quarta-feira, maio 01, 2013

CINEMA: NÃO



NÃO
 
 
Os factos: em 1973, Allende foi deposto da Presidência da República do Chile, por um golpe militar chefiado por Augusto Pinochet que, a partir daí, e durante quinze anos, chefia uma brutal ditadura militar.
Em 1988, em virtude da crescente pressão internacional, inclusive por parte dos Estados Unidos, que anteriormente tinham ajudado Pinochet a triunfar, o regime militar aceitou realizar um referendo para decidir se Augusto Pinochet continuaria no poder por mais oito anos, até 1997, ou não. O que se perguntava aos eleitores era, pois, se sim ou não a essa intenção do ditador. A ida às urnas ocorreu a 5 de Outubro de 1988. Do lado do “Si” estavam os partidos, se assim se lhes poderia chamar, que apoiavam a ditadura, os únicos legais. Do lado do “No”, que se chamava “Concertação Nacional”, estavam 17 partidos sem existência legal, a que foi permitida voz pública durante uma campanha de um mês, para apresentarem na televisão estatal um espaço de propaganda de quinze minutos diários, igual ao oferecido aos apoiantes do “Si”.
Depois de discussões várias, a oposição resolveu aceitar o repto e concorrer sob o símbolo do arco iris, a união de várias cores em redor da ideia de um futuro melhor em liberdade, com uma canção tema que haveria de resultar em pleno, a “Marcha da Alegria”. Tornou-se o que hoje se chamaria um fenómeno viral, o que parece ter tido influência decisiva no resultado final.
 


 
Esta campanha política acabaria por se transformar, em grande parte, numa luta entre duas concepções de publicidade. Uma mais moderna e manipuladora de emoções (a do “No”), outra mais conservadora e igualmente manipuladora de sentimentos e de factos (a do “Si”). À frente da primeira campanha, encontrava-se, segundo o filme de Pablo Larraín, René Saavedra (Gael García Bernal), e a dirigir o “Sim” Lucho Guzmán (Alfredo Castro), curiosamente patrão de Saavedra na agência de publicidade onde ambos trabalhavam. Saavedra, porém, operava a favor do “No” como free lancer. Depois de um mês de grandes dúvidas, e de algumas peripécias dramáticas, com o regime militar a tentar intimidar as hostes do “Não”, chegou a noite determinante e o “Não” haveria de ganhar largamente: 54,71% contra 43,01%. Assim se punha termo a um dos regimes mais sangrentos das últimas décadas na América Latina, entrando-se num período de transição para a democracia. Segundo a Constituição Chilena, a vitória do “Não” implicava eleições livres no prazo de um ano, durante o qual Pinochet se manteve na presidência, findo o qual cedeu o seu lugar ao vencedor da eleição que elegia conjuntamente Presidente e Parlamento. Em Dezembro de 1989, realizaram-se essas novas eleições, do resultado das quais Patricio Aylwin foi eleito Presidente da República. O Chile iria entrar num período democrático que se estenderia até hoje.
O filme: Pablo Larraín, chileno, nascido a 19 de Agosto de 1976, era já autor de dois filmes particularmente interessantes sobre a vida no Chile durante a ditadura militar: “Tony Manero” e “Post Mortem”. “No” é o terceiro momento desta trilogia que nos fornece uma visão, em momentos distintos, início, durante e fim, do domínio de Pinochet. “No” é especialmente interessante por vários motivos. Como retrato da agonia de uma ditadura, como relato de uma transição pacífica da ditadura para a democracia, mas sobretudo como sintoma de um tempo novo onde a importância do marketing e da publicidade e dos métodos de manipulação de massas a eles associados são absolutamente decisivos, não só na venda de produtos, como também na política. 
 


