quinta-feira, abril 07, 2011

CINEMA: MANHÃS GLORIOSAS

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MANHÃS GLORIOSAS 

De novo a televisão nos ecrãs de cinema. Tema muito glosado, e quase sempre em tom crítico. Ou não tivessem sido, outrora, rivais. Agora já não. São parceiros, a tempo inteiro. Desta feita, o enfoque faz-se nos programas da manhã. “Morning Glory”, uma realização de Roger Michel (“Notting Hill”), com argumento de Aline Brosh McKenna (“The Devil Wears Prada”), conta com um bom elenco e cenas divertidas, mas falha o mais importante: a consequência. Ou então é mais grave: propõe e defende o que se mostra. 
Becky Fuller (Rachel McAdams), mercê da sua lábia incontinente, acaba de ser aceite como produtora executiva de uma importante cadeia de televisão norte-americana para um programa da manhã, “Daybreak”. A IBS tem problemas de audiências e quer multiplicar o seu público. Becky Fuller, a desenrascada, parece ser a mulher ideal para o conseguir. Mas os primeiros tempos não ajudam, tudo parece ir por água abaixo, os índices de audiência, em lugar de subirem, descem, e o patrão da estação (Jeff Goldblum) adverte-a: se dentro de alguns dias a tendência não se inverter substancialmente, acaba a experiência.
Becky Fuller descobre então uma saída para a crise. Ela tem no programa uma experiente pivot, Colleen Peck (Diane Keaton), com aquele penteado e modos que tanto agradam às donas de casa quando lhes fala, à hora do pequeno-almoço, de flores, cozinhados, electrodomésticos e outras questões tais. Vai tentar reuni-la a Mike Pomeroy (Harrison Ford), um jornalista veterano que já ganhou todos os prémios do jornalismo “sério” e agora se encontra mais ou menos arrumado na prateleira dourada. O risco é grande, é uma espécie de misturar água e azeite e esperar que a combinação resulte. Pomeroy não aceita este desafio de bom grado, não quer prostituir o jornalismo de investigação e Colleen Peck não se quer sentir ultrapassada, não quer deixar de ser ela a dizer um último “bom dia” do programa. Pomeroy também não. Os “bons dias” sucedem-se, o programa eterniza-se. As audiências não arrancam. Até ao dia em que Pomeroy tem uma “cacha”, resolve fazer jornalismo e apanhar em directo a prisão do governador do estado, acusado de corrupção. O “Daybreak” arranca, os espectadores do filme pensam que este quer dizer-nos que aquelas chachadas matinais, que põem em perigo de vida o esforçado meteorologista, não são assim essenciais, mas que o jornalismo sério o é, mas não. Bom, bom mesmo, é Pomeroy executar com brilhantismo uma omeleta matinal. Triunfo do programa, “humanização” do jornalista “sério”, triunfo da produtora executiva, que até se dá ao luxo de ter uma noite de vida privada.
Posto isto, o filme é divertido, bem interpretado, escorreito, eficaz. Discutível, no mínimo, é a sua defesa do conceito de televisão espectáculo onde vale tudo. Mesmo nas manhãs familiares.

MANHÃS GLORIOSAS
Título original: Morning Glory
Realização: Roger Michell (EUA, 2010); Argumento: Aline Brosh McKenna; Produção: J.J. Abrams, Bryan Burk, Sherryl Clark, Udi Nedivi, Lindsey Paulson, Guy Riedel; Música: David Arnold; Fotografia (cor): Alwin H. Kuchler; Montagem: Daniel Farrell, Nick Moore, Steven Weisberg; Casting: Marcia DeBonis, Ellen Lewis; Design de produção: Mark Friedberg; Direcção artística: Alex DiGerlando, Kim Jennings; Decoração: Alyssa Winter; Guarda-roupa: Frank L. Fleming, Bernie Pollack; Maquilhagem: Tarsha Marshall, Mary Anne Spano; Direcção Assistentes de realização: Tudor Jones, Maurice Sessoms, Michael E. Steele; Departamento de arte: Nick Miller, Nell Tivnan, Frank-Joseph Frelier; Som: Brady Nelson, Warren Shaw; Efeitos visuais: Ivan Moran; Companhias de produção: Bad Robot, Goldcrest Pictures; Intérpretes: Rachel McAdams (Becky Fuller), Noah Bean (First Date), Harrison Ford (Mike Pomeroy), Jack Davidson (Dog Walking Neighbor), Diane Keaton (Colleen Peck), Vanessa Aspillaga (Anna), Patrick Wilson (Adam Bennett), Jeff Goldblum (Jerry Barnes), Jeff Hiller, John Pankow, Linda Powell, Mike Hydeck, Joseph J. Vargas, Mario Frieson, Kevin Herbst, Jerome Weinstein, Steve Park, David Wolos-Fonteno, Patti D'Arbanville, Ty Burrell, Adrian Martinez, J. Elaine Marcos, Matt Malloy, Rizwan Manji, Jay Russell, Finnerty Steeves, Elaine Kaufman, Bob Schieffer, Morley Safer, Chris Matthews, 50 Cent, Tony Yayo, DJ Whoo Kid, Lloyd Banks, etc. Duração: 107 minutos; Distribuição em Portugal: Zon Lusomundo Audiovisuais Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 24 de Março de 2011.

terça-feira, abril 05, 2011

NO RESCALDO DO ESTÁDIO SEM-LUZ

  
UM BENFICA-PORTO 
QUE DÁ QUE PENSAR!

Sou sportinguista, por isso vi o Benfica-Porto numa atitude de total imparcialidade. Numa de “que vença o melhor”. E o melhor foi, sem sombra de dúvida, o F.C. do Porto, tal como aconteceu ao longo de todo o campeonato. O Benfica teve momentos bons e outros maus, à semelhança do seu guarda-redes, e não se pode queixar de nada a não ser da sua falta de regularidade. Nem me venham falar em árbitros! Não foram os árbitros que compraram o Roberto para a baliza do Benfica. A realidade é só uma: em futebol jogado, o F.C. do Porto foi superior.
Em anti-desportivismo e atitudes alarves, o Benfica suplantou tudo e todos. Antes do início do jogo foi o que se viu, uma verdadeira batalha campal com a polícia, e, findo o jogo, foi a vergonha do apagão no estádio da sem-Luz e da rega automática do relvado.
Ora um jogo de futebol, além de dever ser um jogo e desportivo (o que ficou demonstrado não ter sido), é ainda um espectáculo sujeito a regras. Uma sala de cinema não pode fechar as luzes à saída do filme, uma tourada não apaga a luz das bancadas no fim das faenas, terminada uma ópera o São Carlos não desliga os interruptores. Gostava de saber o que aconteceria se tal ocorresse. Também vou gostar de saber o que vai acontecer aos responsáveis por terem posto em risco de vida espectadores, jogadores, agentes da ordem. Imagine-se uma cena de atropelos num estádio às escuras!
Lavando as coisas para a brincadeira, o F.C. do Porto deu um banho de futebol ao Benfica e no final foi regado. Foi o champanhe à Benfica. Mas quem apagou a Luz foram os de azul.
Ser mau perdedor é lixado. Mas com exemplos destes, cada vez vai haver menos gente nos jogos de futebol. Depois queixem-se da falta de público.

