sexta-feira, novembro 29, 2013

TEATRO: EM DIRECÇÃO AOS CÉUS


EM DIRECÇÃO AOS CÉUS
“Em Direcção aos Céus”, escrita por Ödön von Horváth (1901–1938), é, no entender do autor, “uma comédia sem truques de magia: dado o momento que vivemos, creio que este tipo de teatro pode ser bastante útil, uma vez que nos permite abordar temas de que não nos seria possível falar de outra forma”. Datada de 1934, a peça ressente-se já do ambiente vivido na Alemanha (e na Áustria, onde seria estreada). Edmund Josef von Horváth nascera em Sušak, Rijeka, no então Império Austro-húngaro (hoje Croácia) e viria a falecer novo, com 37 anos, em Paris. Para assinar os seus trabalhos teatrais e literários assumiu o seu nome húngaro, Ödön von Horváth, dado que habitou Budapeste durante alguns anos da sua juventude. Com um pai diplomata, viajou muito, passando por Belgrado (1902-1908), Budapeste (1908–1913), Munique (1913-1916), Bratislava (1916-1918), Viena (1919) e de novo Munique, onde começou os estudos literários na Universidade. Começou a escrever cedo, raros romances e um número avultado de peças de teatro, que os seus estudiosos dividem em duas fases: uma até 1933, altura em que foge da Alemanha em crescente nazificação, outra a partir dai, com obras escritas quer em Viena de Áustria, quer em Paris. Inicialmente, dir-se-ia um autor mais directamente politizado e crítico, depois seria lido como um dramaturgo metafórico e algo metafísico. Terá sido a forma por si encontrada para “abordar temas de que não nos seria possível falar de outra forma”. Mas permanece popular e crítico, efabulador e satírico.
Da primeira fase são as obras mais conhecidas do público português: "Casimiro e Carolina", encenada por Luís Miguel Cintra, Cristina Reis e Jorge Silva Melo, na Cornucópia, em 1977, "A Noite Italiana", dirigida por Mário Barradas, em Évora, em 1995, ou "Histórias do Bosque de Viena", prémio Kleist, da República de Weimar, em 1931, encenada pelo colectivo Truta.
“Em Direcção aos Céus” fala de teatro, de uma jovem cantora que permanece várias semanas à porta de um teatro, à espera de uma audição, quando a mãe morre e vai para o Céu, e o pai morre e vai para o Inferno. O palco divide-se em três zonas, no centro o teatro (exterior), na direita a entrada do Céu, na esquerda a descida ao Inferno. De um lado, São Pedro, do outro, o Diabo, ambos transaccionando almas. Para ser uma grande diva, Luísa Steinthaler aceita vender a alma ao director da companhia, que por sua vez a revende ao Diabo, para ter uma vida de sucesso. O resto decorre daqui, é divertido e instrutivo, tendo as canções da época e as áreas das óperas cantadas por Luísa como banda sonora.
A escolha da peça para o reportório do Teatro Municipal Joaquim Benite, de Almada, parece-me feliz, por ser uma obra simultaneamente popular e exigente, e conta com uma encenação segura, sóbria e inventiva de Rodrigo Francisco. A cenografia de Jean-Guy Lecat é particularmente feliz, e os figurinos de Ana Paula Rocha muito sugestivos. Globalmente, a representação é toda ela muito homogénea, mas há que sublinhar o trabalho de Ana Cris, André Alves, André Gomes, Joana Francampos, Luís Vicente, Marques d'Arede ou Teresa Gafeira.



EM DIRECÇÃO AOS CÉUS

Texto de Ödön von Horváth; Tradução Maria Gabriela Fragoso; Encenação: Rodrigo Francisco; Cenografia Jean-Guy Lecat; Figurinos Ana Paula Rocha; Luz Guilherme Frazão; Voz e elocução Luís Madureira; Som Miguel Laureano; Movimento Catarina Câmara; Intérpretes Ana Cris, André Alves, André Gomes, Carlos Pereira, Catarina Reis, Celestino Silva, Duarte Guimarães, Joana Francampos, João Farraia, Luís Vicente, Manuel Mendonça, Marques D’Arede, Miguel Martins, Paulo Guerreiro, Pedro Walter e Teresa Gafeira e os estagiários Alexandre Silva, Ana Rita Trino e Rute Guerreiro; Sala Principal, de 2 a 30 de Novembro; de quarta a sábado, às 21H30, domingo, às 16H00; Duração: 2H00 com Intervalo; M/12 anos. 

quarta-feira, novembro 06, 2013

POLÍTICA E FOME


UM ANO SEM COMER PARA PAGAR A DÍVIDA
No “Público” de ontem podia ler-se:  - O ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, que na noite desta segunda-feira esteve em Ovar numa sessão de esclarecimento sobre o Orçamento do Estado para 2014, garante que não é através da injecção de dinheiro na economia que o país cresce. "A pura injecção de dinheiro na economia provoca distorção no sistema produtivo. A economia recupera quando há trabalho bem orientado e quando se consegue ser competitivo".
E continuava: - Para Nuno Crato, os sinais "ténues" de crescimento não podem ser ignorados. "Portugal entrou numa espiral responsável", refere. Mas antes, o governante lembrou que, neste momento, os portugueses teriam de "trabalhar mais de um ano sem comer e sem utilizar transportes só para pagar a dívida". "Estamos no sistema monetário do euro, não temos uma máquina de imprimir dinheiro", avisa o ministro, que faz questão de lembrar os sinais positivos.
Muito bem. Devo dizer que tinha a maior consideração por Nuno Crato, antes dele assumir a pasta de Ministro. Devo acrescentar que compreendo a frase e o significado da metáfora "trabalhar mais de um ano sem comer e sem utilizar transportes só para pagar a dívida". Mas também acho que se poderiam criar outras comparações, de belo recorte literário, para se chegar ao mesmo efeito dramático: “quantos lucros de grandes empresas seria necessário reduzir para pagar a dívida?” ou, numa outra direcção: “quantos portugueses reformados seria necessário exterminar para se pagar a dívida?”. Estilo “solução final” para endireitar as finanças. Ou então “quantos políticos, empresários, gerentes e equivalentes, corruptos, incompetentes, desnecessários, tapa buracos seria necessário despachar para pagar a dívida?” Reparem que só estou  a falar em “corruptos, incompetentes, desnecessários, tapa buracos”, porque acho que há muito boa gente que se salvava em todos esses cargos e a generalização só agrada a quem pretende desacreditar a democracia, para a substituir por algo da sua maior simpatia.
Voltado à metáfora do Senhor Ministro. Eu até não a levaria a mal. Mas a verdade é que  os portugueses que trabalham (ou querem trabalhar e estão no desemprego!), alguns já estão há mais de um ano sem comer e sem utilizar transportes, outros já só comem metade e viajam muito menos do que deviam e a dívida continua a crescer. O que quer dizer que ou o governo é incompetente, ou então há alguns portugueses, quer trabalhem ou não, que estão a “comer” muito mais do que deviam. Porque, na verdade, a fome de alguns milhares não tem pesado na balança de todos.
Mas já percebi onde nos querem fazer chegar: “um ano sem comer para pagar a dívida”. “Coragem, portugueses!, mais um esforço e os nossos esqueletos chegarão lá!”.


