








O Bom (que não é "bom")...
e o Vilão (que é gay).
O COMBOIO DAS 3 E 10
Por que será que, sempre que aparece uma nova revoada de westerns, há umas quantas almas penadas que resolvem dizer que o western está morto e enterrado, mas… este estertor, etc e tal. Nada de mais errado. O western não morre, porque o western é grande parte da história dos EUA. Pode andar uns anos adormecido, pode emigrar para outras bandas (isto é, outros géneros. O que é grande parte do cinema de ficção-cientifica do que westerns nas galácticas?). De resto, nada morre, tudo se transforma. Um dos períodos de maior criatividade no western (os anos 50 e 60) já foi visto como agonia do género. Os mitos são eternos, renovam-se, adaptam-se aos novos tempos, são olhados por prismas diferentes, mas não desaparecem.
Depois de “Jesse James”, eis “O Comboio das 3 e 10”, um clássico de Delmer Daves, rodado em 1957, segundo um conto de Elmore Leonard, adaptado por Halsted Welles. 50 anos depois, o preto e branco deu lugar a uma cor macerada e dorida, por entre duros azuis e uma vasta paleta de ocres e castanhos; a limpidez das personagens de Glenn Ford e Van Heflin dão origem a conturbadas e complexas figuras vividas por Russell Crowe (Ben Wade) e Christian Bale (Dan Evans), e até o esquivo Charlie Prince (Richard Jaeckel) da década de 50 dá origem a um assumidíssimo gay (magnificamente interpretado por Ben Foster) nesta versão de James Mangold. Aliás, western sem gay, hoje em dia não é western. Digamos que a revisão crítica do western se está a processar nesse registo, ultrapassando mais um tabu que vigorou até há pouco.
A pequena história de Elmore Leonard conta-se rapidamente e não é na intriga que vai buscar a sua principal fonte de interesse. Dan Evans (Christian Bale) perdeu uma perna na Guerra da Secessão, e instalou-se num rancho no Arizona, onde vê a sua terra cobiçada por um latifundiário interessado na especulação que o caminho-de-ferro vai trazer. Por isso faz a vida negra a Dan, que tem mulher e dois filhos e não quer fazer má figura perante eles.
Para lá da ameaça das milícias civis do vizinho que lhes incendeiam o estábulo, Dan Evans tem ainda outras preocupações (menores, diga-se de passagem!): os índios que habitam por perto e o gang de Ben Wade (Russell Crowe), um fora da lei que gosta de assaltar diligências, bancos e demais símbolos do poder económico e político. Nesse aspecto, Wade é mais do que um fora-da-lei, é um provocador nato.
Dir-se-ia, no entanto, que Dan e Ben tinham mais razões para se associarem contra inimigos comuns do que para se oporem. Ambos, aliás, percebem isso, mas o destino leva-os por outros caminhos. Divergentes. Para ganhar 200 dólares Dan resolve oferecer-se para escoltar o bandido aprisionado até ao comboio das 3 e 10 que passa pela cidade de Contention, com destino à prisão de Yuma. E tudo se define nessa espera, no dilatar de um tempo que não tem fim, ou no aproximar galopante dos minutos que antecedem o apito do comboio a anunciar a chegada.
O filme vive da tensão que se cria entre estes dois homens, estas duas personalidades nada simples de analisar. Dois excelentes actores, um bom ritmo de narrativa, algumas proezas técnicas de registo (da fotografia à banda sonora, do guarda-roupa à direcção artística), uma realização que procura estar atenta sobretudo ao essencial (e o essencial é aqui a respiração descompassada desses dois homens, o que os move, o que os separa e o que os une, a descoberta de valores lá onde se julga que nada existe, a cumplicidade que no final se estabelece entre ambos, aparentemente contra natura, mas quem sabe?) fazem de “3: 10 to Yuma” um filme extremamente interessante e uma nova boa surpresa neste início de 2008 cheio de bons filmes nas salas de cinema (correspondendo a um óptimo final de 2007, nas correspondentes salas de cinema americanas!).