INÍCIO DE NOVA TEMPORADA "INVICTA FILMES"



O CINEMA AMERICANO NOS ANOS 30,
O CINEMA DA GRANDE DEPRESSÃO
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PORTO - BIBLIOTECA ALMEIDA GARRETT
Entrada gratuita

CICLO FRED ASTAIRE /GINGER ROGERS - O MUSICAL NOS ANOS 30

7 de Abril de 2011
CHAPEU ALTO (Top Hat), de Mark Sandrich 
(EUA, 1935);
com Fred Astaire e Ginger Rogers, 101 min; M/ 6 anos.
Apresentação do ciclo por Lauro António.

FRED ASTAIRE E GINGER ROGERS
A INICIAR O CICLO
“O CINEMA AMERICANO NOS ANOS 30,
DA GRANDE DEPRESSÃO”

A iniciar o ciclo “O Cinema Americano nos Anos 30, da Grande Depressão”, a “Invicta Filmes” apresenta uma selecção de obras da dupla Fred Astaire e Ginger Rogers, durante o qual serão exibidas oito películas interpretadas por esta famosa dupla (e uma outra, a final, com a reunião de Fred Astaire e Rita Hayworth). Dos filmes previstos poderá referir-se rapidamente um, “Voando para o Rio de Janeiro” (Flying Down to Rio), de Thornton Freeland (EUA, 1933), cujo interesse maior reside no facto de ser a primeira obra onde aparecem Fred Astaire e Ginger Rogers a trabalharem em conjunto. De resto, o filme é relativamente desinteressante, bastante previsível e ainda pouco representativo do trabalho posterior da dupla, que aqui não ultrapassa o “apontamento” de secundários.
Outra película relativamente “insignificante” (no contexto da filmografia da dupla) é “Bailado da Saudade” (The Story of Vernon and Irene Castle), de H. C. Potter (EUA, 1939), que se resume a uma biografia de um casal de bailarinos célebres, Vernon e Irene Castle, concebida de forma convencional, não muito brilhante em cinema. O empreendimento não beneficiou ninguém. Nem os biografados, que viram as suas existências algo distorcidas e romanceadas para se encaixarem nas personalidades de Fred Astaire e Ginger Rogers, nem estes últimos, que foram forçados a um tipo de trabalho que não era efectivamente aquele em que eles melhor se afirmavam. Dito isto, restam algumas belas películas musicais com uma estrutura narrativa muito semelhante, mas possuindo uma agilidade e uma frescura indesmentíveis. Referimo-nos, sobretudo, a “Chapéu Alto” (Top Hat, 1935), “A Alegre Divorciada” (The Gay Divorcee, 1934), “Siga a Marinha” (Follow the Fleet, 1936), “Vamos Dançar?” (Shall we Dance?, 1937), “Quero Sonhar Contigo” (Carefree, 1938), todos de Mark Sandrich, “Ritmo Louco” (Swing Time), de George Stevens (1936)e a tal excepção, “Nunca Serás Rico” (You'll Never Get Rich), de Sidney Lanfield (EUA, 1941), com Fred Astaire e Rita Hayworth.