quinta-feira, outubro 31, 2013

CINEMA: FUGA

FUGA

Jeff Nichols realizou até hoje três longas metragens e pode dizer-se que cada uma delas foi um tiro no porta-aviões, de tão certeiras, o que não deixa de ser surpreendente para um autor ainda jovem (nasceu a 7 de Dezembro de 1978, em Little Rock, Arkansas, nos EUA). Na verdade, “Histórias de Caçadeiras” (2007), “Procurem Abrigo” (2011) e agora este “Fuga” (no original “Mud”), de 2012, mostram-nos, desde início, um autor na plena posse das suas faculdades e senhor de um universo muito pessoal, que passa de filme para filme com uma coerência e uma qualidade plástica e narrativa evidente. Arkansas, Ohio, de novo Arkansas, estes foram os cenários naturais escolhidos por Jeff Nichols para os seus três filmes. Todos eles longe das grandes metrópoles, próximos do seu Arkansas natal, este último tendo o rio Mississippi como referência maior e Mark Twain como inspiração óbvia.
Esta é a história de dois adolescentes amigos, que vivem em casas lacustres nas margens do Mississippi e que resolvem viajar pelo rio até uma ilha perdida, onde descobrem um barco pousado no cimo de uma árvore. Estranha descoberta que logo é superada pelo facto de o barco estar habitado: alguém ali vive, esse alguém é Mud, uma personagem misteriosa, daquelas de quem se ignora o passado e pouco se sabe do presente. Mas percebe-se que anda fugido, que tenta recuperar o barco para nele se escapar, e que para tanto precisa da ajuda de Ellis e Neckbone, os dois jovens idealistas, a meio caminho entre a meninice e a idade adulta, presos por imagens de amor perdido (os pais que se separam, a namorada que se julga ser e não é, o grande amor que se persegue, por quem se mata e, todavia, não irá concretizar o happy end idealizado) e por aspirações a uma pureza de intenções e de emoções que não se afigura tão fácil de alcançar como os seus sonhos o prediziam.
Um hesita, o outro confia, vê em Mud o grande herói das aventuras não vividas, mas ambos acabam por ajudar o acossado a perseguir o seu desejo de amor e de liberdade.
História de amizade e cumplicidade, aprendizagem da vida, das ilusões às decepções, da ternura à violência, “Mud” é um retrato de uma ternura modelar de dois jovens e um foragido aprisionados pela carcaça de um barco voador que um dia poderá sulcar as águas do rio.
Metáfora das contingências da vida? Um barco preso nos ramos de uma árvore é apenas imagem idealizada de um desejo, é preciso pô-lo a navegar nas habituais águas do rio, para o que se necessita do pragmatismo das ferramentas necessárias. Sem o sonho não se foge da dura realidade, é bem verdade, mas sem a adaptação às necessidades da existência não se sobrevive. Filme iniciático, portanto, escrito com uma tocante delicadeza, um pudor indesmentível, que nem as explosões de violência conseguem toldar. Violência que é física, violência que é também psicológica, em ambos os casos brutais, como diria Jeff Nichols algures “um conto de Mark Twain adaptado por Sam Peckinpah”.
Num universo em que se acredita na beleza da paisagem circundante e na harmonia dos homens, Ellis e Neckbone vão descobrir as asperezas que se escondem por detrás do retrato da falsa felicidade no lar, na sociedade, nas relações humanas, nas cobras venenosas que circulam nos charcos. O mundo de Jeff Nichols está povoado de irmãos desavindos, de neuróticos que se sentem ameaçados pelo fim do mundo, e por adolescentes em confronto com terríveis realidades que vão descobrindo subitamente. Há neste universo rural uma visceral verdade que torna cada um dos seus filmes uma espécie de docudrama, todo ele ficcionado, mas de uma tal plausibilidade que arrebata. Os seus protagonistas são personagens psicologicamente torturadas, envoltas num clima de uma intensidade traumatizante. Essa violência entranhada na paisagem não está, porém, isenta de um intenso lirismo que redime e transfigura. Não temos dúvidas ao afirmar que Jeff Nichols é uma das grandes certezas do actual cinema norte-americano, na esteira de um cineasta maior como Terrence Malick.

Em “Mud”, há ainda que sublinhar o extraordinário trabalhos dos dois actores jovens, Tye Sheridan (Ellis), e particularmente Jacob Lofland (Neckbone), que tudo indica vir a tornar-se uma nova coqueluche, ao lado de um notável Matthew McConaughey, na figura de Mud, bem acompanhados por Reese Witherspoon (Juniper), Sam Shepard (Tom), Ray McKinnon (Senior), Sarah Paulson (Mary Lee), Michael Shannon (Galen) e do velho Joe Don Baker, a recordar as suas antigas criações de gangster desapiedado.

FUGA
Título original: Mud

Realização: Jeff Nichols (EUA, 2012); Argumento: Jeff Nichols; Produção: Glen Basner, Lisa Maria Falcone, Michael Flynn, Dan Glass, Sarah Green, Tom Heller, Morgan Pollitt, Aaron Ryder, Gareth Smith; Música: David Wingo; Fotografia (cor): Adam Stone; Montagem: Julie Monroe; Casting: Francine Maisler; Design bdeprodução: Richard A. Wright; Direcção artística: Elliott Glick; Decoração: Fontaine Beauchamp Hebb; Guarda-roupa: Kari Perkins; Maquilhagem: Carla Brenholtz, Matthew W. Mungle, Kelly Nelson, Clinton Wayne; Direcção de produção: Michael Flynn, Sarah Green, Nancy Kirhoffer, Christopher H. Warner; Assistentes de realização: Cas Donovan, Hope Garrison, Phil Hardage; Departamento de arte: Lizzy Faulkner Chandler, Daniel Coe, Mark Moore; Som: Will Files; Efeitos especiais: Everett Byrom III; Efeitos visuais: Method Studios; Companhias de produção: Brace Cove Productions, FilmNation Entertainment; Intérpretes: Matthew McConaughey (Mud), Reese Witherspoon (Juniper), Tye Sheridan (Ellis), Jacob Lofland (Neckbone), Sam Shepard (Tom), Ray McKinnon (Senior), Sarah Paulson (Mary Lee), Michael Shannon (Galen), Joe Don Baker (King), Paul Sparks (Carver), Bonnie Sturdivant (May Pearl), Stuart Greer (Miller), John Ward Jr., Kristy Barrington, Johnny Cheek, Kenneth Hill, Michael Abbott Jr., Earnest McCoy, Allie Wade, Douglas Ligon, Matt Newcomb, Mary Alice Jones, Tate Smalley, Jimmy Dinwiddie, Ryan Jacks, etc. Duração: 130 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal: ZON Audiovisuais; Data de estreia em Portugal: 24 de Outubro de 2013.

segunda-feira, outubro 21, 2013

CINEMA: GRAVIDADE


GRAVIDADE

“Gravidade” é o típico projecto cinematográfico que ou resulta em grande ou ameaça a catástrofe. Colocar dois actores no espaço, primeiro dentro de uma estação espacial, depois literalmente no espaço, envoltos nos fatos espaciais que quase os eliminam como figuras físicas, é um ponto de partida dramático. Se falhar, será mesmo um ponto de partida e de chegada trágico. No caso do filme de Alfonso Cuarón que agora surgiu nas salas internacionais, com Sandra Bullock e George Clooney nos papéis de protagonistas, o sucesso é evidente e estamos na presença de um dos mais sensacionais filmes de ficção científica vistos nos últimos tempos. Não se trata de uma obra de acção, nada a ver com “Stars War” ou “Star Trek”. Poderá relacionar-se com “2001- Odisseia no Espaço”, mas a um nível mais intimista, o que tendo o espaço infinito como cenário único, não deixa de ser perceptível, por um lado, e angustiante pelo outro. É aliás desse confronto entre o infinitamente grande e o infinitamente pequeno que ressalta uma grande parte do interesse do filme, em simultâneo profundamente pessoal e metafisico.
Há especialistas do espaço que protestam por haver erros ou imprecisões científicas aqui e ali. Que importa? Em arte não se chega muitas vezes ao essencial com a verdade dos factos, mas com o sonho e a intuição. “Gravidade” não é um documentário sobre como sobreviver no espaço, em determinadas circunstâncias adversas. “Gravidade” é um filme de ficção que coloca questões existenciais: como o homem deve enfrentar as adversidades, e também como sucumbir com dignidade perante elas.


