domingo, agosto 19, 2012

O "MUSICAL", BABY!


 BROADWAY BABY
No Teatro Mário Viegas, encontra-se em cena, por muito pouco dias, até 1 de Setembro, e só às sextas e sábados, um bonito espectáculo de homenagem ao musical. Ok, já sei que o musical parece não gozar da estima de muitos, mas eu adoro. Inversamente, há uma legião de partidários que nunca abdicam de um bom musical, mesmo que já o tenham visto muitas vezes. Alguns dos grandes momentos da minha vida, passei-os a ver e ouvir musicais, em palcos de Londres, Nova Iorque, Madrid, Paris, Toronto, Rio de Janeiro, e Lisboa. E em salas de cinema ou no recato da minha poltrona frente ao ecrã de TV. Já fiz um programa de rádio, na Antena 2, sobre o “Musical no Cinema”, e sou um devoto. Há lá coisa mais reconfortante do que “Singing in the Rain” ou “Sunset Bouvelard”, ou “Os Miseráveis” ou… ou… e são às dezenas os títulos que se impõem. De Fred Astaire a Gene Kelly, imortais, de Judy Garland a Cid Charisse. Enfim, gosto muito e por isso é sempre um prazer ouvir e relembrar temas eternos de talentos como George M. Cohan, Gerswing, Porter, Berlin, Rodgers e Hammerstein, Sondheim, Webber, entre tantos outros.
Em “Broadway Baby”, Nuno Feist e Henrique Feist, irmãos de sangue e irmãos no seu gosto musical, encarregam-se de, durante um pouco mais de hora e meia, nos brindar com uma curiosa e muito sentida viagem pela historia do musical na Broadway, oferecendo-nos alguns dos momentos maiores deste género. É tarefa de arrojo total colocar-se em confronto com génios insubstituíveis, mas Henrique Feist consegue não destoar, procurando não mimar os inimitáveis, mas homenageando-os com a sua bela voz, neste espectáculo particularmente bem trabalhada em vários registos.
A encenação é simples, mas eficaz, apenas sugerindo cada número por um pequeno adereço ou um elemento de guarda-roupa simbólico. Talvez até pudesse ser um pouco mais despojada, mas globalmente funciona bem. Algumas referências iconográficas passam pelo ecrã, ajudando a situar a resumida mas útil sugestão histórica. E no piano temos o inspirado Nuno Feist que trabalha a duas mãos partituras de sucesso garantido.
Sai-se do Teatro Mário Viegas a trautear temas orelhudos que fizeram a felicidade de várias gerações. Um bom espectáculo para todas as épocas do ano, mormente para momentos de crise, ou não tivesse o musical, no cinema, sido um bálsamo para a crise desencadeada pelo Crash de 1929. Agora que crashamos novamente, venha de lá o musical, como nos ensinou Woody Allen no seu belíssimo “Rosa Púrpura do Cairo”.

segunda-feira, agosto 13, 2012

JOGOS OLÍMPICOS. O FECHO



TERMINARAM OS JOGOS OLÍMPICOS

Terminaram os Jogos Olímpicos de Londres 2012 com outro espectáculo fabuloso de brio nacional e de orgulho pelo que de melhor Inglaterra deu ao mundo no campo da cultura e do entretenimento. Claro que gostei e muito. Gostei sobretudo de ver as escolhas feitas, a biodiversidade cultural e humana, a ausência de preconceitos, o chamar a primeiro plano a cultura e o trabalho, os motores que tudo movem e que nunca criaram crises financeiras fraudulentas. Não vi a exaltação da emigração nem nada que se pareça com o encerramento de fundações culturais, não vi o desfile de banqueiros a acenar, a acenar, nem o elogio das empresas de rating, não vi o orgulho na ganância nem no nepotismo, vi o afirmar da Liberdade, da inteligência, da Paz, da música que nos faz sentir melhor, do humor que nos liberta. Não vi a cultura de elites versus a cultura popular. Não vi os alternativos a desprezarem os que o não são, nem vi o pimba triunfante. Vi e ouvi alguns dos melhores. Não vi o pregão da austeridade como forma de combater a dívida. Vi Churchill, não vi nenhum vilão entronizado. Vi um musical cheio de ritmo, de imaginação, de criatividade, de invenção. Vi os atletas a entrarem em grupo compacto, sem distinção. Vi as bandeiras erguidas e os hinos cantados por quem os merece. Vi o passado e o futuro exaltados por igual. Não vi nada de que me envergonhasse como ser humano. E vi o despontar do Brasil, com igual orgulho. Daqui a quatro anos não sei se estarei cá para ver os Jogos Olímpicos de 2016, mas fiquei com a certeza de que serão como o Rio: continuarão lindos.
Em altura como estas, não tenho pena de sermos um povo pequeno e pobre ao pé de Inglaterra, mas lamento a falta de visão de certos governantes que não sabem fazer explodir, aqui e lá fora, a nossa grandeza, que é tanta e tão diversificada para a pequenez e a pobreza nacional. Em vez de apostarem no que vale a pena, apostam no aferrolhar de uns cobres, ainda por cima, sempre para os mesmos, ignorando que os cobres se ganham, tal como a prata e o ouro, apostando na qualidade e no que há que único num povo: as suas formas de expressão artística, cultural, intelectual, científica, desportiva… Tenho muita pena de ver um país, o meu país, a ser estrangulado pela miopia, pela incompetência, e não sei se pela simples fraude de uns tantos, toldados pela obediência cega à finança internacional.
Tal como em tudo que é humano, também os Jogos Olímpicos não estão isentos de desvios desagradáveis. São também comércio e indústria, claro. Mas os atletas choram e riem com lágrimas pelos êxitos e insucessos. São por igual os melhores entre os melhores. Os que atingem o sucesso e os que falham no momento decisivo. Mas para estarem lá, entre os melhores, tiveram de lutar até ao sofrimento para o conseguirem. O que é sempre bonito de ver.

