quinta-feira, junho 14, 2007

TEMPO DE LICEU EM PORTALEGRE


Isto de andar a vasculhar "nas arcas" (agora é nos arquivos dos PCs) é o que dá. Aparecem sempre coisas que achamos interessantes. Por exemplo, um entrevista concedida ao jornal da Escola Secundária Mouzinho da Silveira, de Portalegre, onde fiz os primeiros anos de Liceu, em finais da década de 50. Quase quarenta anos depois faziam-me a entrevista e eu respondi assim:

1. Conhece a Escola Secundária Mouzinho da Silveira como ela é actualmente? O que mudou?
- Conheço-a mal. Apenas lá estive, creio que por duas vezes, para colóquios com professores e alunos, o que não deu para ter uma ideia completa da Escola, mas, mesmo assim, posso dizer que mudou muita coisa, a começar desde logo pelo edifício. Eu ainda andei no velho liceu que ficava defronte do antigo mercado, edificio onde hoje é, segundo julgo, a Escola Superior de Educação. As mudanças são profundas, já lá vão mais de 35 anos desde que deixei Portalegre. Espero, isso sim, que o que mudou tenha sido para melhor.
2. Em que é que esta escola o influênciou?
- Creio que não foi só a Escola que me marcou para todo o sempre, mas o Alentejo, e particularmente Portalegre. Vivi nesta cidade entre os meus 7 e 15 anos, uma época muito importante na definição da personalidade de qualquer pessoa. Depois, o que mais me marcou na escola, foi o factor humano, os professores que tive, entre os quais é óbvio que tenho de destacar José Régio, mas também muitos outros, que, de uma maneira ou de outra, positiva ou negativamente, me ajudaram a definir como pessoa, nos meus gostos e apetências. O que veio a conjugar-se com o lado familiar, essencial também, como se deve calcular.
3. Como é que relembra a escola?
- Um casarão enorme, que hoje sei não ser assim tão enorme, para onde se ia diariamente com um misto de prazer e de terror. Muita coisa, boa e má, por lá se passou, das amizades aos primeiros amores, das torturas provocadas por certos professores aos ensinamentos que outros nos ofereciam com generosidade. O recreio, que ficava lá para trás, era o momento de relaxe por que se ansiava...
4. Qual a sua recordação mais querida?
- Lamento dizer, ou talvez não o lamente, que as melhores recordações do liceu foram os primeiros amores. Duas ou três raparigas por quem me fui sucessivamente apaixonando, uma delas que a meio do curso deixou Portalegre e me ia destruindo de dor. Devia ter para aí 14 anos, mas esses namoriscos de meninice são fatais. A descoberta do amor ficará em mim para sempre ligada áquela velha casa. Não há recordação mais querida, como se deve calcular.
5. Como era a relação professor / aluno?
- Falo dos anos 50, precisamente entre 1950 e 1958, e, nessa altura, como hoje, havia de tudo, professores que eram companheiros mais velhos e mais sabedores, e carrascos que faziam valer o seu poder para literalmente aterrorizarem quem lhe passava por perto. E havia ainda uma massa de professores e alunos mais ou menos indiferentes, que não recordo, nem pela positiva, nem pela negativa. Mas, apesar de tudo, o balanço é favorável.
6. E a relação aluno /escola?
- A escola, por aquele tempo, era "o sítio onde se ia ter aulas". E ter aulas, por aquele tempo, não era algo que a escola transformasse numa actividade excitante. Dependia radicalmente dos professores, do seu saber e da sua generosidade. Ou da ausência de tudo isso. Gostava que hoje a escola fosse um local para onde os alunos fossem com vontade de irem aprender, conviver com os colegas e ouvir os amigos mais velhos ensinarem-lhes coisas importantes para a sua vida. Mas será que já mudou tanto? Essa, de Portalegre, e todas as outras, em Portugal?
