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quarta-feira, março 30, 2011

"MANHÃ SUBMERSA", HOJE NO LICEU CAMÕES

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"MANHÃ SUBMERSA"
hoje, a partir das 15 h, no liceu Camões

Numa iniciativa do ABC Cine Clube de Lisboa, será apresentado hoje, dia 31 de Março, a partir das 15 horas, no antigo liceu Camões, o filme "Manhã Submersa". A exibição integra-se num ciclo dedicado a filmes adaptados de obras literárias de antigos professores deste liceu, onde, no caso vertente, Vergílio Ferreira leccionou. A projecção será seguida de debate com o realizador.

 

quinta-feira, junho 10, 2010

"FAMAFEST" EM GOIANIA, BRASIL

Cinema e literatura portugueses no Brasil
(clicar para ver melhor)

terça-feira, março 02, 2010

VERGILIO FERREIRA, PARA SEMPRE

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RECORDANDO VERGILIO FERREIRA



A RTP 2 recorda Vergilio Ferreira com muitos excertos de um filme meu,
"Vergilio Ferreira numa "Manhã Submersa".
(Obrigado Pires F. por mo ter recordado)
e, já agora, uma outra sugestão, esta da Vanessa:

igualmente com muitos excertos do mesmo meu filme

domingo, janeiro 17, 2010

"A NEVE" NA COVILHÃ

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EM BUSCA DE "A NEVE" PELOS CAMINHOS DA COVILHÃ

Partida de e regresso a Lisboa no Inter-Cidades, com dois dias e meio de paragem e permanência na Covilhã. Pouco vi da cidade, que tem uma parte antiga com vestígios abandonados dos tempos áureos dos lanifícios e amargas recordações humanas de misérias e prepotências, pouco vi da cidade que ostenta marcas bem conservadas da arquitectura do Estado Novo (a praça do município é um sóbrio e elegante recanto, infelizmente desfigurada pela intromissão de modernidades mal encaixadas), apenas percorri de carro as avenidas novas que estendem a cidade até fora de (antigas) portas, demonstrando certamente algum rejuvenescimento e novas actividades, onde a universidade tem um destacado papel. Dificilmente se andava na rua, o passeio turístico era quase impossível. Não pela neve, que só vi no teatro, mas pela chuva e o frio. E um nevoeiro denso. Ainda deu tempo para passar por um agradável museu, na companhia da Eduarda e do José Carretas, percorrendo cinco andares de arte sacra com algumas revelações curiosas. De resto, a agenda apertada em redor de Vergílio Ferreira não deixava igualmente tempo para outras delongas. Uma paragem no café Montiel, rápidos almoços e jantares para recordar algumas fortes tipicidades da região (e as papas de carolo), e o resto foi passado na companhia do Grupo de Teatro das Beiras, 30 anos de persistência na Serra, e no interior de Portugal, a representar textos como este “A Neve” segundo cinco contos de Vergílio Ferreira (“O Encontro”, “A Palavra Mágica”, “A Fonte”, “A Galinha” e “A Estrela”).
Durante a entrevista à Beira TV e durante o debate,
entre o professor Luis Nogueira, da UBI, e Sónia Botelho, do GTB
Dada a minha proximidade com o escritor e os filmes que sobre ele e com ele realizei, fui convidado a “abrilhantar” os festejos em redor de tão grato amigo e tão admirado escritor. A 14 de Janeiro passaram quatro filmes meus num dos auditórios da Universidade da Beira Interior, que assim se juntou igualmente às comemorações. A UBI tem um curso de cinema que funciona já há algum tempo, com resultados satisfatórios, e muitos alunos (cerca de 200 dispersos por cinco anos, segundo nos contaram). Em duas sessões por ali passaram “Vergílio Ferreira numa “Manhã Submersa” (50 ‘) e “Prefácio a Vergílio Ferreira” (15’), ambos documentários, e “Mãe Genoveva” (50’) e “Manhã Submersa” (127’), duas ficções sobre textos do escritor de Melo. O público não foi muito, mas a recepção parece ter sido muito simpática da parte de alunos, professores e actores. No dia seguinte, uma longa entrevista para uma televisão local e um demorado debate na sala do Café Concerto do Teatro das Beiras ocuparam a tarde toda a recordar Vergílio Ferreira, a sua obra, os filmes dela retirados, as grandezas e as misérias do cinema português. Enfim, o normal, mas com boa adesão de público e de questões.
À noite, na sala do Teatro das Beiras, vi “A Neve”.
Impressões? Globalmente boas mas, antes de lá chegar, reforçar a heróica resistência do que é ser uma companhia de teatro residente no interior do país. Fazer teatro na Covilhã, há trinta anos, é obra. Uma média de quatro espectáculos por ano: dois em sala, um ao ar livre e um infantil. Um sala com 90 lugares, desviada do centro da cidade, para lá se chegar descem-se rampas, ruas e azinhagas, depois escadas e mais escadas. Numa noite chuvosa e fria como aquela em que lá estive, havia aquecimentos aqui e ali para cortar o agreste do ambiente. Cerca de 50 espectadores bem agasalhados, dispersos pelas cadeiras vermelhas. É heróico encenar e representar assim, mas também é heróico ser-se espectador. Entretanto, na praça principal da Covilhã, quase ao lado do palácio do Município, jaz (quase) morto e arrefece um Cine-Teatro que deverá ter tido os seus dias áureos nos anos 50 do século passado (quando os cine-teatros eram populares e se disseminavam pela província em réplicas do lisboeta Monumental). Olha-se e percebe-se que está “encerrado para obras” há anos. Portanto nada de muito urgente, certamente. “É a cultura!”, como diz o outro.