sexta-feira, agosto 03, 2012

LIVROS LIDOS (5)

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VINGANÇA A SANGUE FRIO
A ESTRELA DO DIABO
O PÁSSARO DO PEITO VERMELHO
CAÇADORES DE CABEÇAS
de Jo Nesbo

Notável autor de policiais, Jo Nesbø, norueguês, é músico e escritor de primeira linha. Depois de ter estudado economia e finanças, depois de ter sido corretor de bolsa e jornalista, entregou-se à literatura e surpreende-nos a cada novo titulo, sobretudo os que têm como protagonista o inspector Harry Hole, homem de investigação não muito convencional, dada ao álcool, com problemas pessoais diversos, mas exímio a descortinar o mal lá onde ele se encontra. Um retrato penetrante da sociedade norueguesa, muito dada à corrupção e ao crime. Não são só excelentes policiais de ler de um fôlego, mas sobretudo grande literatura.
Os nórdicos continuam a dar cartas. 

LIVROS LIDOS (4)

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O NOSSO AGENTE EM HAVANA
de Graham Green
O prazer de reencontrara ironia e o gozo da escrita de um dos grandes escritores ingleses do século XX. Num Havana à beira da revolução, um vendedor de electrodomésticos é recrutado para os Serviços Secretos Ingleses. Por dinheiro aceita participar, mas nada mais é autentico. Nem os  colaboradores que diz contratar, nem os relatórios que envia, apenas é real o dinheiro que recebe e serve para pagar os caprichos da filha. Uma inesquecível paródia, nada inocente, à espionagem internacional, que deu um belíssimo filme de Carol Reed, com um elenco de bradar aos céus: Alec Guiness, Burl Ives, Noel Coward, Ralph Richardson, Maureen O' Hara, Ernie Kovacz, etc. A ler e a ver.

quinta-feira, agosto 02, 2012

LIVROS LIDOS (3)

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A VALSA ESQUECIDA
de Anne Enright
O adultério é um tema requentado, de tanto ser tratado. Trabalha-lo de forma original já é um feito. Mas acompanhar tudo isso com uma invulgar descrição da vida familiar, de uma forma onde quase não acontece nada de extraordinário, mas que se acompanha como se fosse um policial isso valoriza ainda mais esta obra, escrita com muito humor e sensibilidade. Uma surpresa. Boa.


LIVROS LIDOS (2)

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SAPATOS ITALIANOS
de Henning Mankell 
 Henning Mankel é um extraordinário escritor sueco que conhecíamos sobretudo da sua saga do inspector Wallander. Agora surge um romance de uma delicadeza e finura de análise invulgar. Um velho médico, retirado numa ilha gelado nos confins da Suécia, é visitado por personagens do passado. Uma mulher que se arrasta colada a um andarilho, uma filha que não saia sequer que existia, o gelo e o frio, a solidão. Excelente.

