quarta-feira, outubro 22, 2008

WEST SIDE STORY

WEST SIDE STORY
do palco da Broadway ao cinema

do cinema ao palco do Politeama
A 26 de Setembro de 1957, no Winter Garden Theatre, de Nova Iorque, estreava-se um novo “musical”, da autoria de Jerome Robbins (ideia inicial, coreografia e encenação), Leonard Bernstein (música) e Stephen Sondheim (libreto), segundo argumento de Arthur Laurentz, que era, nem mais nem menos, do que a adaptação da tragédia de William Shakespeare, “Romeu e Julieta”, à actualidade das ruas nova-iorquinas (de final da década de 50). Inicialmente, pensou-se que o conflito entre os grupos rivais seria de índole religiosa, entre católicos de origem irlandesa, e judeus. Ela seria judia, ele católico, viveriam ambos em Nova Iorque, mas no East Side (seria mesmo uma “East Side Story”), mas a proximidade uma outra peça teatral com entrecho muito semelhante (“Abie’s Irish Rose”, de Anne Nichols), afastaria a ideia. A galopante imigração de porto-riquenhos daria o mote para a intriga dramática.
A produção do espectáculo, que levantou enorme polémica na estreia, e sobretudo entre a crítica, era de Robert E. Griffith e Harold S. Prince. O elenco inicial reunia Carol Lawrence e Larry Kert, no par amoroso, e ainda Michael Calin, Ken Le Roy, Chita Rivera, Lee Becker, David Winters, Tony Mordente, entre outros. Foram quase dois anos de casas cheias (732 representações), mas o “Tony” do ano para melhor musical foi para “The Music Man”, ficando “West Side Story” com alguns troféus de consolação, como o da coreografia e o de designer de cena (Oliver Smith). “West Side Story” era, no entanto, não só profundamente inovador na época como se manteve, daí para a frente, como um dos grandes musicais de sempre. A novidade seria motivo de gratificante descoberta para quem assim a entendeu, mas igualmente de mortificante acusação. Muitos críticos, de olhos aturdidos, não aceitaram muito bem a “novidade” de um musical “dramático”, que terminava com um cadáver no centro do palco, depois de atravessar conflitos rácicos e sociais e de mostrar que nem tudo ia bem na América. Muitos se insurgiram contra esta forma de mostrar em cena aberta as mazelas dos EUA, não percebendo que é esse aspecto que faz daquele país um exemplo, mesmo quando tudo o mais corre pessimamente (como é caso presente).
Mas a verdade é que os críticos passaram e o musical continua. Não envelhecendo, muito pelo contrário, remoçando, actualizando-se, criando novas interpretações, e sendo encenado um pouco por todo o lado, como acontece agora, pela primeira vez, num espectáculo de Filipe La Feria que promete muito como sempre. Em finais da década de 50 a adaptação de musicais de grande sucesso ao cinema era prática corrente. Assim fora com “Oklahoma!” (1955), com “Carrocel” (1956), com “South Pacific” (1958), assim continuaria a ser com “West Side Story”. O musical da Broadway passa a filme em 1961, pela mão de uma dupla de directores, o encenador Jerome Robbins (que iria filmar sobretudo os números musicais), e o realizador Robert Wise (que se encarregaria de rodar o restante filme e de lhe dar uma consistência unitária). Recorde-se que a obra acabaria por ser terminada unicamente por Robert Wise, dado que, por incompatibilidades várias (e sobretudo com a acusação de estar a duplicar o orçamento previsto), Jerome Robins foi afastado da direcção do projecto (mas ficaram quatro bailados por ele coreografados e que são do melhor da história do musical no cinema: "Prologue," "America," "Cool," e "Something's Comin'"). A rodagem inicia-se em 10 de Agosto de 1960. Robert Wise lança-se então na transposição para o cinema desta nova versão dos amores desesperados de um Montéquio e uma Capuleto tendo por cenários naturais as ruas de Manhattan: para tanto utilizaram um quarteirão e um terreno de jogos, então em demolição, e hoje em dia desaparecidos. Quem reescreveu o argumento, desta feita para o cinema, foi Ernest Lehman. Os Montéquios tornam-se um gang de brancos, enquanto os Capuletos se transformam nos emigrantes de Porto Rico. A interpretação de Maria seria entregue a Natalie Wood, que acabara de ter um brilhante sucesso em “Esplendor na Relva” e o de Tony seria destinado a Richard Beymer (o actor inicialmente previsto era Elvis