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sábado, outubro 30, 2010

NO TEATRO POLITEAMA

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UM VIOLINO NO TELHADO, I
No palco em Portugal, agora em Lisboa



Disse-o e escrevi-o quando vi o espectáculo no Rivoli, no Porto: acredito que este seja o melhor musical encenado até hoje por Filipe La Feria. O que não é dizer pouco, pois já vi muitos e muito bons musicais com a marca La Féria. Mas “Um Violino no Telhado” tem algo que nalguns outros não existia: uma unidade de estilo e de concepção que torna a obra um todo quase inatacável. Um cenário sóbrio, mas de grande expressividade, um guarda-roupa de uma eficácia e de um bom gosto extraordinários, um bom jogo de luzes, uma marcação de cena e uma coreografia muito acertadas, uma trabalho de actores globalmente muito forte, uma dramaturgia que consegue momentos de amargura e alegria, de desespero e de ternura muito bem doseados, sem serem forçados, uma história comovente e humana como poucas, sem carregar na tragédia (e como foi trágica a sorte do povo judeu na Rússia dos Csars e depois na URSS, que para eles não houve revolução que lhes valesse!), mas sem adocicar o drama para satisfazer a clientela.
Da história já falei (e agora transcrevo o que então aqui publiquei aquando da visita ao Rivoli), mas vale a pena actualizar alguns apontamentos. Reafirmar a extraordinária actuação de José Raposo, num dos seus melhores e mais transpirados trabalhos, onde repete um nervo, um entusiasmo, uma vibração invulgares, a segurança contida de Rita Ribeiro, a entrega de Joel Branco, numa das suas mais logradas actuações, as nuances de Hugo Rendas, igualmente numa das suas melhores prestações, o cossaco muito bem desenhado por Carlos Quintas, as presenças doces mas afirmativas de Cátia Garcia e Sissi Martins, num elenco onde ainda se podem e devem citar Helena Rocha, Jorge Sousa Costa, Alexandre Falcão, Rui Andrade, entre muitos outros e um grupo de arrebatados cossacos.
Com “Um Violino no Telhado”, Filipe La Féria merece o melhor. E nestes tempos de crise, nada melhor do que um bom espectáculo musical que, sem calar a dor, nos ofereça a esperança e o colorido da vida. Do amor. Da alegria de permanecer, mesmo quando as adversidades parecem inultrapassáveis.

UM VIOLINO NO TELHADO, II
No palco em Portugal, no Porto

“Um Violino no Telhado”, em cena no palco do Teatro Rivoli, no Porto, é, creio que sem dúvidas, o melhor musical até hoje encenado por Filipe La Féria. Já escrevi bastante sobre a peça e o filme num texto que surge no programa do Rivoli, interessa-me agora abordar a versão portuguesa. Desde logo um cenário e um guarda-roupa deslumbrantes, de um extremo bom gosto. Depois um jogo de luzes magnifico e um trabalho de actores invulgarmente coerente e globalmente de grande qualidade: José Raposo, no protagonista, é magnifico, de vitalidade, vibração, humanidade e humor, Rita Ribeiro muito segura e contida na “mãe” que vai casando as filhas, Joel Branco, numa das suas mais logradas actuações, José Pinto, fulgurantes em curtas aparições como “Rabi”, Hugo Rendas, igualmente numa das suas melhores prestações, num elenco onde ainda se podem e devem citar Sara Lima, Ruben Madureira, Helena Rocha, Sissi Martins, Carlos Meireles, Alexandre Falcão, entre muitos outros.
Ao todo são 58 actores, cantores, bailarinos e músicos, a maioria dos quais oriundos do Norte. Da Ucrânia surgiu o grupo de bailarinos que interpretam os cossacos. Excelentes.
Num teatro a rebentar pelas costuras (numa quarta-feira), com gente de todos os estratos sociais, com os rostos felizes dos espectadores a acompanharem com um visível prazer o que lhes era dado ver no palco, com muita gente nova no público (quem disse que o musical era coisa de terceira idade não sabe do que fala!), este foi o espectáculo que sabe bem ver e sabe bem saber que existe. Teatro do melhor, com público do melhor, numa noite memorável do Porto.
saber mais AQUI

UM VIOLINO NO TELHADO, IIIDo palco ao cinema, nos EUA (*)
“Um Violino no Telhado” foi durante anos, e não há muitos, o musical com maior número de representações na Broadway. Razões para esta preferência dos espectadores norte-americanos? Uma história humana, comovente e divertida, bem construída, com uma banda sonora inspirada que fica facilmente no ouvido, coreografias nervosas e ritmadas, boas interpretações, uma encenação vigorosa, e ainda dois aspectos que não podem ser esquecidos em palcos americanos: uma história ambientada num época que transformou profundamente o mundo e, sobretudo, uma história de judeus, e sabe-se que New York já foi chamada Jew York.
“Fiddler on the Roof” parte de uma obra originalmente chamada “Tevye”, incluída numa colectânea de contos de Sholem Aleichem (“Tevye and His Daughters” ou “Tevye the Milkman”), escrita em Yiddish e publicada em 1894.
Sholem Aleichem (de nome próprio Sholem Rabinovitz) foi um dos mais famosos escritores europeus judeus. Nasceu em 1859, numa família que vivia em Perevaslav, uma pequena cidade no sul da Rússia. Pouco depois mudaram-se para Voronkov, e toda a vida de Sholem Rabinovitz é a base da sua inspiração literária. A quantidade de irmãos e parentes que reunia à sua volta está na base da intriga de “Um Violino no Telhado.” A sua vida irrequieta e tumultuosa, cheia de altos e baixos, tendo por vezes que fugir a credores que o não largavam, ou a perseguidores rácicos, não “deu um livro”, como muitas vezes se afirma, mas vários. Passou por diversas cidades, até chegar a Odessa, onde escreve a obra de que nos ocupamos, passando depois a Kiev, onde assiste aos massacres e às perseguições, tanto de czaristas como dos bolcheviques a caminho do triunfo, o que o levam a emigrar para a América, fixando-se em Nova Iorque, por pouco tempo, voltado pouco depois à Europa, à Alemanha, onde não feliz e apanhou o início da I Guerra Mundial. Regressa novamente à América como fugitivo. A 16 de Maio de 1916 morre pobre, mas deixa uma obra literária de mérito reconhecido, entre contos e peças de teatrro.
“Fiddler on the Roof”, o musical teatral, e depois o filme, descreve-nos o dia-a-dia numa aldeia russa da Ucrânia, Anatevka, onde predomina uma fechada comunidade judaica. Estamos ainda em plena época czarista, mas os tempos anunoiam mudança. Em redor do ano de 1905, esses sinais eram já visíveis. Tevye (Zero Mostel, no teatro; Topol, no cinema), o leiteiro da aldeia, e a sua família (onde abundam fílhas em idade de casar) são o centro sobre o qual irá rodar toda a intriga. O período é de perturbações sociais, com as contínuas ameaças do czarismo aos judeus e, simultaneamente, essa agitação estabelece o confronto e a contradição. Anatevka é delas retrato, desde a exaltação de uma tradição judaica, de características perfeitamente imutáveis, até à descoberta dos sinais de tempos novos que certas figuras prenunciam com a força das suas convicções. A obra irá, portanto, oscilar entre a tradição e a novidade, entre o amor e o ódio, entre o czarismo agonizante e a vontade popular em vertiginosa ascensão. Uma oscilação de extremos que encontrará o seu motivo maior numa raiz rácica, fértil em provocar confrontos.
De todo este clima Tevye é igualmente um bom exemplo. Nas suas longas conversas com Deus, em momento de corte e ruptura numa progressão dramática ditada pela acção (e que propiciam a introdução de alguns “números” musicais), Tevye funciona numa rudimentar dialéctica que se expressa num simples jogo de alternâncias de razões de certo peso (“por um lado, isto”, ... “por outro lado, aquilo”). Será este espírito aberto à dialéctica, ao confronto dos contrários que, apesar de tudo, obrigará Tevye a abandonar o tradicionalismo em que se baseava toda a sua experiência, voltando-se para novas aventuras e esperanças futuras. A maneira como vai encarando o casamento de cada uma das suas três filhas mais velhas é bem exemplo dessa mudança que se vai operando no seu comportamento e modificando a sua mentalidade.
No início da obra, Tevye explica: “Um violino no telhado, porquê? Porque corresponde à nossa maneira de ser. Esta é a nossa terra! Mantêmo-la com a força da nossa tradição. Temos tradições para tudo, para comer, para trabalhar, para vestir, para ter a cabeça coberta. Como começou tudo isto? Não sei. Mas é a tradição.” Há quem diga que o violino é o simbolo da sobrevivência da cultura e do estilo de vida judaicos na Europa de Leste e não se fazem rogados a estabelecer comparações entre este musical e a obra pictórica de outro judeu famoso, Marc Chagall, que também não se cuibia de colocar violinistas em situações de precária estabilidade.