Matt Kowalsky (George Clooney) e Ryan Stone (Sandra Bullock) são dois astronautas que se encontram no espaço, em missão. Ele viaja por espírito aventureiro, o seu sonho é bater o record de permanência livre no espaço, ela refugiou-se nesta exploração em grande parte para esquecer a morte de uma filha. Ele sabe como agradar às mulheres e fala continuamente, sem parar, sabe tudo sobre técnica e tem um espírito despegado e generoso, que terá oportunidade de por à prova; ela é médica, discreta, nada a diferencia de uma vulgar dona de casa, um pouco insegura, mas resoluta quando chega a altura de mostrar o que vale. À partida, ele é um poço de vida, ela alguém que procura a morte. O futuro se encarregará de baralhar os dados.
Andam pelo espaço presos à nave por um cordão umbilical, quando uma saraivada de meteoritos se abate sobre eles. Duas outras naves chocaram no espaço, a milhares de quilómetros, e os estilhaços provocados, lançados a alta velocidade, mostram-se demolidores. Rapidamente Matt Kowalsky e Ryan Stone se descobrem sozinhos no espaço, destruída a sua estação orbital e mortos todos os restantes companheiros de expedição. É neste ponto que começa a odisseia individual de “Gravidade”. Como resistir, se é que há possibilidade de sobreviver.


É um milagre de inteligência e sensibilidade o que Alfonso Cuarón e o seu filho Jonas Cuarón conseguem como argumentistas e um novo feito o que o cineasta alcança como realizador. Sustentar durante hora e meia esta viagem peregrina mantendo o suspense e criando um clima simultaneamente onírico e de fim do mundo, mesclando a beleza das paisagens e o terror do desconhecido. Os actores mostram-se à altura do empreendimento, muito bem escolhidos em função dos papéis que desempenham e das características emocionais de cada uma das personagens. Sozinha com as estrelas por companhia e um passado trágico a recordar, Ryan Stone fará das tripas coração para sobreviver e regressar à Terra numa demonstração de apego à vida que ela própria ignorava. Lição para cada espectador, como lição fora a entrega de Matt Kowalsky quando mais nada havia a fazer e o seu sacrifício podia ser benéfico para outros.
Um blockbuster de Verão pode ser algo de surpreendente? Aí está a prova. Que as 3D confirmam. Plasticamente com imagens de um lirismo discreto e rigoroso, de uma sufocante claustrofobia (da responsabilidade do director de fotografia Emmanuel Lubezki), “Gravidade” é indiscutivelmente um dos grandes filmes de 2013, mostrando que, se tudo já foi feito e dito, há sempre maneira de inovar e surpreender o espectador. Basta um lampejo de talento, inteligência e sensibilidade. 

GRAVIDADE
Título original: Gravity

Realização: Alfonso Cuarón (EUA, Inglaterra, 2013); Argumento: Alfonso Cuarón, Jonás Cuarón; Produção: Alfonso Cuarón, Christopher DeFaris, David Heyman, Stephen Jones, Nikki Penny, Gabriela Rodriguez; Música: Steven Price; Fotografia (cor): Emmanuel Lubezki; Montagem: Alfonso Cuarón, Mark Sanger; Casting:  Richard Hicks, David Rubin; Design de produção: Andy Nicholson; Direcção artística: Mark Scruton; Decoração: Rosie Goodwin; Guarda-roupa: Jany Temime; Maquilhagem: Janine Rath, Waldo Sanchez, Pamela S. Westmore; Direcção de produção: Jennifer Corey, Marianne Jenkins; Assistentes de realização: Edward Brett, Ben Howard, Josh Robertson; Departamento de arte: Jon Bunker; Som: Glenn Freemantle; Efeitos Especiais: Neil Corbould, Manex Efrem; Efeitos Visuais: Fiona Carruthers, Emma Lian Cooper, Claire Galpin, Alessandro Gobbetti, Eoin Hegan, Adam Holmes, Alexander Kubinyi, Bonnie Lin, Sarah Lister, Nidhi Seth, Chris Watts; Companhias de produção: Warner Bros., Esperanto Filmoj, Heyday Films; Intérpretes: Sandra Bullock (Ryan Stone), George Clooney (Matt Kowalski), Ed Harris (voz), Orto Ignatiussen (voz), Paul Sharma (voz), Amy Warren (voz), Basher Savage (voz), etc. Duração: 91 minutos; Distribuição em Portugal: Columbia Tristar WarnerZON Audiovisuais; Classificação etária: M / 12 anos; Data de estreia em Portugal: 10 de Outubro de 2013.

sábado, outubro 19, 2013

CINEMA: COMO UM TROVÃO

















COMO UM TROVÃO

Derek Cianfrance tinha-nos dado há pouco (2010) um filme belíssimo, “Só Tu e Eu” (Blue Valentine), com Ryan Gosling no protagonista (na companhia da magnífica Michelle Williams). Era uma história de amor desencantado, tensa, alternando momentos de aparente felicidade com outros de solidão desesperante. Merecia andar debaixo de olho, e o seu novo filme não desmerece. Derek Cianfrance é realmente um “autor” com um universo muito próprio, obsessões e fantasmas que cultiva com inegável talento. “Como um Trovão” (The Place Beyond the Pines), de 2012, reafirma as qualidades reconhecidas no filme anterior e confirma-o como um dos grandes valores do mais recente cinema norte-americano.
Ryan Gosling volta a ocupar destacado lugar nesta obra ainda que, desta feita, o filme surja como uma tragédia em três actos, cada um deles protagonizado por personagens diferentes. Gosling é um corredor de motos que se notabiliza em arriscadas peripécias num poço da morte. Depois descobre que uma antiga namorada tem um filho seu, e resolve apostar numa actividade mais rentável: assaltar bancos. Mas usando as suas credenciais pessoais. Foge na sua moto jogando com a sua perícia.
Há um fait divers curioso acerca desta personagem. Quando Derek Cianfrance chamou Ryan Gosling para lhe falar de um novo projecto, contam as crónicas que terá perguntado ao actor “o que é que ele gostaria de fazer em cinema e que nunca tivesse feito”, ao que Gosling lhe terá respondido: “Assaltar bancos e fugir numa moto”. “Pois é esse mesmo o argumento em que estou a trabalhar”, respondeu Cianfrance, e assim se fechou o contrato entre ambos.


A sua carreira como assaltante de bancos é curta, é apanhado por um polícia, Avery Cross (Bradley Cooper, magnífico, numa interpretação bastante afastada das “Ressacas” onde se tornou notado) e com esta troca de tiros acaba o primeiro acto e inicia-se o segundo, que tem como figura central o polícia, a instituição, a corrupção, os jogos de poder, o arrivismo carreirista e etc. Fechado este acto, passam-se quinze anos e vamos encontrar, lado a lado, numa mesma escola, os filhos do assaltante Luke e do polícia Avery, primeiramente sem saberem a sua ascendência, depois conhecendo-a e agindo em conformidade. Três actos, cada um com os seus protagonistas, numa progressão dramática entrecortada por hiatos, com uma atmosfera violenta, a roçar o desespero, pressagiando sempre a tragédia e oferecendo um excelente retrato da sociedade norte-americana, com uma atmosfera local (um subúrbio de Nova Iorque) magnificamente reconstituído, densamente povoado por cores espessas como as emoções que ali se vivem.
Um belíssimo filme que assegura as qualidades de actores como Ryan Gosling, Bradley Cooper ou Eva Mendes e o talento inequívoco de Derek Cianfrance para impor climas e personagens sem futuro num mundo sem esperança.