LIVROS LIDOS (1)

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A CIDADE IMPURA
de Andrew Miller
Se gostou de "O Perfume", gosta de "A Cidade Impura", uma ficção histórica 
sobre a destruição de um cemitério no interior de Paris.  Uma escrita escorreita, colorida, cheia de cheiro (e que cheiro!), que se acompanha com interesse 
e uns toques poéticos que resultam bem. 
Andrew Miller, prémio Costa Book 2011, um autor a acompanhar.


quarta-feira, agosto 01, 2012

DUAS VISITAS AO FADO


 O MUSEU DO FADO
O Museu do Fado existe. É um edifício não muito grande, mas muito bem tratado pela sua sábia directora, Sara Pereira, que tornou realidade um sonho, a acompanhar a candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade. Encontra-se no Largo do Chafariz de Dentro, nº1, em Lisboa, numa zona castiça e fadista. Em frente ao Museu existe o largo do citado chafariz donde partem ruelas estreitas encastradas por casas de fado mais ou menos conhecidas.
Mas o Museu do Fado tem muito para contar, muito para se ver e ouvir, muito para recordar e aprender. “O Fado é um poema que se ouve e se vê”, lê-se lá pelas paredes da casa. É isso que se deve fazer, vendo o que dele se disse, desde a Ramalhal figura até quem considera o “fado a canção dos vencidos”, para se chegar ao fado actual, a romper pelas costura de talentos diversificados, para já não falar dos eternos, de Amália a Marceneiro, de Carlos do Carmo a Mariza.
Instrumentos, autores, músicos, fadistas, é toda uma galeria que vem do povo e sobe à aristocracia, e volta a subir ao povo, e estende-se à burguesia, e ultrapassa barreiras e fronteiras e se assume como a canção de um povo, partindo de uma cidade banhada pelo Tejo, que aqui lançou o seu canto de sereias e de marinheiros do destino. Há fados para todos os gostos e gostos para todos os fados. Sobre a sua origem pouco se sabe, ou se preferirem muito se conjectura, mas a verdade é que existe, está ali bem presente e é um prazer percorrer o curto labirinto deste estado de espírito tão português.
 O FADO NO CINEMA
Entretanto, surgiu há pouco uma Exposição Temporária, no Pátio da Galé, Terreiro do Paço, com entrada pela rua do Arsenal, aberta todos os dias, até 26 de Agosto de 2012, entre as 10h e as 19h, dedicada a “O Fado no Cinema”, uma produção conjunta do Museu do Fado e da Cinemateca Portuguesa.
Não será a exposição exaustiva que um dia será possível ver, mas é um bom início de caminhada, com um espaço bem ordenado onde se reúnem cartazes, programas, fotos, excertos de filmes, rostos de actores e fadistas, alguns dos fados mais conhecidos, e um longo excerto de um documentário, “Fado” de Aurélio Vasques e Sofia Portugal, uma co-produção do Museu do Fado com a Zulfilmes, que reúne testemunhos falados sobre o fado, na voz de alguns dos seus protagonistas, como Carlos do Carmo, Mariza, Camané, Beatriz da Conceição, Carminho, José Manuel Neto, Joel Pina, José Pracana, Rui Vieira Nery ou Maria do Rosário Pedreira.
Vale a pena não perder. É uma boa visita nestes dias mais ou menos soalheiros de verão. 

segunda-feira, julho 30, 2012

PARA A EUNICE

FAZ HOJE 84 ANOS
Parabéns e obrigado por tudo quanto nos tem dado. 
A mim, o privilégio de ter estado ao seu lado. 
Aqui em "Manhã Submersa", a demonstrar que sabe mais de olhos fechados
 que tantos outros com eles bem abertos.  
Um beijo, Eunice, e volte depressa.

MORRE SANTOS MANUEL

SANTOS MANUEL
 
Mais uma triste notícia: morreu Santos Manuel, um magnífico actor português, a quem vi compor  personagens inesquecíveis, nomeadamente nos tempos heróicos do Teatro Experimental de Cascais, onde o vi num admirável "D. Quixote"..
Aqui numa cena de  "Enquanto se está à espera de Godot", na Companhia Teatral do Chiado / 1993, ao lado de Mário Viegas. 
Mais um que não teve as honras merecidas. Mas fica a memória. 

domingo, julho 29, 2012

CINEMA E LITERATURA

Depois de 12 anos do Famafest, dedicado a "Cinema e Literatura", a revista Ler vai promover em Lisboa um festival com o mesmo tema. Desejo as maiores felicidades. Os bons exemplos devem ser seguidos. Mesmo que alguns não percebam a importância dos mesmos. 

sábado, julho 28, 2012

Post aberto, dirigido a Vossas Excelências


JOGOS OLÍMPICOS DE LONDRES 2012:
"Não tenhas medo. Esta ilha está cheia de sons"

