sexta-feira, outubro 17, 2008

CINEMA: MAMMA MIA!


Bom, fui ver “Mamma Mia” e sabia a que ia. Nunca me pretendi acima dos demais, não sofro de tonturas esquizofrénicas, não ando por aí vestido de andrajos a fazer a figura do intelectual sofredor pela sorte da Humanidade, não sou “alternativo de esquerda” com fato negros e cinzentos de Hugo Boss, não me caem os parentes na lama por gostar de Bergman e Godard, e de musicais e comédias sentimentais. Sou como sou, nunca voltei as costas ao que sou para dar ares do que não sou, como acontece a tanto merdoso que por ai anda a tentar fazer figura do que nunca foi. Não sou dos que dizem “ai não li, nem vou ler “O Código da Vinci”, que horror!” (li e gostei de ler!), nem sou dos que acham que a vida é uma chatice tão grande que só mesmo com dramas metafísicos e poesias de um hermetismo fechado à chave se suporta. Não preciso desses subterfúgios para ser quem sou, e quem sou basta-me muito bem. Se não bastar aos outros, passem muito bem, não vivo, nem quero viver a vida deles, mas a minha. Por isso, vou ver “Mamma Mia” porque me apetece, diverti-me, não achei tão mau como alguns o pintam, ainda que seja uma pirosada de todo o tamanho, dirigida deliberadamente como se fosse uma pirosada, com um grupo de excelentes actores, que se divertiram que nem uns loucos, durante as filmagens (e há lá melhor coisa do que a alegria no trabalho?), rodando um filmezinho que é uma homenagem à musica dos Abba, mas também uma recriação da estética do grupo e dos anos 80, que é coisa mesmo só para rir.
“Mamma Mia!” parte de um musical teatral que estreou nos palcos londrinos em 1999, passando depois aos EUA, em Outubro de 2001, ano em que as Torres Gémeas foram atravessadas por dois aviões de carreira, e a população americana se afundou numa crise traumática sem precedentes. Na Broadway, “Mamma Mia” cumpriu a sua função de anestésico. Por umas horas que fosse. Como não penso que “o pior é o melhor”, como alguns pregadores da desgraça, ainda bem que apareceu “Mamma Mia”. Com encenação de Phyllida Lloyd (que agora realiza o filme), a peça chegou e venceu, com um argumento muito “faz de conta que anda mas anda pouco”, um conjunto de canções que todos com mais de dez anos trauteiam, uns bailados mais ou menos loucos, numa coreografia que nunca se importa muito com isso (apesar de haver no filme dois ou três “números” curiosos, mais pelo efeito “de tudo ao monte e fé nos Abba” do que por qualquer outra planificação) e uma estética de “feira dos 300”, com muita lantejoula e pluma, guarda-roupa garrido, muito “queery”, muito kitch, muito demodé. O resultado é divertidíssimo, ouve-se música de encher o ouvido e ri-se com a boa disposição (e o talento) de um grupo de actores magníficos: Meryl Streep, estupenda, em forma, Pierce Brosnan, sem uma pinta de voz, a cantar mal como o diabo, mas fantástico no à vontade com que assume a sua nulidade vocal, Colin Firth e Stellan Skarsgard, muito bem, integrando um trio de pais de uma menina - e pretendentes de uma mãe - que não sabe a quem deve chamar pai, depois dos devaneios tresloucados, mas muito saborosos, ao que consta, da insaciável Streep nos idos de 80. Mas há ainda a acrescentar Julie Walters (Rosie), quem se lembra dela no fabuloso “A Educação de Rita”?, ou Christine Baranski (Tanya), não falando na jovem Amanda Seyfried (Sophie). Um filme de mulheres, obviamente, onde um trio de canastrões assumidos, se auto-parodiam com um nítido prazer que é contagiante. O último “número” deste trio é prova provada do que afirmamos.
Obviamente que “Mamma Mia” não é “Singing In the Rain”, mas ambos ficarão seguramente na história do cinema. Um por ser uma obra-prima do musical e do cinema. Outro porque, não sendo nada disso, e apresentando-se mesmo como uma medíocre realização fílmica, não deixa de assinalar um marco na história de um género.





