COMO UM TROVÃO
Título original: The Place Beyond the Pines

Realização: Derek Cianfrance (EUA, 2012); Argumento: Derek Cianfrance, Ben Coccio, Darius Marder; Produção: Matt Berenson, Lynette Howell, Sidney Kimmel, Katie McNeill, Alex Orlovsky, Jamie Patricof, Crystal Powell, Jim Tauber, Bruce Toll; Música: Mike Patton; Fotografia (cor): Sean Bobbitt; Montagem: Jim Helton, Ron Patane; Casting: Cindy Tolan; Design de produção: Inbal Weinberg; Direcção artística: Michael Ahern; Decoração: Jasmine E. Ballou; Guarda-roupa: Erin Benach; Maquilhagem: Patricia Grande, Michael Marino, David Presto, Leo Won; Direcção de produção: Carrie Fix, Marcelo Gandola, Samantha Housman, Louise Runge, Nicola Westermann; Assistentes de realização: Mariela Comitini, Alex Finch, Brad Robinson; Departamento de arte: Richard Hebrank, Arthur Jongewaard; Som: Dan Flosdorf; Efeitos Especiais: Drew Jiritano; Efeitos Visuais: Alice Kahn Studios, Jim Rider, Raven Sia; Companhias de produção: Focus Features, Sidney Kimmel Entertainment, Electric City Entertainment, Verisimilitude, Hunting Lane Films, Pines Productions, Silverwood Films; Intérpretes: Ryan Gosling (Luke), Bradley Cooper (Avery Cross), Eva Mendes (Romina), Rose Byrne (Jennifer), Ray Liotta (Deluca), Dane DeHaan (Jason), Ben Mendelsohn (Robin Van Der Zee), Harris Yulin (Al Cross), Bill Killcullen (Bruce Greenwood), Anthony Pizza, Craig Van Hook, Mahershala, Olga Merediz, Rev. John Facci, Thomas Mattice, Adam Nowichi, Mark J. Caruso, G. Douglas Griset, Vanessa Thorpe, Brian Smyj, Paul Steele, Gabe Fazio, Rose Byrne, Jan Libertucci, Robert Clohessy, Bruce Greenwood, Heather Chestnut, Greta Seacat, Luca Pierucci, Emory Cohen, Joe B. McCarthy, Ephraim Benton, Kevin Green, Alex Pulling, Dante Shafer, Kayla Smalls, Leah Bliven, Whitney Hudson, Breanna Dolen, Hugh T. Farley, Michael Cullen, etc. Duração: 140 minutos; Distribuição em Portugal: Classificação etária: M / 12 anos; Data de estreia em Portugal: 19 de Setembro de 2013.

TEATRO: O ALDRABÃO

O ALDRABÃO
Antes de mais uma pequena anotação pessoal que vale o que vale. Julgo que muitas das peças, nomeadamente as comédias, da dramaturgia clássica greco-latina, estão demasiado datadas para hoje surtirem o efeito desejado. Não deixam de ser clássicos, mas só grandes encenações servidas por actores de eleição as tornam particularmente interessantes. De resto, estas comédias de senhores e escravos, de jovem suspirando por amores correspondidos ou não, neste caso de escravas sexuais que se pretendem libertar, já nem são muito divertidas nem muito críticas, por muito inteligentes e actualizadas que possam ser as encenações. Soam a questões de um passado remoto.
“O Aldrabão”, de Plauto, chama-se no original “Pseudolus” e é considerada uma das melhores comédias do autor, para alguns a sua obra-prima. Seja. O autor é um dramaturgo latino, da Roma Clássica, a peça decorre numa rua de Atenas, na Grécia antiga, e a encenação de João Mota, não sei se consciente ou inconscientemente, relembra nalguns aspectos a “commedia dell'arte”, quer pela representação frontal, diante de uma parede e porta de casa, quer pela forma caricatural como se apresentam as personagens.
O resultado não é desinteressante, e não sei se não vou dizer uma heresia, mas tomo-o como um elogio: o todo assemelha-se a um divertido espectáculo popular de troupe, com o seu quê de tropelia burlesca, satírica e mesmo brejeira. Neste aspecto, a actualização da tradução e o engenho da encenação funcionam bem, num belo cenário, e com alguns desempenhos a salientar, nomeadamente os de Rui Mendes e João Ricardo, num elenco onde surgem ainda Virgílio Castelo, Fernando Gomes, Carlos Vieira de Almeida, Rui Neto, Miguel Costa e  Miguel Raposo. Muito divertida a introdução protagonizada por João Mota, e que ajuda a enquadrar a obra no seu tempo e espaço. 


O Aldrabão, de Plauto; tradução Luís Vasco, adaptada a partir da tradução francesa de Édouard Sommer; versão cénica e encenação João Mota; cenografia João Mota e Eric da Costa; figurinos Carlos Paulo; desenho de luz José Carlos Nascimento; música original, direção musical e sonoplastia Hugo Franco; movimento Jean-Paul Bucchieri; Intérpretes: Virgílio Castelo, Rui Mendes, João Ricardo, Fernando Gomes, Carlos Vieira de Almeida, Rui Neto, Miguel Costa, Miguel Raposo e ainda figurantes: Diogo Tormenta, Guilherme Gomes, João Dantas, João Ventura, José Leite, Nuno Rodrigues, Rafael Gomes, Ricardo Teixeira, Sérgio Coragem e Simão Biernat; músicos Luís Bastos (sopros), Rini Luyks (acordéon e teclados) e Gonçalo Santuns (percussão); pintura de telão Silveira Cabral e Teresa Varela; confeção de adereços Teresa Varela; produção TNDM II; M/12 anos. 

quinta-feira, outubro 10, 2013

CINEMA: POR DETRÁS DO CANDELABRO


POR DETRÁS DO CANDELABRO
Michael Douglas (em cima) e o verdadeiro Liberace (em baixo)

Devo dizer que nunca fui tocado pela arte e o virtuosismo de Liberace. Quando eu era miúdo e ele um ídolo, a sua excentricidade afastava-me desse pianista showman que tinha programa de televisão e tudo e era um dos homens mais ricos do showbiz norte-americano.
Wladziu Valentino Liberace nasceu West Allis, a 16 de Maio de 1919 e viria a falecer, em Palm Springs, a 4 de Fevereiro de 1987, vítima de SIDA. Vinha de uma família de músicos e tudo indicava que se tornaria num pianista clássico. Mas um dia, durante um dos seus primeiros recitais, quando chegou aos encores, em vez de um trecho clássico, optou por algo mais ligeiro e esta escolha iria mudar a sua carreira.
Liberace era um pianista extraordinariamente treinado sob o ponto de vista da escola tradicional do piano, mas que ousou o inesperado: usar toda a sua arte não apenas num repertório clássico, mas também na música popular. Além de tocar, ele cantava e dançava. A sua celebridade cresceu e rapidamente se tornaria o "Liszt de Las Vegas". Nunca interpretava Chopin ou Berlin (ou quem quer que fosse) sem lhes dar um cunho muito pessoal. Aparecia de Rolls Royce em cena, com aparatosas capas, rodeado de corpo de baile, cantava e dançava e era o mais bem pago de todos. A sua fortuna pessoal permitia-lhe coleccionar automóveis de marcas de topo, pianos históricos e mobiliário, além de possuir um guarda-roupa que fazia inveja a qualquer teatro de vaudeville. Tinha um programa de televisão a nível nacional, orgulhava-se dos seus “protegidos” e ostentava trejeitos que denunciavam homossexualidade de que alguns meios de comunicação o acusavam. Ele negou sempre e processou os acusadores. No seu período áureo recebeu mais de cinco milhões de dólares anualmente, o que lhe permitia ter cinco luxuosas mansões. A última aparição pública de Liberace foi em Novembro de 1986, no Radio City Music Hall, em Nova Iorque. Três meses após esta despedida, morria, com 67 anos, por complicações causadas pelo vírus da SIDA, na residência de Palm Springs, na Califórnia.


