domingo, agosto 24, 2008

JOGOS OLIMPICOS, II


O elogio do falhanço

Continuando nos JO.
O que mais me prendeu à televisão não foram as oito medalhas de ouro de um super herói americano de quem não retive sequer o nome, nem as dezenas de medalhas que uns chineses, todos iguais, foram arrecadando (claro que também não retive os nomes!). Esses atletas foram treinados para serem máquinas e as máquinas sirvo-me delas, não as venero. Interessante era ver se o tal americano falhava uma medalha e o “record” das oito, e se os chineses caíam de rabo na ginástica ou executavam um movimento imperfeito no “cavalo” ou nas “paralelas”. Na verdade, o falhanço manteve-me muitas noites acordado até às tantas. Não porque desejasse o falhanço, mas porque, numa competição com quase nada de humano, o falhanço mostrava que estes atletas altamente treinados para nada falharam, não deixam de ser humano e de falharem. Ao falharem eles eram meus iguais e eu pertencia à mesma irmandade. Reconhecia-me neles e via-os à minha imagem e semelhança. Eu também sei, por experiência própria, que fazer um filme, dar uma aula, escrever um texto pode ser um êxito ou um fracasso, sem que, ao concebê-los, exista a mais pequena diferença. Todos foram feitos com igual dedicação, interesse, empenhamento, amor, tudo o que é necessário para o sucesso. No entanto, uns funcionam bem, outros não, por uma qualquer razão, certamente “mágica”, que faz de nós todos “homens”, sujeitos a admiráveis variações, para as quais por vezes não arranjamos quaisquer explicações. Por isso compreendo o olhar de Naide Gomes, que não compreendeu nada do que lhe aconteceu, nem vai compreender nunca o que lhe sucedeu naquele dia. Por isso compreendo a “incompreensível” “caminha de manhã” do Marco Fortes, que tentou “explicar pelo absurdo” o que não conseguiu compreender.
Não há aqui qualquer elogio da preguiça, da incompetência, do desleixo, da “boa-vai-ela” em que os portugueses por vezes são férteis. Detesto tudo isso e acho que os portugueses têm de combater esse laxismo, têm de ir para a escola ensinar, aprender e trabalhar (não brincar: infeliz de quem inventou tal teoria!), têm de trabalhar a sério nos empregos, têm de ser responsáveis e competentes, têm de deixar de andar atrás de sindicalistas irresponsáveis que pedem o impossível e de dirigentes políticos que fazem a apologia do “quanto pior melhor” (mas só para o seu partido). Isto, porém, é um aspecto do problema. No desporto, existe o trabalho, obviamente, mas existe a componente artística que é incontrolável. Em arte não há resultados de ciência certa (pois se nem em ciência os há!). Em arte, o imponderável “humano” predomina.
Eu gosto disso, dessa possibilidade de falhanço, que torna um atleta não uma máquina infalível, mas um ser humano que uma aragem pode derrotar inexoravelmente. Gosto de torcer pelo que vem em oitavo, ou em vigésimo. Gosto de perceber porque corre o atleta que chega em último e cai no chão, redondo, depois de atravessar a meta. O que o leva a correr até à meta, com meia hora de atraso? O que leva uma Neide Gomes, no melhor da sua forma, a falhar três ensaios, numa prova que era dada como favorita? Apenas a sua condição de não-máquina. Uma admirável “mulher” que até consegue falhar. No melhor da sua forma. Sim, a essa gostaria de apertar a mão, ou dar um beijo, mas passo bem sem conhecer o recordista das oito medalhas, que é fabuloso a nadar, mas não é da minha “família”. Até ao dia em que falhar, e se mostre “meu irmão”.
Há bastantes anos já, vi, com o meu pai, em Alvalade, o Sporting jogar com o Beira-Mar. O meu pai era de Aveiro e estava nesse dia dividido (80% do Sporting; 20% do Beira Mar). O jogo acabou com um impensável 0-0. O Sporting esteve o jogo todo a jogar magnificamente e a criar, jogada após jogada, oportunidades para uma goleada. Mas no final ficou o 0-0. Era um daqueles dias em que, por mais que fizesse, a bola não entrava na baliza. Eram os pés, as pernas, o corpo dos jogadores de Aveiro, os postes, a trave, o guarda-redes, parece que até o vento interveio. No dia seguinte houve “comentadores da bola” que explicaram “cientificamente” o falhanço do Sporting. Por A mais B. Que tolice imensa! Nada havia falhado. O Sporting jogou nessa tarde maravilhosamente. Apenas a bola não entrou. Nem os de Aveiro tiveram muito a ver com o caso. Há que fazer tudo para alterar a sorte, mas às vezes a sorte é inalterável. O que faz a beleza da vida, o inesperado da existência, a grandeza do vencedor e do vencido.

3 comentários:

Lóri disse...

Acho que este foi o melhor da tua série sobre os JO. É por isso, também, que gosto de ti: por seres apenas humano e saberes dizê-lo como poucos são capazes, não sei ainda se por humildade ou se pelo desprendimento de quem não se preocupa mais com a imagem... y que venga el toro.

Beijo de admiração,
Ida

Lauro António disse...

Lori, minha querida: y que venga el toro. Beijo.

Lóri disse...

Olé!

Besos...