sábado, agosto 08, 2009

MAIS UM AMIGO

Fotografia de Teresa Sá
RAÚL SOLNADO
(Raul Augusto de Almeida Solnado,
Lisboa, 19 de Outubro de 1929, Lisboa, 8 de Agosto de 2009).
Fotografia Maria Eduarda Colares
Raul Solnado morreu. No hospital de Santa Maria, na manhã de hoje, vítima de complicações cardíacas. Depois de (quase) oitenta anos de vida cheia e bem curtida, que nos fez curtir a nós também, seus espectadores incondicionais. Trabalhei com ele num “Conto de Natal”, para a noite de 24 de Dezembro de 1988, da RTP. Foi uma semana de rodagem magnífica, pelo seu profissionalismo, a sua inteligência, a sua entrega, a sua espontaneidade no acto de representar. Ele estudava com rigor e atenção o que tinha de fazer, mas depois deixava a sua intuição e a sua inteligência levá-lo, sempre a bom porto. Não pactuava com facilidade ou grosseria, era um humorista fino, delicado, elegante, mas incisivo, corrosivo, brilhante. Era um amigo para a eternidade, no convívio de quem se era feliz. Fui-o muitas vezes, ao longo dos anos, em Festivais de Cinema por mim organizados, onde fez parte dos Júris (“Famafest”, em Famalicão, “Cine Eco”, em Seia, “O Castelo em Imagens”, em Portel), onde foi justamente homenageado (com a Pena de Camilo em Famalicão). Foi o nosso primeiro convidado nas tertúlias do “Vavadiando” (e ia aparecendo depois, sempre que o trabalho lhe dava pausa).
Conhecia-o desde há muito. Assisti a algumas sessões de pose, quando o meu pai o pintou num belo retrato que há tempos ofereci ao Museu do Teatro (espero que se aproveite agora este infausto acontecimento para o quadro ser exposto e colocado no lugar a que tem direito). Depois, a admiração da família prolongou-se e o meu filho Frederico homenageou-o igualmente na primeira edição do Festival Rir em Lisboa.
Irrequieto e imaginativo, foi tudo o que quis ser, e dono de teatros (o belíssimo Villaret, que ele inventou) até director da Casa do Artista (que ele impulsionou desde a primeira hora). Fica na nossa lembrança no Teatro de Revista, e no declamado, da comédia ao drama, passando até pela ópera. Fez tudo na televisão (e não lhe pagaram na mesma moeda, nos últimos tempos, na RTP, onde só agora ia regressar num novo programa), e está ligado a alguns dos maiores momentos da história da televisão portuguesa (do “Zip Zip” à “Cornélia”), fez rádio e cinema, e também aqui marcou momentos brilhantes (como na “Balada da Praia dos Cães”). Interveio generosamente na vida social, cultural e política portuguesa. Era um ser humano magnífico, sempre apaixonado, sempre enamorado, sempre cativante.
*
Ser actor! Comunicar.
Ser humorista! Criticar.
Ser pessoa! Amar o próximo, mesmo quando dele se discorda, mesmo quando se critica.
Raul Solnado é, possivelmente, o maior actor cómico português vivo. Sublinho o “português”. É ele quem melhor encarna, ainda hoje, nas suas composições, o que de melhor (e de pior) existe no português típico. O melhor, essa ternura do pobre diabo do desenrascanço crónico, esse amoroso cultivo da banalidade e da vitimização, esse olhar cândido do “arrebenta” que solta a imaginação, quando não pode soltar mais nada. O pior? O mesmo, sem a ternura, sem o amoroso, sem o olhar cândido.
Solnado descobriu o Malmequer lusitano. Cantou-o, imortalizou-o. Todos somos Malmequeres do seu canteiro. Ele é o Malmequer deste jardim à beira mar plantado. Quando se quiser saber o que somos, o que fomos, para onde vamos, basta colocar o disco a girar e recordar Solnado nas suas/nossas representações. Para o melhor e o pior somos aquelas figuras. Para o melhor, fica-nos a certeza de termos sido interpretados pelo génio de um grande actor, e, sobretudo, pela generosidade de um grande homem.

Ver mais sobre Raul Solnado no blogue “Vavadiando” AQUI

3 comentários:

José Pires F. disse...

Mais um homem sério que partiu mas que ficará na memória de muitos.

Presto também aqui, e desta forma, a minha homenagem a este grande homem e deixo as minhas condolências a toda a família e amigos.

Forte abraço, Lauro.

A disse...

Como espectadora, a memória que retenho dele é a de uma pessoa doce. O Raul Solnado artista é genial.

V. disse...

Um grande humorista que ficará para sempre imortalizado. Fica a saudade.

Bela homenagem.