O musical da Broadway estreou em 1964, fez mais de 3.000 representações pela primeira na história do género. Joseph Stein e Jerome Kobbins (este na adaptação e coreografia) foram os principais responsáveis do êxito no teatro, bem assim como o autor da musica, Jerry Bock. A sua estreia na Broadway foi coroada com a nomeação para dez Tony Awards, de que venceu nove, incluindo Melhor Musical do ano, Melhor Partitura, Melhor Libreto, Melhor Encenação e Melhor Coreografia. Depois foi reposto por quatro vezes e, em 1971, passou ao cinema. Para esta versão cinematográfica seria chamado, Norman Jewison, um cineasta irregular, mas que assinou alguns títulos particularmente interessantes, que se encarregaria da encomenda com certo apuro técnico e algum brilhantismo espectacular.
De um ponto de vista musical o filme tem duas ou três sequências bastante boas, sobretudo na primeira parte, nomeadamente os já famosos “Tradition” “If I Were a Rich Man” (onde a presença de Topol, que terá sido a grande revelação desta obra, é verdadeiramente notável, de força, de segurança, de nervo e ritmo). A coreografia de Jerome Robbins (o mesmo de “West Side Story”) é, ela também, tumultuosa, agressiva e vigorosa, sobretudo nos bailados com grande número de intervenientes (cenas na taberna, o casamento de uma das filhas de Tevye, todo o falso sonho de Tevye, conquanto que este seja de um gosto um tanto ou quanto duvidoso). De qualquer forma é possível verificar-se um estilo Jerome Robbins, bastando para isso comparar alguns bailados de “West Side Story” com outros deste “Fiddler on the Roof”.
O trabalho de Norman Jewisson é, por seu turno, bastante cuidado, criando um clima de certo lirismo. Aqui e ali alguns efeitos menos discretos, ou mais discutíveis (uma ou outra sobreposição rebuscada, sobretudo uma sequência, quase no final da película, com um bailado a dois, em silhueta, que nos parece de grande facilidade formal), poderão ter retirado uma maior coerência, mas no seu todo, o filme mantém um nível bastante aceitável, sendo de realçar o trabalho dos actores, particularmente o de Topol, como jâ assinalámos atrás.
No ano da sua estreia (1971), “Um Violino no Telhado” demonstrou ser uma certa revitalização do “musical”, uma apetência pela renovação no ínterior de um género então já em crise, que daí em diante não deixou de se agravar, apesar do aparecimento de meia dúzia de títulos que, de hora em vez, voltam a agitar o marasmo.
Na cerimónia de atribuição dos Oscars do ano, o filme teve comportamento meritório: venceu nas categorias de Melhor Fotografia, Melhor Som, Melhor Direcção Artística e Melhor Banda Sonora Adaptada, não transformando em estatuetas as nomeações para Melhor Filme, Melhor Actor e Melhor Actor Secundário.

(*) Texto que apareceu no programa do espectáculo de La Féria no Teatro Rivoli no Porto. No Teatro Politeama volta a aprecer um excerto deste texto.

UM VIOLINO NO TELHADO
Título original: Fiddler on the Roof
Realização: Norman Jewison (EUA, 1971); Argumento: Joseph Stein, segundo obras de Sholom Aleichem (romance "Tevye's Daughters e a peça "Tevye der Milkhiker""); Música: Jerry Bock; Fotografia (cor): Oswald Morris; Montagem: Antony Gibbs, Robert Lawrence; Casting: Lynn Stalmaster; Design de produção: Robert F. Boyle; Direcção artística: Michael Stringer, Veljko Despotovic; Decoração: Peter Lamont; Guarda-roupa: Joan Bridge, Elizabeth Haffenden; Maquilhagem: Del Armstrong, Gordon Bond, Wally Schneiderman; Direcção de produção: Richard Carruth, Larry DeWaay, Ted Lloyd; Assistentes de realização: Terence Churcher, Paul Ibbetson, Terence Nelson, Vladimir Spindler, Stevo Petrovic; Departamento de arte: Sam Gordon, William Maldonado, Mentor Huebner, Harold Michelson; Som: David Hildyard, Gordon K. McCallum, Les Wiggins; Produção:Norman Jewison, Patrick J. Palmer; Companhias de produção: Cartier Productions, The Mirisch Corporation. Intérpretes: Topol (Tevye), Norma Crane (Golde), Leonard Frey (Motel Kamzoil), Molly Picon (Yente), Paul Mann (Lazar Wolf ), Rosalind Harris (Tzeitel), Michele Marsh (Hodel), Neva Small (Chava), Paul Michael Glaser (Perchik), Ray Lovelock (Fyedka), Elaine Edwards (Shprintze), Candy Bonstein (Bielke), Shimen Ruskin, Zvee Scooler, Louis Zorich, Alfie Scopp, Howard Goorney, Barry Dennen, Vernon Dobtcheff, Ruth Madoc, Patience Collier, Tutte Lemkow, Stella Courtney, Jacob Kalich, Brian Coburn, George Little, Stanley Fleet, Arnold Diamond, Marika Rivera, Mark Malicz, Aharon Ipalé, Roger Lloyd-Pack, Vladimir Medar, Sammy Bayes, Larry Bianco, Walter Cartier, Peter Johnston, Guy Lutman, Donald Maclennan, René Sartoris, Roy Durbin, Ken Robson, Robert Stevenson, Lou Zamprogna, Susan Claire, Nigel Kingsley, Joel Rudnick, Petra Siniawski, Susan Sloman, Kenneth Waller, etc. Duração: 181 minutos; Distribuição do filme: Rank Filmes; Distribuição do DVD: Metro Goldwing Mayer; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia: 3 de Novembro de 1971 (EUA); Locais de filmagem: Gorica, Croácia.

Notas publicadas neste blogue em 12/14/2008

domingo, janeiro 17, 2010

"A NEVE" NA COVILHÃ

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EM BUSCA DE "A NEVE" PELOS CAMINHOS DA COVILHÃ

Partida de e regresso a Lisboa no Inter-Cidades, com dois dias e meio de paragem e permanência na Covilhã. Pouco vi da cidade, que tem uma parte antiga com vestígios abandonados dos tempos áureos dos lanifícios e amargas recordações humanas de misérias e prepotências, pouco vi da cidade que ostenta marcas bem conservadas da arquitectura do Estado Novo (a praça do município é um sóbrio e elegante recanto, infelizmente desfigurada pela intromissão de modernidades mal encaixadas), apenas percorri de carro as avenidas novas que estendem a cidade até fora de (antigas) portas, demonstrando certamente algum rejuvenescimento e novas actividades, onde a universidade tem um destacado papel. Dificilmente se andava na rua, o passeio turístico era quase impossível. Não pela neve, que só vi no teatro, mas pela chuva e o frio. E um nevoeiro denso. Ainda deu tempo para passar por um agradável museu, na companhia da Eduarda e do José Carretas, percorrendo cinco andares de arte sacra com algumas revelações curiosas. De resto, a agenda apertada em redor de Vergílio Ferreira não deixava igualmente tempo para outras delongas. Uma paragem no café Montiel, rápidos almoços e jantares para recordar algumas fortes tipicidades da região (e as papas de carolo), e o resto foi passado na companhia do Grupo de Teatro das Beiras, 30 anos de persistência na Serra, e no interior de Portugal, a representar textos como este “A Neve” segundo cinco contos de Vergílio Ferreira (“O Encontro”, “A Palavra Mágica”, “A Fonte”, “A Galinha” e “A Estrela”).
Durante a entrevista à Beira TV e durante o debate,
entre o professor Luis Nogueira, da UBI, e Sónia Botelho, do GTB
Dada a minha proximidade com o escritor e os filmes que sobre ele e com ele realizei, fui convidado a “abrilhantar” os festejos em redor de tão grato amigo e tão admirado escritor. A 14 de Janeiro passaram quatro filmes meus num dos auditórios da Universidade da Beira Interior, que assim se juntou igualmente às comemorações. A UBI tem um curso de cinema que funciona já há algum tempo, com resultados satisfatórios, e muitos alunos (cerca de 200 dispersos por cinco anos, segundo nos contaram). Em duas sessões por ali passaram “Vergílio Ferreira numa “Manhã Submersa” (50 ‘) e “Prefácio a Vergílio Ferreira” (15’), ambos documentários, e “Mãe Genoveva” (50’) e “Manhã Submersa” (127’), duas ficções sobre textos do escritor de Melo. O público não foi muito, mas a recepção parece ter sido muito simpática da parte de alunos, professores e actores. No dia seguinte, uma longa entrevista para uma televisão local e um demorado debate na sala do Café Concerto do Teatro das Beiras ocuparam a tarde toda a recordar Vergílio Ferreira, a sua obra, os filmes dela retirados, as grandezas e as misérias do cinema português. Enfim, o normal, mas com boa adesão de público e de questões.
À noite, na sala do Teatro das Beiras, vi “A Neve”.
Impressões? Globalmente boas mas, antes de lá chegar, reforçar a heróica resistência do que é ser uma companhia de teatro residente no interior do país. Fazer teatro na Covilhã, há trinta anos, é obra. Uma média de quatro espectáculos por ano: dois em sala, um ao ar livre e um infantil. Um sala com 90 lugares, desviada do centro da cidade, para lá se chegar descem-se rampas, ruas e azinhagas, depois escadas e mais escadas. Numa noite chuvosa e fria como aquela em que lá estive, havia aquecimentos aqui e ali para cortar o agreste do ambiente. Cerca de 50 espectadores bem agasalhados, dispersos pelas cadeiras vermelhas. É heróico encenar e representar assim, mas também é heróico ser-se espectador. Entretanto, na praça principal da Covilhã, quase ao lado do palácio do Município, jaz (quase) morto e arrefece um Cine-Teatro que deverá ter tido os seus dias áureos nos anos 50 do século passado (quando os cine-teatros eram populares e se disseminavam pela província em réplicas do lisboeta Monumental). Olha-se e percebe-se que está “encerrado para obras” há anos. Portanto nada de muito urgente, certamente. “É a cultura!”, como diz o outro.

