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quarta-feira, julho 22, 2009

CINEMA: A ONDA

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A ONDA
Alemanha, actualidade: um professor resolve escolher para projecto final das suas aulas de fim de curso, uma semana de prática sobre o totalitarismo. A ideia é mostrar que uma ditadura pode nascer em qualquer país, em qualquer momento. Nada nos defende da manipulação e do histerismo colectivo, se não estivermos atentos à realidade. E mesmo assim… a demagogia pode muito. Primeira lição a extrair: destruir os valores da democracia, apontar os políticos democráticos como corruptos, agitar o espectro do pessimismo nacional, propalar a desconfiança, anular toda a forma de analisar os problemas friamente e com conhecimento de causa, jogar no slogan, na repetição de estereótipos. Manifestações consecutivas a propagarem mais do mesmo. Depois, aparece o “leader” iluminado que anuncia duas ou três medidas salvadoras, disciplina, um chefe, uma designação, a carneirada toda vestida com uniforme (camisa branca e jeans, neste caso), uma identificação comum (por exemplo, a saudação da onda), e logo surgem às dezenas, às centenas, aos milhares, os que gostam de ser conduzidos com pulso forte, e logo aparecem os que pretendem defender o chefe (os guardas-costas), e logo surgem os seguranças, os denunciantes, os que se investem de uma autoridade que nunca tiveram e que lhes quadra bem. Os que não pensam da mesma maneira são acusados, perseguidos, escorraçados, presos, se necessário aniquilados. A lição está aprendida, não sem antes ser atravessada pela tragédia – há sempre aqueles que se sentem atraiçoados quando a sua loucura é descoberta e se sentem órfãos de projectos tão “grandiosos”.
Esta a linha de narração de “Die Welle”, de Dennis Gansel, com argumento deste último e de Peter Thorwarth, segundo romance de Todd Strasser, que por sua vez partia de uma experiência real, vivida em 1967, por um professor norte americano, Ron Jones, que a descreveu num artigo (“The Third Wave”), depois adaptado a telefilme, pelo canal ABC, em 1981, por Johnny Dawkins e Ron Birnbach, com realização de Alexander Grasshoff (“The Wave”). O mesmo tema ainda se pode encontrar igualmente tratado em “The Wave”, um romance de Rhue Morton. Recuemos até à década de 60. “A Terceira Onda” foi uma curiosa experiência levada a cabo por Ron Jones, professor de História Contemporânea, no “Cubberley High School”, na Califórnia, na qual procurava dar resposta aos seus alunos que achavam impossível que um país como a Alemanha tivesse aderido a uma aventura louca e assassina como foi o III Reich e o nazismo. Os alunos não acreditavam que fosse possível manipular as pessoas desta forma, até elas perderem a noção do que faziam. Ou então, como muitos responsáveis pelos mais bárbaros actos se desculpavam, explicando que “apenas cumpriam ordens superiores”. Como era possível uma delirante ideologia como a nazi passar por algo saudável? Como era possível conceber a ideia de exterminar raças, como os judeus (e levá-la avante, com o apoio de milhões de pessoas)?
Tudo poderia parecer fácil de explicar aos alunos, mas a verdade foi completamente diferente. Estes aderiram ao projecto, “The Third Wave”, de forma entusiástica, ampliaram a sua massa de adeptos (com alunos de outros projectos), transformaram esta “A Terceira Onda” num acontecimento, aceitando como boa a dimanação do poder do chefe que se autoproclamava, a disciplina imposta na sala de aula (“o poder através da disciplina”), as ordens recebidas e a fazer cumprir, a uniformização de vestuário (e de ideias), as insígnias, o cumprimento pessoal e colectivo, os discursos demagógicos e inflamados, o tratamento por Senhor Jones, e tudo o que decorreu da experiência. Quando se pensava que facilmente se iria explicar os erros e os vícios do totalitarismo, este estava implantado e aceite. Ron Jones terá igualmente sido influenciado pelo êxito da iniciativa, por aquela disciplina que via nascer à sua frente, pela forma habilidosa como conduzia os alunos, pelo respeito que impunha, pelo poder que detinha e dia a dia ia aumentando. Foi assim que uma semana alterou por completo a vida de uma comunidade escolar, e ameaçava estender-se às famílias e à cidade. Até que alguns alunos começaram a questionar a experiência, a sentir o efeito da perca da liberdade, a sublinhar o perigo da demagogia, a descobrir por detrás desta mansa onda que alastrava a inquieta vaga de fundo que poderia pôr em causa a democracia e instituir uma ditadura, fosse ela de que sentido, e em nome de que valores. Nessa altura Ron Jones pensou que tinha de terminar este projecto, marcou uma reunião com todo o grupo, e explicou como o nazismo foi possível, como outros nazismos, ou outras ditaduras (de sinal idêntico ou de sinal contrário) eram imagináveis, se o cidadão não estivesse alerta para alguns sintomas da sociedade, sobretudo quando milhares de pessoas, cegas pelas palavras e o espectáculo envolvente, aceitavam um ditador, sem se questionarem, sem reflectirem. Hitler e o nazismo apareceram assim na Alemanha. Outras ditaduras tiveram idêntica gestação, muitas outras podem germinar de igual forma. Ainda por cima numa época cada vez mais fascinante em certos aspectos, mas igualmente mais massificada, pela globalização, pelas modas, pela influência generalizada dos media, pelo controle do poder cada vez mais poderoso e invisível.
No filme de Dennis Gansel, o professor muda de nome, chama-se aí Rainer Wenger, “Herr Wenger”, a experiência troca de país, o projecto ganha alguma dramaticidade, sobretudo para o final, que termina previsivelmente em tragédia, mas no fundo cinge-se fundamentalmente à experiência real que lhe está na base. Apesar dos bons desempenhos dos principais intérpretes (professor e alunos), e de uma narrativa sóbria e eficaz, apesar da competência técnica de toda a equipa, “Die Welle” mostra a renovação do actual cinema alemão, sem todavia ofuscar pelo brilho. É um filme particularmente interessante, que mobiliza atenções, que desperta polémicas, que coloca em questão não só o problema da emergência das ditaduras, da fragilidade da democracia, da manipulação das massas, como também o papel da escola e do professor, na formação do cidadão.

