quarta-feira, julho 13, 2011

FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA 2011 - 3

 
A “Commedia dell’Arte” no cinema
 
Pode dizer-se que as relações entre o teatro e o cinema têm sido muito frequentes, desde o aparecimento do cinema, mas sobretudo, e compreensivelmente, desde o sonoro. Diga-se que nem sempre com bons resultados, pois se desde sempre o teatro foi considerado arte nobre, o cinema iniciou-se como divertimento de feira que foi buscar alguma legitimidade cultural ao adaptar, ou melhor dizendo “ilustrar”, peças de renome para este novo meio de expressão. Mas se o teatro sempre esteve de mãos dadas com o cinema, a verdade é que a “Commedia dell’ Arte” nunca despertou um verdadeiro entusiasmo entre os cineastas, com raras e honrosas excepções. A que se deve este divórcio, não se percebe totalmente, mas talvez se possa encontrar alguma explicação no facto da “Commedia dell’ Arte” ter algumas características que a afastam do cinema. Enquanto a “Commedia dell’ Arte” parte do fixo (texto e personagens) para a improvisação, o cinema parte da representação para a fixar num registo inalterável.
Sendo popular e vivendo do improviso, itinerante e taxativa nas suas personagens típicas, a “Commedia dell’ Arte” não parece enquadrar-se bem no que costuma ser “a adaptação cinematográfica de uma peça de teatro”. Não existindo propriamente peças, antes temas que as personagens vão desenvolvendo ao longo de cada representação, muitas vezes interagindo directamente com o público, difícil será haver adaptações ao cinema, com excepção de uma ou outra obra de Molière ou Goldoni.
Mas o tom e o espírito da “Commedia dell’ Arte” não deixou de estar patente, e ao seu jeito ser homenageado, nalguns títulos inesquecíveis da sétima arte. Desde logo em “Os Rapazes da Geral” (Les Enfant du Paradis), de Marcel Carné (França, 1945), com Arletty, Jean-Louis Barrault, Pierre Brasseur, onde o tema permitia abordar a Ocupação Nazi da França, o que transformou os três anos de rodagem quase clandestina numa verdadeira epopeia. Obra-prima incontestável, que Truffaut um dia disse trocar a realização dos seus trinta e tal filmes pela possibilidade de assinar este, acaba por ser um hino ao amor e ao teatro. Como se diz na obra, “Les Enfants du Paradis” ne sont pas beaux, ils sont heureux, tout simplement ».
Outra obra-prima chama-se “A Comédia e a Vida” (Le Carrosse d’ Or), de Jean Renoir (França, 1953), com Anna Magnani, magnífica reconstituição da vida de uma companhia teatral por terras da América Latina, inspirada livremente em “Carrosse du Saint Sacrement”, de Prosper Mérimée. Renoir lança-se num retrato voluptuoso e feérico, visualmente esplendoroso, tendo como base o teatro e, sobretudo, a “Commedia dell’ Arte” com as suas convenções e liberdade, interpelando a sempre sugestiva dualidade entre a arte e a vida. Anna Magnani resplandece, num papel feito à sua medida.
“Scaramouche”, de George Sidney (EUA, 1952), com Stewart Granger, Janet Leigh e Eleanor Parker, é outro clássico que não se pode esquecer. Integrando-se no género do filme de aventuras, de capa e espada, tão popular nos anos 50, “Scaramouche” não deixa de evocar uma companhia de teatro da “Commedia dell’ Arte”, sendo a personagem central um epígono de uma das figuras típicas desse género teatral.
“Cyrano de Bergerac”, do francês Jean-Paul Rappeneau (França, 1990), com Gérard Depardieu, Anne Brochet e Vincent Perez, é seguramente a melhor versão da vida aventurosa do célebre poeta e actor Hercule-Savinien de Cyrano de Bergerac (6.III.1619 – 28.VII.1655), que Edmond Rostand tornaria imortal com a sua peça de 1897. Anteriormente já Mel Ferrer, nos EUA, havia interpretado o papel, numa obra homónima de 1950. O mesmo herói inspirara “Roxanne”, que Fred Shepsi (EUA, 1987) actualizaria para os nossos dias, numa versão curiosa, interpretada por Steve Martin e Daryl Hannah.
Molière conta igualmente com duas criações da sua vida que se cruza obviamente com a “Commedia dell’ Arte”. Uma dirigida pela encenadora Ariane Mnouchkine (França, 1978), que depois de montar o seu espectáculo nos palcos franceses o levou ao cinema com igual sucesso. Interpretado por Philippe Caubère, Marie-Françoise Audollent e Jonathan Sutton, este “Moliére” é indispensável para quem goste de cinema e teatro. Uma nova obra sobre o mesmo dramaturgo surgiu em França em 2008, com assinatura de Laurent Tirard e Roman Duris no papel de Molière.
Para os interessados, pode ainda citar-se algumas incursões operáticas. “Cyrano de Bergerac”, ópera de Fraco Alfano, com libreto de Henri Cain, segundo Edmond Rostand, de que conhecemos com a interpretação de Roberto Alagna (França, 2005) e a celebérrima “Cosi Fan Tutti”, de Mozart, ópera bufa em dois actos, numa curiosa versão do “Teatro de Marionetes de Salzburgo”, com a Orquestra Sinfónica de Londres, apresentação de Peter Ustinov, com Teresa Berganza e Pelar Lorengar.

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