Agora a peça: dois reparos iniciais em relação à adaptação e que têm a ver seguramente com uma opinião pessoal, que se rege por gosto e estilo próprios. Acho que globalmente o tom do espectáculo está um pouco distante do universo agreste e trágico de Vergílio Ferreira, mesmo quando este se serve do humor e da ironia. Talvez esta sensação derive do facto de existirem, como ponto de partida, cinco contos, cinco unidades distintas, cinco pequenas histórias entrelaçadas. Este aspecto talvez impeça uma progressão dramática que imponha uma outra densidade de clima que me parece essencial. Cada episódio esboça uma situação, recria um ambiente, mas na totalidade sinto que não consegue impor um clima denso. Questão de fundo, é certo, mas apesar disso uma observação que não invalida o resultado final do esforço da companhia. O despojamento e a simplicidade funcionam bem, a poesia dura e fria paira no palco, a desesperança e o rigor da noite beirã estão lá, o ressuscitar de um tempo de angústia e solidão maior pressentem-se. Este é um cenário sem amor, com rara solidariedade, com temor e “neve”. Neve que é branca, mas fere como uma faca afiada.
Aceitando esta premissa, a encenação é bastante boa, inteligente, cheia de pequenos apontamentos (o início com a apresentação do escritor, a cena das galinhas, o episódio da “estrela”) que denotam o talento e a experiencia de José Carretas. O elenco é jovem, mas eficaz e homogéneo (Fernando Landeira, Pedro Damião, Pedro da Silva, Rui Raposo Costa, Sónia Botelho e Teresa Baguinho), cenários, adereços e figurinos funcionam muito bem (Nuno Lucena, José Carretas e Margarida Wellenkamp), o desenho de luz cria a ambiência requerida, a música original mostra-se inspirada (Telmo Marques).
Vergílio Ferreira continua vivo, com fervorosos admiradores, que passam de geração em geração esta “neve” serrana que esteve na génese de tanta da sua criação literária.




Com José Carretas, ladeando a estátua A Mãe.

Com Sónia Botelho, actriz, entusiasta maior de Vergilio Ferreira,
Fernando Sena, director da Companhia do Teatro das Beiras, e Rui Raposo Costa, actor.
(fotos gentilmente cedidas por MEC)