Senhor Presidente da República
(sei que viu, porque vi por lá V. Excelência)
Senhor Primeiro-ministro,
Senhor Ministro da Educação,
Senhor Ministro da Saúde
Senhor Secretário de Estado da Cultura,
Senhor Secretário de Estado do Desporto,
Dr. Miguel Relvas,
Espero que todos tenham visto o belíssimo espectáculo que constituiu a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, 2012.
Claro que ficarei muito feliz por saber que V. Exas. não perderam tão grandioso e significativo espectáculo.
Também me congratulo por reconhecer o acrisolado patriotismo que os levou a sentirem uma particular alegria ao verem desfilar a nossa garbosa selecção de atletas, com cachecóis empunhando bem alto o nome de Portugal.
Mas não se trata disso que vos quero falar.
Gostaria de vos saber orgulhosos por uma cerimónia onde se homenagearam os valores ingleses e universais, e onde se deu particular destaque ao Serviço Nacional de Saúde britânico, à História, à Cultura, à Música, ao Cinema, à Televisão, aos Actores, aos Encenadores e Realizadores, aos Poetas e Escritores, aos Desportistas, afinal ao que de melhor a civilização inglesa (e mundial) deu ao mundo.
Enquanto os Jogos Olímpicos de Londres 2012, num país curiosamente governado à direita, e com fortes problemas económicos, se faz o elogio a um serviço nacional de saúde que, desde 1948, instituiu a máxima de que “todos têm por igual direito a cuidados de saúde”, enquanto por lá se louvam criadores inspirados de todas as artes, que se passa por aqui, em nome da crise?  
Calculo que os Jogos Olímpicos em Lisboa 2012 tivessem por tema a crise, a austeridade, o apertar do cinto e a pieguice portuguesa. Com carros alegóricos de crítica aos intelectuais e artistas que não vivem sem subsídios. E proclamações jurando a necessidade de encerrar camas em hospitais, centros de saúde, despedir médicos e enfermeiros, cortar nas escolas e nos professores, promover os cursos por correspondência, com muitas creditações políticas, e subir os impostos para a classe média, com as necessárias facturas para cabeleireiros, donos de stands de automóvel, restaurantes e cafés. E no final, a grande apoteose seria um número musical a exortar ao êxodo para terras onde os desempregados tivessem novas oportunidades.
Claro que poderia ser assim, mas não seria a mesma coisa.
Por isso gostei muito de ver esta abertura de Jogos Olímpicos, idealizada a pensar no gosto pelos valores e pela cultura universal. "Não tenhas medo. Esta ilha está cheia de sons". Foi esta frase de "A Tempestade", de William Shakespeare, que inspirou o realizador Danny Boyle a inventar este magnifico espectáculo. Está tudo dito.

quinta-feira, julho 26, 2012

"MANHÃ SUBMERSA" EM CERVEIRA

Só agora consegui descarregar este vídeo, gravado com uma câmara de telemóvel, da passagem da Manhã Submersa, em Vila Nova de Cerveira, integrada no Festival "Curtas de Gastronomia". Foi uma experiência fascinante nalguns aspectos. O vídeo é fraco, mas pode dar uma ideia da actuação do Coral, enquanto o filme decorria, projectado na parede na igreja da praça central. Com muito público a assistir a esta sessão única.

quinta-feira, julho 19, 2012

5% DE IRS


 Benefício Fiscal? Para quem?
Rezam as notícias do dia, o seguinte: “As famílias vão contar, a partir de 2013, com um novo benefício fiscal: passam a poder abater ao seu IRS 5% do IVA que pagam cada vez que fazem uma compra, até ao limite de 250 euros. Mas este tecto não será fácil de atingir para a generalidade dos portugueses porque para lá chegar será necessário gastar e reunir facturas na ordem dos 26 637 euros”.
Ora parece que nada ainda esta definitivamente legislado, mas julga-se que as despesas que podem ser deduzidas são, segundo alguma informação social, hotéis, carros, cabeleireiros, refeições, cafés, produtos de beleza, etc.
Grande medida para atenuar um pouco a crise que vai larga e farta. Sobretudo para pequenos e médios ordenados.
Que serão os obviamente mais protegidos por esta medida?
Acredita mesmo que serão os pequenos e médios ordenados a reunir facturação no valor de 26 637 euros por ano? Então a quem se destina esta medida? Aos do costume, para quem mais ou menos 250 euros nada dirá.
Ok. Não se trata tanto de privilegiar as famílias mais carenciadas mas de incitar ao consumo de certos produtos. Como por exemplo, a cultura, o livro, as revistas, os espectáculos, o cinema, o teatro, a opera, o circo, a educação?
Não vi, em nenhuma das publicações lidas, qualquer referência a nada disto. Apenas a hotéis, carros, cabeleireiros, refeições, produtos de beleza, e quejandos. Em suma: as preocupações dos nossos governantes!
Depois dizem que é para combater a economia paralela. Essa também tem graça. Cafés e restaurantes são economia paralela? Hotéis, carros, cabeleireiros, produtos de beleza são economia paralela?
Enfim, mais uma lei perfeitamente à medida de quem a engendra.
Esperemos pela sua implementação definitiva para ver como será na realidade. Mas tudo me leva a crer que seja apenas uma nova forma de cobrar impostos sobre os mesmos, e de “auxiliar” quem não precisa.