Presley), vá lá saber-se porquê. Beymer é mesmo a única coisinha realmente má desta obra que, apesar dele, ganhou o prestígio de culto. Nem Natalie Wood nem Ricahrd Beymer cantaram o que quer que fosse, ambos foram dobrados, respectivamente, por Marni Nixon e Jimmy Bryant (já agora informe-se que Rita Moreno também foi dobrada por Betty Wand em "A Boy Like That", mas seria sua a voz em "America" e "Quintet". Curiosidade suplementar: no final de “Quintet” a voz é de Marni Nixon (que dobrava Natalie Wood, como já vimos), pois na altura da gravação desta sequência, tanto Rita Moreno, como Betty Wand estavam doentes da garganta. Marni Nixon, ainda que por segundos, dobra duas actrizes no mesmo filme, o que, sendo vulgar em filmes de animação, não é nada frequente em musicais de imagem real.
Uma das originalidades de “West Slde Story” era precisamente o seu cunho realista, que difere fundamentalmente de quase lodos os “musicais” anteriormente vistos no cinema onde predominava a estilização e a utilização do estúdio como local privilegiado de rodagem. O filme de Robert Wise denuncia desde início esse recurso ao real, sobrevoando Manhattan, com magníficas filmagens aéreas, e definindo desde logo o cenário onde posteriormente tudo irá decorrer. Mas, se o “décor” é quase sempre realista, a acção por força da própria convenção do “musical”, não abdica de uma certa estilização, e este é outro dos pontos fortes de “West Side Stoty”: a conjugação, quase sempre perfeita, entre o cenário realista e a acção coreografada e cantada.
É deste modo que nas imagens iniciais se infiltra um discreto assobio e um estalar de dedos premonitórios em relação ao que irá acontecer. Um corte súbito nas panorâmicas aéreas e eis-nos já numa situação estilizada: no campo de jogos, um grupo de jovens brancos, os “Jets”, ameaça alguns porto-riquenhos de um grupo rival, os “Sharks”. Essa ameaça expressa-se através desse já mítico e ritmado estalar de dedos, a que se junta a agressividade das palavras trocadas e o vigor dos gestos. Vigor: na tradição do “musical” americano, os bailados de “West Side Story” reflectem uma forma vigorosa, exaltante e nervosa de entender a dança. Os melhores momentos musicais desta obra, inesquecível a vários níveis, são precisamente aqueles onde, apesar de estar sempre presente a componente melodramática, esta consegue ser transcendida pela explosão dos gestos e dos sons (alguns exemplos: a canção dos “Jets”; o elogio e a crítica simultâneos do “American way of life”, expresso em “América”; a sequência durante a qual os “Jets” parodiam o polícia, cantando “Gee Officer Krupke”; os “Jets” reunindo-se para a luta com os “Sharks”, ao som de “Cool”...),
Noutros pontos por força de várias circunstâncias (sobretudo pela total ineficácia de Richard Beymer, como actor; noutros casos mesmo um certo abrandamento de Natalle Wood?), o ritmo afrouxa, rondando o rodriguinho de um melodramatismo que se sente já concessão (casos de “Something is Coming”, “One Band, One Heart”, “A Boy Líke That” ou “I Have a Love”, para não falar já de “Tonight” ou “Maria”, onde a qualidade musical consegue, mesmo assim, salvar muito dessas sequências). Mas esta adaptação de “Romeu e Julieta” nas ruelas desertas e nocturnas dos bairros pobres de Manhattan tem muitos outros aspectos a justificar uma análise detalhada e uma entusiástica saudação.
Para já, trata-se de um painel de invulgar profundidade crítica. A sociedade americana vê-se ali espelhada com grande lucidez de observação. Os conflitos rácicos que estão na base de toda a tragédia, e que aqui se colocam num confronto de grupos de jovens, reflectem algo de visceral nesta América da abundância que relega para bairros marginalizados os seus “ghetos” de emigrantes mal assimilados e integrados. Esta raiva que os brancos “Jets” lançam na cara dos tisnados porto-riquenhos é consequência directa de um racismo fundamentalmente económico, de raiz profunda, que coloca uns contra os outros, os pobres brancos (italianos, polacos, eslavos...), os negros e os mestiços (mexicanos, porto-riquenhos ou outros). É uma luta que tenta hierarquizar uma sociedade (os “pobres brancos” querem sentir-se menos pobres, sabendo abaixo de si os mestiços e os negros), e que as autoridades (veja-se o caso do inspector Krupke) parecem incentivar, Inclusive, sempre que a autoridade surge, os jovens parecem esquecer as quezílias que os separam para se unirem contra essa autoridade (note-se a cena do baile, na qual Maria encontra Tony, e onde se esboça um confronto violento entre ambos os grupos que, todavia, reúnem esforços para despistar a polícia, logo que esta aparece).