domingo, outubro 11, 2009

O FEITICEIRO DE OZ, NO CINEMA E NO TEATRO

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O FEITICEIRO DE OZ (The Wizard of Oz)
DE HOLLYWOOD À RUA DAS PORTAS DE SANTO ANTÃO
“O Feiticeiro de Oz”, de Victor Fleming, é, segundo estatísticas certamente falíveis, mas que se julgam mesmo assim irrecusáveis, o filme mais visto de sempre, e seguramente um dos mais amados. Tendo em conta as vezes sem fim em que continua a passar pelos ecrãs de televisão de todo o mundo, esta é uma afirmação que não sofre grande contestação. Isto apesar de a sua estreia não ter sido gloriosa. O sucesso inicial não foi tremendo, como se poderia hoje imaginar, mas “O Feiticeiro de Oz” acabaria por ser reconhecido através dos tempos e julga-se hoje em dia que será o filme mais visto de sempre mercê das suas múltiplas passagens em canais de televisão de todo o mundo, com uma periodicidade regular e intensa. Gerações e gerações de pais e filhos já viram, no cinema e na TV, repetidas vezes até, “O Feiticeiro de Oz”, e preparam o caminho para outras tantas gerações que aí estão prontas a assistirem às aventuras de Dorothy, uma rapariga do Kansas que, pela magia do cinema, consegue viajar “para lá do arco íris”.
“The Wizard of Oz”, rodado em 1939, e assinado por Victor Fleming, é uma adaptação de um romance de L. Frank Baum. Conta com uma fabulosa partitura musical assinada por Harold Arden e E.Y. Harburg. Nas canções e na música adicional destaca-se Herbert Stothart que, conjuntamente com George Stoll, conduziu a orquestra da M.G.M. nas sessões de gravação em estúdio. Mas sabe-se que mais nove compositores tiveram relevantes contribuições, escrevendo e orquestrando excertos desta lendária partitura. Estão neste caso George Bassman, Murray Cutter, Bob Stringer, Paul Marquardt, Leo Arnaud e Conrad Salinger, além de Roger Edens e Ken Darby, que se ocuparam dos arranjos vocais.
Se a génese musical desta obra foi complicada, não menos terá sido a realização. Em 1939, a MGM, então uma das mais poderosas “majors” de Hollywood, tinha em produção, entre outros, dois mega espectáculos: este “O Feiticeiro de Oz” e ainda “E Tudo o Vento Levou”. Curiosamente, ambos os filmes aparecem assinados por um mesmo realizador, Victor Fleming, ainda que em ambas as obras tivessem surgido vários outros cineastas. Uma história que merece ser recordada...
Falemos então da realização de “O Feiticeiro de Oz”. O arranque inicial é dado por Richard Thorpe, um realizador que no princípio da carreira se especializou em filmes de série B, ligado a quase toda a excelente série Tarzan, interpretado por Johhny Weissmuller, e que se tornará notado, nos anos 50, pelas suas aventuras históricas – “Ivanhoe”, “O Prisioneiro de Zenda” ou “Os Cavaleiros da Távola Redonda”. Richard Thorpe filma durante doze dias, mas nada do que registou em película seria aproveitado na versão definitiva. Segue-se-lhe George Cukor, que ainda está menos tempo à frente do projecto, mas que acaba por ter uma contribuição decisiva na forma como dirige Judy Garland, ou não fosse Cukor um excelente director de actrizes. Cukor sai da realização de “O Feiticeiro de Oz” para ir tomar conta de “E Tudo o Vento Levou” e traçar o perfil de Scarlet O’Hara. Para a direcção de “O Feiticeiro de Oz” vem então Victor Fleming que assina 90% do material filmado. Mas, quando começam igualmente a surgir problemas com George Cukor e Sam Wood na realização de “E Tudo o Vento Levou”, a MGM envia Victor Fleming para acabar este filme e coloca o seu amigo King Vidor a terminar as sequências de “Oz”. Curiosamente, todas as cenas filmadas por King Vidor são das mais célebres desta obra – o arranque no Kansas e a sequência do tornado, ou a despedida de Dorothy de Munchkindland.
Victor Fleming, nascido a 23 de Fevereiro de 1883, veio a falecer a 6 de Janeiro de 1949. Inicialmente piloto de carros de corrida, Fleming estreou-se no cinema como fotógrafo, trabalhando com realizadores como Allan Dwan e David W. Griffith e actores como Douglas Fairbanks. Em 1919 passa a realizar as suas próprias obras. Mas foi entre as décadas de 30 e 40 que assina as suas obras mais conhecidas, como “O Médico e o Monstro”, uma versão interpretada por Spencer Tracy e Ingrid Bergman, “A Star is Born”, “E Tudo o Vento Levou”, “O Feiticeiro de Oz” ou “Joana de Arc”, seu derradeiro título, de 1948.
“O Feiticeiro de Oz” foi adaptado ao cinema por uma vasta equipa de que faziam parte os escritores e argumentistas Noel Langley, Florence Ryerson e E.A. Woolf, mas a que se haveria ainda de acrescentar a colaboração de alguns outros não incluídos no genérico oficial, como Arthur Freed, Herman Mankiewicz, Sid Silvers ou Ogden Nash. L. Frank Baum fora o autor de “The Wonderful Wizard of Oz” (romance escrito em 1899 e publicado no ano seguinte), que estaria na base do filme.
Mas antes de surgir no cinema, passara pelo teatro, num “musical” que percorreu os EUA entre 1902 e 1903. A estreia deu-se na Grand Opera House, em Chicago, a 16 de Junho de 1902, com actores de “vaudeville” como David Montgomery (O Homem de Lata) e Fred Stone (O Espantalho). A 21 de Janeiro de 1903, o mesmo show aparecia na Broadway, no Majestic Theatre, de Nova Iorque, para uma prolongada estadia de 290 representações (o maior êxito do ano!), que se estenderia depois a uma “tournée” pelos EUA que duraria até 1911.
Mark Evan Swartz, autor do livro “Oz Before the Rainbow”, aparecido em 2000, estabelece uma compilação das diferentes adaptações para cinema e teatro conhecidas antes da versão de 1939, e depois, definindo ainda uma listagem de obras directamente influenciadas pelo filme de Fleming. Entre as versões cinematográficas citam-se: “The Wizard of Oz” (1908), “The Wonderful Wizard of Oz” (1910), com Bebe Daniels, uma criança de nove anos no papel de Dorothy, e ainda mais duas versões do mesmo ano, produzidas pela Selig Polyscope Company, uma “Dorothy and the Scarecrow in Oz” (1910), e outra “The Land of Oz” (1910). Em 1914, o próprio escritor, L. Frank Baum, produz três versões, todas oriundas da sua companhia, a Oz Film Manufacturing Company, “The Patchwork Girl of Oz”, “The Magic Cloak of Oz”, e “His Majesty, the Scarecrow of Oz”, que afirmam ser a que de mais perto segue o livro. Em 1921, surge mais uma “The Wizard of Oz” e em 1925 outra, da Chadwick Pictures, com Bucha e Estica, sendo a realização de Larry Semon. Mas muitas versões mais se poderiam acrescentar à longa lista: “The Scarecrow of Oz” ou “The Land of Oz” (1931), uma curta-metragem de fantasia, uma versão canadiana, de 1933, sem diálogos e com algumas cenas a cores e em animação, e uma outra versão de 1938, igualmente em animação.
Depois do filme que imortalizou Judy Garland, apareceu uma versão animada da cadeia de TV ABC, com o título “Off to See the Wizard” (1967) e Sidney Lumet, em 1978, dirigiu “The Wiz”, adaptação do musical da Broadway, de William F. Brown e Charlie Smalls, com Diana Ross na protagonista, e Michael Jackson na personagem do “Espantalho”.
Sendo um dos filmes mais célebres e citados da história do cinema, natural é que seja igualmente dos mais parodiados e homenageados noutras obras de cinema. The Muppet Movie (1979) é uma delas, com uma viagem iniciática de Kermit a Hollywood (a sua Terra de Oz), onde para lá de outras referências surge uma versão actualizada de “Somewhere Over the Rainbow”, “The Rainbow Connection”. Mas podem referir-se muitas outras citações: “Under the Rainbow” (1981), “Ozu no Mahotsukai” (1982), animação de Takayama Fumihiko, “Return to Oz” (1985) com Fairuza Balk na figura de Dorothy, numa produção não musical e em imagem real dos estúdios Disney, o belíssimo filme de David Lynch, “Wild at Heart” (1990), que refere Oz, tal como a superprodução de Jan de Bont, “Twister” (1996), onde Dorothy é o nome do tornado. Também Robert Zemeckis, em “Contact” (1997) não esquece Oz, nem a canção "Over the Rainbow", ou um balão de ar quente com a inscrição impressa “This Way To Oz". Em “Face/Off” (1997), de John Woo, "Over the Rainbow" é a canção que se ouve durante uma das cenas chave da película.
O caos que reinou durante as filmagens inspirou Steve Rash para realizar “Under the Rainbow” (1981), uma comédia louca com Chevy Chase, Carrie Fisher e Eve Arden, ambientada nos bastidores da rodagem do filme de 1939.
No teatro, há uma versão da Royal Shakespeare Company, em 1987, e, em 2003, estreia, na Broadway, um novo musical, desta feita criado por Stephen Schwartz, intitulado “Wicked”, e baseado no romance de Gregory Maguire, de 1995, “Wicked: The Life and Times of the Wicked Witch of the West”. No Radio City Music Hall de Nova Iorque todos os anos há uma curta série de espectáculos com uma versão musical que recupera o filme de 1939, da MGM. Muito por onde escolher, portanto, mas nenhuma destas inúmeras citações faz jus à fama e celebridade deste filme, cuja canção "Over the Rainbow" foi considerada a melhor canção de sempre aparecida num filme. ”O Feiticeiro de Oz” é, pois, há muito um filme verdadeiramente “de culto” na história do cinema.
O livro de L. Frank Baum começa assim: "Dorothy vivia no meio das grandes pradarias do Kansas, com o tio Henry, que era agricultor, e a Tia Em, que era a mulher do agricultor.” Muitos insistem na veracidade da inspiração do escritor, que tinha referências bem reais para as suas personagens. Mas deve dizer-se também que o romance se baseia vagamente em Lewis Caroll e na sua “Alice”. “O Feiticeiro de Oz” principia por uma sequência a preto e branco, realista, sendo a protagonista a pequena Dorothy, deixando os campos do Kansas, com o seu pequeno cão Totó, levada para um mundo de fantasia, essa Munchkindland de que fala a lenda, depois de um tornado ter devastado a sua aldeia. A seguir é a viagem encantatória, “beyond the rainbow”, por um mundo de fadas, feiticeiros, magos, onde os animais e as plantas falam e dançam, sempre na mira de chegar a Oz, referência final para o seu regresso à realidade e a casa. Na companhia de um espantalho, de um homem de lata e de um leão, Dorothy percorre um universo deliberadamente de estúdio, artificial, reconstruído, insólito e maravilhoso, onde muitas das pessoas com quem se cruza diariamente no Kansas se transformam inconscientemente em personagens de um mundo imaginado, sonhado. Judy Garland é Dorothy, Ray Bolger o espantalho, Bert Lahr, o leão amedrontado, Jack Haley, o homem de lata. O encontro com os pequenos Munchkins e a visita ao castelo do feiticeiro de Oz são momentos de eleição desta obra-prima do cinema em feliz incursão pelos terrenos da fantasia.
É Dorothy quem explica esse mundo onde não existem problemas, “um lugar onde não se vai de barco ou comboio”, “um lugar longe, longe, para lá da lua, para lá da chuva”:
“Somewhere over the rainbow, way up high
There's a land that I've heard of, once in a lullaby
Somewhere over the rainbow, skies are blue
And the dreams that you dare to dream
Really do come true
Some day I'll wish upon a star
And wake up where the clouds are far behind me
Where troubles melt like lemon drops
Away above the chimney tops
That's where you'll find me
Somewhere over the rainbow, blue birds fly
Birds fly over the rainbow
Why then, oh why, can't I?”
Depois de percorrerem a estrada que conduz à Terra de Oz, a Yellow Brick Road, depois de terem derrotado a Bruxa Má do Oeste, Dorothy e os amigos são premiados pelo Feiticeiro de Oz que lhes permite cumprir os seus desejos mais íntimos – para Dorothy será o regresso a casa e à realidade a que procurou furtar-se e onde torna enriquecida pela experiência iniciática de uma viagem (tal como Alice). Maravilhosa, como o filme, e a voz de Judy Garland.
A cerimónia de atribuição dos Oscars de 1939 ficou marcada por uma produção cinematográfica de altíssima qualidade. Vejam-se só os nomeados para a categoria de melhor filme do ano: “Dark Victory”, de Edmund Goulding, “Gone With the Wind”, de Victor Fleming; “Goodbye Mr. Chips”, de Sam Wood, “Love Affair”, de Leo McCarey; “Mr. Smith Goes to Washington”, de Frank Capra; “Ninotchka”, de Ernest Lubitch; “Of Mice and Men”, de Lewis Milestone; “Stagecoach”, de John Ford, “The Wizard of Oz”, de Victor Fleming e ainda “Wuthering Heighs”, de William Wyler. No campo da comédia musical, “O Feiticeiro de Oz” ganhou tudo o que tinha a ganhar: melhor banda sonora, da autoria de Herbert Stohart, e melhor canção, “Over the Rainbow”, de Harold Arlen, música, e E.Y. Harburg, letras. Mas o filme seria ainda nomeado, como já vimos, na categoria de melhor filme do ano (produtor Mervyn LeRoy), perdendo para “E Tudo o Vento Levou”, do mesmo Victor Fleming, para lá de disputar os Oscars de melhor decoração de interiores, para Cedric Gibbons e Wiliam A. Horning, melhor fotografia a cores, para Hal Rosson, e melhores efeitos especiais, de som e imagem. Judy Garland ganharia ainda uma estatueta miniatura, destacando o seu trabalho como actriz jovem. Caso raro nos Oscars, um realizador competiu consigo próprio: Victor Fleming encontrou-se em competição com… Victor Fleming de “Gone With the Wind”.
Num dos números da revista “American Quarterly” de 1967, o estudioso Henry M. Littlefield estabelece uma curiosa versão para a interpretação do romance de L. Frank Baum, “The Wonderful Wizard of Oz”, ligando-o a uma parábola política sobre o populismo, associando-o mesmo à eleição presidencial de 1896 e ao movimento populista do virar do século XIX para o XX. As conotações e referências directas são múltiplas. Aqui ficam apenas algumas: o Espantalho refere-se aos sensatos mas inocentes agricultores do Oeste; O Homem de Lata remete para os operários das fábricas de Este e a sua desumanização, a Bruxa Má do Oeste seria um símbolo dos industriais e banqueiros do Oeste que controlavam o povo (os Munchkins), as Bruxas boas do Norte e do Sul destinam-se aos poderosos movimentos populistas, o feiticeiro de Oz tanto poderia ser o Presidente Grover Cleveland, como o candidato republicano William McKinley , e o Leão medroso poderia ser lido como referência ao candidato democrata, William Jennings Bryan. Dorothy seria a natureza bondosa e saudável do povo norte-americano. Oz poderia ser a abreviatura de “ounce” (pequeno) e Emerald City seria Washington, D.C. Enfim, como em todas as viagens iniciáticas, a simbologia abre-se às mais diversas interpretações.
Uma verdadeira obra-prima da cinematografia norte-americana, que não deixa de nos surpreender a cada vez que a vemos e nos deixamos seduzir por esse mundo mágico que cavalga nas ondas de um tornado e põe a descoberto muitos dos fantasmas, dos medos, das ilusões, das fantasias, das esperanças e dos pesadelos da raça humana. As obras únicas e imperecíveis têm esse condão – falam-nos do que de mais íntimo se passa no coração do Homem. Por vezes de forma tão aparentemente simples como se de uma comédia musical se tratasse.
Agora pela mão de Filipe La Féria, lá vamos nós também, e de novo, a caminho de Oz. Ou a caminho do Politeama, em Lisboa, onde o musical acaba de subir a cena. Com o sucesso habitual.
Mais uma vez o talento de la Féria se manifesta sob diversos pontos de vista. Antes de mais, na forma inteligente como concentra a história em cerca de sessenta minutos, para a tornar mais apetecível para os mais jovens. Nada de muito essencial se perde (obviamente que os adultos prefeririam uma maior densidade de personagens e de situações) e o texto ganha em ritmo e em fluência. Depois a encenação, que é de difícil concepção e não pode perder o encantamento próprio a este género de obras (especialmente esta), é inventiva e “maravilhosa”. A cena do tufão envolve-nos, o mundo dos pigmeus diverte e encanta, a bruxa má e os macacos voadores surpreendem, o palácio de Oz produz o efeito desejado. O guarda-roupa é sumptuoso e de muito bom gosto, para lá de engenhoso. Já o mesmo não me parece ser o efeito da animação que percorre quase toda a acção e a situa. Os desenhos são demasiado “barbie” para o meu gosto, e julgo que toda a “feérie” do musical merecia um outro traço, de maior personalidade e vigor. Curiosamente, guarda-roupa e vídeos são assinados pela mesma pessoa, Marta Anjos.
O elenco muito jovem é bom e homogéneo. Cátia Garcia é Dorothy, trabalho que executa com graça natural, boa voz, e uma elegância muito especial. Ela e o cão Totó, encantam. David Ventura é um excelente e esforçado Leão, Ruben Madureira é o elástico Espantalho e Arménio Pimenta o couraçado Homem de Lata, os três a viver momentos de tortura no interior dos seus fatos, mas a justificarem plenamente as palmas finais. Helena Montês, a Tia Emily, Tiago Isidro, o Feiticeiro de Oz, Carla Janeiro, Glinda, a Bruxa Boa do Norte, e Sofia Cruz, a Bruxa Má do Oeste, completam o grosso da companhia que é, como já disse, jovem e se recomenda. La Féria encena, a coreografia é da responsabilidade de Inna LisniaK, a direcção musical de Telmo Lopes, a direcção vocal de Tiago Isidro. O assistente de La Féria é aqui de casa, Frederico Corado, que ali se iniciou no teatro, há dez anos, criando os vídeos para “Amália”.
As crianças já sabem que têm ali um espectáculo à sua altura, isto é, sendo tratadas com a dignidade e o respeito que merecem, coisa que raras vezes acontece nos espectáculos para crianças que não raro se vêem por esses palcos e pseudo-palcos portugueses. Há duas pechas gritantes em muitos espectáculos que se concebem, especialmente vocacionados para crianças: um é tratá-las como publico débil, jogando com interpretações idiotas e infantilizadas; outra é organizar a coisa com “meia bola e força”, porque para quem é, chega. Filipe La Féria até pode nem sempre acertar, mas procura sempre fazer o melhor. E o melhor é, por exemplo, este “O Feiticeiro de Oz”.