MAMMA MIA!
Título original: Mamma Mia!
Realização: Phyllida Lloyd (EUA, Inglaterra, Alemanha, 2008); Argumento: Catherine Johnson, Catherine Johnson; Produção: Benny Andersson, Judy Craymer, Gary Goetzman, Tom Hanks, Björn Ulvaeus, Rita Wilson; Música: Benny Andersson; Fotografia (cor): Haris Zambarloukos; Montagem: Lesley Walker; Casting: Priscilla John; Design de produção: Maria Djurkovic; Direcção artística: Dean Clegg, Rebecca Holmes, Nick Palmer; Decoração: Barbara Herman-Skelding; Guarda-roupa: Ann Roth; Maquilhagem: Amy Byrne, Louise Coles, Nana Fischer, J.Roy Helland, Belinda Hodson, Sophie Slotover, Zoe Tahir; Direcção de produção : Bruno Cassoni, Jeanette Haley, Kathy Sykes; Assistentes de realização: Bruno Cassoni, James Chasey, Yann Mari Faget, Emmanuela Fragiadaki, Richard Goodwin, Christos Houliaras, Michael Michael, Christopher Newman, Carly Taverner; Som: Alastair Sirkett; Efeitos especiais: Paul Corbould; Efeitos visuais: Paulina Kuszta, Mark Nelmes; Companhias de produção: Universal Pictures, Littlestar Productions, Playtone, Internationale Filmproduktion Richter.
Intérpretes: Meryl Streep (Donna Sheridan), Julie Walters (Rosie), Pierce Brosnan (Sam Carmichael), Colin Firth (Harry Bright), Christine Baranski (Tanya), Amanda Seyfried (Sophie Sheridan), Stellan Skarsgård (Bill Anderson), Nancy Baldwin, Heather Emmanuel, Colin Davis, Rachel McDowall, Ashley Lilley, Ricardo Montez, Mia Soteriou, Enzo Squillino Jr., Dominic Cooper, Philip Michael, Chris Jarvis, George Georgiou, Hemi Yeroham, Maria Lopiano, Juan Pablo Di Pace, Norma Atallah, Myra McFadyen, Leonie Hill, Jane Foufas, Niall Buggy, Benny Andersson, Celestina Banjo, Karl Bowe, Gareth Chart, Clare Louise Connolly, Emrhys Cooper, Nikki Davis-Jones, Gareth Derrick, Maria Despina, Kage Douglas, Phillip Dzwonkiewicz, Claire Fishenden, Tommy Franzen, Tom Goodall, Charlotte Habib, etc.
Duração: 108 minutos; Distribuição em Portugal: Lusomundo; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia: 4 de Setembro de 2008 (Portugal).

16 comentários:

Bandida disse...

se me tivesses convidado eu tinha ido.

beijo e até amanhã!

Hugo Cunha disse...

Este filme não é uma obra prima do músical, como o são Seranata á Chuva, Musica no Coração, My Fair Lady, Chicago ou Moulin Rouge, mas não é por isso que deixa de ser um bom entretenimento e um momento bem passado a ouvir boa música e já agora a rir a potes com a tentativa frustrada do ex 007 a tentar cantar.
Concordo consigo em que os gostos são pessoais e ninguem tem nada com isso eu tanto gosto do cinema de Jacques Tati(especialmente as Férias do Mr Hulot) que os intelctuais dizem ser excelente e eu concordo a 100%, mas tambem gosto e já vi várias vezes da comédia romantica de 2003 How to loose a Guy in 10 Days http://www.imdb.com/title/tt0251127/ que não tem nada de especial é apenas divertida e pronto. São os nossos gostos pessoais que moldam tambem a nossa personalidade por isso continue assim.

Luis Eme disse...

ainda não vi, mas gostei de ler, tudo, Lauro.

e é tão bom não sermos "carneiros", pensarmos pela nossa cabeça...

Unknown disse...

Eu também já o vi...

... e concordo com o que aqui expôs!

