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sábado, julho 06, 2013

A ÚLTIMA ENCENAÇÃO DE JOAQUIM BENITE


TIMÃO DE ATENAS


"Timão de Atenas" foi o último espectáculo encenado pelo Joaquim Benite", para a sua Companhia de Teatro de Almada (CTA), onde estreou duas semanas depois da sua morte. A seu lado esteve sempre Rodrigo Francisco que aprendeu com ele, o ajudou no que pode e ocupou o seu lugar posteriormente à frente da companhia e do seu célebre Festival de Teatro, cuja 30ª edição, a primeira sem Benite, se inaugurou no passado dia 4 de Julho.
A peça regressou em Junho ao palco do Teatro Nacional D. Maria II. Só nessa altura a fui ver, pois custou-me ir a Almada, sem Benite. Fomos companheiros de lides durante anos, no “Diário de Lisboa”, ele como crítico de teatro, eu de cinema, e acompanhei com amizade e estima o seu percurso. Sei que o mesmo aconteceu com ele em relação a mim. Por vezes podíamos estar anos sem nos vermos, mas a amizade era real e durável. Acompanhei a sua luta contra a doença e admirei a sua tenacidade, a sua persistência no seu amor ao teatro. No último Festival de Almada seguiu as representações e foi orientando o certame numa cadeira de rodas, nunca abandonando o cigarro que, vá-se lá saber se o consumia ou não, mas lhe dava um evidente prazer.
Escrita no início do século XVII, "Timão de Atenas" parece ter uma autoria polémica. Há quem afirme que se trata de uma obra escrita a quatro mãos, por Shakespeare e pelo poeta e dramaturgo seu contemporâneo Thomas Middleton (1580–1627). Nunca representada anteriormente em Portuga, já havia sido encenada por Joaquim Benite, em 2008, para uma apresentação no Festival de Teatro de Mérida, mas numa versão diferente da actual. Esta é mais económica em meios, mais atenta se possível ao texto e à sua importância crítica.
Benite era um apreciador compulsivo do grande teatro e dos textos eternos que ele respeitava escrupulosamente. A palavra tinha uma importância decisiva para ele. A encenação devia colocar-se ao seu serviço. À palavra e às ideias que a mesma desenvolve em palco. O texto de Shakespeare é rico e pertinaz na crítica: Timão é um grande senhor de Atenas que gosta de dispersar a sua fortuna entre amigos e necessitados. Por isso é bajulado e muito apreciado. Até ao dia em que se descobre falido, passando a eremita no deserto da sua solidão. Todos o abandonam, mas a vingança está para vir, quando descobre ouro debaixo de uma pedra que ocasionalmente levanta no seu percurso. E a roda da sorte volta ao inicio, mostrando que o vil metal amaldiçoa quem o detém, por muito que possa parecer que o ilumina.   
Com apenas um longo estrado em cena e meia dúzia de adereços, Joaquim Benite ergueu um espectáculo bastante interessante, a começar pela excelente tradução de Ivette Centeno, desenvolvida especialmente para esta encenação, cuja interpretação, infelizmente, é bastante desigual, destacando-se, todavia, Luís Vicente, Marques D"Arede, Paulo Matos, Ivo Alexandre e André Gomes, nos principais papéis.

“Timão de Atenas”, de William Shakespeare; Tradução Yvette K. Centeno; Cenário Jean-Guy Lecat; Figurinos Sónia Benite; Luz José Carlos Nascimento; Voz e elocução Luís Madureira; Movimento Jean-Paul Bucchieri; Consultoria musical Fernando Fontes; Intérpretes: Luís Vicente, Marques D"Arede, Paulo Matos, Ivo Alexandre, André Gomes, Alberto Quaresma, Manuel Mendonça, Miguel Martins, João Farraia, Pedro Walter, Celestino Silva, Ana Cris, Joana Francampos, Jeff de Oliveira.
A peça esteve em cena de 20 a 22 de Dezembro de 2012 e de 9 de Janeiro a 3 de Fevereiro de 2013, no Teatro Municipal de Almada, tendo sido reposta em Junho de 2013 no Teatro nacional D. Maria II, em Lisboa.

O trabalho de Joaquim Benite para esta peça deu ainda origem a um documentário da jornalista Catarina Neves, que será estreado durante o 30º Festival de Teatro de Almada. 

sábado, julho 07, 2012

FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA 2012 (1)


 O MERCADOR DE VENEZA
de William SHAKESPEARE
Encenação de Ricardo PAIS
Muito interessante a versão de Ricardo Pais de “O Mercador de Veneza”, de William Shakespeare, espectáculo recriado em Almada, na abertura do seu 29º Festival, com base num outro, estreado em 2008, no Teatro Nacional São João no Porto. Plasticamente é um trabalho magnifico, sumptuoso na sua austeridade, todo ele passado num palco quase nu, com um chão que relembra um estilizado tabuleiro de xadrez, uma parede de fundo que por vezes se rasga para dar passagem à luz e a algumas figuras, e um jogo de cordas caídas do tecto que funcionam quase como um labirinto, por vezes musical. De resto, o que brilha é o guarda-roupa de Bernardo Monteiro, o jogo de luzes de Francisco Leal, e, sobretudo, o trabalho de actores, com dois notáveis protagonistas, Albano Jerónimo e João Reis, bem secundados por quase todo o restante elenco, Sara Carinhas, Pedro Penim, Lígia Roque, Pedro Frias, Ivo Alexandre, Maria João Pinho, André Gomes, André Albuquerque, Daniel Fialho, Eduardo Breda e João Farraia Pedro Manana.
A peça cruza o drama e a comédia, é violentamente anti-semita, imolando em cena um judeu avaro e ganancioso, que acaba vítima da sua mesquinhez, tal como era uso e costume no tempo de Shakespeare (1564-1616), e se voltou a tornar moda neste período anti-Israel. O trabalho de encenação de Ricardo Pais tem aspectos muito estimulantes, sobretudo na forma como entrelaça os universos de uma Veneza mercantil e pré-capitalista e de uma Belmonte quase bucólica, mas muito mais aparente que real. Há como que a introdução de um flashback que recorda do segundo acto situações do primeiro e, na globalidade, o efeito é inteligente, eficaz e extremamente sedutor, na sua delicadeza e significado.
Claro que o aspecto mais oportuno desta revisitação actual de “O Mercador de Veneza” é constituir uma curiosa reflexão sobre o poder e o dinheiro, as religiões (aqui a dualidade cristãos-judeus), a diferenciação de classes, mas particularmente sobre uma realidade bem actual (desde esse tempo): a finança a procurar multiplicar-se, não pelo trabalho, mas pela usura e a agiotagem. 
Encenação de Ricardo Pais; Tradução Daniel Jonas; Versão livre de Ricardo Pais e Daniel Jonas; Cenografia Pedro Tudela; Figurinos Bernardo Monteiro; Música Vitor Rua; Desenho de som Francisco Leal; Desenho de luz Nuno Meira; Assistente de encenação Manuel Tur; Voz e elocução João Henriques; Intérpretes Albano Jerónimo, João Reis, Sara Carinhas, Pedro Penim, Lígia Roque, Pedro Frias, Ivo Alexandre, Maria João Pinho, André Gomes, André Albuquerque, Daniel Fialho, Eduardo Breda e João Farraia Pedro Manana. Repõe no Teatro Municipal de Almada no início da próxima temporada.