1. Uma época - Os nove filmes apresentados neste ciclo (particularmente os de Sandrich e Stevens) reconstituem com certa justeza uma época da América. Indo de 1933 (Voando para o Rio de Janeiro) até 1939 (Bailado da Saudade), os filmes parecem reflectir uma década de alegria e inocência, de confiança no futuro e de descomplexada superficialidade que fica neles documentada. Não poderia ser mais enganosa esta imagem. Após o crash bolsista de 1929 a América entrara num período de completo desnorte económico e social, com falências e bancarrota, encerramento de fábricas e despedimentos, ruína rural, pobreza, miséria. O quase contemporâneo “As Vinhas da Ira”, de John Ford (1940), e o muito posterior “A Rosa Púrpura do Cairo”, de Woody Allen (1985), oferecem um bom retrato destes tempos. Este último explica mesmo o grande sucesso de obras como estas de Fred Astaire e Ginger Rogers: o cinema era (é) uma fábrica de sonhos que ajudava a suportar o cinzento da existência diária. A crítica marxista achou que esta “fábrica de sonhos” era a forma alienante da indústria “domesticar” as massas. O filme de Woody Allen, com uma visão mais moderna e compreensiva dos fenómenos sociais, não põe totalmente de lado esta hipótese, mas acredita que o cinema “fábrica de sonhos” é igualmente uma forma de ajudar a ultrapassar o negrume da crise.
Para além destes aspectos, destas histórias douradas de príncipes e princesas que encontram o seu par, e dançam de felicidade em ambientes de luxo e elegância, que referem o espírito de um tempo e de um espaço determinados, os filmes do presente ciclo testemunham ainda uma maneira idílica ou utópica de viver, com os seus hábitos e usos, e todos os elementos externos que a condicionam (e são por ela condicionados): arquitectura, moda, decoração, etc.
2. A decoração - Sob o ponto de vista de decoração é Wan Nest Polglasc quem domina nos dois filmes de Sandrích e ainda no de Stevens. Trata-se de um decorador pouco conhecido (hoje em dia), mas que possuía um estilo muito próprio, de inequívoco bom gosto, dentro da sumptuosidade de certos cenários (a “Veneza” de “Ritmo Louco”, o “cabaret” de “Chapéu Alto”, ou todo o bailado no interior do um navio, em “Vamos Dançar”), onde é visível uma grande ingenuidade de processos e uma estilização de formas quase sempre destinadas a se apagarem durante o “número” de dança. O cenário, tal como a realização, era ainda na década de 30 um elemento acessório que não procurava definir a personalidade do seu autor, mas sim “servir” o que era considerado essencial num “musical”, isto é, os “números” de dança.
3. A estrutura - Nesta época, num “musical”, todos os elementos se destinavam a “servir” o lado coreográfico do filme. A própria estrutura dramática se comportava da mesma forma. Quase todas as obras onde apareciam Fred Astaire e Ginger Rogers eram baseadas nos encontros e desencontros das duas personagens por eles interpretadas. A intriga era ligeira, em estilo de “vaudeville”, tendo como centro de interesse um equívoco que se prolongava ao longo de toda a obra e se esclarecia no final. O ritmo de comédia é lento, os “gags” espaçados e desenvolvidos pausadamente. Tudo concorre, portanto, para a criação de um clima que irá culminar num dos diversos “números” musicais que intercalam a acção. Por outro lado, é curioso referir a maneira como esses “números” surgem no interior da intriga de forma perfeitamente assimilada. O “número” não resulta isolado, mas é um elemento motor que faz progredir a acção.
4. O musical - O   filme   musical,   na   década   de 30, era ainda um espectáculo subsidiário de um outro — o “music-hall”. Desta forma, o elemento importante de uma película musical era efectivamente o “número” musical. A ele tudo o mais se deveria submeter. Argumento e realização serviam esses elementos, bem assim como a própria cenografia. Com Fred Astaire e Ginger Rogers o essencial eram os seus duetos dançados, diálogos de emoção que caminhavam, através da simetria, do entendimento perfeito, para a intimidade do casal. Com uma técnica de sapateado impecável, Fred Astaire ia por vezes mais longe e, em cada filme, ele próprio coreografava um “número” onde intervinha normalmente só. No máximo do seu talento, Astaire deslumbrava pela imaginação e elegância, em momentos de verdadeira antologia - em “Ritmo Louco”, Astaire dança com as suas próprias sombras, num bailado notável; em “Vamos Dançar”, Petrov ensaia com um disco riscado que não sai do mesmo sítio e o obriga a acompanhá-lo, etc. Mas é ainda nos momentos de grande entendimento da dupla que melhor se define a sensibilidade e invenção do Fred Astaire e Ginger Rogers. Em “Chapéu Alto”, um bailado a dois, com Ginger Rogers, saída de “Marienbad”, repleta de plumas que evoluem ao sabor da música; em “Ritmo Louco”, toda a sequência final, com Fred Astaire e Gínger Rogers descobrindo-se verdadeiramente num “cabaret” deserto; ou esse espantoso bailado final de “Vamos Dançar”, onde Fred Astaire descobre/destapa igualmente Ginger Rogers por detrás da sua própria máscara.
5. Os intérpretes: Astaire e Rogers não são só bailarinos impecáveis e insuperáveis. A dupla vai mais longe. Astaire, tal como Stan Laurel (o “Estica” de uma outra dupla famosa), é um cómico de uma delicadeza e de uma elegância impressionante. Os “gags” nascem com uma espontaneidade admirável, perante a estupefacta descontracção de Astaire e o ar sonhador de Ginger Rogers. Ambos irradiam um “charme” muito especial que os anos ajudam a cimentar, criando-lhe um certo ar de descoberta.
Nas suas melhores obras, Fred Astaire e Ginger Rogers aparecem enquadrados por um grupo de actores de belíssimos recursos que é justo destacar. Referimo-nos, sobretudo, ao “casal” Edward Everett Horton e Helen Broderick e também ao “mordomo” Eric Blode. 

quarta-feira, março 30, 2011

"MANHÃ SUBMERSA", HOJE NO LICEU CAMÕES

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"MANHÃ SUBMERSA"
hoje, a partir das 15 h, no liceu Camões

Numa iniciativa do ABC Cine Clube de Lisboa, será apresentado hoje, dia 31 de Março, a partir das 15 horas, no antigo liceu Camões, o filme "Manhã Submersa". A exibição integra-se num ciclo dedicado a filmes adaptados de obras literárias de antigos professores deste liceu, onde, no caso vertente, Vergílio Ferreira leccionou. A projecção será seguida de debate com o realizador.

 

sexta-feira, março 25, 2011

ACTRIZES QUE ME MARCARAM - VII

 ELIZABETH TAYLOR

Elizabeth Rosemond Taylor nasceu em Londres, a 27 de Fevereiro de 1932, e faleceu em Los Angeles, a 23 de Março de 2011. Estava eu a nascer, já ela era actriz, uma miudita linda, com dez anos, e andava ao lado de Mickey Rooney, Lassie e de cavalos luzidios, em “National Velvet”. Eram coisas de “Mulherzinhas”. 
Mas aos treze ou catorze anos, creio eu, já me tinha apaixonado por aquele rosto angelical de uma infinita sedução que sofria às mãos de um ambicioso sem moral, em “Um Lugar ao Sol”, obra-prima de George Stevens. Depois andei sempre a seu lado (infelizmente ao lado de muitos outros milhões) a vê-la em aventuras de cavaleiros impolutos, que terciam armas por ela, em “Ivanhoe”, “Beau Brummell”, “Quo Vadis”, e quejandos. Andei assombrado com ela em “A Última vez que vi Paris”. Foi a primeira vez que fui a Paris e logo com ela, a Liz, que estava deslumbrante. No melhor da sua forma, que prolongaria em “Gigante”, “Raintree County”, “Cat on a Hot Tin Roof”, “Suddenly, Last Summer”, nestes três últimos títulos sempre nomeada para o Óscar de melhor actriz (que não receberia por estes trabalhos soberbos, para ganhar, mais tarde, num filme que não acrescentou nada à sua glória, “Butterfield 8”).
Em 1963, foi Cleópatra e ponto final. Ninguém mais ousa ser Cleópatra e entrar em Roma como ela o fez. Pela mão de Nick Ray e do seu amado Richard Burton. Fez ainda coisas muito boas na década de 60: “The Sandpiper”, “Who's Afraid of Virginia Woolf? (outro Óscar de melhor actriz), “The Taming of the Shrew”, “Reflections in a Golden Eye” (dirigida pelo fabuloso Huston), “The Comedians”, “Boom!” e “Secret Ceremony” (ambos do agora injustamente quase desconhecido Losey). Continuou a entrar em filmes, telefilmes, e outras coisas tais. Foi “The Blue Bird”, sob a direcção de Cukor. Mas a “minha” Liz Taylor, mulher de coração grande que abraçava causas e maridos de forma generosa, fica eternizada nas imagens de “A Place in the Sun.” Linda de morrer. Quem é linda de morrer nunca morre.