Agora a peça: dois reparos iniciais em relação à adaptação e que têm a ver seguramente com uma opinião pessoal, que se rege por gosto e estilo próprios. Acho que globalmente o tom do espectáculo está um pouco distante do universo agreste e trágico de Vergílio Ferreira, mesmo quando este se serve do humor e da ironia. Talvez esta sensação derive do facto de existirem, como ponto de partida, cinco contos, cinco unidades distintas, cinco pequenas histórias entrelaçadas. Este aspecto talvez impeça uma progressão dramática que imponha uma outra densidade de clima que me parece essencial. Cada episódio esboça uma situação, recria um ambiente, mas na totalidade sinto que não consegue impor um clima denso. Questão de fundo, é certo, mas apesar disso uma observação que não invalida o resultado final do esforço da companhia. O despojamento e a simplicidade funcionam bem, a poesia dura e fria paira no palco, a desesperança e o rigor da noite beirã estão lá, o ressuscitar de um tempo de angústia e solidão maior pressentem-se. Este é um cenário sem amor, com rara solidariedade, com temor e “neve”. Neve que é branca, mas fere como uma faca afiada.
Aceitando esta premissa, a encenação é bastante boa, inteligente, cheia de pequenos apontamentos (o início com a apresentação do escritor, a cena das galinhas, o episódio da “estrela”) que denotam o talento e a experiencia de José Carretas. O elenco é jovem, mas eficaz e homogéneo (Fernando Landeira, Pedro Damião, Pedro da Silva, Rui Raposo Costa, Sónia Botelho e Teresa Baguinho), cenários, adereços e figurinos funcionam muito bem (Nuno Lucena, José Carretas e Margarida Wellenkamp), o desenho de luz cria a ambiência requerida, a música original mostra-se inspirada (Telmo Marques).
Vergílio Ferreira continua vivo, com fervorosos admiradores, que passam de geração em geração esta “neve” serrana que esteve na génese de tanta da sua criação literária.




Com José Carretas, ladeando a estátua A Mãe.

Com Sónia Botelho, actriz, entusiasta maior de Vergilio Ferreira,
Fernando Sena, director da Companhia do Teatro das Beiras, e Rui Raposo Costa, actor.
(fotos gentilmente cedidas por MEC)

quarta-feira, janeiro 13, 2010

VERGÍLIO FERREIRA NO CINEMA E NO TEATRO

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No Teatro das Beiras, Aqui:
Lauro António encontra
Vergílio Ferreira na Covilhã

Como introdução ao espectáculo "A NEVE", e dentro das actividades “Vergiliando – viagem ao universo de Vergílio Ferreira”, temos o prazer de receber Lauro António, apreciador de Vergílio Ferreira e da sua obra. A 14 de Janeiro, na Cinubiteca da Universidade da Beira Interior serão projectados o documentário “Vergílio Ferreira numa Manhã Submersa”, a longa metragem “Mãe Genoveva”, o documentário “Prefácio a Vergílio Ferreira” e a longa metragem “Manhã Submersa”. A 15 de Janeiro, no café teatro do Teatro das Beiras, às 16:00, haverá uma conversa sobre "Vergílio Ferreira no cinema" com Lauro António.


Horário das actividades:

(todos os filmesde Lauro António sobre Vergílio Ferreira)


Dia 14, na Cinubiteca da Universidade da Beira Interior
18,00 H “Vergílio Ferreira numa “Manhã Submersa” – doc. 50 ‘
19,00 H “Mãe Genoveva” - ficção 50’
22,00 H “Prefácio a Vergílio Ferreira”– doc. 15’
22,20 H “Manhã Submersa”- ficção 127’


Dia 15, no Café teatro do Teatro das Beiras
16,00 H Conversa sobre Vergílio Ferreira no cinema com Lauro António
21,30 H Espectáculo “A Neve”

Lauro António nasceu a 18 de Agosto de 1942, em Lisboa. Licenciado em História, foi membro do Cine-clube Universitário de Lisboa e, mais tarde, director do ABC Cine-Clube, actividades que o levam à crítica cinematográfica a partir de 1963 e, mais tarde, à coordenação da programação de algumas salas e festivais de cinema. Como sucedeu com outros cineastas da sua geração, particularmente activos após a Revolução de 25 de Abril de 1974, uma forte componente do seu trabalho destinou-se à televisão. Foi para a RTP que realizou em 1983 um conjunto de longas-metragens, sob a designação comum de Histórias de Mulheres, constituído por quatro títulos: Paisagem sem Barcos, Mãe Genoveva, Casino Oceano e A Bela e a Rosa.
Lauro António tem prosseguido a sua actividade como ensaísta e documentarista, tendo-se, porém, nos últimos anos mantido afastado do cinema. Manhã Submersa estreada no Festival de Cannes de 1980 permanece como a obra maior do realizador. Nos inícios da década de 1990 esteve associado com a rede de televisão portuguesa TVI para a qual foi programador de cinema e na qual teve um horário especial em que apresentava filmes da sua escolha, chamado Lauro António apresenta.
Para mais informações sobre o cineasta:
http://www.imdb.com/name/nm0031642/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lauro_Ant%C3%B3nio
http://lauroantonioapresenta.blogspot.com/
Janeiro 12, 2010 (transcrição da notícia do site do "Teatro das Beiras")

sábado, maio 09, 2009

CICLOS VERGILIANOS

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VERGÍLIO FERREIRA: ESPAÇOS E CIRCUITOS

Nos dias 7 e 8 de Maio, em Gouveia, numa iniciativa conjunta da Câmara Municipal de Gouveia e da Universidade de Évora, decorreram os Ciclos Vergilianos, integrando conferências e debates, concertos e um passeio pelas terras de Vergilio Ferreira. Foi-me socilitado um depoimento de tom memorialista sobre as minhas recordações do escritor de "Manhã Sumersa". Aqui fica o registo:

