PASSEIO POR BRAGA,
COM ESCAPADA AO PORTO
Rápida viagem a Braga, a convite do “BragaCine”, para intervir num debate sobre “Cinema e Ecossistema” e ser “homenageado” com um “Prémio de Carreira - Manoel de Oliveira” (quando se começa a receber “prémios de carreira” é mau sinal!).
Braga estava soalheira e meiga de atmosfera. No Hotel do Elevador estava-se bem com a cidade aos pés, envolta em verdura outonal. Passear nas ruas solitárias depois da meia-noite, ou serpentear por entre pequenas multidões nas mesmas ruas de intenso comércio num sábado ao fim da tarde, são sensações que ficam na recordação. Como se recorda a permanência de Luís Pacheco e a leitura do seu “O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o Seu Esplendor” (1970).
Terra de igrejas belíssimas e soturnas, de padres e freiras, mas também cidade invadida por uma juventude ruidosa e heterodoxa, casas com história colectiva e janelas de olhares muito pessoais, largos e praças, avenidas com estátuas de pedra e bronze, o peso do passado, mas a presença ruidosa do presente a anunciar um futuro apenas imaginado.
Gostei de voltar a Braga, gostei de rever amigos, o Nicolau Breyner, o Joaquim de Almeida, alguns elementos ligados à organização, mas também de estimular novas estimas (o António Ferreira, que apresentou uma bela curta-metragem de ficção, “Deus Não Quis”; o Dominic Lees, de quem passou um muito interessante “Outlanders”; o galego Anxo Santomil, que fazia parte do Júri, e me lembrou com alguma nostalgia os tempos em que a “Manhã Submersa” passou pelos cinemas e cine-clubes da Galiza, despertando um vivo interesse e o calor de pessoas como a inesquecível Uxia Blanco).
Gostei de voltar a Braga e entrar no Theatro Circo pela mão amiga do Paulo Brandão, com quem privei na Casa das Artes de Famalicão, durante anos de Famafest, e agora vou encontrar a dirigir, com o seu gosto proverbial, esta fabulosa sala que percorri demoradamente e onde assisti a um bom Concerto da Orquestra Nacional do Porto. É bom sentir o abraço de alguém que estimamos e partirmos para um jantar de bacalhau à bracarense (que os há para todos os paladares!). Foi bom entrar no “Teatro Circo Café” e no “Praça Maior”, restaurantes que não devem nada à capital. Foi bom encontrar a Sara F. Costa, que eu não conhecia pessoalmente, e apalavrar Zhang Yimou no Café Viana, o café dessas belas arcadas de cinzento granítico.
Foi bom acordar, num sábado, às seis da manhã e tomar o pequeno almoço numa sala que nos olhava só a nós, beber um café e ver a paisagem, generosa no Minho, como o é generosa por esse Portugal fora. Foi bom entrar no santuário e admirar o fabuloso altar-mor em escultura e alto-relevo, banhado por uma quente luz dourada.
Foi bom sair de Braga, com a Eduarda, levados pelo Zé e a Bárbara (que têm 18 anos, ajudam na organização, e se amam!), que nos deixaram em Serralves, ali para os lados da Boavista, bem no centro cultural do Porto, para ir visitar a Exposição de um americano que de todo desconhecia. Robert Rauschenberg apresentou aqui a sua primeira grande exposição em Portugal. Desconcertante. Papelão resgatado de caixas e caixas, desperdícios vários, lixo, objectos em ruína, tecidos, pouco mais. A recuperação do inútil, numa sociedade a avançar para o consumismo desenfreado. Não sei se gostei ou não. Nem interessa esse facto: é um momento da arte moderna, uma etapa, um “travelling ‘70-‘76” que reúne sessenta e cinco trabalhos produzidos pelo artista.
Depois, um almoço em Serralves é sempre um momento de relaxe, mesmo que o ruído dos utilizadores do refeitório seja grande. Valeu a fuga para a esplanada, com a câmara da RTPN a captar as nossas opiniões sobre os livros de Woody Allen e Julian Barnes. Sugeri (e foi aceite) o cenário para as filmagens, uma cadeira simples com os matizados de verdes da paisagem do jardim por detrás. Um Outono perfeito, já o disse.
Passámos ainda pela Fnac da Rua de Santa Catarina (mais dois dvds e um livro!) e pela esplanada do Magestic, local de romagem imprescindível para sermos “roubados” por um café ao preço de um euro e noventa. Mas é um “roubo” em que oferecemos a carteira à marosca - por entre os ouros e os espelhos, rodeados de turistas palavrosos, num cálido por de sol, com o cheiro das castanhas assadas a esvoaçar por perto (oferecidas pela Vodafone a filas intermináveis de portuenses).
Gosto do Norte e tenho saudades dos dias passados no Porto. Tenho saudades dos meus alunos. Saudades aplacadas minimamente por um telefonema do Zé Magano, do João Leal, da Cristiana Maravilhas, do Samuel Reis e de outros mais alunos que deixei por lá e que queriam saber a opinião do professor sobre o filme que acabaram de terminar em produção TCAV. A opinião já lha dei. Foi bom o telefonema, o filme, a lembrança. Gosto do Porto, da luz, das casas, das gentes. Das manhãs e das tardes nas salas de aula, das semanas do Fantasporto, das noites, do comboio (ou do carro) galgando trezentos quilómetros para cima e para baixo todas as semanas. Gosto do Minho, de Famalicão onde anualmente regresso, de Viana que não esqueço, das férias em Moledo e Caminha, das tentações da Póvoa e de Espinho (que não fica no Minho, mas dá jeito incluir aqui!), das curtas-metragens em Vila do Conde. Gosto das pessoas, gosto do ar, gosto do cheiro, gosto do que ali já vivi e do que ali vou viver.