quarta-feira, março 23, 2011

MORREU ARTUR AGOSTINHO

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ARTUR AGOSTINHO

Morreu Artur Agostinho. A sua voz era-me familiar desde miúdo. Ouvia-o, eu e o meu pai, a relatar jogos de futebol. Foi pela sua voz que ouvi muitos êxitos do nosso Sporting, sem que nessa altura eu sequer suspeitasse que ele era sportinguista. Era imparcial nos relatos. Tempos depois comecei a vê-lo na televisão. Finalmente conheci-o pessoalmente durante uma entrevista que me fez num programa da RTP, “Curto-circuito”. Eram os anos 60, eu começava a ser conhecido como critico de cinema, era olhado de esguelha pelas autoridades, e a entrevista no “Curto-circuito” causou algum embaraço aos seus responsáveis, já nem me lembro porquê.
Depois continuámos a ver-nos, por aqui e por ali. Nunca vi com bons olhos o que lhe aconteceu depois do 25 de Abril. Nunca o vi como “pessoa do regime”, não mais do que milhares de outras que desempenhavam papéis de relevo e eram caras conhecidas durante o Estado Novo. E sabia da minha experiência pessoal com ele, recordava a forma como me defendera durante a querela do “Curto-circuito”.

Mais tarde, em 2006, muito antes dos Globos de Ouro e da Presidência da República o terem homenageado, ele foi um dos notáveis que honrei no Famafest. Tal como em anteriores edições, também nesse ano o Famafest homenageou algumas personalidades do mundo da literatura, do cinema e do espectáculo. Nessa ocasião “celebrámos o talento de uma das mais importantes escritoras portuguesas contemporâneas, Teolinda Gersão, de duas actrizes com prestigiadas carreiras atrás de si, Maria Barroso e Graça Lobo, e de um multifacetado Artur Agostinho.” Rezava assim o texto.
Um multifacetado Artur Agostinho!

A nota que aparecia no programa resumia assim a sua actividade:
“Nasceu a 25 de Dezembro de 1920. Jornalista, radialista, escritor e actor. Teve alguns dos mais conhecidos programas de rádio, em estações como a Emissora Nacional ("Que Quer Ouvir?"), Rádio Peninsular, Clube Radiofónico de Portugal ou o Rádio Clube Português, sendo reconhecido como uma das grandes vozes do panorama radiofónico e televisivo português. Participou em filmes como “O Tarzan do 5º Esquerdo”, “Dois Dias no Paraíso”, “Sonhar É Fácil”, “Cantiga da Rua”, “O Leão da Estrela”,“Capas Negras”,“Cais do Sodré”,“Testamento do Senhor Napumoceno” ou “A Sombra dos Abutres”. Participou em programas de televisão como "No Tempo Em Que Você Nasceu" e "Curto-Circuito" (gravado ao vivo no Teatro Monumental) e ainda nas séries e telenovelas "Clube das Chaves", "Ana e os Sete", "Sonhos Traídos", "Ganância" e ”Casa da Saudade", para além de ter apresentado inúmeros concursos de grande sucesso. Actualmente é director do “Jornal do Sporting”.

Infelizmente, por motivos de saúde, nessa altura não pode deslocar-se a Famalicão para receber a “Pena de Camilo”, mas tive o cuidado de lha entregar em Lisboa.
Nesse mesmo ano de 2006, o Sporting Clube de Portugal comemorou o seu centenário, eu ofereci-me ao clube para organizar um festival de cinema integrado nas comemorações, e Artur Agostinho foi o presidente do Júri. Eu escrevia uma crónica de cinema no jornal do clube e ele era director. Foi, portanto, ainda que, infelizmente, por pouco tempo, meu director. Ele saiu de director e eu de colaborador gracioso, ainda estou hoje para perceber por quê.
Artur Agostinho era um homem amável, elegante, atencioso, Uma voz incomparável, um comunicador como não há outro nas suas áreas. Uma presença afável de contagiante simpatia. Não há ninguém insubstituível? É certo que a vida continua e tudo o que as pessoas que desaparecem fazem continuará a ser feito por outras. Mas cada pessoa é um mundo e é um mundo mesmo insubstituível – ninguém mais terá a voz de Artur Agostinho e o seu sorriso.

segunda-feira, março 21, 2011

CINEMA: HOMENS DE NEGÓCIOS

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     HOMENS DE NEGÓCIOS




Na década de 30 do século passado, John Ford adaptou ao cinema o romance de John Steinbeck, “As Vinhas da Ira”, que descrevia a crise económica que avassalou a América. Era um fabuloso retrato das agruras por que passavam os deserdados da terra que, de casa às costas, marchavam em caravana pelas estradas do país em busca da mais sumária sobrevivência. Eram os tempos de uma América altamente rural e industrializada. As vítimas da crise caminhavam esfarrapadas e famintas.

Oitenta anos depois, nova crise afunda a economia e causa o caos. O cinema oferece-nos um retrato muito diferente das vítimas, porque entretanto o mundo mudou muito. “The Company Men”, de John Wells, não se baseia num argumento com a qualidade do romance de Steinbeck, nem John Wells tem o talento de John Ford (apesar de reunir o John e o Wells). Mas a verdade é que o seu filme é um retrato sintomático da crise, deslocando o foco da mesma do operariado para os serviços, sobretudo para as altas hierarquias das grandes multinacionais e demais grandes empresas.  

