quinta-feira, outubro 07, 2010

CINEMA: UM HOMEM SINGULAR

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UM HOMEM SINGULAR

“A Single Man” assinala a estreia de Tom Ford na realização. Mas o seu nome não era de forma nenhuma desconhecido para o grande público, já que se trata de um dos mais conhecidos designers de moda de todo o mundo.
Nascido a 27 de Agosto de 1962, em Austin, Texas, nos EUA, Thomas Carlyle "Tom" Ford iniciou a carreira como actor de publicidade, mas cedo trocou esta carreira pela de designer de moda, depois de frequentar a “Parsons School of Design”, de Nova York. Foi por essa altura também que conheceu Richard Buckley, editor da revista “Vogue Hommes”, com quem passou a viver, numa assumida relação gay. Foi lentamente criando celebridade no mundo da moda, até, em 1990, ser chamado a Milão, para remodelar e recuperar a imagem da marca Gucci, prestigiada até aos anos 80, mas depois a decair frente à fortíssima concorrência. Trabalhando na sombra, em cinco anos revitaliza a Gucci e, em 1995, ganha o prémio do “Council of Fashion Designers of America”. Juntamente com o italiano Domenico De Sole dominam o mercado e, em 1999, compram a “Maison Yves Saint Laurent” e, posteriormente, a “Balenciaga”.
Entretanto, em Março de 2005, anuncia a criação de uma casa produtora de filmes, “Fade to Black”, na qual, quatro anos depois, se lança na realização de “A Single Man”, com argumento, de sua autoria e de David Scearce, retirado de um romance de Christopher Isherwood. Após a sua estreia no festival de Veneza de 2009, a obra recolhe um coro de aplausos e vários prémios, nomeadamente para o seu protagonista, Colin Firth, e a sua companheira de elenco, Julianne Moore.
Diga-se que com inteira justiça. “Um homem Singular” é uma verdadeira revelação e uma pedra branca na distribuição internacional nestes últimos meses. Raras vezes se descobre um tal talento e um tamanho apuro de forma, um rigor plástico e uma sensibilidade tão singular no estudo de personagens e de emoções.
“A Single Man” no original reveste-se de uma dupliciade de significados que a sua tradução portuguesa não comporta. Em inglês, “single man” tanto pode ser homem só, como homem solteiro. Ambos os significados são importantes no contexto da obra. O Prof. George Falconer (Colin Firth) é não só um homem solteiro, como também um homem só. Estamos no final do ano de 1962 (o filme é preciso na data, 30 de Novembro de 1962, em plena crise de mísseis que desencadeou um confronto diplomático violento entre os EUA e a URSS, por causa de Cuba. Nunca um conflito nuclear pareceu estar tão eminente.) e George perdera num acidente de carro Jim, o seu companheiro de há 16 anos. O filme está povoado por pequenos falsh backs de momentos passados e da felicidade perdida, bem como de sonhos, como aquele com que se inicia a obra, George deitado na neve ao lado do carro sinistrado e do cadáver de Jim. George é professor universitário de literatura inglesa, tem cerca de 50 anos, fica destroçado com o acontecimento. É meticuloso na sua vida privada. Assistimos à forma como arranja a roupa, como a arruma, como escolhe os sapatos e a gravata a condizer, como organiza o seu pequeno-almoço, como as recordações emergem numa toada lenta e serena, mas profundamente emotiva. Dir-se-ia um melodrama de Douglas Sirk, mas com algumas variantes. Sirk, que também era homossexual, nunca transportara para o ecrã uma aventura amorosa como esta, ainda que a sensibilidade o denunciasse. Outros tempos. Nas décadas de 50 e início da de 60 imperava o medo. Como o sublinha George durante uma aula em que analisa um texto de Huxley, que o leva a concluir que as minorias ameaçam as maiorias, provocando o medo. O medo da guerra nuclear, o medo dos comunistas (durante o maccarthismo), o medo do que se não vê, do que é indizível. Obviamente, George refere-se à homossexualidade. Confessa: não se pode dizer tudo, não se pode falar claramente. O segredo provoca o pânico. Nos que se resguardam, nos que não sabem. Cresce a suspeita, instala-se a insegurança. Como nos seus vizinhos do lado, que o olham como um “pezinho de salsa”, ou o metralham com armas de plástico, como no seu colega de universidade que mandara construir um bunker anti-nuclear, mas que o reserva apenas para a família (“nestas alturas não pode haver sentimentalismos!”). Mas George é um sentimental que fascina um aluno seu, Kenny Porter (Nicholas Hoult), que o seduz, da mesma forma que o faz uma antiga ligação sua, Charley (Julianne Moore), a sua melhor amiga e uma das únicas razões que o leva a suportar a existência.
O filme tem uma construção que organiza harmoniosamente presente e passado, com diferenças de tom que identificam um e outro (o passado com cores mais saturadas, o presente mais límpido), com flash backs que se introduzem magistralmente (uma fotografia a preto e branco irá justificar uma memória a preto e branco), com uma sensibilidade de tratamento absolutamente invulgar, um pudor a toda a prova que, todavia, satura de emoção e de sensualidade os planos e a representação. Há uma possível aventura abortada com Carlos, um espanhol de Madrid, que tem uma filosofia de vida muito pessoal (“os amores são como os autocarros, há um que parte, mas há sempre outros a chegarem.”). George sabe que o seu amor parece comprometido para sempre (“viver no passado é o meu futuro”), prepara escrupulosamente um suicídio, até surgir a obsessiva presença de Kenny. Mas aí a vida tem ironias…
Colin Firth é absolutamente fabuloso de rigor, de contenção, de emoção, no desenho de George. Julianne Moore é também, como sempre, admirável, e Nicholas Hoult, que já conhecíamos de “Era Uma Vez Um Rapaz”, é mesmo assim uma excelente surpresa. Quanto a Tom Ford, há a dizer que imprime à sua obra de estreia um clima invulgarmente denso e tenso, oscilando entre um cinema que saboreia o tempo e o estilo da publicidade (planos de pormenor de rostos, por exemplo), conseguindo todavia uma unidade de tom que transforma o filme numa jóia estética inesquecível. Uma quase obra-prima que sabe bem ver e rever. Não é todos os dias que se vêem belíssimas histórias de amor, contadas com tal paixão e tamanho recato.