terça-feira, julho 07, 2009

FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA, 3

DIALOGUE D’UN CHIEN AVEC SON MAITRE
SUR LA NECESSITE DE MORDRE SES AMIS,
de Jean-Marie Piemme
Excelente espectáculo que parte de um texto magnífico de Jean-Marie Piemme, encenado com muita inteligência e ironia por Philippe Sireuil, para o Teatro Nacional da Comunidade Francesa em Bruxelas, servido por dois intérpretes de eleição: Philippe Jeusette e Fabrice Schillaci.
Dizem que constituiu um dos grandes êxitos do último Festival d’Avignon. Justificamente. A cenografia e luzes são também da responsabilidade de Philippe Sireuil e as primeiras a sobressair: num palco que é um largo estrado de madeira, uma caravana deteriorada, um maple a cair de usado, nada mais. Uma luz dourada que tudo envolve, Um homem que se aproxima e começa a falar da sua vida, ele que é porteiro de um hotel de luxo, mas sobrevive mal e porcamente numa caravana escalavrada, sonhando com a filha que lhe foi retirada pelos serviços sociais (que não o julgaram capaz de a educar). Fala também de um cão que por ali anda, enquanto se ouvem, em off, os carros a espatifarem-se uns contra os outros na auto-estrada que passa em frente à caravana. O causador do enorme engarrafamento é o cão que atravessa continuamente a estrada, com esse mesmo propósito: causar acidente, ver os carros engalfinhados uns nos outros. O cão tem uma filosofia de vida, o porteiro do hotel tem uma outra, ambas se vão chocar, confrontar, completar neste palco da vida.
Uma hora e quarenta de filosofia e burlesco, que fazem lembrar “À Espera de Godot” e outras peças de um certo non sense, mas que acabam por ter um grande sentido. É o humor em liberdade, à procura de uma finalidade para a existência de todos nós, um grito de revolta irónico sobre as injustiças da vida, sobre as agruras, mas também sobre a alegria de estar vivo, sobre o gozo de tramar os poderosos, de obrigar os ministros bêbados a virem-nos comer à mão. Ou à pata. De certa forma, a peça relembra igualmente o trágico “O Último dos Homens”, de Murnau, numa versão que troca o drama pelo humor, bem como toda a extraordinária banda sonora é muito felliniana, em certos momentos. Diz Philippe Sireuil que esta peça “dá-nos o osso, o nervo e a carne de um belo pedaço de teatro que deve ser devorado sem qualquer moderação”. Nascido em 1952, no então Congo Belga, Philippe Sireuil é um dos mais destacados encenadores de língua francesa da actualidade. Ao longo da sua carreira encenou textos de Strindberg, Peter Handke, Bertolt Brecht, Alfred Musset, Tchecov, Koltès, Marguerite Duras, Jean Luc Lagarce, Paul Claudel, Ibsen, Marivaux, Broch, Molière, Shakespeare, entre outros.
Quanto ao escritor, Jean-Marie Piemme (Valónia, 1944) estudou literatura na Universidade de Liège e teatro no Instituto de Estudos Teatrais em Paris. Dramaturgo no Ensemble Théâtrale Mobile, colabora em seguida com o Théâtre Varia, de Bruxelas. Entre 1983 e 1988, integra a equipa de Gérard Mortier na Ópera Nacional da Bélgica. A sua primeira peça é de 1986 (“Neige en Décembre”). Seguiram-se mais de trinta textos de teatro, representados na Bélgica e no estrangeiro. Este texto que agora conhecemos, “Dialogue d’un Chien avec son Maître sur la Nécessité de Mordre ses Amis” (Diálogo de um Cão com o seu Dono Sobre a Necessidade de Morder os seus Amigos) é um notável exercício que consegue prender a atenção do público sem uma quebra, apenas com dois actores no palco. Uma revelação que se saúda.