O filme é positivamente surpreendente. Uma grande empresa (a GTX Corporation, um exemplo fictício, entre muitos outros possíveis de enumerar) encontra-se em dificuldades económicas perante a crise que atravessamos desde 2008, perde clientela, vê acordos serem quebrados, os lucros dos accionistas caem, há que tomar medidas e, claro, que só podem ser umas: despedir pessoal. Aos milhares. Um de entre eles é Bobby Walker (Ben Affleck), alto funcionário, doze anos ao serviço da empresa, posto na rua sem muita conversa, doze semanas de indemnização e um tempo para encontrar novo emprego. Nada de subsídio de desemprego ou algo parecido. Os mais velhos seguem igual percurso. Aparentemente sem direito a reforma ou qualquer outra garantia. Bobby Walker tem uma casa magnífica, que está a pagar, um Porsche e uma família, joga golfe com os amigos, os filhos têm os melhores brinquedos, a mulher é igualmente excelente, todas as mordomias do mundo, que se esvaem num abrir e fechar de olhos. Doze semanas de indemnização passam depressa, novos empregos nem vê-los, o irmão da mulher, Jack Dolan (Kevin Costner), oferece-lhe um emprego de operário na construção civil, que ele recusa quase indignado, mas a que se socorre quando já não tem nem Porsche, nem casa, nem clube de golfe, e o filho já abdicou do seu divertimento favorito. Vão viver para um quarto em casa dos pais e levanta-se cedo e leva a marmita para o emprego, onde acarreta placas de contraplacado e as fixa na estrutura da casa em construção.  

A multinacional, pelo seu lado, não olha a tempo de casa ou dedicação, não tem em conta quem “fez” a empresa, quem a levantou do nada, só olha aos lucros que decrescem e não podem descer. Os accionistas são sagrados. Num tempo de capitalismo selvagem e de economia de casino, as vidas dos subalternos pouco valem e colocam-se à beira do prato, ao menor sobressalto. Não interessa quem é quem, interessa que é necessário despedir 5000 em todas as empresas. Gene McClary (Tommy Lee Jones), que sempre foi o homem de confiança de James Salinger (Craig T. Nelson), o presidente de administração da GTX, leva o mesmo caminho dos outros, possivelmente também por ser uma voz discordante, por achar que os empregados devem ser olhados um a um, avaliando os danos das “dispensas”. Outra das vítimas, a mais fraca de todas as que o filme focaliza, pela idade e pela quase impossibilidade de encontrar novo emprego, é Phil Woodward (Chris Cooper) que, desesperado, não vê outra solução senão o suicídio.

O que surpreende nesta obra é, sobretudo, a opção pelo estatuto social onde se vão analisar as consequências da crise. Quem tem um determinado estilo de vida vê-se, no imediato, reduzido quase à indigência, sem qualquer tipo de defesa. Não há reformas nem subsídios de desemprego que lhes valham. Há empregos sem qualquer tipo de garantia e “downsizing” à medida dos lucros que não podem decrescer, só aumentar, mesmo em plena crise. “Os outros que paguem a crise!”, é o pensamento do patronato.

John Wells tem uma bela folha de serviço como produtor, de televisão (“Serviço de Urgência”, “Os Homens do Presidente”, “Shameless”, “The F.B.I. Files”) ou mesmo de cinema. Este é o seu primeiro filme como realizador, apesar de já ter assinado vários episódios de séries de TV. Não se pode dizer que seja uma estreia fulgurante, mas é bom notar que assina igualmente o argumento e que, no cômputo geral, este é um filme a merecer amplamente a atenção do espectador. A realização é sóbria e eficaz, mas logra momentos de uma dramaticidade bem conseguida, com a solidão das personagens enquadradas em cenários de inóspita desolação, apesar de quase sempre neles imperar a ostentação e o luxo. Noutros momentos, filas de desesperados “quadros” procurando emprego, sentados em longos corredores, fornecem uma imagem de uma outra solidão, perdida na multidão.

Um bom elenco, com nomes prestigiados, ajuda o empreendimento a alcançar o seu público.

HOMENS DE NEGÓCIOS
Título original: The Company Men
Realização: John Wells (EUA, 2010); Argumento: John Wells; Produção: Barbara A. Hall, Jinny Joung, Claire Rudnick, Polstein, Paula Weinstein, John Wells; Música: Aaron Zigman; Fotografia (cor): Roger Deakins; Montagem: Robert Frazen; Casting: Laura Rosenthal; Design de produção: David J. Bomba; Direcção artística: John R. Jensen; Decoração: Kyra Friedman; Guarda-roupa: Lyn Paolo; Maquilhagem: Brenda McNally, Emma C. Rotondi, Trish Seeney, Sherryn Smith; Direcção de Produção: Barbara A. Hall, Nancy Kirhoffer, Gabrielle Mahon, Jeff Maynard; Assistentes de realização: Mark S. Constance, Stephen P. Dunn, Paul Byrne Prenderville; Departamento de arte: Jason Allard, Jerry G. Henery, Denis Leining; Som: Kelly Cabral; Efeitos especiais: Adam Bellao, Adam Taylor; Efeitos visuais: Daren Dochterman, Peter Kuran, Jon Terada; Companhias de produção: Battle Mountain Films, Company Men Productions, Spring Creek Productions, Odyssey Entertainment, Pathé; Intérpretes: Ben Affleck (Bobby Walker), Maria Bello (Sally Wilcox), Tommy Lee Jones (Gene McClary), Chris Cooper (Phil Woodward), Suzanne Rico (Gail), Craig T. Nelson (James Salinger), Kevin Costner (Jack Dolan), Thomas Kee, Craig Mathers, Gary Galone, Adrianne Krstansky, Lewis D. Wheeler, Celeste Oliva, Tom Kemp, Nancy Villone, Chris Everett, Lance Greene, Kathy Harum, Allyn Burrows, Anthony Estrella, David Catanzaro, Rosemarie DeWitt, Anthony O'Leary, Angela Rezza, Sasha Spielberg, Maryann Plunkett, Patricia Kalember, Dana Eskelson, James Colby, John Doman, Richard Snee, Ellen Colton, Eamonn Walker, Cady Huffman, Gene Amoroso, Annette Miller, Tonye Patano, David De Beck, Kent Shocknek, William Hill, Carolyn Pickman, Jeff Barry, David Wilson Barnes, Brian A. White, Denece Ryland, Rena Maliszweski, Cindy Lentol, Scott Winters, Sanjit De Silva, Austin Lysy, Elizabeth Dann, Dossy Peabody, etc. Duração: 104 minutos; Distribuição em Portugal: Pris Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 17 de Março de 2011; 

quinta-feira, março 17, 2011

TEATRO: A CACATUA VERDE

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A REVOLUÇÃO NA "CACATUA VERDE"