Um dos seus últimos “protegidos”, Scott Thorson, escreveu uma autobiografia (de colaboração com Alex Thorleifson), a que deu o título “Behind the Candelabra: My Life With Liberace”. Foi esta obra que deu origem ao filme de Steven Soderbergh, tendo sido adaptada a cinema pelo argumentista Richard LaGravenese. Aborda os últimos anos da vida de Liberace e a relação amorosa e sexual que durou seis anos entre Liberace e Scott Thorson. As memórias são evidentemente pessoais e vistas sob a perspectiva de Scott Thorson e o filme assume esta óptica sem nunca a por em causa.
O elenco escolhido é magnífico, sobretudo os protagonistas, Matt Damon na figura algo cinzenta de Scott Thorson, que se confessa bissexual e oscila entre o amante incondicional e o arrivista à procura de riqueza fácil, e Michael Douglas, numa composição absolutamente fabulosa de Liberace, de uma subtileza notável, mesmo nos momentos de maior exuberância. Este ano os Oscars de actores principais não parecem suscitar nenhum suspense. Cate Blanchett, em “Blue Jasmine” e Michael Douglas, em “Por Detrás do Candelabro” arrumam as contam à priori.


Mas, para lá do virtuosismo da interpretação, o filme é ainda magnificamente realizado por um inspirado Steven Soderbergh que encena com brilho esta vida de excessos, recriando a vida íntima de Liberace com pudor, mas não se furtando a cenas que facilmente poderiam cair no ridículo, e que ele segura com mão de mestre, ao mesmo tempo que nos oferece a féerie dos seus concertos e aparições públicas. Distante de início, com a câmara fixa, próximo e hesitante nas sequências finais, rodadas com a câmara à mão, pelo próprio realizador (que, além da realização, assina ainda fotografia e montagem), “Por Detrás do Candelabro” é uma lição de cinema. Curiosamente, este filme não foi produzido por nenhum dos grandes estúdios de cinema americanos, nunca foi estreado em salas nos EUA, tendo sido directamente lançado na televisão por cabo (quem o produziu foi a NBO, que assim permitiu ao realizador concretizar este projecto longamente amadurecido). De resto, Steven Soderbergh, um dos mais interessantes cineastas do actual cinema norte-americano, um homem que tem alternado ao longo da sua filmografia obras de grande público, como “Os Onze do Oceano” e sequelas, e outras de um certo experimentalismo, como “Sexo, Mentiras e Vídeo”, anunciou que o cinema para ele tinha acabado, dadas as condições de produção que existem hoje na América. Ele vai ficar-se pela televisão e pelo vídeo, que lhe oferecem maior liberdade.

POR DETRÁS DO CANDELABRO
Título original: Behind the Candelabra

Realização: Steven Soderbergh (EUA, 2013); Argumento: Richard LaGravenese, segundo obra de Scott Thorson e Alex Thorleifson; Produção: Susan Ekins, Gregory Jacobs, Michael Polaire, Jerry Weintraub; Música: Marvin Hamlisch; Fotografia (cor): Steven Soderbergh (como Peter Andrews); Montagem: Steven Soderbergh (como Mary Ann Bernard); Casting: Carmen Cuba; Design de produção: Howard Cummings; Direcção artística: Patrick M. Sullivan Jr.; Decoração: Barbara Munch; Guarda-roupa: Ellen Mirojnick; Maquilhagem: Christine Beveridge, Kate Biscoe, Stephen Kelley, Marie Larkin, Yvette Stone; Direcção de produção: Julie M. Anderson, David Kirchner, Michael Polaire; Assistentes de realização: Gregory Jacobs, Jody Spilkoman, Lynn Struiksma; Departamento de arte: Nicole Balzarini, Greg Berry, Karen Higgins, Jessica Ripka, Eric Sundahl, Karen Teneyck; Som: Larry Blake; Efeitos especiais:  Josh Hakian, David Waine; Efeitos visuais: Thomas J. Smith; Companhia de produção: HBO Films; Intérpretes: Michael Douglas (Liberace), Matt Damon (Scott Thorson), Dan Aykroyd (Seymour Heller), Rob Lowe (Dr. Jack Startz), Debbie Reynolds (Frances Liberace), Scott Bakula (Bob Black), Tom Papa (Ray Arnett), Nicky Katt (Mr. Y), Cheyenne Jackson (Billy Leatherwood), Paul Reiser (Mr. Felder), Boyd Holbrook (Cary James), David Koechner, Eddie Jemison, Randy Lowell, Tom Roach, Shamus Cooley, John Smutny, Eric Zuckerman,Jane Morris, Garrett M. Brown, Pat Asanti, Casey Kramer, James Kulick, Bruce Ramsay, Paul Witten, Deborah Lacey, Susan Todd, Nicky Katt, Austin Stowell, Francisco San Martin, Anthony Crivello, Mike O'Malley, Kiff VandenHeuvel, Nikea Gamby-Turner, Charlotte Crossley, Josh Meyers, Harvey J. Alperin, Jerry Clarke, Lisa Frantz, Shaun T. Benjamin, John Philip Kavcak, etc. Duração: 118 minutos; Distribuição em Portugal: Zon Audiovisuais; Classificação etária: M / 16 anos; Data da estreia em Portugal: 19 de Setembro de 2013.

segunda-feira, setembro 30, 2013

AS ELEIÇÕES AUTÁRQUCAS

AS VOTAÇÕES DE ONTEM:
LEITURA DE RESULTADOS
O PSD perdeu. Derrota estrondosa, em muitas frentes. Ganhou ou aguentou-se nalguns concelhos mercê de personalidades e perdeu noutros, de forma catastrófica, por demérito vergonhoso da sua actual direcção nacional que escolheu mal os candidatos (Gaia, Sintra, Porto, etc.). Claro que Passos Coelhos não retira lição nenhuma dos factos. Ele não sabe retirar lições de nada. Já se sabia. Mas o PSD teve uma clara vitória. Chama-se Rui Rio. Fica como capital de esperança, num partido que oferece poucas.
O PS ganhou, mas não ganhou o que devia, tendo no governo do País quem lá está. Ganhou em Lisboa de forma categórica, mas o mérito é todo de António Costa, e António José Seguro passa por entre os pingos da chuva sem se molhar, é certo. O País mais moderado votou no PS contra o governo. O PS mais radical votou PCP contra o governo. O País real não votou BE, porque o achou dispensável. Deviam-se retirar ilações de tudo isto.
O PCP ganhou. Reforçou-se autarquicamente a sul do Tejo. Reforçou o seu voto de protesto, que vai sair para as ruas com mais fragor.
No meio da confusão geral, o CDS ganhou algumas câmaras e Paulo Portas pode respirar de alívio. Afinal a “sua” crise não terá corrido mal de todo para o partido.
Rui Moreira é outro dos grandes vencedores desta noite eleitoral. Mostrou que os independentes que não são contra os partidos, mas que se colocam à margem do actual estado de alguns partidos, têm toda a razão para existirem. Venceu em grande no Porto, numa campanha que reuniu à sua volta gente de todas as cores.
Os independentes e os “independentes” dissidentes estão de parabéns. Estes movimentos de cidadania só podem ser bem-vindos. São um cartão amarelo aos partidos que bem precisam deles, assim como a democracia precisa de bons partidos. Saudáveis.
Já nos “dinossauros” aconteceu o que eu previa. Os que tinham obra positiva atrás de si ganharam, os outros perderam. Eu julgo que a lei dos três mandatos é uma inutilidade sem sentido. Não impede a corrupção, impede apenas alguns bons profissionais de continuarem a sua obra. Não é preciso esta lei para nada. Basta haver uma boa e eficaz fiscalização e os prevaricadores serem efectivamente condenados.
Em Oeiras, Paulo Vistas ganhou e esta vitória tem algumas leituras curiosas. Não sou dos que acham que este resultado seja uma afronta à democracia. Afronta à democracia é Isaltino estar preso e andarem por aí à solta, com coleiras e sem coleiras, tantos outros que mereciam muito mais estar lá dentro. O voto de Oeiras também tem de ser interpretado como uma crítica neste sentido, tanto mais que a obra do antigo autarca é absolutamente notável no domínio do seu município.
A Madeira deixou de ser um “jardim”. O que mostra que em democracia há sempre forma de contornar os obstáculos. Os Açores passam a ser “rosa”, o que deve querer dizer também alguma coisa.
De resto há outras ilações a retirar desta votação. A maioridade política e democrática dos eleitores portugueses, que apesar de tudo, foram votar em grande número, premiando e punindo quem achavam que o merecia. A abstenção foi um pouco acima da média, mas “normal”, sobretudo tendo em conta os mortos que constam dos cadernos eleitorais e obviamente se abstiveram. Não houve desacatos significativos (uma ou duas urnas pelo ar até dão cor ao ambiente) e os cartões amarelos e vermelhos que havia que distribuir foram disseminados tranquilamente por quem de direito. Pelkos partidos, pela abstenção, pelos votos nulos (mais de 7%!).