 
O filme recorre com frequência a material de arquivo das televisões, desde os programas de propaganda política do “Si” e do “No”, como igualmente de actualidades, entrevistas, etc. Para conseguir uma certa unidade estilística no seu filme, Pablo Larraín resolveu rodar a sua obra com a mesma câmara de vídeo que havia gravado essas actualidades, uma Sony U-Matic que, entretanto, já caíra em desuso. O resultado é realmente de uma grande unidade, com a câmara ao ombro quase sempre, uma imagem demasiado esbatida e granulada por vezes, mas que consegue esse tom de grande plausibilidade e credibilidade. Quase todo o filme passa como se de uma actualidade de fim da década de 80 se tratasse. Depois, há que referir a excelente qualidade dos intérpretes, sobretudo de Gael García Bernal e de Alfredo Castro, dois nomes consagrados que aqui confirmam pergaminhos antigos.
Resumindo: um excelente filme político, recuperando com eficácia um momento da História do Chile, que, no entanto, não deixa de ser inquietante. Não fora o esmerado trabalho de marketing e publicidade da campanha do “No” e o Chile continuaria sob a ditadura de Pinochet? Será que nós, eleitores, estamos à mercê de lavagens de cérebro pelas eficientes máquinas das agências de publicidade? Já nos tinham dito, mesmo aqui em Portugal, que se poderia vender presidentes como sabonetes. Temos agora uma aula teórica e prática de como funciona o sistema. Obviamente que nos podem sempre dizer – e garantir - que sem uma boa qualidade do produto a vender, este dificilmente será vendável. Mas já temos provas do contrário.
Será que o eleitor está cada vez menos interessado em discutir opções políticas e ideias, e cada vez mais se deixa guiar pelos apelos irracionais? Eu julgo que neste caso do Chile ganhou a razão, mas nada nos garante que uma boa campanha publicitária e uma excelente estratégia de marketing não nos impinjam quem quiserem. Não sei mesmo se, consciente ou inconscientemente, Pablo Larraín não nos ofereceu um filme que mostra como morrem certas velhas ditaduras e como nascem outras.  

NÃO
Título original: No
Realização: Pablo Larraín (Chile, França, EUA, 2012); Argumento: Pedro Peirano, segundo peça teatral de Antonio Skármeta; Produção: Daniel Marc Dreifuss, Jonathan King, Juan de Dios Larraín, Pablo Larraín; Música: Carlos Cabezas; Fotografia (cor): Sergio Armstrong; Montagem: Andrea Chignoli; Direcção artística: Estefania Larrain; Decoração: María Eugenia Hederra; Direcção de Produção: Eduardo Castro; Assistentes de realização: Gabriel Díaz; Departamento de arte: María Eugenia Hederra; Som: Sebastian Marin, Ivo Moraga, Isaac Moreno, Roberto Zuñiga; Efeitos visuais: Ismael Cabrera, Rodrigo Rojas Echaiz; Companhias de produção: Fabula, Participant Media, Funny Balloons, Canana Films; Intérpretes: Gael García Bernal (René Saavedra), Alfredo Castro (Lucho Guzmán), Luis Gnecco (José Tomás Urrutia), Néstor Cantillana (Fernando), Antonia Zegers (Verónica Carvajal), Marcial Tagle (Alberto Arancibia), Pascal Montero (Simón Saavedra), Jaime Vadell (Ministro Fernández), Elsa Poblete (Carmen), Diego Muñoz (Carlos), Roberto Farías (Marcelo), Sergio Hernández, Manuela Oyarzún, Paloma Moreno, César Caillet, Pablo Krögh, Patricio Achurra, Amparo Noguera, Alejandro Goic, Carlos Cabezas, Claudia Cabezas, Paulo Brunetti, Iñigo Urrutia, Pedro Peirano, Patricio Aylwin, Eugenio Tironi, Juan Forch, Eugenio García, Juan Gabriel Valdés, Jaime de Aguirre, Florcita Motuda, Patricio Bañados, Osvaldo Silva, Carmen María Pascal, María Teresa Bacigalupe, Cecilia Echeñique, Tati Pena, Javiera Parra, Isabel Parra, Cristina Parra, Milena Rojas, Carlos Caszely, Gabriela Medina, Malucha Pinto, Maitén Montenegro, Jorge Yáñez, Claudio Narea, Marco Antonio de la Parra, Ana María Gazmuri, Marcela Medel, Reinaldo Vallejo, Claudio Guzmán, Consuelo Holzapfel, Maricarmen Arrigorriaga, Shlomit Baytelman, Delfina Guzmán, María Elena Duvauchelle, Julio Jung, Richard Dreyfuss, Jane Fonda, Luz Jiménez, Augusto Pinochet, Christopher Reeve, César Arredondo (alguns em imagens de arquivo), etc. Duração: 118 minutos; Distribuição em Portugal: Alambique Destilaria de Ideias Unipessoal; Classificação etária: M7 12 anos; Data da Estreia em Portugal: 25 de Abril de 2013.

1 comentário:

Anónimo disse...

Totalmente de acordo com esta
crítica.É um filme que eu considero um dos melhores que
ultimamente passaram nas salas
de cinema. Devia até ser obrigatório ver este filme.
Aprende-se muito com esta história
real!
M.Júlia