domingo, julho 08, 2012

AMÁLIA (2)


UMA NOITE EM CASA DE AMÁLIA (2)
Em 1968, por iniciativa de David Mourão Ferreira, a Valentim de Carvalho gravou uma noite histórica em casa de Amália, que reuniu, além da cantora, Vinicius de Moraes, Natália Correia, Ary dos Santos, Maluda, Alain Oulman e o próprio David Mourão Ferreira. Vinicius ia partir para Roma e depois o Brasil, Oulman ia exilar-se em Paris, e esses eram os pretextos para uma noite poética e musical, como tantas outras, mas esta registada em banda sonora para futura reprodução.
Filipe La Féria agarra neste acontecimento e resolve conceber um espectáculo com base nele. Uma boa ideia, que resulta em duas horas por onde perpassam mais de trinta canções, que vão do fado ao samba, passando por temas espanhóis e franceses, incluindo o “Summertime”, evocados pelas vozes de quase todos os intervenientes. E onde se recordam não só as personalidades presentes nessa noite, como a época então vivida em Portugal, em pleno marcelismo, com guerra, censura e polícia politica, perseguições e medo.
Pela reacção do público pagante (não o da estreia, mas o de uma vulgar “soirée”) que saiu visivelmente satisfeito no final do evento, tudo indica que La Féria acertou na “mouche”, o que bem precisa, pois a situação do teatro em Portugal, nestes anos negros de penúria, é péssima, e a disposição do cidadão não é melhor, e uma evocação de algumas glórias nacionais, com muitas canções à mistura, sempre ajuda a levantar o moral.
Não existe o que se possa chamar uma história, dramaticamente a estrutura é muito linear, o que conta é o encontro desses escritores, poetas, músicos, pintores e cantores, e as conversas que entre eles se estabelecem, e que permitem dar entrada a temas musicais. Mas julgo que haveria alguns aspectos a melhorar no seu conjunto. Penso que o cenário é demasiado vasto para criar o tipo de intimidade que a reunião requeria e julgo que a iluminação, excessiva quase sempre, também impede essa cumplicidade. De resto, o clima dramático sobe quando se encontram em cena apenas duas personagens, caso de Oulman e Amália, ou de Amália e Maluda, mesmo quando surge o militar que se apresta a partir para África e se vem despedir da sua quimérica paixão e entregar-lhe um ramo de rosas vermelhas.
Quanto ao elenco, onde se nota algum desequilíbrio, conta com uma boa presença de Vanessa Silva, na figura de Amália, o que para ela, fisicamente tão distante do modelo, constituiu um enorme desafio, que suporta com grande dignidade, quer a cantar, quer a recuperar alguns dos traços e gestos da fadista. Marcos de Góis (Vinicius), Paula Fonseca (Natália), Ricardo Castro (Ary), Hugo Rendas (Oulman), Nuno Guerreiro (David), Cláudia Soares (Maluda), Rui Andrade (militar), Rosa Areia (Casimira) e Pedro Martinho (Hugo Ribeiro) compõem o grupo de convidados, a empregada de Amália e o engenheiro de som. Apetece-me destacar Hugo Rendas, contido e frágil, como se impunha, e Rosa Areias e Pedro Martinho que, com curtas aparições, marcam as cenas. Também Rui Andrade consegue um bom momento com a sua passagem por cena. Já a escolha do brasileiro Marcos de Góis me parece a menos acertada para o papel.
“Uma Noite em Casa de Amália” cozinhado com os sabidos temperos de La Féria, apesar da crise geral, que também aqui se nota, prepara-se, todavia, para ser um grande sucesso de público. Trata-se efectivamente de um espectáculo popular, que não agride a inteligência nem a sensibilidade do espectador, e que, para lá de recordar grandes sucessos musicais, nos relembra parte da nossa história recente. O que faz pensar.