Acho que, principalmente por estarmos em Portugal, há muitas más línguas...;

relembro o que João César Monteiro referiu à SIC aquando da estreia de "Branca de Neve":

http://www.youtube.com/watch?v=eN7R31MQYSg

Um abraço grande e até amanha!

Ouriço disse...

Eu juro que adorei ler este texto. Faz-me pensar que não sou assim tão desprovida de sentido crítico cinematográfico. Já o tinha dito, a graça está nos actores, está mesmo no facto do Brosnan ter orgulho em não cantar, está na Julie Waters e está pura e simplesmente no facto de ser divertido e de podermos sair de lá a cantar.

bjs!

isabel mendes ferreira disse...

tb não li o C. V. (ke horror)....
e subscrevo-te....!!!!

inteiramente . Posso?



beijos.


Lauro/íssimo!!!!

Maria Eduarda Colares disse...

eu acho que o Mama Mia ficava bem naquele blog que dá pelo nome de és linda, não mudes, etc, etc
bjs

Lauro António disse...

Ou não fosse esse blogue fruto de cabeças tão “exigentes” como algumas que eu conheço. Mas claro que até “essas cabeças” gostam de se divertir. Aliás todas “as cabeças” gostam de se divertir, mas algumas escondem-se nos entre folhos da "psique" e dão-se ares de serem intelectuais de pompa e circunstância, o que enjoa.
O que não quer dizer que não haja quem não consiga divertir-se com os Abba. Acho que estão no se direito e não os censuro, desde que não se achem mais do que outros por estes se divertirem com os Abba.
Mas terrorismo cultural, terrorismo estético, terrorismo político, terrorismo religioso, não tenho paciência. Eles que vão mandar em quem gosta de se submeter aos ditactes dos ditadores do gosto. Aprendam a ser livres, a pensar pela sua cabeça, a gostar pelo que sentem e não pelo que lhe dizem de fora para gostar ou não gostar do que devem. Isto não tem a ver só com filmes e livros, e peças de teatro e músicos, tem a ver com política, onde então o cassetismo (que antigamente era só prática corrente no PC) se alargou a todas as frentes, tornando qualquer conversa ou debate político algo impossível de se ouvir. São monólogos cruzados que procuram “impor” conceitos e reacções politicamente correctos ao povo ouvinte, e não há uma única prova de inteligência ou razoabilidade. E depois a carneirada embarca na “cassete” da maioria dos políticos, dos sindicatos, dessa tropa fandanga que só diz disparates e não deixa ninguém pensar pela sua própria cabeça.
Que tal um movimento cívico para despertar uma onda de repudio por esta mediocridade galopante, um movimento que reivindicasse apenas o direito à liberdade de pensar por si e de dizer não a esta pantominice entrincheirada nos partidos e na comunicação social.
Que tal deixarmos de dizer mal de tudo, a torto e a direito, só porque o sindicato ou o partio manda, que tal por de parte este vício tão miserável do bota abaixo do vizinho, só porque ele não pensa como nós?
Obrigado a todos pelos vossos comentários e vamos continuar a dizer realmente o que se sente. A sinceridade é o melhor trunfo da vida. A hipocrisia e as invejinhas de frustrados/as já não se aguentam. Nem o medo apavorante de não estar “in”, de não se dizer o que “parece bem”. Mais vale uma patetice sincera do que um discurso muito “inteligente” pedido de empréstimo à “autoridade” do lado.

Maria Eduarda Colares disse...

és lindo, não mudes, continua assim...etc, etc

Lauro António disse...

Tudo é feito de mudança. Mas até na mudança é preciso coerência. De resto, continua linda mais ao teu blogue!

Ouriço disse...

Pronto pronto, não quero interromper a conversa, até porque são os dois lindos e não devem mudar para continuarem sempre assim mas não resisti a vir cá dizer que também li o código da vinci....
bom fim de semana!

Luís Galego disse...