A ONDA
Título original: Die Welle
Realização: Dennis Gansel (Alemanha, 2008); Argumento: Dennis Gansel, Peter Thorwarth, segundo romance de Todd Strasser; Produção: Christian Becker, Nina Maag, Martin Moszkowicz, Peter Schiller; Música: Heiko Maile; Fotografia (cor): Torsten Breuer; Montagem: Ueli Christen; Casting: Franziska Aigner-Kuhn, Uwe Bünker; Design de produção: Knut Loewe; Direcção artística: Petra Ringleb; Decoração: Tilman Lasch; Guarda-roupa: Ivana Milos; Maquilhagem: Irina Tübbecke-Bechem; Direcção de Produção: Natalie Clausen, Ulrike Fauth; Assistentes de realização: Hendrik Holler, Matthias Nerlich; Departamento de arte: Philipp Hübner; Som: Stephan Fandrych, Dana Hopfe, Alexander Saal; Efeitos especiais: Michael Apling, Ronny Klost; Efeitos visuais: Abraham Schneider; Companhias de produção: Rat Pack Filmproduktion GmbH, Constantin Film Produktion.; Intérpretes: Jürgen Vogel (Rainer Wenger), Frederick Lau (Tim Stoltefuss), Max Riemelt (Marco), Jennifer Ulrich (Karo), Christiane Paul (Anke Wenger), Jacob Matschenz (Dennis), Cristina do Rego (Lisa), Elyas M'Barek (Sinan), Maximilian Vollmar, Max Mauff, Ferdinand Schmidt-Modrow, Tim Oliver Schultz, Amelie Kiefer, Fabian Preger, Odine Johne, Tino Mewes, Karoline Teska, Marco Bretscher-Coschignano, Lennard Bertzbach, Thommy Schwimmer, Joseph M'Barek, Jaime Ferkic, Darvin Schmidt, Leander Hagen, Lucas Hardt, Maxwell Richter, Sophie Kurzke, Liv Lisa Fries, Lena Lutz, Hendrik Holler, Ilo Gansel, Natascha Paulick, Maren Kroymann, Teresa Harder, Thomas Sarbacher, Hubert Mulzer, Gerald Alexander Held, Johanna Gastdorf, Friederike Wagner, Dennis Gansel, Ron Jones, etc.
Duração: 107 minutos; Distribuição em Portugal: Ecofilmes/Vitória Filme; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 8 de Janeiro de 2009.

quarta-feira, novembro 19, 2008

6 MESES DE DITADURA


O TRIUNFO DA VONTADE

(depois de seis meses de ditadura)

Já sabíamos que tínhamos alguns nostálgicos de um Estado “musculado” ou mesmo de uma “ditadura paternalista” (os salazaristas de antanho), já sabíamos que no Parlamento havia adeptos de “democracias populares”, que preconizaram durante décadas a “ditadura do proletariado”, já sabíamos que havia franjas de maoistas e mesmo saudosos de Enver Hoxha e outros que tais. Soubemos agora que, para a líder do PDS, Manuela Ferreira Leite, nada melhor do que o país colocar de lado a democracia “durante seis meses” e ser governado em ditadura. Nada mau. São estes os “heróis” que conduzem as bandeiras dos professores nas manifestações das 120.000 alminhas a descer as avenidas.
Nunca me senti tão mal neste País de anedota. Nem no tempo da ditadura (nesse tempo, eu julgava que a ditadura era temida, mas odiada pela maioria). Eu não pertenço a esta gentinha! Não sei onde pára a decência. E se fechassem para obras? Sobretudo se fechassem as bocas, se não sabem o que hão de dizer!

