quarta-feira, janeiro 16, 2013

CINEMA: GUIA PARA UM FINAL FELIZ

 
    GUIA PARA UM FINAL FELIZ

Passa-se algo de estranho nas nomeações para Oscars nos últimos anos, e isso tem a ver com a qualidade do cinema que se produz na América nestes últimos tempos. Olhando só para a lista dos nove nomeados para melhor filme do ano, e falando só dos que já vi, claro que há bons filmes, todos eles me parecem em princípio merecedores da atenção do espectador, mas… não há uma única obra-prima, uma só que seja para nos arregalar os olhos. Mas, acho que todos se recordam, em 1941, “Citizen Kane” esteve nomeado e não ganhou, o que ganhou foi “O Vale era Verde”, de John Ford. Mas reparem, entre os nomeados estavam ainda “Suspeita”, de Alfred Hitchcock, “O Sargento York”, de Howard Hawks, “Relíquia Macabra”, de John Huston, “Raposa Matreira”, de William Wyler, além de “Flores do Pó”, de Mervyn LeRoy, “O Defunto Protesa”, de Alexander Hall, “A Minha História”, de Mitchell Leisen, e “Com um Pé no Céu”, de Irving Rapper. Foi um ano interessante, dez títulos nomeados, com seis obras-primas a atropelarem-se para conseguirem chegar em primeiro. O melhor filme de sempre, que para mim continua a ser “O Mundo a seus Pés”, foi batido. Por uma outra obra-prima e até eu compreendo o embaraço dos membros da Academia. Mas veja-se o que se passa este ano. Obviamente que não há uma única obra-prima, nem sequer uma sobrinha para remediar (convém dizer que ponho de lado “Amor”, do austríaco Michael Haneke, porque apesar de estar nomeado nesta categoria, vai ganhar a de melhor filme em língua não inglesa, e ponto final). Os restantes é tudo boa gente, mas a andar na mediania. Por mim, até agora, prefiro o classicismo austero de “Lincoln”, de Steven Spielberg, mas acho muito interessantes “Argo”, “Guia para um Final Feliz”, enquanto espero para ver “OO, 30 Hora Negra”, “Django Libertado”, “A Vida de Pi” e “Bestas do Sul Selvagem”, e até percebo a nomeação de “Les Miserables”. Mas aqui não há uma única obra-prima. Enquanto há uns anos atrás havia várias no mesmo ano.
Posto isto, outro lamento, ainda que num mesmo registo. Não se trata de saudosismo retrógrado, mas apenas de verificar uma realidade. Por onde andam as brilhantes comédias norte-americanas de outros tempos? Uma comédia era um acontecimento, um entretenimento inteligente, sensível, por vezes sofisticado e elegante, outras vezes de um burlesco desenfreado, sorria-se ou gargalhava-se com gosto. Agora, descobrir uma comédia norte-americana que não nos faça corar de vergonha, é quase como encontrar uma agulha no palheiro. Vá lá, este ano temos uma: “Guia para um Final Feliz”, de David O. Russell, um realizador que nos dera duas obras anteriores interessantes, o descabelado “Três Reis” e “The Fighter – Último Round”. Agora num registo de comédia romântica adapta o romance de Matthew Quick, "The Silver Linings Playbook", e safa-se bem, ainda que sem deslumbrar. Apoiando-se em bons actores, como Bradley Cooper (que vem de “Ressaca” e outros tais), Jennifer Lawrence (a fabulosa descoberta de “Despojos de Inverno”) ou o eterno Robert De Niro, constrói um filme muito agradável de se seguir, sobre a vida destrambelhada do cidadão norte-americano que sobrevive num sobressalto constante, quer tenha saído de uma clínica psiquiátrica ou viva normalmente o seu dia a dia sem recurso a fármacos. 
 
 