7. Conte-nos algo que se tenha passado na escola, que o tenha marcado?
- Um sinistro interrogatório, verdadeiramene inquisitorial, que um professor de moral um dia me fez, depois de me fechar à chave numa sala de aula. É uma recordação que ainda hoje não esqueço, e que um dia, anos mais tarde, revi num filme de Fellini, creio que em Amarcord. Nesse dia aprendi o que era o terror.
8. Quando concluiu o liceu, o que sentiu?
- Primeiramente, alívio. Anos depois, algumas saudades do que de bom por lá fui vivendo. Mas acabei o liceu, já em Lisboa, no Pedro Nunes. Em Portalegre, no Mouzinho da Silveira, andei até concluir o 4º ano. Já fiz o 5º ano em Lisboa, no Gil Viente, e o 6º e o 7º, no Pedro Nunes. Mas o alívio tinha apenas a ver com uma étapa já ultrapassada. Do Pedro Nunes transitei depois para a Faculdade de Letras de Lisboa, onde fiz o Curso de História, e na Faculdade senti já o sabor da liberdade e o gosto de aprender matérias e conceitos que escolhera e de que gostava.
9. Gostaria de rever algo ou alguém do tempo em que esteve na Escola Secundária Mouzinho da Silveira? Quem ? O quê?
- Tanta gente, a começar pelo meu pai (agora também a minha mãe), e pelos tempos que com ele vivi em Portalegre - acompanhei-o tantas vezes, quando ele ia de cavalete e tintas, pintar para o campo -, continuando por tantos amigos, e tantas coisas que me deram um real prazer em passar esses anos da minha vida em Portalegre. Os jornais, A Rabeca e o Distrito, onde comecei a rabiscar uns escritos e a compô-los em chumbo, sob os olhares amigos do Sr. Casaca e do cónego Anacleto, os filmes vistos no velho Teatro Portalegrense e no Cine Parque, a inauguração do Crisfal, as idas ao futebol, torcer pelo Portalegrense e pelo Estrela (eu torcia por Portalegre), os passeios pelos arredores, as festas populares, nas capelinhas que havia à volta da cidade e em São Mamede, o Café Alentejano e o Central, onde ia tantas vezes com os meus pais, os passeios pelas alamedas que partiam do Platana até lá cima, o jardim da Corredora e os versos de José Duro, os bailes na Casa Amarela, a Páscoa na Sé e a visita pascal anunciada por um sininho que descia a rua de Elvas, a casa de José Régio, que visitava com regularidade com os meus pais, enfim tanta coisa... tanta gente e tanta coisa que afinal revejo na memória agora mesmo, enquanto estou a escrever estas linhas.
10. Gostaria de transmitir alguma mensagem aos alunos da actual Escola Secundária Mouzinho da Silveira?
- Ajudem a preparar uma escola melhor para vocês e para os vossos filhos. Uma escola é um edifício, mas é sobretudo um encontro de pessoas, uma comunhão de vidas, onde alunos e professores aprendem uns com os outros a viver melhor. Serão os alunos e os professores que obrigarão os Ministérios da Educação a governarem melhor. Agora e no futuro. Por isso, coragem! A escola precisa de ti, não és só tu que precisas dela. (25 de Maio 1995).

4 comentários:

Ouriço disse...

Portalegre a aquela coisa maravilhosa de maçã - boleima? Ou já não sei o nome? Muito bom, com café com leite...
Bjs!

Anónimo disse...

A foto é da Universidade de Évora.
Veja bem.

Ana Paula Sena disse...

Muitas coisas podem não nos ficar na memória, mas nunca será o caso das escolas por onde passamos. A Escola é tão importante que fica para o futuro, de uma ou doutra maneira.
Gostei muito de ler esta entrevista que agora constitui uma interessante retrospectiva.
Beijinhos :)

Ana depenada, ou melhor descamada! disse...

a foto é da universidade de évora!!!