Agora que vem aí o “orçamento” para 2014, é altura de mais um 15 de Setembro sem partidos nem fantochadas. Apenas uma manifestação nacional, não dirigida por forças sindicais ou partidárias encapotadas, sem palermices que lhe retirem força e significado. Uma “arruada” de pesado silêncio contra quem quer destruir a democracia, o estado social, a liberdade. Um novo levantar de olhos contra os que viveram, e continuam a viver, “acima das suas possibilidades”, às costas daqueles que o poder financeiro internacional disse estarem “a viver acima das suas possibilidades”. É conveniente que a tróica e os que são “mais do que a própria tróica” percebam que há muita gente, muita mesmo, farta de os ouvir e de os sentir na pele. 

sábado, setembro 28, 2013

PORTUGAL SUBMERSO

FERNANDO DACOSTA
Portugal submerso

Um dos grandes cineastas portugueses, que tem suspensa a sua carreira como a maior parte dos nossos melhores realizadores, foi esta semana alvo de uma assinalável homenagem em Setúbal. Promovida por João Pereira Bastos, director do (magnífico) Fórum Luísa Todi, naquela cidade, ele, Lauro António, viu juntarem-se à sua volta diversos nomes de projecção intelectual que lhe manifestaram, em noite de invulgar vibração, um pouco do reconhecimento que lhe é devido.
Para lá do cinema, ou seja, para lá dos inesquecíveis filmes seus - "Manhã Submersa" é-nos uma referência -, Lauro António destacou-se como crítico, dramaturgo, ensaísta, conferencista, escritor, produtor, professor, marcando como poucos várias áreas culturais e convivenciais do país.
Os seus "Vavadiando", no café Vává de Lisboa, são pérolas nas tertúlias que (ainda) restam, como o são os ciclos de divulgação cinematográfica e os festivais temáticos que desenvolve em incansável e preciosa acção cultural por quase toda a comunidade - sem que a SEC o tenha alguma vez percebido.
A literatura e o teatro têm-lhe sido, depois do cinema, motores de actuação, pelo que escritores, encenadores, actores, realizadores, jornalistas, críticos estiveram presentes na confraternização agora aberta, a que se associaram músicos, fadistas, técnicos, fotógrafos, etc.
Se a cultura serve, como dizia Jorge de Sena, para mostrar aos outros e a nós próprios que somos melhores do que os outros e nós próprios julgamos  ser, então todos estamos em dívida para com Lauro António - é que ele acredita, e faz-nos acreditar (pela cultura, pelo convivia, pelo afecto) que podemos ser melhores do que aquilo que somos.


                                In Jornal “I”, quinta-feira, 26 de Setembro de 2013




sábado, setembro 21, 2013

DIA 23 DE SETEMBRO: NO LUÍSA TODI, 21 HORAS



LUÍSA TODI HOMENAGEIA LAURO ANTÓNIO

No próximo dia 23 de Setembro, o Fórum Luísa Todi, em Setúbal, presta a Lauro António uma homenagem que tem vindo a ser preparada ainda no âmbito dos recentemente celebrados 30 anos de "Manhã Submersa" - o filme, segundo obra homónima de Vergílio Ferreira - marco incontornável na história do cinema português e, simultaneamente, dos 50 anos de carreira do realizador, crítico de cinema, ensaísta, dinamizador cultural, professor, director de festivais de cinema.
Um espectáculo sobre a vida e obra do crítico de cinema Lauro António realiza-se na segunda-feira à noite, no Fórum Municipal Luísa Todi, em Setúbal, com a presença do homenageado, no qual participam personalidades do mundo das artes. O espectáculo, com início às 21h00, o primeiro do ciclo “Luísa Todi homenageia…”, é coordenado por Frederico Corado.
Ao longo da noite são recordados momentos desde a infância à actualidade da vida de Lauro António, sem esquecer muitos pormenores que enriqueceram a vivência do homenageado, inclusivamente projectos que chegou a idealizar mas que nunca foram concretizados.
Amigos e colegas de profissão de Lauro António sobem ao palco do Fórum Luísa Todi para recordar momentos que passaram juntos. Maria do Céu Guerra, Lia Gama, João Perry, Vicente Alves do Ó, Manuel Neves, Jorge Silva Melo, Fernando Dacosta, Jorge Paixão da Costa, António Victorino d’Almeida e Duarte Victor são personalidades que vão recordar e partilhar memórias com Lauro António e o público.
O espectáculo inclui momentos musicais com Cátia Garcia, Pedro Galveias e Hugo Rendas, a colaboração de Alexandre Amendoeira e ainda a estreia da representação de “Um Monólogo do Rei Vitorioso”, escrito por Lauro António aos 19 anos e publicado na época em livro.
A noite termina com a exibição de “Manhã Submersa”, longa-metragem de 1980 realizada por Lauro António, que, além de crítico de cinema, foi igualmente realizador, encenador, ensaísta, professor e autor de programas de rádio e televisão.
Lauro António é o exemplo de uma vida de paixão pela 7ª arte. Como realizador, assinou, para além de “Manhã Submersa”, “O Vestido Cor de Fogo”, “Mãe Genoveva”, Paisagem Sem Barcos”, “A Bela e a Rosa”, “Casino Oceano”, “Vamos ao Nimas”, “Bonecos de Estremoz”, a série “A Paródia”, “Vergílio Ferreira numa Manhã Submersa”, “Prefácio a Vergílio Ferreira”, “Humberto Delgado: Obviamente, demito-o!”, entre outros.
Mas não só na realização a paixão pelo cinema tem dominado os 50 anos de actividade profissional de Lauro António. Sempre ao serviço da divulgação e amor pelo cinema de qualidade, o cineasta tem-se dedicado ao ensino universitário, foi programador de salas de cinema, director de festivais de cinema em Portugal e membro de inúmeros júris, internacionalmente. Teve o seu próprio programa na TVI, “Lauro António Apresenta…”, que continua a ser uma referência na programação televisiva em Portugal, para além de ser responsável por variadíssimas masterclasses sobre cinema.
Esta homenagem tem ainda o objectivo de lançar precisamente mais uma dessas actividades em prol da divulgação do cinema, que irá ter lugar, já no próximo mês de Outubro, nesta mesma sala que acolhe a homenagem, o Fórum Luisa Todi, em Setúbal, e cujo programa se encontra já disponível para divulgação.
Os bilhetes para o espectáculo custam três euros e podem ser adquiridos na bilheteira do Fórum Luísa Todi ou no site.
informação de imprensa, divulgada pelo Forum Luísa Todi.