Curioso ainda notar como Robert Wise e Jerome Robbins equacionaram o problema desta juventude delinquente, servindo-se para tanto de uma canção com o seu quê de satírico que, contudo, relembra aos distraídos as causas de grande parte do que se está a ver. Essa “doença de carácter social” que lança a juventude na violência das ruas tem obviamente a ver com uma deficiente formação, uma educação defeituosa (“somos meninos que ninguém ama”). Por detrás destes olhos manchados de raiva, estão gerações de alcoólicos, famílias miseráveis, dificuldades económicas insuperáveis, uma degenerescência moral que tudo contamina. São aspectos sociais e psicológicos que envenenam toda esta juventude, entregue a si própria (não é por acaso que são raríssimos os adultos que intervêm nesta história de jovens: apenas um polícia e o velho e impotente dono de um bar). Deste quadro esboçado com largueza desprende-se, no entanto, um profundo conhecimento de muitos dos problemas que a América enfrentava em inícios dos anos 60, e que as décadas seguintes apenas agudizaram (os bandos de “West Side Story” cederam lugar aos grupos de “Os Selvagens da Noite”, “The Warriors” ou “The Wanderes”). Situação que, numa época de globalização, como a actual, se alargou e disseminou por todo o mundo. Nas periferias urbanas de Paris ou nas margens sul de Lisboa.
No musical da Broadway, a cronologia do espectáculo era a seguinte: 1º acto: “Prologue”, “Jet Song”, “Something's Coming”, “The Dance At The Gym”, “Maria”, “Tonight”, “America”, “Cool”, “One Hand, One Heart”, “Tonight” e “The Rumble”. 2º Acto: “I Feel Pretty”, “Somewhere”, “Gee, Officer Krupke”, “A Boy Like That”, “I Have A Love” e “Finale”. No filme, os números “Cool” e “Gee, Officer Krupke” foram trocados entre si por se julgar que teriam maior justificação nesta nova localização.
No ano de 1962, “West Side Story” foi nomeado para onze Oscars e ganhou todos, com a excepção do de Melhor Argumento Adaptado para Cinema. Apenas três filmes o ultrapassaram nesta marca (todos com onze Oscars no activo): “Ben-Hur” (1959), “Titanic” (1997), e “The Lord of the Rings: Return of the King” (2003). Os dez Oscars para “West Side Story”, distinguiram o “Melhor Filme do Ano”, “Melhor Realizador” (única vez a ganharam dois realizadores, não irmãos, Robert Wise e Jerome Robbins – a outra vez que dois realizadores ganharam um Oscar foi em 2008, os irmãos Coen, com “Esta Terra Não é para Velhos”), Melhor Actor e Melhor Actriz Secundários (George Chakiris e Rita Moreno), Melhor Fotografia a Cores, Melhor Direcção Artística e Decoração em filme a cores, Melhor Som, Melhor Partitura Musical, Melhor Montagem, e ainda Melhor Guarda Roupa em filme a cores. Jerome Robbins ganharia ainda um Oscar especial pela sua carreira como coreógrafo.

4 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

obrigada.


obrigada.


obrigada.



_________________montes de x.



Beijo.

beijos.

BlueAngel aka LN disse...

Nunca vi o musical, mas adorei o filme. A versão portuguesa não vou ver, porque me recuso a vê-las. Chamem-me preconceituosa, mas para mim há coisas que só no original.

beijo

Unknown disse...

Arriscaria-me a dizer que "West Side Story" é dos meus favoritos... (a par do "Wicked" que é arrepiante!)

Estou mais do que ansioso para ver a adaptação portuguesa. Jamais saíremos desulidos ou não seria o Felipe LaFeria a encenar!

Cara "blueangel", faz péssimamente mal em se recusar a ver as versões portuguesas. Cada um tem a sua opinião, claro, mas olhe que as nossas estão a um niível tão bom como lá fora... aconselho a reconsiderar, não custa nada experimentar, nem que seja só uma vez!

Um abraço, grande, do
Helder.

Anónimo disse...

Blueangel, faz muito mal se não vir este musical...o Helder Magalhães tem toda a razão quando diz que está muito bom...eu que já vi os dois elencos recomendo que veja com o Ricardo Soler a fazer de Tony....Um abraço