AMÁLIA (1)


 UMA TARDE EM CASA DE AMÁLIA (1)
Foi entre 1985 e 1986 que filmei uma série de 16 documentários, para a RTP, a que dei o nome de “A Paródia” (em honra de Rafael Bordalo Pinheiro), e dedicados aos grandes nomes da comédia portuguesa doa anos 30 a 50 do século XX. A série tem passado, depois da sua estreia, com alguma regularidade em vários canais da RTP, 1 e 2, agora na RTP – Memória.
Para recordar muitos desses monstros sagrados da representação teatral e cinematográfica, entrevistei dezenas de colegas, amigos, companheiros de percurso, familiares. Sobre alguns deles, entrevistei Amália, precisamente na sua casa, na rua de São Bento, 193.
Fui eu que pessoalmente lhe telefonei a marcar uma entrevista, fui eu que me desloquei a casa dela para lhe explicar o propósito da entrevista e acertar pormenores. Calculava encontrar uma Amália desconfiada e furtiva. Fui recebido por uma das suas colaboradoras, que me conduziu ao longo de uma escadaria de pedra, ladeada por belos azulejos azuis, e me introduziu no salão onde eu sabia que, em muitas noites, Amália recebia os seus amigos em tertúlias animadas que se prolongavam até de madrugada.
Confesso que me sentia inquieto. Amália tinha fama de ser uma óptima companhia para amigos, mas estar perante a perspectiva eminente de me cruzar pela primeira vez com a diva que eu admirava desde miúdo me desorientava.
Amália surgiu daí a pouco, apertou-me a mão e atirou num ápice:
-Parece que você fez um filme muito bonito…
-Muito obrigado. A Amália viu?
-Disseram-me, e tenho confiança em quem me disse…
O desconforto foi ainda maior. Amália estava lindíssima. As suas palavras confundiam-me.
Continuou:
-Lembro-me de que escreveu sobre mim, num filme que interpretei, “As Ilhas Encantadas”, e parece que gostou de me ver… sem eu cantar…
-Gostei muito, sim, e escrevi realmente. Mas gosto muito de a ouvir.
-Então diga lá o que quer de mim?
E eu desbobinei ao que ia: que estava a fazer vários documentários sobre actores portugueses de comédia, António Silva, Vasco Santana, Ribeirinho, Maria Matos, etc. e que gostava de recolher testemunhos de quem com eles tinha privado, o que era o caso de Amália, que até tinha contracenado com alguns, quer no teatro, quer no cinema.
Amália aceitou, combinámos datas e horas e no dia aprazado compareci com a minha pequena equipa, imagem, som, iluminação.
O mesmo percurso e a chegada ao mesmo salão. “A Dona Amália já vem”, avisaram-me.
Escolhi o local que me parecia mais conveniente para a filmar, ligeiramente do lado esquerdo da lareira, tendo por cima o retrato de Medina. Amália apareceu pouco depois, vinha lindíssima de novo, com uma blusa alaranjada, um enorme colar de ouro que lhe descia pelo peito, e uma saia de tons verdes escuros entrelaçando vários motivos.
-Onde é que você me quer?
Indiquei-lhe o cadeirão dourado que escolhera e já colocara no lugar onde previamente acertara as luzes, ela anuiu, os tons do seu trajar contrastavam como o azul dos azulejos que lhe ficavam por detrás. Amália ria-se com um sorriso bonito, fresco, genuíno, e começou a recordar tempos antigos, o Vasco Santana com quem jantara um dia e que deixara cair uma fatia de fiambre nas calças e lhe dissera “É o que se chama umas calças afiambradas!”, sorria, encolhia ambas as mãos entre as pernas, e sorria. Um sorriso bonito.
Este foi o meu fim de tarde em casa de Amália. Uma boa recordação que agora o espectáculo de Filipe La Féria me fez evocar com nostalgia.

sábado, julho 07, 2012

FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA 2012 (1)