Há na minha versão cinematográfica de “Manhã Submersa” algumas cenas em que António dos Santos Lopes, o protagonista, sentindo-se encurralado fisicamente nas paredes do seminário, onde se encontra contra a sua vontade, se “ausenta”, através do olhar, para o exterior, em direcção à sua aldeia, à sua serra da Estrela, que aqui prefigura a liberdade e a vida natural. Para Vergílio Ferreira a liberdade é nitidamente um dos seus temas dilectos, ao lado de outros que fazem a essência do homem e da sua misteriosa passagem pela terra: o que somos, por que o somos, somo-lo em finitude, apenas em função de nós próprios ou em direcção a que desconhecido? E a solidão do homem, perante o mistério da vida e da morte.
Para Vergílio Ferreira, a liberdade individual é algo que não se pode restringir, e que, quando é condicionada por um qualquer mecanismo opressor ou censório, se revolta por todos os meios, inclusive pela imaginação que se revela indomável.
A imaginação e a memória interagem agora comigo, da mesma forma por que António dos Santos Lopes se libertava das condições adversas que encontrara no seminário do Fundão: escrevo num computador equipado com Windows Vista, mas a minha imaginação percorre o caminho em direcção à Serra, mais precisamente à cidade de Seia, uma esplanada num primeiro andar do largo central da cidade, cai a tarde num dia de Outono de 1974. Acabara de conhecer pessoalmente Vergílio Ferreira.
Lera as primeiras obras dele era eu ainda adolescente e vivia ocasionalmente em Portalegre. Foi aí que tomei o primeiro contacto com “Manhã Submersa”, publicada em 1953, quando o escritor vivia em Évora, onde era professor. O meu pai, seu colega, professor em Portalegre, onde eu era aluno de José Régio. Por alguma dessas razões, e pelo meu gosto compulsivo de ler, o livro me veio parar às mãos e, ao lê-lo, para sempre fiquei ligado a esta obra. Depois veio “Aparição”, alguns outros pelo caminho, até chegar a 1974, quando Manuel Guimarães, cineasta e padrinho do meu casamento, da parte de minha mulher, me convidou a ir à serra da Estrela, assistir às filmagens da sua versão de “Cântico Final”.
Lembro bem as filmagens de noite, em Melo, e os primeiros contactos com o escritor, nos intervalos das filmagens, a que nesse fim-de-semana tinha ido assistir, com a mulher, a dr. Regina. A conversa foi partida, por entre mudança de interlocutores, ora Ruy de Carvalho, ora Varela Silva, ora a jovem Ana Helena. E sempre Vergílio Ferreira, que assistia, aparentemente distante, mas entusiasmado por ver um romance seu concretizar-se em imagens, ali à sua frente. Com o clarão dos projectores a incendiar a escuridão mágica da serra.
Vergílio Ferreira não era homem para intervir na arte ou no trabalho dos outros, mesmo quando essa arte ou trabalho derivavam de arte ou trabalho seus. Sempre aceitou comigo a total divisão de concepções. Um dia me disse, em fase de preparação de “Manhã Submersa”: “O romance é meu, o filme é seu. Cada um vai valer por si. Se o filme for uma merda (sic), não irá alterar em nada o que o livro valer.” Deu-me todas as indicações solicitadas, foi desenterrar o livrinho das regras do Seminário, para eu citar algumas, mas nunca sequer me sugeriu uma alteração ao guião que eu escrevera, cortando e acrescentando segundo o que eu sentia serem as necessidades de uma nova narrativa. Apenas leu o guião, quando estava terminado, e, como professor atento, corrigiu a lápis alguns erros de ortografia. O romance era dele, o filme era meu.
Queria isto dizer que Vergílio Ferreira nunca impôs qualquer directiva, não que eu a notasse na sua relação com Manuel Guimarães, não que eu a sentisse no nosso profícuo relacionamento. Manuel Guimarães cavaqueava com ele sempre que as filmagens eram interrompidas para preparação de novo plano, ao lado tinha a sua companheira de sempre e anotadora, a Dona Clarice. Eram conversas de circunstância que me permitiram confessar a Vergílio Ferreira a minha particular estima por algumas obras suas, nomeadamente “Manhã Submersa”. Foi por essa altura que me abalancei a sugerir aos dois rodar um documentário sobre o escritor, para anteceder a longa-metragem de Guimarães, quando o “Cântico Final” fosse estreado. E logo ali ficou estabelecido o título: “Prefácio a Vergílio Ferreira”. Uma introdução rápida, de quinze minutos, à sua vida e obra, tentando recuperar um universo e restituí-lo em imagens.
Foi na tarde do dia seguinte que aparece a cena da esplanada em Seia, a conversa a quatro, registada pela câmara fotográfica da Maria Eduarda Colares. Ali está o Vergílio Ferreira, sorridente e descontraído, irónico e sedutor, as bicas e os meus livros do escritor sobre a mesa, certamente idos de Lisboa em busca de uma dedicatória, e uma ou outra vez o perfil furtivo da bela e muito jovem Ana Helena. Foi uma conversa com tema já definido, o “prefácio” que acalentara durante a noite, e que o Guimarães generosamente tornara possível, oferecendo-me uns resto de película, e “emprestando” o Abel Escoto, o seu director de fotografia, nos intervalos das filmagens.
Esse foi o meu primeiro trabalho tendo como base Vergílio Ferreira. Inicialmente rodado em Melo, tem como cenário as paredes graníticas das casas, a paisagem vigorosa e áspera, e os rostos tisnados pelo sol e a chuva e a passagem dos anos. Coloco a câmara numa das extremidades do corredor da casa da família do escritor e espero com respeito e uma ternura muito especial que a mãe se aproxime da objectiva vinda lá do fundo de um contraluz inesquecível. Na sala de jantar, mãe e tia do escritor, olham a câmara, tendo preso por cima das suas cabeças, um velho relógio que assinala anos e anos de memória. Muito tempo depois, Vergílio Ferreira dir-me-á que nunca revê esses planos da mãe sem uma comoção profunda. Eu rejubilo pelo carinho revelado, sabendo eu que aquele homem é-o de poucas palavras e de emoções exasperadamente contidas.
Lera algures numa das suas obras, “Alegria Breve”, onde recordava a sua infância, uma referência a uma rampa. “Entro em casa, demoro-me um instante à janela para a montanha, mas acabo por sair, subindo a rampa que leva ao adro da igreja. A minha biografia começa aqui – na rampa.” “Prefácio a Vergílio Ferreira” começa ali – na rampa. Peço a Vergílio Ferreira para subir a rampa, passo sereno, esforçado, decidido, ritmado, camisa branca aberta e casaco dobrado no braço. Ele sobe a rampa, uma e outra vez, até chegar à “take” considerada ideal e que depois será repetida, uma, duas, três vezes no filme, como refrão de um reinício. O filme não acaba ali, mas volta ao princípio, depois de passar por Évora e as salas de aula, por Lisboa, a casa do escritor, a avenida de Roma, a livraria Barata, o liceu Camões. Vergílio Ferreira dá ali uma aula para a qual eu lhe pedi que abordasse o tema da arte. “Para que serve a arte?”, pergunta-se. E responde: “Esta pergunta está desde logo viciada, porque perguntar para que serve a arte é dar-lhe um carácter utilitário, prático, que naturalmente a arte só genericamente tem. As relações da arte com o real, e sobretudo as relações da arte com um ponto de vista de utilidade, vêm de longo tempo, vêm de há muito tempo.” Malraux disse: “A Arte é a música da história.” Sartre disse: “Não há obra nenhuma de arte, grande, que se possa fundar sobre a injustiça.”