“A Cacatua Verde”, do austríaco Arthur Schnitzler, é uma excelente peça em um acto que aborda de forma extremamente inteligente as relações entre a realidade e a representação, sendo em simultâneo um hino à revolução, aqui numa referência directa à revolução francesa, mas, através dela, à revolução olhada como exercício libertador, como forma de luta de classes, dos oprimidos contra os opressores.
A acção da peça decorre numa taberna dos arredores de Paris, de nome “A Cacatua Verde”, na noite de 13 para 14 de Julho de 1789, noite que ficaria celebrizada pela tomada da Bastilha. Nessa taberna instalada numa cave, Prospère, que outrora fora director de uma Companhia de Teatro, continua o seu sonho de teatro, mas por novos processos: os seus actores que ali trabalham fazem-se passar por marginais, ladrões, assassinos, prostitutas, exercitando entremezes de violência e de libertinagem que servem aos nobres emproados que a frequentam o local em busca de excitação e de tom local. Aparentemente sem correr perigo, a clientela entra em contacto com o povo (ou o que julgam ser “o povo”) e os episódios estimulantes das suas vidas perdidas. Mas percebem que é ali, nessa taberna, que se ensaia o grande espectáculo que nessa noite se irá estrear nas ruas de Paris, levando ao cadafalso reis e nobres, e mudando o destino do mundo.
Na verdade, na taberna provoca-se a nobreza e prepara-se a libertação do povo. Pelo exercício do teatro. Por isso, um episódio da intriga teatral (a história do actor cuja mulher, também actriz, o trai com um duque), irá terminar em tragédia sangrenta, quando o nobre é realmente assassinado e o actor proclamado herói da revolução.
Aparentemente pode dizer-se que a peça é uma comédia, mas no fundo anda bem longe disso, apesar de provocar aqui e ali alguns sorrisos, e deve ver-se como um ensaio sobre a génese da revolução e o papel libertador do teatro, e da arte, por acréscimo, antecipando assim algumas obras de Pirandello, por exemplo.
A tensão existente entre a realidade e a sua representação, ou entre o sonho e a verdade, é aqui particularmente bem sustentada em termos de História passada e de projecção de futuro. Há um clima de tragédia em Schnitzler, que a belíssima encenação de Luís Miguel Cintra sublinha, e um presságio de contemporaneidade e de actualização muito bem conseguido com subtileza e argúcia. Aquela revolução é a revolução de todos os tempos, a revolução que passa pelo “temp des cerises” assobiada no final, ou pelas duas capas, uma verde outra vermelha, que no final são recolhidas de um dos bancos da taberna. Para bom entendedor… as mudanças fazem-se sentir um pouco por todo o lado.
Muito boa a tradução de Frederico Lourenço, excelente a encenação, como sempre em Cintra, rigorosa e inteligente. Cenários e figurinos, de Cristina Reis, são belíssimos e eficazes, e a representação de mais duas dúzias de actores, é, obviamente, irregular, mas bem defendida pela direcção dos mesmos, havendo a salientar os trabalhos de Luís Miguel Cintra, Rita Blanco, João Grosso, Rita Lourenço, entre outros.
Um belo espectáculo para quem acredita no poder da revolução como alavanca do mundo. Mas para quem apenas acredita na revolução das mentalidades, este também é um belo exercício de inteligência e ironia. E de teatro. 
A Cacatua Verde
Texto Original: Arthur Schnitzler; Tradução: Frederico Lourenço; Encenação: Luis Miguel Cintra; Cenografia e Figurinos: Cristina Reis; Desenho Luz: Daniel Worm d'Assumpção; Co.produção TNDMII e Teatro da Cornucópia; Interpretação: Alice Medeiros, António Fonseca, Catarina Lacerda, Cleia Almeida, Dinis Gomes, Duarte Guimarães, Gonçalo Amorim, Joana de Verona, João Grosso, João Villas-Boas, José Manuel Mendes, Luís Lima Barreto, Luís Miguel Cintra, Miguel Loureiro, Miguel Melo, Neusa Dias, Rita Blanco, Ricardo Aibéo, Rita Loureiro, Sofia Marques, Vítor d’Andrade, Joana de Verona, Nno Casanova, Tobias Monteiro, Tiago Manaia. Sala Garrett - Teatro Nacional D Maria II, Lisboa; Estreia: 17-02-2011; Classificação: M/12; até 27 Mar 2011.

segunda-feira, março 14, 2011

ACALMAR OS "MERCADOS"

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No “Diário de Notícias” de hoje:
“Acalmar mercados.

Numa operação de emergência, o Banco do Japão (BJ) deverá hoje injectar dezenas de milhares de milhões de ienes nos mercados para garantir a sua estabilidade e diminuir as tensões geradas pelo sismo. A realizar-se, esta será a maior operação financeira realizada num só dia desde que, em Maio do ano passado, o BJ decidiu intervir para acalmar o nervosismo pela divida grega nos mercados, através de uma injecção de capital.”

Portanto os “mercados” andam inquietos com a situação do Japão depois do sismo. E se alguém colocasse os “mercados” em ordem? Que se poderá fazer para “acalmar” este frenesim de bolsas, bancos e mercados que não vêem outra coisa à frente dos olhos  que esta escandalosa ganância?
Os bancos e as bolsas  estão preocupados em acalmar "os mercados".
Ao menos isso: que se acalmem "os mercados".
O resto dispensa bem a preocupação.