PS: Socrates: já sei por que alguns lhe querem tão mal. É muito brando! Devia pedir no mínimo um ano de ditadura, "para pôr a casa em ordem".
Adenda: lido (com proveito) no Hoje há Conquilhas:
PS,2
Alguém que diz rigorosamente o que eu também penso:

quinta-feira, maio 22, 2008

Cinema: Cartas a uma Ditadura

CARTAS A UMA DITADURA
“Cartas a uma Ditadura”, novo filme de Inês de Medeiros, é uma obra documental com interesse óbvio, mas que fica um pouco aquém do documento que poderia ter sido, sobretudo pela forma como manipula o material iconográfico colocado à sua disposição.
A ideia de base é curiosa. Vejamos então do que trata. Aqui há tempos, foi encontrada, num alfarrabista, uma caixa de cartão contendo cerca de uma centena de cartas, escritas por mulheres portuguesas em 1958, respondendo, ao que tudo leva a crer, a uma circular enviada por um desconhecido “Movimento Nacional das Mulheres Portuguesas”, o qual procurava angariar apoio feminino para Salazar e o Estado Novo, que passara recentemente por uma provação difícil, durante a campanha eleitoral para as eleições presidenciais que opusera o general Humberto Delgado ao almirante Américo Thomaz. Não se encontrou até hoje referência alguma a este “movimento”, nem à circular a que respondem as cartas, e o alfarrabista desfez-se delas pensando que eram missivas amorosas sem outro interesse especial.
Mas eram cartas de mulheres dirigidas a um ditador, umas apoiavam Salazar, e prometiam toda a ajuda, outras diziam que sim, mas que estavam muito ocupadas com a lide da casa e da família. Todas elogiavam a paz, a ordem, e enalteciam a figura do "salvador da pátria". Segundo apuraram os responsáveis pelo filme, assinavam as cartas uma costureira, muitas professoras primárias, algumas donas de casa e também várias mulheres de importantes nomes do regime.
Algumas, cinquenta anos depois, ainda vivem e foram confrontadas com as palavras que então escreverem. Umas recordam-se, outras já nem sabem o que disseram. O olhar da realizadora não é, justificadamente, de recriminação perante a acareação, o que é bonito. Todas são tratadas com dignidade e muitas com algum carinho que a idade impõe. Quase todas sabem muito pouco do que quer que seja ou fazem-se passar por isso, por ignorantes que nem distinguem a democracia da ditadura. Uma ou outra assume que não gosta desta “democracia” (o que é mais um voto na democracia que lhe permite dizer isso, ao contrário da ditadura que apoiou!), uma olimpicamente afirma-se salazarista, a maioria não sabe, não viu, desconhece. Uma diz-se mais ou menos enganada pela ditadura.
Estes eram os tempos (1958), estes continuam a ser os tempos (2008), para quem sobreviveu à História. Interessante esta viagem pelo passado, por entre névoas que nos vão permitindo vislumbrar, por detrás das nuvens, o medo, a desinformação, a solidão, o sofrimento, o alheamento. Os planos rodados na actualidade são como postais de um passado agora colorizados, por entre cenários sombrios e românticos, velhos reposteiros, vasos de flores, cadeirões antigos e olhares mortiços. Inês Medeiros consegue um enquadramento condigno, sem nunca ultrapassar a fotografia de uma memória magoada. Cada plano assemelha-se a uma fotografia de álbum antigo.
Muito mais discutível é todo o aproveitamento de algumas imagens de arquivo da RTP e de cinema, sem estarem enquadradas e sem sequer ser referido o momento histórico a que se reportam, o que torna o filme uma argamassa insignificante (ou com um significado distorcido) da realidade histórica. As imagens do Estádio Nacional, apinhado de gente, transbordante de bandeiras e estandartes, as das grandes manifestações de apoio a Salazar, mesmo as da eleição de Humberto Delgado (as únicas vagamente contextualizadas) acabam por não ter uma leitura coerente e impedem a compreensão final da obra.
De resto, mesmo para quem as saiba enquadrar historicamente, não deixam de ser perturbantes: as ruas tão depressa estão pejadas de povo a orar á Senhora da Saúde como a saudar Salazar, como a acompanhar euforicamente Humberto Delgado, tudo com tempos ridículos de intervalo. O povo parece ir para onde vai a festa, parece ser a conclusão a extrair, entendendo-se por festa o que é diferente, o que quebra a rotina. Sem nenhuma consciência crítica, sem uma finalidade ou uma orientação esclarecida.