quinta-feira, maio 21, 2009

MUSEU DO TEATRO, 25 DE MAIO, 17 H

PRÉMIOS DE TEATRO DE 2008

Atribuição dos Prémios de Teatro relativos ao ano de 2008.
Museu de Teatro, 25 de Maio, pelas 17 horas.
Uma iniciativa do blogue "Guia dos Teatros".

domingo, março 08, 2009

TEATRO: PEÇA PARA DOIS

:
“PEÇA PARA DOIS”
Tennessee Williams, pseudónimo de Thomas Lanier Williams (nascido em Columbus, 26 de Março de 1911, em Nova Iorque, e falecido a 25 de Fevereiro de 1983), é um dos mais célebres e prolíferos dramaturgos dos EUA. Quase uma centena de obras, muitas delas adaptadas ao cinema, e algumas peças das mais carismáticas do século XX, transformam o legado deste autor num invulgar olhar sobre a condição humana e sobre a sociedade norte americana do seu tempo, numa perspectiva muito pessoal e quase intransmissível. A influência de Freud é inequívoca e assimilada de forma muito original.
Entre as suas obras mais célebres contam-se “Beauty Is the Word” (1930), “Candles to the Sun” (1936), “Fugitive Kind” (1937), “Not about Nightingales” (1938), “Adam and Eve on a Ferry” (1939), “Battle of Angels” (1940), “The Long Goodbye” (1940), “The Glass Menagerie” (1944), “This Property is Condemned” (1946), “A Streetcar named Desire” (1947), “The Rose Tattoo” (1951), “Camino Real” (1953), “Cat on a Hot Tin Roof “(1955), “Orpheus descending” (1957), “Suddenly, Last Summer” (1958), “Sweet Bird of Youth” (1959), “Period of Adjustment” (1960), “The Night of the Iguana” (1961), “The Milk Train Doesn't Stop Here Anymore” (1963), “In the Bar of a Tokyo Hotel” (1969), “Will Mr. Merriweather Return from Memphis?” (1969), “Clothes for a Summer Hotel” (1980) ou “The One Exception” (1983). “The Two-Character Play”, data de 1973, e não é das suas peças mais conhecidas, correspondendo mesmo a um tipo de teatro não muito habitual no autor, se bem que seja marcadamente definida pelos seus temas obsessivos. É precisamente esta “Peça para Dois” que “A Barraca” tem em cena, numa encenação e interpretação de Rita Lello, acompanhada no palco por Pedro Giestas.
Trata-se de um esquema que surge por vezes nos palcos mais alternativos, o “teatro dentro do teatro”, as relações entre o teatro e a vida. Dois actores, dois irmãos, Felice e Clare, andam em “tournée”, e são abandonados pela sua companhia, num decadente “teatro de província de uma província que ninguém sabe onde fica.” Como não têm nem elenco nem peça, tentam “improvisar” um diálogo dramatizado, que de certa forma prolonga, em cena, o drama que ambos vivem, entre a ficção, a ilusão e a verdade, uma verdade que tanto pode ser os irmãos serem vítimas da prepotência dos pais, como serem os seus próprios carrascos. O certo é que essa “verdade” os impede de sair do quarto e enfrentar a realidade. O que justifica um “jeu de massacre” de que ninguém sai incólume, com insinuações de um incesto latente, temas todos eles muito caros a Tennessee Williams: amor, sexo, crime, família, violência psicológica, solidão.
Curiosamente foi uma peça escrita e re-escrita ao longo dos anos pelo autor. “Penso que é a minha mais bela peça desde “Um Eléctrico Chamado Desejo”, disse Tennessee Williams, “e nunca parei de trabalhar nela... é um “cri de coeur”, mas, em certo sentido, todo o trabalho criativo, toda a vida, é um cri de coeur.” Um belo texto, denso, forte, enigmático por vezes, poético sempre, a que os dois actores emprestam uma interpretação a conduzir. Rita Lello é uma actriz que cresce a olhos vistos, e Pedro Giestas uma excelente confirmação. A encenação é sóbria e eficaz.
“A Barraca” (Largo de Santos, 2, Lisboa) - Teatro Cinearte, Sala 2, Qui a Sáb: 20h Dom: 15h; Maiores 12 anos; bilhetes: 12,50€ (público em geral) e 10€ (menores 25 anos, maiores 65 anos, profissionais do espectáculo, estudantes, reformados e grupos mais 15 pessoas). Telefone: 213 965 360/275; Internet: www.abarraca.com; E-Mail: barraca@mail.telepac.pt; bilheteira@abarraca.com.

sexta-feira, janeiro 23, 2009

PRÉMIOS DE TEATRO EM PORTUGAL


Votações abertas para os Prémios de Teatro Guia dos Teatros 2008!

Como aconteceu o ano passado, o Guia dos Teatros vai atribuir os Prémios de Teatro Guia dos Teatros, desta feita referentes ao ano de 2008 e que serão entregues em Maio de 2009. Todos os leitores interessados em votar devem fazer o download do boletim de voto (que encontram aqui) e fazer o envio das suas nomeações para o mail entrarempalco@entrar-em-palco.pt referentes às categorias a concurso.

terça-feira, janeiro 13, 2009

GLOBOS DE OURO 2009

Começou a corrida aos prémios de cinema e televisão em Hollywood, antecipando de alguma forma o que poderá acontecer a 22 de Fevereiro, na noite dos Oscars. Para já foram os Globos. A lista de premiados, quase todos ainda inéditos em Portugal, pode ser consultada AQUI.

domingo, dezembro 14, 2008

UM VIOLINO NO TELHADO, I

UM VIOLINO NO TELHADO
No palco em Portugal
“Um Violino no Telhado”, em cena no palco do Teatro Rivoli, no Porto, é, creio que sem dúvidas, o melhor musical até hoje encenado por Filipe La Féria. Já escrevi bastante sobre a peça e o filme num texto que surge no programa do Rivoli, interessa-me agora abordar a versão portuguesa. Desde logo um cenário e um guarda-roupa deslumbrantes, de um extremo bom gosto. Depois um jogo de luzes magnifico e um trabalho de actores invulgarmente coerente e globalmente de grande qualidade: José Raposo, no protagonista, é magnifico, de vitalidade, vibração, humanidade e humor, Rita Ribeiro muito segura e contida na “mãe” que vai casando as filhas, Joel Branco, numa das suas mais logradas actuações, José Pinto, fulgurantes em curtas aparições como “Rabi”, Hugo Rendas, igualmente numa das suas melhores prestações, num elenco onde ainda se podem e devem citar Sara Lima, Ruben Madureira, Helena Rocha, Sissi Martins, Carlos Meireles, Alexandre Falcão, entre muitos outros.
Ao todo são 58 actores, cantores, bailarinos e músicos, a maioria dos quais oriundos do Norte. Da Ucrânia surgiu o grupo de bailarinos que interpretam os cossacos. Excelentes.
Num teatro a rebentar pelas costuras (numa quarta-feira), com gente de todos os estratos sociais, com os rostos felizes dos espectadores a acompanharem com um visível prazer o que lhes era dado ver no palco, com muita gente nova no público (quem disse que o musical era coisa de terceira idade não sabe do que fala!), este foi o espectáculo que sabe bem ver e sabe bem saber que existe. Teatro do melhor, com público do melhor, numa noite memorável do Porto.


saber mais AQUI

quinta-feira, dezembro 04, 2008

TEATRO: O DOCE PÁSSARO DA JUVENTUDE

“SWEET BIRD OF YOUTH”
Uma das peças mais carismáticas de Tennessee Williams sobe agora ao palco do Teatro Mirita Casimiro, no Teatro Experimental de Cascais. Uma encenação de Thiago Justino, com a surpresa de se ver Lili Caneças a interpretar o principal papel, o da decadente actriz Alexandra Del Lago. Antes de falar da peça, e da sua estreia na noite do dia 3, recordemos o filme.