Pat (Bradley Cooper) terá sido, antes de privarmos com ele no filme, um vulgar cidadão, casado, professor, filho de uma família algo estranha, até que um dia, ao regressar a casa, descobre que a mulher não está sozinha no banho e espanca o estranho que ocupa o seu lugar na banheira. Espanca-o bravamente e é preso, possivelmente julgado, descobrem que é bipolar, enfiam-no durante uns meses numa clínica, donde sai no dia em que o filme começa a acompanhá-lo. Regressa a casa dos pais, vive obcecado com Niki, a mulher que abandonou o lar e vive sozinha, e de quem está proibido de se aproximar. Acorda os pais às quatro da manhã para saber onde está uma gravação vídeo, mas enfim, não se trata de nada muito preocupante. Esfalfa-se a correr pelas ruas da vizinhança, para cansar o corpo, e encontra uma jovem amiga de uma amiga, Tiffany, que ficou viúva há pouco tempo e que adora sexo e o convida de imediato para uma sessão de queima de calorias. Mas ele continua casado, apesar de não praticar e relembra a Tiffany que ela também o é, apesar de o marido jazer no cemitério. Até aqui tudo bem, as personagens têm graça, estão muito bem defendidas pelos actores, a perseguição da obcecada sexual é muito divertida (e a actriz magnífica), o pai de Pat não é muito melhor que os outros perturbados psíquicos (ele vive a pensar na equipa da terra e nas vitórias que lhe podem trazer uma fortuna nas apostas) e há um antigo companheiro de clínica de Pat que aparece de vez em quando, em fuga. Ainda se devem referir a temerosa mãe de Pat e o irmão deste, que não destoa da família. Há ainda um polícia que tenta serenar os ânimos, com a calma necessária.
Depois o filme descai um pouco, com os ensaios para um baile, e tudo acaba num “happy end” que não agride ninguém. Há uma boa referência a “Singin’ in the Rain”, que serve de modelo para um “pas de deux”, analisado num ipod, o que dá bem o sinal dos tempos.
Nesta sociedade onde parece não existir bom senso (mas onde é que ele existe?) a loucura reparte-se habilmente entre os que estão dentro da clínica e os que estão fora, podendo muito bem trocar entre si que ninguém dará por nada.
A realização é sóbria e discreta, a interpretação boa, o filme escorre sem problemas de maior e como tal recebe a recompensa de sete nomeações para os Oscars, entre as quais a de melhor filme, melhor realizador, quatro actores e argumento adaptado. Realmente, descobrir uma comédia que não agrida a inteligência e a sensibilidade de um espectador que tenha mais do que nove anos e escolaridade correspondente, é difícil. Mas sete nomeações é obra! Veremos quantos Oscars revertem a seu favor. 
GUIA PARA UM FINAL FELIZ
Título original: Silver Linings Playbook
Realização: David O.  Russell (EUA, 2012): Argumento: David O. Russell, segundo romance de Matthew Quick ("The Silver Linings Playbook"); Produção: Bruce Cohen, Bradley Cooper, Donna Gigliotti, Jonathan Gordon, Mark Kamine, George Parra, Bob Weinstein, Harvey Weinstein; Música: Danny Elfman; Fotografia (cor): Masanobu Takayanagi; Montagem: Jay Cassidy, Crispin Struthers; Casting: Lindsay Graham, Mary Vernieu; Design de produção: Judy Becker; Direcção artística: Jesse Rosenthal; Decoração: Heather Loeffler; Guarda-roupa: Mark Bridges; Maquilhagem: Diane Dixon, Diane Heller, Lori McCoy-Bell, Janeen Schreyer, Carla White; Direcção de produção: Mark Kamine, Tim Pedegana; Assistentes de realização: Ben Bray, Xanthus Valan, Michele Ziegler; Departamento de arte: Marjorie Eber, April Hodick, Paul Maiello; Som: Odin Benitez, Kaspar Hugentobler, Tom Nelson; Efeitos especiais: Drew Jiritano; Efeitos visuais; Mark O. Forker, David P.I. James, Holt Lindenberger; Companhias de Produção: The Weinstein Company, Mirage Enterprises; Intérpretes: Bradley Cooper (Pat), Jennifer Lawrence (Tiffany), Robert De Niro (Pat Sr.), Jacki Weaver (Dolores), Chris Tucker (Danny), Anupam Kher (Dr. Cliff Patel), John Ortiz (Ronnie), Shea Whigham (Jake), Julia Stiles (Veronica), Paul Herman (Randy), Dash Mihok, Matthew Russell, Cheryl Williams, Patrick McDade, Brea Bee, Regency Boies, Phillip Chorba, Anthony Lawton, Patsy Meck, Maureen Torsney-Weir, Jeff Reim, Fritz Blanchette, Rick Foster, Bonnie Aarons, Ted Barba, Elias Birnbaum, Matthew Michels, Pete Postiglione, Richard Eklund III, Sanjay Shende, Mihir Pathak, Ibrahim Syed, Madhu Narula, Samantha Gelnaw, etc. Duração: 122 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal; Estreia em Portugal: 10 de Janeiro de 2013.

1 comentário:

Belinha Fernandes disse...

Eu fiquei encantada com o Bradley Cooper. Tinha visto A ressaca e nunca achei que ele passasse disso. Depois deste filme vi As palavras. O filme não é grande coisa, mas ele volta a brilhar. Acho que se pode vir a tornar um grande actor, se se deixar de ressacas. No entanto quem tem ganho os prémios é a Jennifer, que também está em forma. Eu vi Os jogos da fome, com o meu sobrinho, e ela marca o filme. Concordo consigo, as comédias andam pela rua da amargura e já é coisa de anos. Por isso este filme é uma pérola. É pena, como diz, que o fim estrague um pouco o resultado. Mas até aí tudo flui de forma surpreendente, com humor fino, subtileza.Tenho aconselhado este filme a muita gente e eu não aconselho comédias...AHAH!