quinta-feira, março 10, 2011

CINEMA: BLUE VALENTINE

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BLUE VALENTINE - SÓ TU E EU

Ascensão e queda de um amor, eis um resumo possível para “Blue Valentine” que, todavia, não se deixa resumir de forma tão primária. Este é um belíssimo filme de autor que tem nos actores o seu centro de interesse. Um filme de câmara que não se encerra nas quatro paredes de um cenário, mas que se fecha sobre duas personagens que evoluem ao longo de várias paisagens, sendo que nunca deixam de permanecer na mesma, a paisagem das suas emoções que se vão alterando ao longo de tempo, desde a descoberta do amor à sua falência.
O filme vai intercalando momentos de felicidade com outros de distanciação e, finalmente, de desespero. Dean (Ryan Gosling) e Cindy (Michelle Williams) vivem num aparente idílio, desde as primeiras imagens. Mas o tom do filme anuncia desde logo uma ameaça inlocalizável, denunciada desde o momento em que a obra abre com a filha de ambos, Frankie (Faith Wladyka), chamando por um cão que não aparece. A casota está deserta, a paisagem em redor é bucólica, mas ameaçadora. Pressente-se o perigo. Tudo aponta para isso, até a estrada que corta a paisagem, num caminho tortuoso que não inspira confiança. Este não é um filme de final feliz, percebe-se desde as primeiras imagens.
Esta tensão vai-se sentindo ao longo de toda a duração da narrativa, que acompanha, em vai e vem, a vida de dois jovens trabalhadores, ela enfermeira, ele pintor de obras, que se encontram num momento dramático da vida de Cindy, quando ela se descobre grávida depois de uma sessão mais impetuosa do seu descuidado namorado da época. Cindy pensa em abortar e ensaia mesmo a intervenção, mas pára a tempo e resolve ficar com a filha. O namorado de então passa à história, mas o persistente Dean não deixa de a perseguir e aceita ser o pai da criança. Casam e vivem felizes durante seis anos. Até que a erosão do tempo e dos sentimentos cria mazelas que não se podem esconder, por muito que se queiram secretas. As subtis transformações de comportamento e inclusive de corpo são magnificamente transmitidas pelos actores.
Derek Cianfrance, o argumentista e realizador (que afirma que trabalhou o guião durante vários anos, e através de mais de 60 versões), diz-se filho de pais separados e, de alguma forma, este é um filme reminiscência de tempos de juventude. Numa entrevista afirma que filmou a obra em dois tempos, primeiro a descoberta do amor e o idílio, depois o cansaço e a ruptura, tendo mesmo obrigado os actores a viverem juntos, na mesma habitação, durante um mês, para criar e manter essa sensação de clausura que depois se iria comunicar dos actores às personagens.
Muito bem. Um belo filme, simples, descarnado, intenso. Os actores magníficos, tanto Ryan Gosling, como Michelle Williams, esta candidata ao Oscar de melhor actriz.

BLUE VALENTINE - SÓ TU E EU
Título original: Blue Valentine
Realização: Derek Cianfrance (EUA, 2010); Argumento: Derek Cianfrance, Cami Delavigne, Joey Curtis; Produção: Doug Dey, Carrie Fix, Ryan Gosling, Lynette Howell, Jack Lechner, Alex Orlovsky, Scott Osman, Jamie Patricof, Rena Ronson, Michelle Williams; Música: Joe Rudge; Fotografia (cor): Andrij Parekh; Montagem: Jim Helton, Ron Patane; Casting: Cindy Tolan; Design de produção: Inbal Weinberg Direcção artística: Chris Potter; Decoração: Jasmine E. Ballou; Guarda-roupa: Erin Benach; Maquilhagem: Bobby Diehl, Michael Marino, Leo Won; Direcção de Produção: Mike Harrop, Nicola Westermann; Assistentes de realização: Mariela Comitini, Tracy L. Connors, Bobby Kennedy, Brad Robinson; Departamento de arte: Rachel Jones; Som: Dan Flosdorf; Efeitos especiais: Stephanie Finochio, Drew Jiritano; Efeitos visuais: Kevin Vale; Companhias de produção: Hunting Lane Films, Silverwood Films; Intérpretes: Ryan Gosling (Dean), Michelle Williams (Cindy), Faith Wladyka (Frankie), John Doman (Jerry), Mike Vogel (Bobby), Marshall Johnson (Marshall), Jen Jones (Gramma), Maryann Plunkett (Glenda), James Benatti (Jamie), Barbara Troy, Carey Westbrook, Ben Shenkman, Eileen Rosen, Enid Graham, Ashley Gurnari, Jack Parshutich, Samii Ryan, Mark Benginia, Timothy Liveright, Tamara Torres, Robert Russell, Michelle Nagy, Felicia Reid, Melvin Jurdem, Alan Malkin, Derik Belanger, Isabella Frogoletto, Madison Ledergerber, Jaimie Jensen, Robert Eckard, Michael J. Kraycik, etc. Duração: 112 minutos; Distribuição em Portugal: Zon Lusomundo Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 24 de Fevereiro de 2011.
Classificação: ***

CINEMA: SOMEWHERE

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SOMEWHERE - ALGURES

O rapaz é simpático, tem um Ferrari e anda às voltas numa pista de terra batida, numa belíssima e límpida paisagem. É o primeiro plano do filme. Longo. Sabe-se depois que o rapaz é Johnny Marco (Stephen Dorff), actor norte-americano, de prestígio internacional, casado, mas com problemas com a mulher, percebe-se que separados, ou em via de, ele toma conta de uma filha de treze anos, miúda porreira, de nome Cleo (Elle Fanning), que o acompanha para todo o lado, até para jogar no Casino em Las Vegas.
Ferrari e hotéis de charme em Hollywood, o tão elogiado Chateau Marmont, do bom e do melhor, “strippers” contorcionistas aos pés da cama para adormecer, uma ou outra pinocada para relaxar (miúdas é o que se queira, onde quer que passe), mas o rapaz, bonitão e simpático, está muito chateado. Plano sim, plano não entra no carro e vagueia pelas avenidas de Los Angeles, para nos recordar paisagens de sonho para qualquer mortal. Vai a Itália e recebe uma distinção, faz uma escapada a Las Vegas onde joga dados, e prepara um novo filme. Parece o Brad Pitt a aprontar-se para interpretar “O Estranho Caso de Benjamin Button”, versão oitenta anos.
Abre a porta do quarto e tem uma miúda a acenar-lhe da “next door”, ele entra e a cama range, vai à varanda e repara numa jovem de fato de banho que destapa os seios, a convidá-lo a descer, mas ele acha que é um grande esforço. Johnny Marco está muito chateado. Em crise existencial. Não sabe o que há-de fazer ao dinheiro, à glória, ao estrelato. Um dia tem um contratempo: o Ferrari empana. Drama? Não. Telefona ao agente ou algo assim. Anda de helicóptero para todo o lado e atende o telemóvel, onde regista sms a chamarem-lhe nomes feios.
O filme é lindíssimo, muito pós-moderno, com uma fotografia fabulosa, austera, de cores suaves, com enquadramentos de um bom gosto inexcedível, o todo é relaxante, calmante, dir-se-ia um daqueles programas de televisão com paisagens e música new age para adormecer em paz. Percebe-se que o rapaz esteja em crise e chateado. A certa altura, nós também.
Sofia Coppola quer mostrar-nos a vacuidade de uma certa maneira de viver nos Estados Unidos. Ela conhece o ambiente. Já tinha abordado o tema nesse belíssimo “O Amor É um Lugar Estranho” (Lost in Translation, 2003). Mas aqui em tom menor. É a mesma solidão do astro de cinema que tudo tem e não se adapta a essa abundância. Aparentemente Johnny Marco nem se droga (uns “drunfos” com whisky em dose dupla, nada de mais para o costume), nem comete excessos, bebe uma cervejola, fuma um cigarro e come gelados na cama com a filha. É uma vida chata, monótona, calcula-se. Andar de Ferrari e estar instalado no Chateau Marmont é mesmo chato. Eu compreendo-o, apesar de não andar de Ferrari nem ter estado alguma vez no Chateau Marmont. Mas há algo que não posso ignorar: o filme é muito bonito. Só é pena ser sobre a chatice e ser chato.