Assim se explica Vergílio Ferreira que, a rematar o filme, concluía: “Há uma voz obscura no homem, mas essa voz é a sua. Há um apelo ao máximo, mas vem do máximo que ele é. Há um limite impossível, mas é do excesso que é o próprio homem.”
O escritor explicava assim a sua querela com os neo-realistas, de quem foi companheiro de estrada no início da carreira, dos quais se afastou, quando escolheu um caminho autónomo, com influencias directas e confessadas de existencialistas, de Malraux, do “nouveau roman”. Por esta altura, em pleno PREC, Vergílio Ferreira era um homem feliz pela liberdade finalmente conquistada, pelas injustiças e violências que começavam a ser corrigidas, mas inquieto quanto ao futuro da democracia. Muitas conversas tivemos sobre este tema, quando a amizade se aprofundou entre nós e a confiança nasceu. Ele, que fora perseguido e censurado pelo Estado Novo, e que se sentira marginalizado pela política cultural de uma certa esquerda instalada nessa altura na oposição e que depois procurou instrumentalizar o poder, após o 25 de Abril, ele sentia-se não só inquieto, como igualmente afastado, olhado como um fardo incómodo. A política activa nunca o fascinou em demasia, mas assinou manifestos, protestou, escreveu, polemizou.
Há quem o veja como homem amargo e de difícil convívio. Nada de mais enganoso para quem bem o conhecia de perto. Era dócil e terno, de olhar macio e voz branda, cigarro acariciado numa das mãos, irónico e mordaz quando a isso o convidava o humor. Toda a sua ficção é filosófica, toda a sua vida um exemplo de um pensamento vivido sem deriva. Um dia, quando nasceu o meu filho Frederico, perguntou-me ao telefone: “como se vai chamar o rapaz?” Frederico, respondi. “Isso é lá nome para se dar a um filho.” Mais tarde o Frederico, quando tinha cerca de 16 anos, adaptou a vídeo o seu conto “A Estrela”, e enviou-lhe o filmezinho em cassete, para ele ver. Respondeu-lhe numa muito simpática mensagem, que se conserva registada em fita magnética. Hoje o Frederico namora com a Cátia Garcia, cantora e actriz, que interpretou no palco do Politeama, “a estrela”, a versão teatral do Filipe La Féria. Na estreia, na primeira fila, a Dr. Regina soluçava enternecida pelo que acabara de ver. Malhas que o império tece, neste mundo que dá voltas sobre si próprio.
Voo em direcção à Serra, numa panorâmica que a memória consente. Alguns anos depois de ter rodado, em Linhares da Beira, “Manhã Submersa”, sou convidado a dirigir o Cine Eco, um festival de “cinema e ambiente” em Seia, que dura há quinze anos. Todos os anos viajo até à serra, e invariavelmente, percorro com amigos e convidados, nacionais e estrangeiros, os caminhos dessa rodagem.
Calcorreamos as ruas graníticas dessa aldeia perdida nos cumes, bebemos um café na tasca onde no inverno impiedoso de 1979 a equipa técnica e os actores se acoitavam da tempestade, do vento, da chuva e da neve que carregavam de lado, e deambulamos entre o castelo e a igreja, entre esses dois símbolos de poder que tanto me atraíram ao escolher esta aldeia como cenário preferencial para o meu filme.
Lembro a Adelaide João a lavar roupa, num fiozinho de água, que escorria, qual regato, entre o castelo e a igreja. Mais tarde confessou-me que chorara de dor com as mãos geladas, e nada me dissera quando eu pedia para repetir o plano. Lembro a Eunice Muñoz, nas austeras vestes de Dona Estefânia, conversando no adro da igreja com um improvisado padre (que o pintor Mário Botas se prestou a interpretar por doença do actor convidado, e que não pode aparecer). Ambos traçavam o futuro do jovem seminarista, sem a este prestarem a mínima atenção.
Desço a Melo, paro defronte da casa da família, olho a rampa (a sua biografia continua a começar ali), e muitas vezes vou até ao cemitério, onde, voltada para a serra, se encontra a sepultura de Vergílio Ferreira. Nova viagem no tempo, e ouço a voz da Dr. Regina, numa manhã maldita, num telefonema sem cor, dizer-me: “O Vergílio morreu.” Soube depois, contado por ela, que morrera durante a noite, e que ela ficara sozinha com ele em casa, vestindo-o, colocando-o na cama, retocando-lhe as feições, em permanente vigília, até o dia nascer, e então telefonar ao filho e aos amigos. A Eduarda escreveu sobre esta mulher tenaz e este amor temperado por anos de diário convívio, um conto, “Retrato de Senhora com Flores ao Fundo”, que eu tentei filmar, sem conseguir apoios para tal. Fica a intenção e agora aqui a revelação. Talvez um dia, quem sabe? Eunice seria a Senhora.
Sinto-me próximo de Vergílio Ferreira nesta serra que o viu nascer e onde jaz. Disse-me numa entrevista: “Na província em que nasci aprendi a sensibilidade que tenho. Mesmo o Alentejo (e vivi lá 14 anos) só afinal o entendi como um eco da Beira. Porque a planície e a montanha falam a mesma voz primordial. Espaços, origens, vento, neve, solidão, e a cor escura das gentes, e a sua presença espectral, e a sua trágica rudeza, e o silencio de tudo, e a própria alegria furtiva quando é a hora das concessões para isso, e o signo de eternidade que a tudo marca, e o halo genesíaco que a tudo envolve – são inexoravelmente os sinais com que me entendi através da terra em que me criei.” Texto lindíssimo de alguém que tinha o dom da palavra exacta, que construía sabiamente a frase antes de a enunciar, entre duas fumaças espaçadas.
Antes de iniciar as filmagens de “Manhã Submersa”, que rodei, em simultâneo, em 35 milímetros para cinema, e em 16 milímetros para televisão, filmei o documentário de quase uma hora, “Vergílio Ferreira numa “Manhã Submersa”, que funcionou como “episódio zero” da série para a RTP. Viajei com o escritor pelas serras, a da Estrela, onde nasceu, a de Sintra, onde tinha uma casa de campo, em Fontanelas. No Fundão visitámos as (quase) ruínas do velho seminário, então ocupado por retornados, que Vergílio Ferreira entrevistou particularmente interessado no destino daquelas gentes que subitamente trocavam de vida e de continente.
Divisão a divisão, foi-me descrevendo o seminário da sua infância e do seu sufoco. Contou-me que durante muitos anos vivia assombrado pela recordação daqueles tempos, até ter escrito o romance, o que lhe trouxe posteriormente uma enorme calma e paz interior. Voltámos a Melo e à casa familiar, à rampa, ao pelourinho da aldeia, onde nos sentámos a conversar enquanto o Vítor Estêvão, director de fotografia, captava a imagem. Subimos a Linhares, onde descobriu um padre que havia sido seu colega no seminário. O restante, digamos que o lado reflexivo sobre a sua evolução literária, a génese de “Manhã Submersa”, romance, o seu posterior interesse por Malraux e pelo existencialismo, e por novas formas de narrativa que o “nouveau roman” abriu, tudo isso fui captar nos jardins da sua casa em Fontanelas. Enquanto a Drª Regina regava as plantas. Ou preparava um chá. Sentados em redor de uma mesa de pedra, sob o frondoso das árvores, o gravador no meio, a câmara de filmar discretamente recuada, Vergílio Ferreira falou. Lição de mestre, que ficou registada para a eternidade.
