecível de “regressar a casa”, depois da aventura e da tormenta. Todos, no filme, regressam a casa, a essa Austrália que os viu nascer e que os lançou no cinema mundial. Agora regressam agradecidos.
Talvez um pouco excessivamente longo, talvez um pouco desequilibrado, talvez um pouco … sei lá, não é uma obra-prima perfeita, mas é um daqueles filmes que dá um prazer danado ver. Por isso o cinema é grande.
AUSTRÁLIA
Título original: Australia
Director: Baz Luhrmann (Austrália, EUA, 2008); Argumento: Baz Luhrmann, Stuart Beattie, Ronald Harwood, Richard Flanagan; Produção: G. Mac Brown, Catherine Knapman, Baz Luhrmann, Catherine Martin, Paul 'Dubsy' Watters; Música: David Hirschfelder; Fotografia (cor): Mandy Walker; Montagem: Dody Dorn, Michael McCusker; Casting: Nikki Barrett, Ronna Kress; Design de produção: Catherine Martin; Direcção artística: Ian Gracie, Karen Murphy; Decoração: Beverley Dunn; Garda-roupa: Catherine Martin; Maquilhage: Simone Wajon, Kerry Warn; Direcção de produção: Aaron Downing, Simon Lucas; Assistentes de realização: Danielle Blake, Jeremy Grogan, Bruce Hunt, Jennifer Leacey, Scott Lovelock, Guy Norris, Simon Warnock; Departamento de arte: Kristen Anderson, Colette Birrell, Simon Elsley, Jenny Hitchcock; Som: Wayne Pashley; Efeitos especiais: Brian Cox, Thomas Van Koeverden; Efeitos visuais: Myles Asseter, Viv Baker, David Booth, Chris Godfrey, Danny Huerta, Gemma James, Chad Malbon, James E. Price, Peter Webb; Animação (cena de cangurus): Gerard Van Ommen Kloeke; Companhias de produção: Bazmark Films, Twentieth Century-Fox Film Corporation.
Intérpretes: Nicole Kidman (Lady Sarah Ashley), Hugh Jackman (Drover), Bryan Brown (King Carney), Brandon Walters (Nullah), Ray Barrett (Bull), David Wenham (Neil Fletcher), Ben Mendelsohn (Capitão Dutton), Sandy Gore (Gloria Carney), Jacek Koman (Ivan), Essie Davis (Cath Carney), Tony Barry, Tara Carpenter, Rebecca Chatfield, Lillian Crombie, Max Cullen, Arthur Dignam, Michelle Dyzla, Haidee Gaudry, Terence Gregory, David Gulpilil, Jamie Gulpilil, Peter Gwynne, Sean Hall, Joy Hilditch, Matthew Hills, Jimmy Hong, Bill Hunter, Jarwyn Irvin-Collins, Robert Jago, John Jarratt, Eugene Kang, Crusoe Kurddal, Liam Lannigan, Siena Larsson, Cody Lea, Jack Leech, Charles Leung, Jacob Linger, Mark Malabirr, John Martin, Logan Mattingley, Adam McMongial, Dylan Minggun, Phillippe Moon, Nyalik Munungurr, Patrick Mylott, David Ngoombujarra, Barry Otto, Angus Pilakui, Robin Queree, Mark Rathbone, Garry Scott, John Sheerin, Bruce Spence, Jack Thompson, Wah Yuen, Kerry Walker, Elaine Walker, Matthew Whittet, Ursula Yovich, Anthony Cogin, Anton Monsted, etc.
Duração: 165 minutos; Distribuição em Portugal: Filmes Castello Lopes; Classificação etária: M /12 anos; Estreia em Portugal: 25 de Dezembro de 2008 (Portugal).
Baz Luhrmann