 O MERCADOR DE VENEZA
de William SHAKESPEARE
Encenação de Ricardo PAIS
Muito interessante a versão de Ricardo Pais de “O Mercador de Veneza”, de William Shakespeare, espectáculo recriado em Almada, na abertura do seu 29º Festival, com base num outro, estreado em 2008, no Teatro Nacional São João no Porto. Plasticamente é um trabalho magnifico, sumptuoso na sua austeridade, todo ele passado num palco quase nu, com um chão que relembra um estilizado tabuleiro de xadrez, uma parede de fundo que por vezes se rasga para dar passagem à luz e a algumas figuras, e um jogo de cordas caídas do tecto que funcionam quase como um labirinto, por vezes musical. De resto, o que brilha é o guarda-roupa de Bernardo Monteiro, o jogo de luzes de Francisco Leal, e, sobretudo, o trabalho de actores, com dois notáveis protagonistas, Albano Jerónimo e João Reis, bem secundados por quase todo o restante elenco, Sara Carinhas, Pedro Penim, Lígia Roque, Pedro Frias, Ivo Alexandre, Maria João Pinho, André Gomes, André Albuquerque, Daniel Fialho, Eduardo Breda e João Farraia Pedro Manana.
A peça cruza o drama e a comédia, é violentamente anti-semita, imolando em cena um judeu avaro e ganancioso, que acaba vítima da sua mesquinhez, tal como era uso e costume no tempo de Shakespeare (1564-1616), e se voltou a tornar moda neste período anti-Israel. O trabalho de encenação de Ricardo Pais tem aspectos muito estimulantes, sobretudo na forma como entrelaça os universos de uma Veneza mercantil e pré-capitalista e de uma Belmonte quase bucólica, mas muito mais aparente que real. Há como que a introdução de um flashback que recorda do segundo acto situações do primeiro e, na globalidade, o efeito é inteligente, eficaz e extremamente sedutor, na sua delicadeza e significado.
Claro que o aspecto mais oportuno desta revisitação actual de “O Mercador de Veneza” é constituir uma curiosa reflexão sobre o poder e o dinheiro, as religiões (aqui a dualidade cristãos-judeus), a diferenciação de classes, mas particularmente sobre uma realidade bem actual (desde esse tempo): a finança a procurar multiplicar-se, não pelo trabalho, mas pela usura e a agiotagem. 
Encenação de Ricardo Pais; Tradução Daniel Jonas; Versão livre de Ricardo Pais e Daniel Jonas; Cenografia Pedro Tudela; Figurinos Bernardo Monteiro; Música Vitor Rua; Desenho de som Francisco Leal; Desenho de luz Nuno Meira; Assistente de encenação Manuel Tur; Voz e elocução João Henriques; Intérpretes Albano Jerónimo, João Reis, Sara Carinhas, Pedro Penim, Lígia Roque, Pedro Frias, Ivo Alexandre, Maria João Pinho, André Gomes, André Albuquerque, Daniel Fialho, Eduardo Breda e João Farraia Pedro Manana. Repõe no Teatro Municipal de Almada no início da próxima temporada.

domingo, julho 01, 2012

INVICTA FILMES: NOVA TEMPORADA 2012


HOMENAGEM AO ACTOR
CLINT EASTWOOD / HUMPHREY BOGART
BETTE DAVIS / JOAN CRAWFORD
ERROL FLYNN / JOHNNY WEISSMULLER

No Auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, numa organização da Câmara Municipal do Porto, com direcção do realizador e crítico de cinema Lauro António, iniciou-se no passado dia 26 de Junho a III temporada de “Invicta Filmes”, uma iniciativa que pretende oferecer ao público do Porto a oportunidade de ver, ou rever, alguns grandes clássicos da história do cinema. Este ano a “Invicta Filmes” vai dedicar a sua programação ao “Actor”, projectando vários ciclos, de colaboração com a Warner Bros. Poderão ser vistas obras de Clint Eastwood (Harry, o Detective em Acção, de Ted Post, O Implacável, de James Fargo, Harry, Impacto Súbito, de Clint Eastwood, Na Lista do Assassino, de Buddy Van Horn, A Última Canção, Um Mundo Perfeito e Caçador Branco, Coração Negro, todos de Clint Eastwood) de Johnny Weissmuller/ Tarzan (Tarzan, O Homem Macaco, de W.S. Van Dyke, Tarzan e a Companheira, de Cedric Gibbons e Jack Conway, A Fuga de Tarzan, Tarzan Encontra um Filho e O Tesouro Secreto de Tarzan, todos de Richard Thorpe) de Errol Flynn (Todos Morreram Calçados, de Raoul Walsh, Capitão Blood, Gavião dos Mares e Feridas de Guerra, todos de Michael Curtiz) de Bette Davis e Joan Crawford (Isabel de Inglaterra, de Michael Curtiz, Loucura de Amor, de Curtis Bernhardt, A Estranha Passageira, de Irving Rapper, A Vaidosa, de Vincent Sherman, Fascinação, de Jean Negulesco e Que Teria Acontecido a Baby Jane?, de Robert Aldrich) e finalmente do imortal Humphrey Bogart (Casablanca, de Michael Curtiz, Prisioneiro do Passado, de Delmer Daves, O Tesouro de Sierra Madre, de John Huston, Vidas Nocturnas (Paixão Cega), de Raoul Walsh, O Último Refúgio, de Raoul Walsh, Paixões em Fúria, de John Huston e  À Beira do Abismo, de  Howard Hawks).
Todas as sessões são de entrada livre, e iniciam-se às 18, 30 horas. 
 