Um Homem Singular
Título original: A Single Man
Realização: Tom Ford (EUA, 2009); Argumento: Tom Ford, David Scearce, segundo romance de Christopher Isherwood; Produção: Jason Alisharan, Tom Ford, Andrew Miano, Robert Salerno, Chris Weitz; Música: Abel Korzeniowski; Fotografia (cor): Eduard Grau; Montagem: Joan Sobel; Casting: Joseph Middleton; Design de produção: Dan Bishop; Direcção artística: Ian Phillips; Decoração: Amy Wells; Guarda-roupa: Arianne Phillips; Maquilhagem: Kate Biscoe, Cydney Cornell; Direcção de produção: Craig Ayers, Tim Pedegana, Robert Salerno; Assistentes de realização: Brian Avery Galligan, Richard Graves, Matt Rawls, Eric Sherman; Som: Leslie Shatz, Efeitos especiais: Lori Baillie, John E. Gray; Efeitos visuais: Shalena Oxly-Butler, Dan Schmit, Cyrena Vladish-Addison; Companhias de produção: Artina Films, Depth of Field, Fade to Black Productions; Intérpretes: Colin Firth (Prof. George Falconer), Julianne Moore (Charley), Nicholas Hoult (Kenny Porter), Matthew Goode (Jim), Jon Kortajarena (Carlos), Paulette Lamori (Alva), Ryan Simpkins (Jennifer Strunk), Ginnifer Goodwin (Mrs. Strunk), Teddy Sears (Mr. Strunk), Paul Butler (Christopher Strunk), Aaron Sanders (Tom Strunk), Aline Weber, Keri Lynn Pratt, Jenna Gavigan, Alicia Carr, Lee Pace, Adam Shapiro, Marlene Martinez, Ridge Canipe, Elisabeth Harnois, Erin Daniels, Nicole Steinwedell, Tricia Munford, Don Bachardy, Brad Benedict, Ryan Butcher, Janelle Gill, Brent Gorski, Jon Hamm, Patrizia Milano, etc. Duração: 99 minutos; Distribuição em Portugal: Ecofilmes/Vitória Filme; Classificação etária: M/ 16 anos; Data de estreia em Portugal: 18 de Fevereiro de 2010.

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