“Conta Corrente”, “20-0utubro (sábado). No dia 18, quinta, a TV-2 iniciou a emissão de “Manhã Submersa”. Transmitiu a "Introdução" com várias conversas minhas em vários sítios, entre eles o Seminário do Fundão. Emocionou-me particularmente a presença de minha mãe. Em certo plano, ela aparece a percorrer o corredor da casa, num envolvimento de sombras como um espectro. No silêncio absoluto ouvia-se, a aprofundá-lo, as pancadas dos tacões e da bengala no soalho. O seu percurso levava-a para a porta da rua, onde se imobilizou num halo de luz difusa.”
Corte para Lisboa. O café Vavá onde tantas e tantas vezes nos encontrámos. De inicio com o Manuel Guimarães. Depois com a Lídia Jorge. Um dia falámos sobre Agustina, outro dos grandes nomes das letras portuguesas, de que eu gostava (e gosto) muito. Rivalidades e mal entendidos levavam Vergílio Ferreira a não a ter entre as preferidas. Ela correspondia, ao que suponho. Passados meses, de novo numa das mesas do Vavá, depois de uma viagem a Paris que reuniu Agustina e Vergílio, este confessa-me a sua enorme admiração pela escritora. Ambos se tinham tornado grandes amigos.
Ainda Lisboa. Um telefonema ao fim da tarde. “Que fazem vocês? Vamos comer uns bifes de javali num restaurante que conheço?” Era dia 28 de Janeiro, Vergílio Ferreira fazia anos, e lá fomos até às Olaias, onde o escritor conhecia um restaurante especializado em javali. Melhor que o javali, que eu degustava pela primeira vez, era a companhia. A torrente das palavras, moldada em afectos. Um dia disse, e confirmo, que Vergílio Ferreira foi para mim com um segundo pai. O meu faleceu abruptamente em 1977. Vergílio Ferreira não ocupou o lugar, insubstituível, mas atenuou a perca com a sua presença amiga e a sua voz patriarcal.
“Flash back”: Casa de Vergílio Ferreira. Interior. Noite.
Morava muito perto da minha casa, ambas situadas na Avenida EUA.
Sentados frente a frente, falo-lhe na hipótese de interpretar a figura do reitor. A reacção inicial foi chamar-me louco ou algo parecido. Depois sorriu. Um bom professor é um actor, digo eu. E sabe latim. Elogio-lhe o rosto, a postura, o rigor, a austeridade, certamente resquícios do próprio seminário. “Já viu o que era, “ser” agora o reitor que tanto o flagelou em adolescente? Não só o reitor do seminário, mas também o Salazar do País?” Deixou de me chamar louco e continuou a sorrir. Um sorriso de criança que intimamente elabora uma malandrice bem urdida. “Amanhã voltamos a falar disso”, digo eu. No dia seguinte, pela hora do almoço, telefono-lhe excitado, esperando um não rotundo, sai um sim em busca de comprovativo. Claro que reforço o convite. É preciso encomendar um fato de reitor no guarda-roupa Anahory. Com as suas medidas.
Vergílio Ferreira não foi dos primeiros a entrar em cena. As filmagens começaram por Linhares da Serra, exteriores, inverno inclemente, já o disse. Acabadas as filmagens na serra da Estrela, regressámos a Lisboa, para filmagens na Madre de Deus, num edifício da Casa Pia nessa altura desocupado. Improvisado um gabinete do reitor, colocadas as câmaras, instalada a iluminação, espera-se por Vergílio Ferreira para a primeira “take” do dia e para a sua estreia como actor. Devidamente paramentado aparece. Troco com ele frases de ocasião sobre o texto a dizer nessa altura. Um dos alunos do seminário vai ser expulso, e o reitor executa a sentença, perante os pais revoltados com a conduta do filho. Vergílio Ferreira sabe o diálogo, está no entanto inquieto. Coloca-se no local escolhido, em pé, atrás da secretária. “Acção!”: “Entre!” e os pais entram com o aluno e um empregado do seminário. Vergílio Ferreira inicia um diálogo grandiloquente, quase gritado, muito gesticulado. Parece récita de amadores do pior. A equipa técnica rebolava-se de riso e escondia-se por detrás de tudo o que pudesse impedir ser vista. Teme-se o pior. “Corta!” Vergílio Ferreira não está satisfeito, mas está sobretudo inseguro. “Não correu bem, pois não?” “Não, Vergílio, não correu, não é esse o tom.” Falámos cinco minutos, afastados dos demais. “Isto é cinema, não é teatro. O público está muito perto de si, olha-o nos olhos, não precisa de exteriorizar muito, mas pelo contrário de interiorizar. Basta sentir o que se diz, a câmara fará o resto, vai lá buscar a emoção e transmiti-la ao espectador.” “Vamos repetir!” E assim foi. Sai muito bem. Volta a repetir-se o plano, por uma questão de segurança. Vergílio Ferreira protesta: “Não ficou ainda bem desta vez?”. “Sim, mas temos de ter mais do que uma “take” boa, por questão de segurança!”. “Que chatice! Não sabia que isto era tão chato, tanta repetição!” Mas a partir daí foi sempre a somar: encontrado o tom próprio, foi dos mais seguros actores da companhia. Sempre prestável.
Na “Conta Corrente”, no dia 14 de Janeiro de 1980 (domingo): “Vi há dias as filmagens que já fiz para “Manhã Submersa”. Lá estava o Reitor a enredar o miúdo e a recusar o perdão a um outro que não queria ser expulso. O Lauro António e toda a equipa acharam a actuação "brilhante". Nunca ninguém me disse isso em relação a nada que tenha feito. E aí está como o meu destino devia era estar no Parque Mayer.”
Na mesma “Conta Corrente”, agora no dia 3 de Novembro (sábado): “Espantoso. Tenho sido cumprimentadíssimo pela minha actuação na TV, na série da “Manhã Submersa”. Faço o papel de Reitor, tenho sido felicitadíssimo. No restaurante onde hoje fomos, vários olhares fixos em mim a identificarem. Há quarenta anos a escrever livros. Pouca gente deu conta. Mas só com duas intervenções na TV, sou quase tão célebre como um futebolista. Tenho-o pensado: o meu destino estava em Hollywood ou no Parque Mayer. Agora é tarde para emendar o destino. O curioso é que eu não correspondo por dentro a estas homenagens. Quando me dizem de um livro que é "bom", qualquer coisa mexe por dentro, no sítio das vísceras em que está o contentamento. Mas ser "actor" – que blague. Uma brincadeira da responsabilidade do Lauro António, o realizador. Que tenho "boa figura" e "boa voz" e "boa presença". E esta? Mas é desta maneira externa e acidental e lúdica que se faz uma reputação e uma "personalidade". Modo de se ser de fora para os outros e de os outros o serem. O que é de dentro não tem uma pessoa a que se fixe, não tem visibilidade a que nos fixemos.”
Alguma incompreensão de Vergílio Ferreira para com a força das imagens: uma interpretação, em cinema, vale sobretudo pelo que sugere do interior da personagem. A "boa figura", "boa voz" e "boa presença" são igualmente signos que nos permitem chegar à essência, precisamente ao mais profundo de um ser, de uma situação. O “casting” é precisamente isso: escolher a pessoa certa para o papel.
