Um dos símbolos do Faial é o “Peter Café Sport”, local de romagem obrigatória para lobos-do-mar e turistas em peregrinação, mas também para os fiéis habitantes da ilha ou os simples apreciadores de referências gastronómicas.
Há cerca de uma dezena de anos estivera na Horta e daí para cá poucas diferenças senti. Neste caso não quer dizer que a terra não tenha evoluído. Apenas se manteve igual. Serena à superfície, com uma actividade sísmica intensa nos seus subterrâneos, mágica na sua paisagem, o límpido oceano a bordejá-la, o verde das pastagens e do (raro) arvoredo a subir encosta acima, as casas da cidade permanecem de um traçado nobre, da mais modesta à mais exuberante, a despertar a nossa curiosidade à medida que andamos, um comércio parado no tempo, cafés que recordam o passado, um porto de abrigo que se tornou escala entre a Europa e as Américas, a memória de milhares de viagens e de viajantes que deixam a sua colorida marca no chão e nas paredes deste ancoradoiro único onde nascem e morrem esperanças e se suspendem paixões. De paraísos perdidos, de mulheres ou homens de olhos faiscantes, de Moby Dicks que se perseguem até à morte. Assim é a história da Humanidade que aqui encontra registo miniaturista e “naif”.
Entre-se no “Peter Café Sport”. São velhas e sólidas cadeiras e mesas de madeira, estas com tampos de mármore, numa boa tradição de taberna reabilitada. Numa das paredes um mapa-mundo da “Cable and Wireless Limited”, e depois uma profusão imensa de estandartes e bandeirinhas que se sobrepõem, autocolantes, placas comemorativas, brasões de barcos, bilhetes escritos em todas as línguas, apelos, informações. Pedidos de “crew” para viagens. “Foi um prazer conhecer-te…”. “To Sophie”, ali se encontra um bilhete em papel fechado que todos aceitam como inviolável até à provável, ou improvável, chegada da anunciada Sophie. Uma enorme águia de madeira, num castanho-escuro e duro, de bem abertas e negras asas, segura nas fortes patas duas entrelaçadas bandeiras de Portugal. Está por cima do balcão principal, donde fumegam malgas brancas com uma excelente e forte sopa de peixe, mas também pastéis de bacalhau, rissóis, tartes várias, cervejas e gin tónico (o célebre “gin do mar” ou o “gin à memória”). Desse balcão sai e entra, com bandejas carregadas, uma empregada brasileira de olhos doces e t-shirt da casa, “Whale Whatching - Peter”, com as calças descaídas deixando entrever uma faixa da barriga, pele rosada e umbigo a descoberto. Há este balcão de bebidas e comidas ao fundo, e um outro, à esquerda de quem entra, este reservado a pagamentos, tabacos e “souvenirs.” O “Peter” não é só já um café, mas por cima do estabelecimento tem, no primeiro andar, um pequeno museu do mar, da pesca à baleia, da escultura em osso e dente de baleia, e, crescendo do seu lado esquerdo, estende-se também uma loja que vende um pouco de tudo, de t-shirts a brincos, de livros turísticos a objectos regionais.
No próprio café há pequenas vitrinas com as prateleiras repletas de objectos de dente de baleia, de madeira de figueira, alargando a recordação para o mar e os barcos, a caça à baleia, o horizonte do Atlântico. Um Atlântico que basta olhar através das portas para se vislumbrar para lá da esplanada. A iluminação é discreta, mesmo de dia, mais clara do que à noite, onde impera o dourado velho das lâmpadas. Nas paredes e nas montras, lanternas antigas azuis e brancas, relógios e aparelhos vários da arte de marear. Nas mesas, a pausa para um café ou uma cerveja, os gins da tradição ou uma refeição mais demorada. Franceses, irlandeses, nórdicos à escolha, americanos e ingleses, uma babilónia de línguas, de olhares, de cabelos hirsutos ou de carecas rapadas à lamina, cabelos em rabo de cavalo, presos atrás, ou soltos, ou atados por uma fita vermelha em redor da testa. Há homens para todos os gostos, rostos tisnados pelo sol, barbas longas, ou simples bigodes, calções, calças militarizadas ou curtas, t-shirts lisas de cores claras ou escuras, ou estampadas com barcos e símbolos de companhias de navegação. Botas cardadas, chinelos, ténis, mais ligeiros ou mais carregados, sandálias, socas. Entra um casal que capta o olhar de todos: ele de cabeça rapada à máquina zero, de longos bigodes louros e farfalhudos, alto e espadaúdo, sacola às costas, ela loura, t-shirt azul-marinho a escorrer-lhe pelo corpo alto mas franzino, seios a anunciarem-se soltos por baixo do algodão, longos dias de travessia do oceano nos braços e nas mãos. No balcão pedem duas cervejas que trazem até à porta, onde se encostam confortavelmente, acendem cigarro e cigarrilha e ficam a olhar o mar e a beber.
Mas dentro do café, em diversas mesas, vão-se sucedendo os cabelos louros de mulheres de meia-idade e os grisalhos de homens que passaram grande parte da sua vida no mar ou em portos de abrigo como este. São velhos lobos-do-mar com muitas histórias para contar que as vão desfiando a mulheres louras, sempre louras, de longos cabelos escorridos, ou encaracolados, que os ouvem e os incitam com o olhar para novas aventuras. Marítimas ou não. Estes são os seres que vivem no habitat natural, onde se cruzam com burgueses de visita, burocratas em momentos de relaxe, artistas em busca de inspiração, turistas que registam o instante.
Lá ao fundo, ancorados no porto, os iates, os barcos de recreio, os botes de ilusão que atravessam os oceanos do mistério, de ondas encrespadas ou de cálidas marés que povoam os sonhos do homem, sonhos de conquistas e de aventuras que se estendem desde a “Odisseia” ou da “Ilíada” até “Moby Dick” ou “O Velho e o Mar”. Há ainda “Mau Tempo no Canal” que une o Faial ao Pico, mesmo ali à frente. E “Gente Feliz com Lágrimas”. Passando por “A Mulher de Porto Pim”. Mas esta fica para uma próxima história.
Rapidinhas de História #11
Há 37 minutos
3 comentários:
Bonito texto e vívido registo de um lugar mítico e especial!
Barcos...Barcos... Velas... Não há nada melhor. Lugar bonito deve ser esse.. com personalidade... contexto... vivências... bem descrito...pelo Lauro...
Eh k saudades ... do Faial e de tudo. Adorei viajar por aqui !
E re.convite lançado. Vamos só ajustar a data ...
(Hoje Laurissimamente falando na RTP news ! O gosto por livros ...e pelas boas " estórias ".Vi tudo !)
Bj de estrelas *** **
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