CINEMA: BLUE JASMINE


BLUE JASMINE

Ao contrário de alguns, que acham que os filmes de Woody Allen rodados fora dos EUA são destituídos de interesse, com uma ou outra excepção, eu acho que quase todas as obras deste cineasta são particularmente interessantes, ainda que obviamente nem todas por igual. Mas concordo que Woody Allen se sente muito mais à vontade em Nova Iorque do que nas cidades europeias que o convidam a ir ali rodar um opus da sua filmografia. Woody Allen respira o ar de Nova Iorque, sobretudo o smog de Manhattan, e ali ele é de uma certeza quase infalível. “Blue Jasmine” marca o regresso de Woody Allen a casa, depois de andanças por Londres, Barcelona, Paris e Roma, e afirma-se desde logo como um dos melhores títulos da sua obra mais recente. Há mesmo um aspecto que me parece relevante e que por isso merece ser sublinhado. Neste seu último trabalho, Woody Allen toma-se mais a sério, ou pelo menos leva mais a sério personagens e situações, reflectindo não só questões pessoais, como ambientes sociais muito precisos. Ou seja: as personagens de “Blue Jasmine” continuam a ter os seus problemas pessoais muito concretos, amores e desamores, frustrações e esperanças, traumas e falta de dinheiro, grandes empregos ou trabalhos menores, grandes casas ou pequenos apartamentos, amantes de ocasião ou grandes amores, mas tudo isso se integra num tempo e espaço determinados, que lhe conferem um outro significado. Este é um filme do nosso tempo. Fala da América de 2012/13, mas também nos diz respeito a nós, europeus, mais precisamente, no nosso caso, portugueses. Todos estamos envolvidos no mesmo clima e nas mesmas circunstâncias políticas, económicas, sociais. Mais directamente: este é um filme que aborda personagens em crise, num tempo de crise.


Woody Allen já havia criado uma obra-prima a recriar o tempo da Grande Depressão, dos anos 30 do século XX, em “Rosa Púrpura do Cairo”. Digamos que este “Blue Jasmine” é o duplo, adaptado a estes anos que vivemos agora. Há questões que se sobrepõem entre as duas crises, há outras que se alteram consideravelmente. Em tudo, Woody Allen parece estar certo no seu diagnóstico.
Jeannette Francis (Cate Blanchett), que gosta mais de ser conhecida por “Jasmine”, porque dá mais estilo à mulher, foi casada com Harold "Hal" Francis (Alec Baldwin), levando uma vida de classe A-alta, sobretudo à custa das trafulhices financeiras do esposo, que é descoberto, e passam ambos rapidamente à penúria pelo arresto de bens desviados pelo Estado. Da 5ª Avenida de Nova Iorque, Jasmine é obrigada a mudar-se para um bairro económico de São Francisco, para o modesto apartamento da irmã por afinidade, Ginger (Sally Hawkins), que a recebe de braços abertos, na sua inocência e generosidade. Mas Jasmine vem muito traumatizada pela despromoção social, dificilmente aceita trabalhar num consultório de dentista, dificilmente se vê a dormir e habitar naquela casa apertada para as suas ambições, dificilmente aceita esta nova realidade em que caiu. Muitos comentadores falam de uma nova versão de Blanche Dubois, a protagonista de "Eléctrico Chamado Desejo", de Tennessee Williams, e há obviamente muitos pontos de contacto, sobretudo no comportamento de ambas, hipersensíveis à dolorosa realidade que as rodeia, roçando mesmo o quadro clínico da patologia.


Para lá deste magnífico enquadramento social que o realizador nos oferece de forma subtil e discreta, como quem nem sequer fala nisso, existem ainda personagens brilhantemente desenhadas por Woody Allen e magnificamente corporizadas por um elenco brilhante. Todos os actores são de primeira água, mas Cate Blanchett é aqui de um outro oceano. O seu trabalho é absolutamente espantoso, na forma quase imperceptível como nos vai oferecendo o desenvolver da sua figura, como vai discretamente acentuando certos tiques, como faz esbarrar a sua arrogância e altivez com o dramático do dia-a-dia em São Francisco. Como se empenha em arranjar um novo bom casamento que a salve do descalabro em que se precipitou, como inventa o impossível para tornar possível a sua megalomania. Mas, simultaneamente, vem ao de cima o lado humanista de Woody Allen que, não se furtando a apresentar o lado negro de Jasmine, não a deixa afundar-se num estereótipo de egoísmo e malvadez. Absolutamente fascinante é o termo. O que se estende a todo o filme, que voga numa toada de drama, entrecortada por sorrisos sóbrios que o tornam invulgarmente sugestivo. Tudo isto ao som de “Blue Moon”.
Não tenho muitas dúvidas em dizer que o Oscar de Melhor Actriz de 2013 está desde já atribuído, e “Blue Jasmine” é igualmente um sério candidato a muitas outras estatuetas.

BLUE JASMINE
Título original: Blue Jasmine

Realização: Woody Allen (EUA, 2013); Argumento: Woody Allen; Produção: Letty Aronson, Helen Robin, Jack Rollins, Leroy Schecter, Adam B. Stern, Stephen Tenenbaum, Edward Walson; Fotografia (cor): Javier Aguirresarobe; Montagem: Alisa Lepselter; Casting: Patricia Kerrigan DiCerto, Juliet Taylor; Design de produção: Santo Loquasto; Direcção artística: Michael E. Goldman, Doug Huszti; Decoração: Kris Boxell, Regina Graves; Guarda-roupa: Suzy Benzinger; Maquilhagem: Gretchen Davis, Yvette Rivas; Direcção de produção: Debbie Brubaker, Marcelo Gandola, Helen Robi; Assistentes de realização: Sarah Fairchild, Ted Leonard, John M. Morse, Danielle Rigby, Brad Robinson; Departamento de arte: David Hendrickson, Kelli Lundy, Joel Morgante; Som: Brian Copenhagen, Brendan Jamieson O'Brien, Adam Sanchez, Nelson Stoll, Thomas Varga, David Wahnon; Efeitos Visuais: Jake Braver; Companhia de produção: Perdido Productions; Intérpretes: Cate Blanchett (“Jasmine” Francis), Alec Baldwin (Harold "Hal" Francis), Bobby Cannavale (Chili), Louis C.K. (Al), Andrew Dice Clay (Augie), Sally Hawkins (Ginger), Peter Sarsgaard (Dwight Westlake), Michael Stuhlbarg (Dr. Flicker), Tammy Blanchard (Jane), Max Casella (Eddie), Alden Ehrenreich (Danny Francis), Joy Carlin, Richard Cont, Glen Caspillo, Charlie Tahan, Annie McNamara, Daniel Jenks, Max Rutherford, Kathy Tong, Ted Neustadt, Andrew Long, Lauren Allan, John Harrington Bland, Leslie Lyles, Glenn Fleshler, Brynn Thayer, Christopher Rubin, Emily Bergl, Barbara Garrick, Ali Fedotowsky, Dean Farwood, Conor Kellicut, Colin Thomson, Val Diamond, Joe Bellan, Catherine MacNeal, Irit Levi, Diane Amos, Shannon Finn, Tom Kemp, Emily Hsu, Maurice Sonnenberg, Martin Cantu, Daniel Hepner, Al Palagonia, etc. Duração: 98 minutos; Distribuição em Portugal: Pris Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal 12 de Setembro de 2013.

quarta-feira, setembro 11, 2013

VAVADIANDO COM FERNANDO TORDO


O Vavadiando regressa depois de férias, 
com um convidado muito especial, Fernando Tordo. 
Dia 27 de Setembro, pelas 20,00 horas. no Café-restaurante Vavá. 
Podem começar a reservar lugar. 

terça-feira, setembro 10, 2013

ANTÓNIO COSTA

ANTÓNIO COSTA PARA LISBOA
Hoje reuniu a Comissão de Honra de António Costa, candidato à reeleição para a presidência da Câmara Municipal de Lisboa.
Hoje estive no Páteo da Galé porque sim.
Porque o acho um homem honesto, um político que serve causas, alguém que olha de frente os problemas e, mais do que isso, que olha as pessoas. Como pessoas. António Costa é um rosto que admiro. Para que fique claro, nunca me deu um centavo. Voto António Costa por Lisboa, pelos lisboetas e por todos quantos nos visitam.

