sábado, julho 07, 2012

FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA 2012 (1)


 O MERCADOR DE VENEZA
de William SHAKESPEARE
Encenação de Ricardo PAIS
Muito interessante a versão de Ricardo Pais de “O Mercador de Veneza”, de William Shakespeare, espectáculo recriado em Almada, na abertura do seu 29º Festival, com base num outro, estreado em 2008, no Teatro Nacional São João no Porto. Plasticamente é um trabalho magnifico, sumptuoso na sua austeridade, todo ele passado num palco quase nu, com um chão que relembra um estilizado tabuleiro de xadrez, uma parede de fundo que por vezes se rasga para dar passagem à luz e a algumas figuras, e um jogo de cordas caídas do tecto que funcionam quase como um labirinto, por vezes musical. De resto, o que brilha é o guarda-roupa de Bernardo Monteiro, o jogo de luzes de Francisco Leal, e, sobretudo, o trabalho de actores, com dois notáveis protagonistas, Albano Jerónimo e João Reis, bem secundados por quase todo o restante elenco, Sara Carinhas, Pedro Penim, Lígia Roque, Pedro Frias, Ivo Alexandre, Maria João Pinho, André Gomes, André Albuquerque, Daniel Fialho, Eduardo Breda e João Farraia Pedro Manana.
A peça cruza o drama e a comédia, é violentamente anti-semita, imolando em cena um judeu avaro e ganancioso, que acaba vítima da sua mesquinhez, tal como era uso e costume no tempo de Shakespeare (1564-1616), e se voltou a tornar moda neste período anti-Israel. O trabalho de encenação de Ricardo Pais tem aspectos muito estimulantes, sobretudo na forma como entrelaça os universos de uma Veneza mercantil e pré-capitalista e de uma Belmonte quase bucólica, mas muito mais aparente que real. Há como que a introdução de um flashback que recorda do segundo acto situações do primeiro e, na globalidade, o efeito é inteligente, eficaz e extremamente sedutor, na sua delicadeza e significado.
Claro que o aspecto mais oportuno desta revisitação actual de “O Mercador de Veneza” é constituir uma curiosa reflexão sobre o poder e o dinheiro, as religiões (aqui a dualidade cristãos-judeus), a diferenciação de classes, mas particularmente sobre uma realidade bem actual (desde esse tempo): a finança a procurar multiplicar-se, não pelo trabalho, mas pela usura e a agiotagem. 
Encenação de Ricardo Pais; Tradução Daniel Jonas; Versão livre de Ricardo Pais e Daniel Jonas; Cenografia Pedro Tudela; Figurinos Bernardo Monteiro; Música Vitor Rua; Desenho de som Francisco Leal; Desenho de luz Nuno Meira; Assistente de encenação Manuel Tur; Voz e elocução João Henriques; Intérpretes Albano Jerónimo, João Reis, Sara Carinhas, Pedro Penim, Lígia Roque, Pedro Frias, Ivo Alexandre, Maria João Pinho, André Gomes, André Albuquerque, Daniel Fialho, Eduardo Breda e João Farraia Pedro Manana. Repõe no Teatro Municipal de Almada no início da próxima temporada.

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