É verdade que há um certo clima de efervescência em volta de Mamma Mia! Do adolescente cheio de pontos negros ao pai encasquetado toda a gente faz fila para ir ver Meryl Streep. O marketing é suculento e as canções dos Abba dão aquele ambiente de saudade que empolga a assistência. Agora o que é certo é que as canções dos Abba sempre foram tentadoras e são em 2008 refrescadas como há três décadas. Por outro lado, Meryl Streep é uma actriz muito especial, e consegue ser tão persuasiva a finar-se do pâncreas ou a emocionar-se com a morte do melhor amigo como a cantarolar ao sol numa ilha grega. Acresce ainda a jovem actriz que faz de filha de Streep e é a impulsionadora da actuação, é uma agradável revelação. Bons ingredientes, então.

Onde é que o filme não me cativa? Quando ensaia ser um filme – e não resulta. Estamos perante uma associação de cópias musicais, coladas num argumento frágil, tipo albergue espanhol (a memória/a história do cinema é uma maçada). Ainda assim não vale pena reclamar pelo espírito dos grandes senhores do musical americano. Como alguém já escreveu, Hollywood não é a Broadway e isto não é, em minha opinião, um bom filme.

Não obstante, entendo a critica/apreciação de Lauro António – o homem que mais entende de cinema neste país – e o ecletismo longe de ser um defeito é uma enorme virtude….até porque não andamos cá o tempo das tartarugas e a vida a é para ser vivida com enormes gargalhadas!!!!

CNS disse...

Adorei o filme. Porque tem musica dos Abba, porque me fez sentir bem, porque o azul mediterrânico é o mais bonito de todos. Se os Abba são pirosos? Talvez... Mas dispõem bem. E afinal essa também é uma das muitas virtudes do cinema.

Um abraço

BlueAngel aka LN disse...

Eu também adorei o filme, porque é divertido, porque tem canções de que gosto, porque tem um mar com um azul fenomenal, porque cantei até à exaustão e porque dancei ainda mais. Sim, dancei no cinema das duas vezes que o fui ver. E de lá sai tão bem disposta ao ponto de já ter a terceira sessão agendada, desta feita na versão Karaoke que já anda por aí. Ahhh, mas também vejo cinema europeu e gosto de algum. :-) Gostos não se discutem e todos temos direito às nossas opiniões que podemos e, querendo, devemos partilhar. Da discussão nasce a luz. :-) Gostei muito da sua apreciação. E just for the record li o "Código da Vinci" e, pasmem-se, não gostei e já nem falo do filme que me fez pensar nas quantidade de coisas boas que podia estar a fazer naquele momento. Enfim...

beijo

Anónimo disse...

Desculpem vir destoar este apanhado que comentários a este artigo, adoro o blog do Lauro António e concordo em muita coisa que escreve adoro ler o seu blog e consigo só temos a apender, contudo não concordo com a sua opinião relativa a este filme, fui vê-lo e se disse.se que era um bom filme aí estava a ser carneiro e a ir a atrás do rebanho. Desculpe mas penso que o filme é uma imensa palha com uma história pobre que apenas quer levar o espectador nas emoções daquelas músicas que preenchem muita gente. Não gostei e torno a dize-lo, saí do cinema de rastos pensando que já não se faziam filmes aos três pontapés, se calhar vejo o cinema de uma forma muito própria, o cinema é uma arte e senti que essa arte tava a ser ridicularizada. Apenas actores conhecidos uma banda sonora famosa e publicidade não vi lá mais nada... Aceito e respeito todos os comentários mas não concordo. Como Pedro Costa diz o cinema há que ser justo... Abraço e cumprimentos

Lauro António disse...

Meu caro André Ferreira (é assim o seu nome?): o importante é todos terem direito à sua opinião. E todos a verem respeitada. De resto, só não concordo com uma afirmação sua: o cinema é uma arte. Obviamente que deveria tender sempre a ser uma arte, mas também é uma indústria. Mesmo os filmes de arte são indústria. Muitas vezes uma indústria que não só não tende a ser uma arte, como tender a embrutecer o público. "Mamma Mia" é um produto industrial que eu julgo, apesar de inóquo de um ponto de vista artístico, divertido e nada embrutecedor para com o espectador. De resto, cada espectador "deve" ter a sua opinião e segui-la, comparando-a com outras, se for o caso, o que é sempre saudável, mas não se deixando levar por "ditadores de opinião". Que nunca fui, nem quero ser.