Os Oscars este ano vão ser um caso sério!
O COMBOIO DAS 3 E 10
Titulo original: 3:10 to Yuma
Realização: Delmer Daves (EUA, 1957); Argumento: Halsted Welles, segundo conto de Elmore Leonard; Música: George Duning; Fotografia (cor): Charles Lawton Jr.; Montagem: Al Clark; Direcção artística: Frank Hotaling; Decoração: William Kiernan, Robert Priestley; Guarda-roupa: Jean Louis; Maquilhagem: Clay Campbell, Helen Hunt, Robert J. Schiffer; Assistentes de realização: Sam Nelson; Som: John P. Livadary, J.S. Westmoreland; Produção: David Heilweil; Companhias de produção: Columbia Pictures Corporation.
Intérpretes: Glenn Ford (Ben Wade), Van Heflin (Dan Evans), Felicia Farr (Emmy), Leora Dana (Mrs. Alice Evans), Henry Jones (Alex Potter), Richard Jaeckel (Charlie Prince), Robert Emhardt (Mr. Butterfield), Sheridan Comerate (Bob Moons), George Mitchell, Robert Ellenstein, Ford Rainey, Dorothy Adams, Danny Borzage, John L. Cason, Woody Chambliss, Barry Curtis, Richard Devon, William Dyer Jr., Frank Hagney, Bill Hale, Jerry Hartleben, Joe Haworth, Robert 'Buzz' Henry, Tex Holden, Fred Marlow, Tony Mayo, Erwin Neal, Jerry Oddo, William Rhinehart, Boyd Stockman, Guy Teague, Guy Wilkerson, etc.
Duração: 92 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal: ; Locais de filmagem: Amerind Foundation, Texas Canyon, Arizona, EUA; Data de estreia: 7 de Augusto de 1957 (EUA);
Ricardo Araujo Pereira ao seu melhor.
Consegue ser quase tão "real" como uma conversa gravada
por um canal de TV de um telefonema do SNS,
no Portugal profundo. Veja o original.
Este não é para rir.
Mais adiante: “ Ela era uma daquelas crianças possuídas pelo desejo de ter um mundo exemplar. Enquanto o quarto da sua irmã mais velha era um antro de livros espalhados, roupas em desalinho, cinzeiros cheios, com a cama por fazer, o de Briony era um santuário do demónio do controlo: na quinta de brincar montada num parapeito fundo havia os animais do costume, mas estavam todos voltados para o mesmo lado — para o seu dono — como se estivessem prestes a entoar uma canção. Até as galinhas estavam impecavelmente colocadas dentro da cerca. Aliás, o quarto de Briony era o único do andar de cima que estava arrumado. As bonecas, de costas muito direitas, nas múltiplas divisões da sua casinha de brincar, pareciam ter recebido ordens estritas de não tocarem nas paredes; as muitas figuras minúsculas de cowboys, mergulhadores, ratos humanóides, dispostas sobre o seu toucador, faziam lembrar, pela forma como estavam alinhadas e pela distância que as separava, um exército de cidadãos à espera de ordens.
O gosto pelas miniaturas era um dos aspectos de um espírito em ordem; um outro era a paixão pelos segredos: num armário envernizado, que muito estimava, havia uma gaveta secreta que se abria carregando no veio de um entalhe inteligentemente torneado. Era aí que guardava um diário fechado com uma mola e um caderno escrito num código que ela inventara.” (1).