CICLO CLINT EASTWOOD

26.06.2012
HARRY, O DETECTIVE EM ACÇÃO / Magnum Force / Ted Post /1973 / 124’

27.06
O IMPLACÁVEL / The Enforcer / James Fargo / 1976 / 96’

03.07
HARRY, IMPACTO SÚBITO /Sudden Impact / Clint Eastwood / 1983 / 117’
 Com apresentação de Lauro António

11.07
NA LISTA DO ASSASSINO / The Dead Pool / Buddy Van Horn / 1988 / 91’

12.07
A ÚLTIMA CANÇÃO / Honkytonk Man / Clint Eastwood / 1982 / 122’

17.07
UM MUNDO PERFEITO / A Perfect World / Clint Eastwood / 1993 / 138’

18.07
CAÇADOR BRANCO, CORAÇÃO NEGRO / White Hunter, Black Heat / 
Clint Eastwood / 1990 / 112’

 CICLO TARZAN / JOHNNY WEISSMULLER

25.07
TARZAN, O HOMEM MACACO / Tarzan the Ape Man / W.S. Van Dyke´/ 1932 / 100’

26.07
TARZAN E A COMPANHEIRA / Tarzan and His Mate / Cedric Gibbons e Jack Conway  / 1934 / 104’

01.08
A FUGA DE TARZAN / Tarzan Escapes / Richard Thorpe / 1936 / 89’

02.08
TARZAN ENCONTRA UM FILHO / Tarzan Finds a Son! / Richard Thorpe  / 1939 / 82’

08.08
O TESOURO SECRETO DE TARZAN / Tarzan’s Secret Treasure / 
Richard Thorpe / 1941 / 81’

 CICLO ERROL FLYNN

09.08
CAPITÃO BLOOD / Captain Blood / Michael Curtiz / 1935 / 119’
Com apresentação de Lauro António 

16.08
GAVIÃO DOS MARES / The Sea Hawk / Michael Curtiz / 1940 / 127’

22.08
TODOS MORRERAM CALÇADOS / They Died with They Boots On / Raoul Walsh / 1941 / 140’

28.08
         FERIDAS DE GUERRA / Dive Bomber / Michael Curtiz / 1941 / 132’

 CICLO BETTE DAVIS / JOAN CRAWFORD

29.08
ISABEL DE INGLATERRA / The Private Lifes of Elizabeth and Essex /
Michael Curtiz / 1939 / 106’ (2)
Com apresentação de Lauro António 
05.09
         LOUCURA DE AMOR / Possessed / Curtis Bernhardt / 1947 / 108’
19.09
A ESTRANHA PASSAGEIRA / Now, Voyager / Irving Rapper         / 1942 / 117’
25.09
         A VAIDOSA / Mr. Skeffington / Vincent Sherman / 1944 / 145’
03.10
FASCINAÇÃO / Humoresque / Jean Negulesco / 1946 / 125’
08.10
QUE TERIA ACONTECIDO A BABY JANE? / What ever Happened to Baby Jane /
Robert Aldrich / 1962 / 135’

 CICLO HUMPHREY BOGART

22.10
CASABLANCA / Michael Curtiz / 1942 / 102’
Com apresentação de Lauro António 

29.10
PRISIONEIRO DO PASSADO / Dark Passage / Delmer Daves / 1947 / 106’

13.11
O TESOURO DE SIERRA MADRE / The Treasure of Sierra Madre / John Huston / 1948 / 126’

14.11
VIDAS NOCTURNAS  (PAIXÃO CEGA) / They Drive by Night / Raoul Walsh / 1940 / 97’

22.11
O ÚLTIMO REFÚGIO / High Sierra / Raoul Walsh / 1941 / 100’

29.11
PAIXÕES EM FÚRIA / Key Largo / John Huston / 1948 / 100’

05.12
À BEIRA DO ABISMO / The Big Sleep / Howard Hawks / 1946 / 114’

(1) Titulo português / Título original / Realizador /Ano de produção / Duração
(2) Este filme termina o Ciclo Errol Flynn e inicia o de Bette Davis.