“Travelling” na auto-estrada para o Porto, onde se repõe “Manhã Submersa”, eu e Vergílio Ferreira na sala do cinema, julgo que uma das salas o “Charlot”, em amena cavaqueira sobre o filme, após a projecção. Há quem fale da influência de Buñuel, de Bergman, de não sei quantos mais cineastas. Vergílio Ferreira regista o episódio na sua “Conta Corrente”: 20-Abril (terça). (…) uma ida ao Porto com o Lauro António para uma nova "estreia" do “Manhã Submersa”. Com Lauro António tem acontecido uma coisa que sei por mim e é a atribuição variada de "influências". A esse propósito, teve ele no colóquio, após a exibição do filme, uma observação curiosa: não há mal que nos atribuam muitas influências; mal é quando nos atribuem só uma. Ponho-me a reflectir, acho que tem certa razão. Comigo, aliás, no que se refere a influências, é uma fartura.”
Claro que haverá influências. No mundo nada se cria, tudo se transforma. Uma influência manifesta, pode ser cópia, plágio. Muitas, é a vida, ao longo da qual nos vamos alimentando do que vemos, do que lemos, do que ouvimos, do que nos toca a pele, do que nos molda. Somos o produto de tudo o que fica em nós, quando tudo o mais desaparece. Cada personalidade é o resultado dessa mistura sincrética.
Volto à sua casa em Lisboa. Anos depois da estreia de “Manhã Submersa”, confesso-lhe que gostaria muito de adaptar “Até ao Fim”. Ele acha que eu faria um filme magnífico de “Em Nome da Terra”, livro de que gosto muito, mas não me seduz para cinema. Já experimentei o “beco sem saída” com adolescentes, não me apetece entrar noutro “huit clot”, agora da terceira idade. “Até ao Fim”, sim. Mas há um cineasta alemão que o quer adaptar. Vergílio Ferreira hesita em ceder os direitos, “muito bem pagos”, porque eu punha a hipótese de o adaptar. Liberto-o de qualquer compromisso ou constrangimento. Afinal a minha carreira de cineasta, depois do relativo sucesso de “Manhã Submersa”, tem sido muito difícil. Contaram-me que colegas meus, uma vez reunidos em conciliabo, haviam jurado: “Este gajo nunca mais há-de filmar!”, o que quase se concretizou. Não quero ser empecilho, afinal nem tinha pago nada para reter os direitos. Vergílio Ferreira, que nunca me deixara sequer ler os seus dois primeiros romances, que considera obras de juventude, sem grande préstimo, vai desencantar uma primeira edição de “O Caminho Fica Longe” e escreve com a letra miudinha que o caracterizava, “o imbricado da escrita”, como lhe chamava, uma dedicatória significativa: “Ao Lauro António esta maneira desculpável (?) de se ser infantil, com um abraço amigo do Vergílio Ferreira. Junho de 1982.”
Falando de dedicatórias, uma que me tocar particularmente. Uma primeira edição de “Manhã Submersa”: “Ao Lauro António que fez deste livro uma razão para eu ter algum orgulho nele. Com uma abraço do Vergílio Ferreira. Março de 90.”
Em 1983 realizei para a RTP uma série, “Histórias de Mulheres”, que agrupou quatro histórias, uma delas retirada de um conto de Vergílio Ferreira, “Mãe Genoveva”. Transpus o cenário da Beira para o Alentejo, rodei-o em Terena, uma aldeia perto de Estremoz. O conto de Vergílio Ferreira dava hipótese de fazer uma experiência narrativa que me interessava, dado que se prestava bem ao estilo, rigoroso e conciso, do escritor, e à sua propensão para conter a emoção e evitar todo o sentimentalismo fácil. Procurei, portanto, que tudo o que de dramaticamente importante sucedesse, acontecesse fora do enquadramento. As imagens seriam apenas um reflexo, um indício, do que realmente ocorre. Era uma história de clandestinidade e polícia política, já de si nebulosa, pouco clara. Subversiva, furtiva, oculta. Desenrolando-se pela calada da noite, por entre sombras e vestígios. Penso que se apropriava bem o tom escolhido, que eu julgava inquietante E soturno.
É um filme de que gosto muito, mas difícil para o público, reconheço. Temi pela reacção de Vergílio Ferreira, que quase não acompanhou nem a preparação, nem as filmagem ou a montagem. Apenas viu o filme terminado, já em Lisboa, depois de ter passado pelo festival da Figueira da Foz. Não tínhamos falado muito, anteriormente, sobre este pequeno filme de uma hora, rodado durante uma semana num Alentejo escaldante. Afinal, Vergílio Ferreira foi dos que melhor entenderam esta tentativa, pelo menos tendo em conta as suas considerações expressas numa das páginas do volume IV da sua "Conta-Corrente", referindo-se globalmente à série “Histórias de Mulheres”, e em particular a “Mãe Genoveva”: " São filmes depurados à essência narrativa, despojados de pormenores, lentos, mas sempre na expectativa do que daí acontecerá (...) "Mãe Genoveva" quase não tem falas, só a pureza da sequência de imagens, sem alterar a tonalidade emotiva, mesmo quando seria caso disso. Filme transparente, discreto, quase absoluto. (...) Gostei bastante deles e muito ainda de gostar por essas razões."
Perto do “the end”, apenas mais uma recordação: em 1993, no Porto, na Fundação Eng. António de Almeida, Vergílio Ferreira foi o centro de um “Colóquio Interdisciplinar”, por altura das comemorações dos seus cinquenta anos de vida literária. Lá estiveram, durante três dias, a coincidirem com a data de nascimento do escritor, alguns dos maiores vultos nacionais e estrangeiros, que se tinham dedicado ao estudo da sua obra. Nesse colóquio fui convidado a intervir de duas formas, através de uma comunicação, onde tentava dar uma ideia das relações do escritor com o cinema, e através da exibição de três filmes meus, dois passados numa sala de cinema, à noite, um, “Vergílio Ferreira numa “Manhã Submersa”, a encerrar a sessão do colóquio. O filme passou perante uma sala repleta, e no final assisti a uma das ovações mais calorosas que me foi dado ouvir. Mas o melhor de tudo, não foram sequer as palavras de Óscar Lopes ou Eduardo Lourenço, enaltecendo o significado do filme, mas o abraço estimulante do Vergílio, e as palavras segredadas quase ao ouvido, nesse momento: “Já sabia que este filme era bom, mas só agora percebi quanto ele é importante. Sabe que lhe disse, nesses depoimentos, coisas que nunca antes tinha revelado?”
Não pude deixar de ficar orgulhoso. Como hoje ainda o estou por permitir que alguns dos meus filmes tenham eternizado não só as palavras e as ideias do escritor, como ajudado a imortalizar o rosto e a figura do homem. Quando a saudade aperta, ponho a rodar o dvd, e ouço: “A minha biografia começa aqui – na rampa.” E sei que Vergílio Ferreira continua presente. Como presente e vivo se encontra no túmulo que olha a serra. Ele é um pouco da nossa imortal identidade. Cultural, artística, literária, geográfica, antropológica.
“Fade out” ou “fusão em negro”, enquanto se ouve em off o orador agradecer: “Muito obrigado a todos pela vossa simpática atenção, mas creiam que para mim é sempre um prazer recordar e falar de Vergílio Ferreira. Muito obrigado.”