Coisa de miúdos, é certo, mas de miúdos frustrados por educações penosas, mentes retorcidas desde criança. Diga-se que a educação terá particular relevância na definição destes caracteres, mas há predisposição nata para assim se percorrer os corredores da casa, em passo estugado, decidido, curvando nos cantos a noventa graus, progredindo em linha recta até ao objectivo final. Quem assim anda, não pode sofrer desvios ditados pelo destino ou o acaso, sabe o que quer e não gosta de ser contrariado. Quando o é, alguém sofre as consequências. Robbie passa rapidamente de objecto de desejo a desejo de vingança. Lola Quincey (Juno Temple) é surpreendida a ser violada por um vulto, na noite da busca dos gémeos Pierrot (Felix von Simson) e Jackson (Charlie von Simson), e a casta e puritana Briony não duvida um segundo de quem é o violador de que apenas descortinou a silhueta. E impunemente atira para o opróbrio e o calabouço aquele que anteriormente era o encanto dos seus pensamentos. Quando há que encontrar um “culpado” ele terá de ser de outra classe social, tanto mais que o afastamento de Robbie afasta igualmente uma ligação inter-classicista de todo em todo indesejável.
EXPIAÇÃO
Título original: Atonement
Realização: Joe Wright (Inglaterra, França, 2007); Argumento: Christopher Hampton, segundo romance de Ian McEwan; Música: Dario Marianelli; Fotografia (cor): Seamus McGarvey; Montagem: Paul Tothill; Casting: Jina Jay; Design de produção: Sarah Greenwood; Direcção artística: Ian Bailie, Nick Gottschalk, Niall Moroney; Decoração: Katie Spencer; Guarda-roupa: Jacqueline Durran; Maquilhagem: Sarah Jane Cosgrove, Ivana Primorac, Andy Seston, Matthew Smith, Elizabeth Yianni-Georgiou; Direcção de produção: Erica Bensly, Simon Fraser, Deborah Harding; Assistentes de realização: Tom Brewster, David Daniels, William Dodds, Stewart Hamilton, Candy Marlowe, Thomas Q. Napper, Josh Robertson, Michael Stevenson; Departamento de arte: Tim Browning, Laurent Ferrie, Oliver Goodier, Sarah Miller, Adrian Platt, Sarah Stuart, Tom Whitehead, Tracey Wilson; Som: Catherine Hodgson, Becki Ponting, Chris Sturmer; Efeitos especiais: Mark Holt; Efeitos visuais: John Moffatt; Produção: Tim Bevan, Liza Chasin, Richard Eyre, Eric Fellner, Robert Fox, Jane Frazer, Debra Hayward, Ian McEwan, Paul Webster; Companhias de produção: Working Title Films, Relativity Media, Studio Canal.
Intérpretes: Saoirse Ronan (Briony Tallis, 13 anos), Ailidh Mackay, Brenda Blethyn (Grace Turner), Julia West (Betty), James McAvoy (Robbie Turner), Harriet Walter (Emily Tallis), Keira Knightley (Cecilia Tallis), Juno Temple (Lola Quincey), Felix von Simson (Pierrot Quincey), Charlie von Simson (Jackson Quincey), Alfie Allen (Danny Hardman), Patrick Kennedy (Leon Tallis), Benedict Cumberbatch (Paul Marshall), Peter Wight, Leander Deeny, Peter O'Connor, Daniel Mays, Nonso Anozie, Michel Vuillermoz, Nick Bagnall, Charlie Banks, Jamie Beamish, Madeline Crowe, Scarlett Dalton, Michelle Duncan, Matthew Forest, Romola Garai (Briony, 18 anos), Vivienne Gibbs, Olivia Grant, Ben Harcourt, Jack Harcourt, Paul Harper, Mark Holgate, Ryan Kiggell, Katy Lawrence, Neil Maskell, Gina McKee, Anthony Minghella (entrevistador), Jade Moulla, John Normington, Georgia Oakley, Alice Orr-Ewing, Catherine Philps, Jay Quinn, Vanessa Redgrave (Briony Tallis, velha), Bryony Reiss, Jérémie Renier, Kelly Scott, Billy Seymour, Sarah Shaul, Anna Singleton, Richard Stacey, Emily Thomson, Tilly Vosburgh, Ben Webb, etc.
Duração: 130 minutos; Distribuição em Portugal: Lusomundo; Classificação etária: M/12 anos; Locais de Filmagem: Aldwych Underground Station, Aldwych, Holborn, Londres, Inglaterra, Data de estreia: 17 de Janeiro de 2008 (Portugal);