"CORAÇÕES NA PENUMBRA"
Richard Brooks dirigiu, em 1962, “Corações na Penumbra” (título português, no cinema, para “Sweet Bird of Youth”), uma das duas adaptações de peças teatrais de Tennessee Williams que o cineasta levou para o écran (a outra tinha sido, poucos anos antes, “Gata em Telhado de Zinco Quente”, igualmente com Paul Newman, mas aí contracenando com Elisabeth Taylor). Uma adaptação que trouxe igualmente para o cinema grande parte do genial elenco que havia interpretado a peça na Broadway: Paul Newman, Geraldine Page, Madeleine Shewood e Rip Torn repetem a criação de personagens que haviam sido dirigidas pelo encenador Elia Kazan. O espectáculo teatral estreara-se a 10 de Março de 1959, no Martin Beck Theatre, onde permaneceu durante 375 representações.
O início de carreira de Richard Brooks como jornalista e a sua profunda formação literária, levaram naturalmente o cineasta a aproximar-se de obras literárias, por diversas vezes, ao longo de toda a sua filmografia. Desde Scott Fitzgerald, Evan Hunter, Paddy Chayefsky, Dostoievsky, Sinclair Lewis, Joseph Conrad, Truman Capote até Tennessee Williams, vários foram os autores que Brooks se encarregou se adaptar ao cinema, com resultados desiguais, mas sempre com seriedade de processos e uma dupla preocupação bem patente: ser fiel à obra de que partia, sendo fiel a si próprio e ao novo meio expressivo.
O caso de “Corações na Penumbra” é muito significativo. Aí está o universo do dramaturgo, carregado de fantasmas e obsessões muito próprias, numa análise psicanalítica e muito freudiana do comportamento do americano médio, mas aí está também o tema da "segunda oportunidade" tão caro a Brooks, aí está igualmente uma forte componente social e política, aliás um aspecto que se é normal em Tennessee Williams, raras vezes o é com a acutilância crítica e o tom vigoroso aqui manifestados.
Há, aliás, situações e figuras que passam de filme para filme, demonstrando bem que Brooks é um verdadeiro autor, um artista com um universo próprio. Por exemplo, a personagem interpretada por Ed Begley, em “Corações na Penumbra”, um americano que se faz a si próprio e se transforma num ditador sem escrupulos, é prolongada obviamente noutros retratos, em obras posteriores, como o de James Mason, em “Lord Jim”, ou de Ralph Bellamy, em “Os Profissionais”. O tema da "segunda oportunidade" aparece inscrito igualmente em qualquer destes três filmes, de forma mais ou menos evidente.
Chance Wayne, o protagonista, deixou a sua cidade natal, por ordem do potentado local, que não via com bons olhos o seu "romance" com a filha. Mas Chance regressa, tempos depois, como protector de Alexandra Del Lago, uma actriz em declínio, encharcada em álcool e drogas. O que será o bastante para incendiar aquela pequena comunidade sulista, sufocada pelo calor e pelo entrelaçar de paixões, ditas e interditas, clima de um fascismo quotidiano muito semelhante ao de uma outra onde, dois anos depois deste filme se ter estreado, John Fitzgerald Kennedy seria baleado.
Para lá da imposição dos ambientes bem representativos de Tennessee Williams, a violência nas relações, as frustrações sexuais, há, em “Corações na Penumbra”, um clima geográfico e uma densidade humana notáveis, surpreendendo pela convicção com que são descritos e restituídos em imagens.
Richard Brooks estava nesta altura no apogeu do seu talento de narrador, um talento que curiosamente seria "descoberto" por John Huston, para quem Brooks, no início da carrreira, escreveu vários argumentos e com quem mantém muitas e curiosas afinidades temáticas e de estilo.
“O DOCE PÁSSARO DA JUVENTUDE”
Passemos agora à versão estreada agora no Teatro Mirita Casimiro, numa concretização do Teatro Multiculturas, que surgiu em 1998, por iniciativa do actor Thiago Justino (ao lado de Alexandra Solnado), baseado na sua experiência profissional como actor, formador, animador cultural e nos seus 25 anos de carreira dedicados ao Teatro, Cinema e Televisão. Citando a companhia: “Para esse efeito contou com o apoio de diversas personalidades do meio cultural português, de onde se destacam Raul Solnado, Eunice Muñoz, Diogo Infante, Maria do Céu Guerra e Bárbara Guimarães. Todos deram o seu contributo artístico para a concretização de um projecto que visa dar voz ao ideal da lusofonia como linguagem artística e processo de integração dos povos e culturas que residem actualmente em Portugal.”
Com este novo espectáculo, o Teatro Multiculturas apresenta “a estreia da Companhia Performática, formada não só por actores, mas também por pessoas comuns que buscam através do teatro contribuir culturalmente para a sociedade.” E explicam: “Esta versão da peça de Tennessee Williams sofreu uma desconstrução, misturando teatro e música e dança, aproximando-se de uma linguagem mais apelativa para a juventude actual. “Doce Pássaro da Juventude” (ou “Ensaio sobre a Juventude”) reune num plateau de cinema uma velha actriz em decadência e um jovem aspirante a actor, que, para convencê-la do seu talento, transforma o espectáculo numa grande audição, na qual a realidade se mistura com a ficção.”
Ora bem, um dos aspectos que me agrada no teatro de texto, é precisamente a qualidade do texto e “desconstruir” por “desconstruir” o texto de uma peça não vejo que interesse extra possa trazer. Neste caso, e pela minha perspectiva, nenhuma virtude se acrescentou, e muitos defeitos surgiram desta “modernice” sem intenção. Eu que já vira espectáculos com o actor Thiago Justino de que gostara muito (“Miss Daisy”, por exemplo), acho que este, tanto quanto ao texto, como quanto à encenação, nada me trouxe de especial.
Parece que era intenção, “depois de oito meses de ensaios”, descobrir e explorar “partituras, dinâmicas, canções, teatro-dança, monólogos e recentemente a ideia de um DJ e um VJ, mais dois percussionistas”, na ideia de que “todas as artes podem ser aproveitadas para passar a mensagem que se pretende com esta encenação ousada do “Doce Pássaro da Juventude”. Importava “que essa linguagem fosse próxima dos tempos de hoje, da juventude. Importava que cada um se revisse em algum elemento, em alguma cena, em alguma problemática, em algum ritmo. Essa é a força da performance, a sua versatilidade.”
Se as intenções eram essas, porque não escolher outra peça e deixar “Sweet Bird of Youth” sossegadinha e em paz? A peça de Tennessee Williams claro que aborda o tema da juventude, mas não é esse o essencial da obra que centraliza a sua atenção sobre duas figuras de actores, uma velha actriz em declínio, um jovem candidato a actor em ascensão, que se confrontam numa cidade sulista, dominada por um fascista que põe e dispõe das pessoas a seu belo prazer. Muita desta temática esfarela-se nessa tal “desconstrução” da peça, que me parece totalmente descabida.
Depois, há excelentes vídeos a acompanhar o espectáculo, mas muitas vezes deslocados (por quê Luter King e “I have a Dream”?, por quê a homenagem a Paul Newman, por ter falecido e ter sido o actor do filme? Haveria muitos outros a homengear então). Há um cenário e adereços curiosos, num conujnto negro, branco, vermelho, de curiosos efeitos, mas que nada tem a ver com o sol sulista, o suor a escorrer, o tresandar do sexo, as palmeiras e a ondulação do mar. No elenco, a destacar a presença e a voz da actriz cantora, o esforço do actor que interpreta a figura de Chance Wayne, e finalmente a estreia de Lili Caneças, em Alexandra Del Lago. Confesso que ia com medo de uma catástrofe, ainda que desde sempre Lili Caneças seja uma actriz. Uma mulher que compôs uma personagem há anos e que alimenta a imprensa rosa com essa figura. Sempre achei Lili Caneças muito mais interessante e inteligente do que o comum das pessoas julga. E tiro o chapéu à sua coragem e à forma como responde a desafios. Este foi um desafio que galhardamente aceitou e ganhou. Não é, obviamente, Geraldine Page, não, não é. Mas compõe com algum fulgor e talento uma personagem e alimenta com a sua chama o palco do TEC. É uma mulher de fibra, com 64 anos, a alimentar um sonho. Palmas. Agora quero vê-la a fazer de Gloria Swanson a descer as escadas de “Sunset Boulevard”. Adorava dirigi-la com um bom elenco e respeitando o texto. Sem “desconstruções”.