Lauro António, Gouveia, 7 de Maio de 2009.

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

REGRESSO A VERGÍLIO FERREIRA

Regresso a Vergílio Ferreira. Pediram-me mais uma vez um testemunho sobre o escritor de “Manhã Submersa”. Desta feita para incluírem num documentário sobre “Aparição”, a exibir futuramente na RTP.

Apeteceu-me reler a obra, uma das suas que pela primeira vez descobri, ainda adolescente.
Que assombração! Que deslumbramento!
Como se escreve límpido e profundo, como se ficciona e se filosofa.
Como se pensa a vida na inevitabilidade da morte. Como se pensa a vida e a morte “do interior de mim”.


Um exemplo:

“E, todavia, sei-o hoje, só há um problema para a vida, que é o de saber, saber a minha condição, e de restaurar a partir daí a plenitude e a autenticidade de tudo – da alegria, do heroísmo, da amargura, de cada gesto. Ah, ter a evidência ácida do milagre do que sou, de como infinitamente é necessário que eu esteja vivo, e ver depois, em fulgor, que tenho de morrer. A minha presença de mim a mim próprio e a tudo o que me cerca é de dentro de mim que a sei – não do olhar dos outros.”

(Aparição, 1959).

terça-feira, novembro 25, 2008

POR TERRAS DO FUNDÃO

No velho seminário do Fundão, com Vergílio Ferreira, em 1979.