Por isso estive hoje no Páteo da Galé. Porque é tempo de dar a cara. 

CINEMA: VIAGEM A TÓQUIO



VIAGEM A TÓQUIO

Yasujirô Ozu é um dos maiores realizadores japoneses, colocando-se ao lado de Misoguchi e Kurosawa, e é igualmente um dos mais espantosos cineastas mundiais. Em quase todas as listas dos 10 melhores filmes de sempre, aparece um título seu, quase sempre este “Viagem a Tóquio”, considerado por muitos como a sua obra máxima, integrada num conjunto de obras-primas de invulgar consistência estética, que se concretizaram sobretudo nos últimos vinte anos da sua carreira.
Nascido a 12 de Dezembro de 1903, viria a falecer no mesmo dia do ano de 1963, sempre na cidade de Tóquio. Desde miúdo apaixonado por cinema, nomeadamente pelo cinema de Hollywood, onde ele confessava ter encontrado alguns mestres inspiradores, com 20 anos já trabalhava como assistente de câmara nos estúdios Shochiku, em Tóquio. Rapidamente passou a assistente de realização e a realizador, estreando-se em 1927 como autor. A obra chamava-se “Zange no yaiba”. Ainda durante o período mudo, rodou certa de três dezenas e meia de filmes, alguns dos quais nos dizem ser autênticas obras-primas. Desconhecemos todos. Passou pelo serviço militar e foi recrutado pelo exército japonês, durante a II Guerra Mundial, andando pela China e por Singapura, onde foi feito prisioneiro pelos ingleses. De regresso ao Japão, a sua carreira conhece um novo período, de uma austeridade de processos extraordinária, impondo um estilo muito próprio, que ficou testemunhado em obras admiráveis como “Uma Galinha no Vento” (1948), “Primavera Tardia” (1949), “Viagem a Tóquio” (1953), “A Flor do Equinócio”, “Bom Dia” (1959), ““O Fim do Outono” (1960) ou “O Gosto do Saké” (1962), seu derradeiro filme.
Infelizmente, por ser tão tarde, felizmente, porque apesar de tudo acontece, estrearam-se agora em salas portuguesas dois dos seus títulos mais celebrados: “Viagem a Tóquio” e “O Gosto do Saké”. Mas deve acrescentar-se que, editadas pela Prisvideo, já existiam no nosso mercado de DVDs três caixas dedicadas a Ozu, cada uma com dois filmes, o que permitia um conhecimento de “Graduei-me, Mas...”, “Viagem a Tóquio”, “A Flor de Equinócio”, “Bom Dia”, “O Fim do Outono” e “O Gosto do Saké”.

Posto isto, falemos de “Viagem a Tóquio”. Antes de tudo o mais, do estilo de Ozu. Inconfundível. Apesar de ter muitos pontos de contacto com a obra de outros autores de rigorosa austeridade, como Dreyer ou Bresson. Mas, quando se descobre um plano filmado com a câmara rente ao chão, com uma quase fixidez de olhar, uma prodigiosa encenação ao nível do plano, com entradas e saídas de personagens, quando se sente esta sensibilidade rara, a elegância do olhar, o pudor no exacerbar das emoções, a forma discreta como alimenta os conflitos, quando nos encontramos perante algo assim, não pode ser senão Ozu, sobretudo se os actores forem japoneses. Como é o caso desse magnífico Chishû Ryû, seu actor preferido, que aparece em boa parte da sua filmografia sonora. Um actor seco de carnes, mas de uma interioridade majestática, que relembra, aqui e ali, o Clint Eastwood de agora. Até no andar vagaroso, saboreado, de homem de muito saber, que anda pausadamente para chegar seguro.
Depois, o próprio Ozu declarava que as suas obras se enunciavam de forma rápida: um velho casal viaja até Tóquio para visitar os filhos que ali vivem, casados, um deles já com filhos. Mas a viagem resulta algo frustrante, os filhos encontram-se muito ocupados pelos seus empregos e trabalhos diários e pouca atenção reservam aos pais. Apenas a viúva de um dos filhos, morto na guerra (o filme data de 1953, e é ainda um reflexo dessa guerra), se mostra mais atenciosa. A estadia tem as suas peripécias, o velho visita uns amigos e perdem a cabeça com o saké durante uma noitada de recordações embebidas em álcool, e o casal resolve voltar a casa. Pouco tempo depois são os filhos que viajam até casa dos pais, para acompanhar a agonia da mãe, lamentando então as falhas passadas.
Numa notável fotografia a preto e branco, o filme passa frente aos nossos olhos como um rio a deslizar suavemente, com um ou outro percalço, mas perante a inevitabilidade do que se sabe suceder, aconteça o que acontecer. Na manhã seguinte à morte da mulher, o velho Shukishi é surpreendido a olhar o nascer do sol de um novo dia magnífico. É a vida que continua, inexorável. Ele olha esse amanhecer sem mágoa, enfrentando o futuro com a sábia nostalgia de um passado, mas com a certeza de que o rio continuará a correr, placidamente, como as imagens de Ozu. É a milenar filosofia oriental a contemplar os mistérios da vida, a surpreender-se com algumas decisões infelizes, mas a confundir homem e natureza num ciclo vital continuo. Belíssimo, doloroso pela sensação de culpa que deixa como lastro, mas igualmente grandioso pela forma como transmite esse deslizar do tempo pela memória dos homens.
A não perder. Mas é conveniente ir preparado para se assistir a uma jóia de secreta garantia, longe do tumulto das fitas comerciais que explodem de cinco em cinco minutos. Aqui a explosão é interior, discreta, subtil. Quem o sentir sairá certamente reconfortado. 



VIAGEM A TÓQUIO
Título original: Tôkyô Monogatari

Realização: Yasujirô Ozu (Japão, 1953); Argumento: Kôgo Noda, Yasujirô Ozu; Produção: Takeshi Yamamoto; Música: Takanobu Saito; Fotografia (p/b): Yûharu Atsuta; Montagem: Yoshiyasu Hamamura; Design de produção: Tatsuo Hamada; Direcção artística: Tatsuo Hamada; Guarda-roupa: Taizô Saitô; Assistentes de realização: Osamu Takahashi, Kouzou Yamamoto, Shôhei Imamura; Departamento de arte: Setsutarô Moriya, Toshio Takahashi; Som: Mitsuru Kaneko, Yoshisaburô Senoo; Companhia de produção: Shôchiku Eiga; Intérpretes: Chishû Ryû (Shukishi Hirayama), Chieko Higashiyama (Tomi Hirayama), Setsuko Hara (Noriko Hirayama), Haruko Sugimura (Shige Kaneko), Sô Yamamura (Koichi Hirayama), Kuniko Miyake (a muhr de Fumiko Hirayama), Kyôko Kagawa (Kyôko Hirayama), Eijirô Tôno (Sanpei Numata), Nobuo Nakamura (Kurazo Kaneko), Shirô Osaka (Keizo Hirayama), Hisao Toake (Osamu Hattori), Teruko Nagaoka (Yone Hattori), Mutsuko Sakura, Toyo Takahashi, Tôru Abe, Sachiko Mitani, Zen Murase, Mitsuhiro Môri, Junko Anan, Ryôko Mizuki, Yoshiko Togawa, Kazuhiro Itokawa, Fumio Toyama, Keijirô Morozumi, Tsutomu Nijima, Shozo Suzuki, Yoshiko Tashiro, Haruko Chichibu, Takashi Miki, Binnosuke Nagao, etc. Duração: 136 minutos; Distribuição em Portugal: Leopardo Filmes; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 5 de Setembro de 2013.