sábado, novembro 29, 2008

TEATRO: WEST SIDE STORY

WEST SIDE STORY NO POLITEAMA
Ante-estreou, no Politeama, o “West Side Story”, versão portuguesa, com a assinatura de Filipe La Féria. Não seria de esperar senão um novo triunfo para a companhia, se bem que este não seja, para mim, o melhor La Féria, enfermando de um ou outro aspecto não muito logrado. Mas não é “West Side Story”- o filme, uma obra-prima do cinema, apesar da presença do canastrão Richard Beymer, e mesmo da não muito inspirada Natalie Wood?
Pois bem, vamos ao que me satisfez por completo: toda a montagem cenográfica é magnífica, sobretudo tudo o que se passa em exteriores, com a ponte de Brooklyn ao fundo, as luzes e os arranha-céus de NY no horizonte, e estruturas fechadas de edifícios de paredes de tijolo vermelho ou gradeamento de parques de jogos em primeiro plano. Excelente grafismo plástico, eficaz no plano da mudança de cenas, espectacular logo desde o seu aparecimento, bem iluminado e colorido. Bom o guarda-roupa.
O texto: globalmente uma muito boa adaptação ao português, quer de texto, quer de canções, o que de início me levantava algumas dúvidas, dado o tipo de linguagem utilizado no original, de difícil transição. Mas as palavras correm soltas, e quase nunca notei que estávamos em presença de um texto adaptado (reparei na mítica canção “Cool”, onde o “Calma contigo, meu!” não me soou tão bem). Mas, como disse, no conjunto uma boa versão.
Coreografia: este é um musical que vive essencialmente da coreografia, nervosa, ritmada, constante, hipnótica. No filme de Robert Wise e Jerome Robbins é algo de decisivo. Obviamente que os bailarinos portugueses que actuam no palco do Politeama não são da mesma qualidade dos americanos (voltamos a “Cool”, onde se sente mais a diferença: falta aos nossos aquela suspensão de voo que transformava o bailado num movimento etéreo, que oscilava entre a violência e a leveza), mas o resultado final é bom, surpreendentemente bom para a nossa realidade.
A interpretação nos espectáculos dirigidos por La Féria consegue sempre um nivelamento geral bastante agradável, sabendo-se que o encenador recorre muito a jovens actores e segundas figuras, bastando-lhe duas ou três estrelas para enfeitar o bolo. Acontece o mesmo aqui, mas o resultado nem sempre é tão homogéneo como habitualmente. Obviamente que um musical é um espectáculo muito difícil de atingir um nível geral muito alto: é muito difícil ter-se bons actores, que sejam bons cantores e tenham a aparência requerida. No cinema, como é sabido, esse aspecto é ultrapassado colocando actores dobrados por cantores. No palco essa artimanha é mais difícil de concretizar.
Na versão portuguesa de “West Side Story” há, portanto, de tudo. Excelentes trabalhos (Carlos Quintas no tenente Schrank vai muito bem, Anabela é uma convincente Anita, Pedro Bargado e Tiago Diogo são chefes de gangs de vincada personalidade, Alberto Vilar é um comovente Doc, Cátia Garcia é uma surpreendente Anybodys), e algumas incertezas. Por exemplo, no dia da ante-estreia a que assisti, os protagonistas foram Bárbara Barradas (Maria), excelente voz e boa intérprete, mas deficiente sempre que lhe pedem representação, e Rui Andrade, num Tony sem muita convicção, nem como cantor, nem como actor. De resto, o restante elenco cumpre sem sobressaltos, assegurando a tal qualidade média que caracteriza a boa direcção de actores de La Féria.
Finalizando (e enquanto não tiver oportunidade de ver o “segundo elenco” em actividade, com Lúcia Moniz, em Anita, Cátia Tavares, em Maria, e Ricardo Soler, em Tony), pode afirmar-se que La Féria conseguiu mais um grande espectáculo para o seu teatro na rua das Portas de Santo Antão, com um ou outro tropeção de somenos. Neste particular há ainda a referir uma cena de que não gosto nada, esteticamente de efeito mais que duvidoso – a noite de amor de Maria e Tony, com um bailado que pouco tem a ver com a estética do restante espectáculo. Mas estávamos numa ante-estreia, nervos à flor da pele, início de rodagem com público, e muito poderá ser melhorado nos próximos dias.
Sobre a passagem do musical da Broadway para o cinema já aqui falámos, num texto que aparece no programa do espectáculo do Politeama e que pode ser repescado AQUI.

quinta-feira, setembro 25, 2008

FICAP

FESTIVAL DE CINEMA SOBRE ARTES PERFOMATIVAS
Desde sábado (e até ao próximo domingo) cumpro a tarefa de Jurado no I FICAP (Festival Internacional de Cinema de Artes Performativas), dirigido pelo Frederico Corado, meu filho (para que conste), que teve a ideia e a concretizou com a cumplicidade do director do Museu do Teatro, de alguns jovens voluntários (ainda dizem que a juventude está toda virada do avesso!), meia dúzia de euros de apoiantes (não oficiais e, sobretudo, estrangeiros, imagine-se!).
O Festival está a ser um sucesso e um deleite para todos os que por lá têm passado (e não sendo multidões, são bastantes para uma primeira edição, sem qualquer apoio publicitário, sem um único cartaz, por exemplo!). O Museu fica quase ao fim da Calçada de Carriche, vira à esquerda, entra nos chamados Paços do Lumiar, quase pegado ao Museu do Traje, e é belíssimo. Um palácio no meio de um jardim fabuloso, com uns fins de tarde dourados e dengosos e umas noites soberbamente mansas neste pouco outonal mês de Setembro, transpirando ainda calor. Passear pelo jardim, ou ficar sentado num banco, ao cair da noite, enquanto se espera pela sessão seguinte, é uma experiência magnífica.
Mas há uma outra experiência inesquecível e a que se deve dar todo o mérito ao Frederico que, teimoso como o pai, levou a sua avante, mesmo contra a minha opinião inicial. Quis o Frederico meter todo o Festival nas instalações do Museu, com várias secções a concurso, e duas fabulosas retrospectivas que ele milagrosamente “inventou” com a invulgar cooperação dos homenageados (Peter Brook e Bob Wilson). Apenas há repetições na Malaposta. Ora sempre previ que umas sessões podiam interferir sonoramente noutras. Depois há sessões improvisadas em salas do próprio Museu, além das do Auditório, propriamente dito. Previa algum incómodo e concorrência sonora desleal.
Ora, no primeiro dia de concurso, a sessão deste, que decorria no Auditório, na cave, acabou primeiro do que a sessão do Bob Wilson, no rés-do-chão. E foi uma experiência única sair de uma sala de cinema, subir umas escadas e dar de frente com a traseira de um outro ecrã, onde se projectavam outras imagens, tudo envolvido numa total semi-obscuridade, mas viva, animada, misteriosa. Quase uma instalação. Sair de um filme sobre o espantoso Theatre Equestre Zíngaro, ou sobre a notável companhia de bailado de Marie Chrouinard, assistir ao registo de um concerto-entrevista do virtuoso russo Boris Berezovski, que compara a música ao jogo num Casino, olhar para os serenos bailados das indianas de Kerala, passar uma noite com o Tango de um mestre argentino, Rodolfo Mederos, recordar a geração de 1968 num belíssimo filme de Simon Brook (filho de Peter Brook), evocar os tempos de “Hair” e de uma juventude que acreditava que o mundo se podia mudar (e pôde, e mudou!), descobrir uma família que vive (duplamente) perigosamente do circo nas aldeias longínquas do Uzbequistão, desvendar a aventura de um pianista indiano que se retira para a sua pobre e distante cidade natal e aí cria uma escola de música para crianças que dali partem à conquista do mundo com concertos nas mais variadas capitais do mundo… é algo de extraordinário. Acabada a sessão, subir uns degraus e dar de caras com uma prodigiosa encenação de Bob Wilson ou Peter Brook, que mais se pode pedir, para o dia ser perfeito? Ver um museu vivo, a respirar em todas as salas, a animar as suas paredes, enfim… passear com um realizador brasileiro, que veio jantar connosco e que partia para Brasília na manhã seguinte, e dar uma escapadela nocturna pelas salas do Museu, na companhia do director que apaixonadamente ia referindo pequenos apontamentos sobre algumas peça…a que mais se pode aspirar?
Eu sei que sai do pêlo: à meia-noite chego a casa e fico acordado a trabalhar na preparação do Cine Eco até as seis. Ouvindo “Il Trovador”. Esperando pelo dia de amanhã. Para ir à tipografia antes de voltar ao FICAP ás 15 h. Pois, morre-se, eu sei, todos sabemos, mas morre-se a fazer o que se gosta e a desfrutar o que de melhor existe nesta Humanidade tão contraditória. Depois há ainda a alegria de ver o filho a singrar caminho solitário. Feliz. Sem um euro no bolso. Mais um a funcionar como mecenas da cultura em Portugal.