NO SEMINÁRIO DO FUNDÃO
NO HOTEL "PRÍNCIPE DAS BEIRAS"

O exterior do seminário no filme "Manhã Submersa" (1980)
A convite do Agrupamento de Escolas da Serra da Gardunha, no Fundão, estive a falar sobre Vergílio Ferreira e a sua (e minha) “Manhã Submersa”. Foi algo de emocionante e único. Passo a explicar a razão:
Vergílio Ferreira escreveu “Manhã Submersa” inspirando-se em muito do que viveu e viu viver a outros no seminário do Fundão, entre 1926-1932. Depois licenciou-se em Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (1940). Foi professor de Português e de Latim em várias escolas do país, mas sobretudo em Évora e Lisboa (Camões). Nasceu em Melo, na Serra da Estrela, em 1916, e faleceu em Lisboa, em 1996. A sua escrita começa por ter uma feição neo-realista, de que depois se afastou para enveredar por um caminho mais pessoal, intimista, aproximando-se dos existencialistas, de Malraux sobretudo, e do “nouveau-roman”. Foi, e é, um dos maiores ficcionistas portugueses de sempre, num tipo de narrativa austera e rigorosa que cruzava o romanesco e o filosófico com rara exigência e sedução. O romance “Manhã Submersa” saiu em 1953, e logo por essa altura eu o li, e me impressionou fortemente. Teria eu onze anos ou doze anos. Em 1979, quando pude realizar a minha primeira longa-metragem de ficção, zarpei até Linhares da Beira com uma equipa, de técnicos e actores, para iniciar a rodagem deste filme. Antes, com uma outra equipa, reduzida, quatro pessoas e maquinaria de 16 milímetros, tinha percorrido os caminhos de Vergílio Ferreira adolescente, a sua casa em Melo, onde ainda viviam a mãe e uma tia, o seminário por onde passara, numa curva de estrada próximo do Fundão, e depois a sua casa e jardim em Fontanelas (Sintra), onde discutíamos sobre literatura. O filme, que se chamou “Vergílio Ferreira numa “Manhã Submersa” destinava-se a funcionar como “episódio zero” da mini-série “Manhã Submersa” a emitir na RTP. Assim aconteceu.
Nesse filme, de que não tenho pejo em dizer de que gosto muito, e que julgo um documentário essencial para compreender a obra do escritor, um dos capítulos era composto por um longo périplo de Vergílio Ferreira, percorrendo o espaço já dessacralizado do velho seminário (entretanto já substituído nessa altura por outro, situado não muito longe daquele), onde se procuravam traços da sua antiga existência física e espiritual. Em finais de 1979, o edifício, em ruínas, guardava várias famílias de retornados com os quais Vergílio Ferreira estabelecia conversa, no filme, qual entrevistador de uma cadeia de TV. Depois passeava pelos corredores, a estrada, o quintal, os espaços onde outrora estiveram a capela, a cozinha, as camaratas, as salas de aula… Foi assim que aprendi a geografia e que tentei penetrar no espírito do lugar, que retive para sempre. Depois, sempre que por ali fui passando, lá estava o velho edifico, a ruir…
Desta feita, noventa alunos e muitos professores esperavam por mim para falar sobre “Manhã Submersa”, o filme que tinham visto anteriormente nas suas aulas. Foi emocionante discorrer para aquela plateia que sabe o que é ser professor e aluno, que expandiam a escola para fora do edifício de pedra, que procuravam dar um outro sentido às palavras ensinar e aprender. Falei disso mesmo, da emoção que sentia em estar ali, onde hoje é um hotel (Hotel Príncipe das Beiras), da possibilidade de viver no espaço onde há oitenta anos respirara Vergílio Ferreira, onde se passaram a maioria das peripécias que eu relatava no meu filme. Um hotel? É verdade, um hotel espaçoso, cuidado, de linhas direitas e superfícies brancas e lisas (Siza Vieira a deixar marcas da sua arquitectura um pouco por todo o lado), relativamente bem decorado, com sobriedade. Bons profissionais a tomar conta dele, mas uma negligência espantosa: quase nada de Vergílio Ferreira e do anterior seminário ali é recordado.
A verdade é que raros hotéis possuem a hipótese de se transformarem em objectos de culto, em referências da História e da Cultura portuguesa. Este, que deveria, desde logo, ter sido baptizado com o nome de Vergilio Ferreira, pouco mais faz para relembrar o grande escritor do que reservar-lhe uma sala, a mais distante e discreta, ao lado de outras, bem mais grandiosas, com os nomes de Aquilino Ribeiro, António José Saraiva ou José Nuno Figueiredo. Este hotel que poderia recordar um autor e uma obra impares na cultura portuguesa esconde-se timidamente neste aspecto, talvez com vergonha de ter sido anteriormente seminário, sem uma única foto, uma frase, uma indicação histórica. E tanto se poderia fazer para transformar este belíssimo edifico e este hotel numa jóia que muitos gostariam de visitar para se sentirem no interior de um espaço histórico-literário privilegiado.
Mas foi bom estar ali, ouvir e responder a perguntas de jovens visivelmente curiosos, que tinham feito, sem esforço, o seu trabalho de casa”, jantar depois na cantina da escola com um grupo de professores muito interessantes, cativantes na sua simpatia e na sua devoção. Manuel Abelho e Pedro Rafael distinguiam-se na direcção dos acontecimentos. No dia seguinte continuámos a jornada, por aldeias históricas, e, pela noite fora, numa tertúlia à procura do valor da palavra em Castelo Novo. (A seguir)

Imagens actuais do hotel "Príncipe das Beiras", no antigo seminário do Fundão.

ver mais em Agrupamento de Escolas da Serra da Gardunha

FALAR DE VERGÍLIO FERREIRA
NO FUNDÃO

quarta-feira, janeiro 09, 2008

MANHÃ SUBMERSA NO YOU TUBE

Andava eu de blogue em blogue quando fui cair a um com uma bem documentada homenagem a Vergílio Ferreira. O blogue chama-se "Jaguar - Ao Ritmo de Cada Um", e, no post dedicado a "O Intimismo na Literatura - VERGÍLIO FERREIRA", encontrei uma cena da "Manhâ Submersa", onde o Amilcar dá uma lição de "boa literatura". Apeteceu-me registar:

terça-feira, maio 01, 2007

MANHÃ SUBMERSA NO QUARTETO

"MANHÃ SUBMERSA"

REGRESSA AO QUARTETO

durante alguns dias o filme "Manhã Submersa",

retirado do romance de Vergílio Ferreiro,

vai estar no cinema Quarteto, em Lisboa.