segunda-feira, setembro 24, 2012

NO TEATRO NACIONAL D. MARIA II




 CENAS DA VIDA CONJUGAL 
“Cenas da Vida Conjugal” ("Scener ur ett äktenskap", no original sueco) é uma peça teatral da autoria de Ingmar Bergman que inicialmente se concretizou na televisão, como série, em 1973, depois foi condensada em filme, e só mais tarde adaptada a teatro pelo próprio autor. "Levei dois meses e meio a escrever estas cenas, mas levei uma vida inteira a vivê-las”, disse Ingmar Bergman acerca deste seu trabalho que, como muitos outros da sua carreira, de cineasta, dramaturgo e encenador, se debruça sobre a vida familiar em particular e a difícil e complexa relação entre os seres humanos, sobretudo quando as ligações se estabelecem entre os membros dos dois sexos. A obra original é muito mais extensa do que a peça teatral e apresenta um outro tipo de contextura dramática, seguramente mais intrincada. Na peça existem apenas dois protagonistas (a que se acrescenta uma presença rápida de uma jornalista na cena inicial da entrevista), enquanto nas obras televisiva e cinematográfica surgem outras personagens que adensam o clima e o tornam um pouco mais soturno. A evolução da vida em comum de Mariana e João na peça reflecte dramas e vivências exteriores ao espaço cénico, mas na obra cinematográfica algumas dessas personagens confronta-se directamente com o casal central e tornam mais pesadas as relações e os conflitos. Há definitivamente um peso maior do exterior no desenrolar do conflito interior das duas figuras centrais. 

Filme e peça são duas obras que, vivendo da mesma intriga central, a desenvolvem de forma diferente e com resultados ligeiramente diversos. Ambas são obras admiráveis na forma como analisam o envolvimento amoroso (ou a ausência desse envolvimento e a frustração que essa inexistência causa) e a fragilidade da vida em comum, em ambos os casos o final não sendo o “happy end” que alguns podem suspeitar não deixa de ser uma afirmação de esperança nesse tipo de relacionamento, pois o amor é sempre possível, por vezes das formas mais inesperadas. A verdade é que a dificuldade na coexistência essa irá permanecer, e o final destas “Cenas de Vida Conjugal” não é mais do que uma etapa no decorrer de uma vida, e tudo voltará e repetir-se e o imprevisível regressará sempre e só por isso vale a pena tentar, uma e outra vez, “ad eternum”. 

A busca da felicidade é algo que todos nós sabemos utópico, mas que não nos cansamos de perseguir. A felicidade possivelmente são esses fugazes momentos que urge aproveitar, no intervalos de intempéries e vertigens várias, ou no alvoroço da sonolência de vidas aparentemente conformadas. Por isso nos faz bem assistir a uma obra como esta que relembra nalguns aspectos tantas e tantas outras que antes dela, e depois dela, já vimos tratando do mesmo assunto, um tema inesgotável, diga-se de passagem. Quem vir “Cenas de Vida Conjugal” facilmente pensará em “Quem tem Medo de Virgínia Woolf?” ou em vários Woody Allen, ou em… ou em… seria fastidioso enumerar.
Interessante, porém, será referir a forma eficaz, densa e emotiva como Solveig Nordlund, sueca por nascimento, mas meia portuguesa por adopção, trabalhou o texto e o encenou com sobriedade e inteligência, num cenário minimalista mas convincente no clima que cria, por vezes plasticamente muito bonito (todas as cenas com o arvoredo ao fundo são excelentes) e sempre muito bem aproveitado e iluminado. Depois há que sublinhar a qualidade da interpretação de Adriano Luz e Margarida Marinho, ambos magníficos nas suas composições. Obviamente que são “outros” João e Mariana, diferentes daqueles que conhecíamos no cinema vividos por Erland Josephson e Liv Ullmann. Mas aí está a magia destas recriações: partindo de um mesmo texto, cada personagem ganha a vida do seu novo intérprete, impondo-lhe um sopro de existência própria. Não é só o olhar do encenador que é diferente, é a própria carne e sentimentos dos actores que tornam a realidade “outra”. Sem ser infiel ao original. O texto, que pode ser encenado na Suécia, nos EUA, em Inglaterra ou em Portugal (existe, aliás, da parte de Solveig o cuidado de o tornar algo inlocalizável, apesar de ter aportuguesado os nomes das personagens), permite adaptar-se a novas realidades físicas. Liv Ullmann era uma Marianne magnífica, Margarida Marinho confirma-se como uma das grandes actrizes portuguesas que com o seu talento (e a sua beleza e discreta sensualidade) ilumina o palco do D. Maria II. Só para a ver vale a pena a deslocação. Se Erland Josephson era mais afirmativo e “presente”, Adriano Luz opta por uma figura mais nuanceada, por vezes frágil, mas sempre sugestivo e convincente. Excelente trabalho de actores, portanto, num texto difícil pelo seu intimismo. 

Um belíssimo espectáculo, em suma, que vale mesmo a pena ver num palco português. Bergman é Bergman, já se sabe. Sempre magnifico, inteligente, sensível. Mas aqui apresenta-se muito bem servido pelo talento nacional. A não perder.

1 comentário:

Anónimo disse...

Uma magnífica peça teatral, com um
texto e encenação brilhantes.
Dois actores cujo desempenho
extraordinário, nos faz ter orgulho
de ser portugueses.
M.Júlia