SOMEWHERE - ALGURES
Título original: Somewhere
Realização: Sofia Coppola (EUA, 2010); Argumento: Sofia Coppola; Produção: G. Mac Brown, Francis Ford Coppola, Roman Coppola, Sofia Coppola, Youree Henley, Paul Rassam, Fred Roos, Jordan Stone; Música: Phoenix; Fotografia (cor): Harris Savides; Montagem: Sarah Flack; Casting: Nicole Daniels, Courtney Sheinin; Design de produção: Anne Ross; Direcção artística: Andrea Rosso, Shane Valentino; Decoração: Fainche MacCarthy; Guarda-roupa: Stacey Battat; Maquilhagem: Natalie Driscoll, Darlene Jacobs, Jordu Schell, Johnny Villanueva; Direcção de Produção: Stuart Macphee, Michael Zakin production; Assistentes de realização: Franco Basaglia, Joe Roddey, Rod Smith, Jordan Stone; Departamento de arte: Cindy Ichikawa; Som: Richard Beggs; Efeitos visuais: Diana Hinek, Scott Tinter; Companhias de produção: Medusa Film, Pathé Renn Productions, Tohokushinsha Film, American Zoetrope; Intérpretes: Stephen Dorff (Johnny Marco), Elle Fanning (Cleo), Chris Pontius (Sammy), Erin Wasson, Alexandra Williams, Nathalie Fay, Kristina Shannon, Karissa Shannon, John Prudhont, Ruby Corley, Angela Lindvall, Maryna Linchuk, Meghan Collision, Jessica Miller, Lala Sloatman, Renée Roca, Aurélien Wiik, Lauren Hastings, Amanda Anka, Ellie Kemper, Brian Gattas, Randa Walker, Michelle Monaghan, Sylvia Desrochers, Christopher James Taylor, Silvia Bizio, Noel De Souza, Lisa Lu, Alexander Nevsky, Aida Takla, Emanuel Levy, H.J. Park, Jordu Schell, Joey Rocket, Jack Firman, Maurizio Nichetti, etc. Duração: 97 minutos; Distribuição em Portugal: Pris Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 24 de Fevereiro de 2011.
Classificação: **

AS PETIÇÕES DE QUEM NÃO SABE PERDER

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OS HOMENS DA LUTA E A DEMOCRACIA

“Os Homens da Luta” ganharam o Festival RTP da Canção. Em tempos que já lá vão, este festival tinha alguma qualidade e representava de alguma forma a música popular portuguesa do momento. De há uns tempos a esta parte, é uma pimbalhada sem sentido, à parte duas ou três canções por edição que lá se vão safando.
“Os Homens da Luta” apresentaram uma canção que, integrada no Festival, não o destruía mas desmoralizava-o muito pela paródia. Não é bem escrita nem bem musicada: representa o triunfo de uma certa demagogia populista, por vezes perigosa, por vezes exorcizadora. É uma revolta que se exprime sem se saber muito bem em nome de quê, ainda que se perceba que seja contra o “estado de coisas geral”.
Mas nem tem nada a ver nem com o Egipto, nem sobretudo com a Líbia. Não misturem as coisas. Lá morreu-se e morre-se na luta contra ditadores. Aqui grita-se na rua, de megafone em punho, que a luta é alegria. Promete-se descer a Avenida da Liberdade, estilo garraiada de queima das fitas, com uma cervejola na mão, a gritar umas coisas divertidas contra o governo. Vão ver que vai ser assim.

Posto isto, há uma realidade concreta: “Os Homens da Luta” ganharam o Festival RTP da Canção de 2011 por processos limpos e claros. Pode discutir-se tudo, até as regras do concurso. Mas com estas regras, e sem batota, “Os Homens da Luta” ganharam o Festival RTP da Canção de 2011. Mais: desde o momento em que foram apurados para disputar Festival RTP da Canção de 2011, eles foram aceites a concurso com as regras vigentes. Não há dúvidas sobre este ponto. Houve um júri que os aceitou e esse júri deve ser certamente idóneo para saber o que faz. O que fez foi aceitá-los, segundo as regras existentes. No ano anterior já os havia desclassificado por não estarem de acordo com o regulamento. Aceites este ano no concurso, a partir desse momento, “Os Homens da Luta” estão no certame em igualdade com qualquer outra canção.
Resultado: com mérito ou sem mérito, com mais ou menos politica na “mensagem”, “A Luta é Alegria” ganhou o Festival RTP da Canção de 2011. Em democracia é assim: há regras, cumprem-se as regras, e aceitam-se os resultados. Por isso não compreendo duas coisas: as petições para impedirem “Os Homens da Luta” de irem à Alemanha, e a polémica sobre a politização ou não da cantiga. As petições neste caso são um atentado grave à democracia. Ou então faço uma petição sempre que o Sporting perde um jogo, quando Cavaco Silva ganha eleições, ou não aceito pagar impostos. Se assim é, quando algo não nos agrada, peticionamos?
Não brinquem, comigo. A democracia já está tão mal tratada, não a degrademos mais. Viver em democracia e liberdade é difícil. Mas, que diabo, também não é assim tão difícil. “A Luta é Alegria” ganhou em jogo limpo. Vão à Alemanha com toda a justiça. Goste-se ou não.
Dar opiniões é uma coisa, e aí qualquer um pode dizer se gostou ou detestou, se acha bem ou mal que vá à Alemanha, etc. Procurar alterar as regras do jogo a nosso belo prazer é outra.
Estas petições são realmente inquietantes. Não são “Os Homens da Luta”.

De resto, esta histeria contra os “políticos” também não augura nada de bom. Esperemos que um dia a geração à rasca não descubra realmente o que é um “político” com mão dura que os ponha efectivamente à rasca. Depois é que seria interessante vê-los na rua a gritar que a “Luta é Alegria”.