127 HORAS
É bom começar por uma nota pessoal. Devo ser daqueles que podem ostentar uma t-shirt a dizer “Sobrevivi a 127 horas”. Não ao drama que o filme relata, mas à visão do próprio filme. Mas devo igualmente acrescentar que sobrevivi com recurso a batota. Ou seja: passei para aí 5 minutos com a mão a tapar os olhos e com os dedos entreabertos a ver se “a coisa” já tinha passado.
Esta é mais uma história de perseverança. De sobrevivência. De valorização do espírito de resistência perante as adversidades. Um jovem com um gosto talvez excessivo por desportos radicais resolve ir mais uma vez para as montanhas rochosas, pôr à prova a sua agilidade e arrojo. Vai bem apetrechado, mas ninguém sabe para onde foi. Não atende um telefonema da mãe e isso poderia ter-lhe sido fatal nesse fim-de-semana alucinante. Vai à aventura para a isolada e vasta paisagem do Grande Canyon e irá encontrar pela frente a aventura de uma vida. Não as duas agradáveis jovens com quem se cruza por momentos e com quem toma temerário banho, mas o que vem depois, sobretudo depois de se ter despedido das simpáticas raparigas, o que, como se sabe, é sempre traumatizante.
Mas ele aí vai à desfilada. Bem se pode utilizar o termo, a preceito. Escorrega por uma fresta aberta entre rochas e desce aos trambolhões largas dezenas de metros, enrolado em pedregulhos e areia. Um calhau enorme prende o seu braço direito de encontro à parede rochosa e não há volta a dar. Aron Ralston (James Franco), assim se chama o herói desta trágica aventura, não consegue sair dali. A uma centena de metros de profundidade, sem viva alma à volta, num raio de dezenas ou centenas de quilómetros, enterrado num metro de oxigénio, entre dois muros de rocha, com um litro de água potável, alguma comida, um canivete adquirido numa loja de chineses, em lugar do canivete suíço que “devia ter comprado”, uma câmara de vídeo (com boa imagem e bom som e uma bateria que nunca mais acaba – boa publicidade à marca!) e algum material de alpinista, Aron Ralston passa 127 horas enjaulado, com uma ave de rapina, águia ou abutre, que passa no céu, todas as manhãs, a assegurar-se de que a presa ainda se debate com vida.
Aron tenta arrastar o pedregulho, procura lapidá-lo com o canivete, puxa o braço, estende as pernas, empurra com os pés, bebe a urina que começa a guardar, sorve também a água da chuva, quase se afoga na posterior enxurrada e, no final, tem de cortar o braço com o canivete (chinês) para se libertar.
Não estou a contar o fim da história, pois esta é uma história de que toda a gente sabe o fim. Tal como no caso do Titanic. O interesse do filme de Danny Boyle (“Trainspotting”, 1996; “Vidas Diferentes”, 1997; “A Praia”, 2000; “28 Dias Depois”, 2002; “Quem Quer Ser Bilionário?”, 2008, entre outros) está na forma como este conta a história verídica e não tanto no seu desenrolar. Argumento bem desenvolvido, narrativa doseada na medida certa, realização cuidada e difícil de manter, mais de uma hora num beco sem saída, um homem preso entre duas rochas, um ou outro flash back, um ou outro delírio, e pouco mais. Apenas o suspense de se saber como se mantém vivo o cativo e quando chega o momento de dilacerar a carne e cortar as cartilagens, até soltar o braço do corpo. O director de fotografia faz prodígios com a câmara, encurralado num espaço mínimo, com um único actor como referência. Um “tour de force” que merece ser sublinhado.
O filme baseia-se numa obra autobiográfica do próprio Aron Ralston ("Between a Rock and a Hard Place") onde conta a sua odisseia. James Franco veste-lhe a pele e com o seu trabalho foi projectado para as nomeações ao Óscar de melhor actor. Não vai ganhar mas merece inteiramente a referência, dado que a sua representação é magnífica, impressionante de verdade, de rigor, de disciplina, sem excessos nem trejeitos escusados.
Um filme interessante, angustiante na agonia, mas nunca desesperante, sempre tocado com um ou outro toque de humor, e uma muito decisiva mensagem de optimismo. Anuncia-se mesmo a continuação: Aron Ralston, amputado, parte para a neve. O que se seguirá?
Danny Boyle
127 HORAS
Título original: 127 Hours
Realização: Danny Boyle (EUA, Inglaterra, 2010); Argumento: Danny Boyle, Simon Beaufoy, segundo obra de Aron Ralston ("Between a Rock and a Hard Place"); Produção: Bernard Bellew, Danny Boyle, Christian Colson, Lisa Maria Falcone, Tom Heller, François Ivernel, John J. Kelly, Cameron McCracken, Diarmuid McKeown, Tessa Ross, Gareth Smith, John Smithson; Música: A.R. Rahman; Fotografia (cor): Enrique Chediak, Anthony Dod Mantle; Montagem: Jon Harris; Design de produção: Suttirat Anne Larlarb; Direcção artística: Christopher R. DeMuri; Decoração: Les Boothe, Cynthia A. Neibaur; Guarda-roupa: Suttirat Anne Larlarb; Maquilhagem: Ginger Anglin-Cervantes, Tony Gardner, Gina Homan, Stephanie Scott; Direcção de Produção: Craig Ayers, Bernard Bellew, Duff Rich; Assistentes de realização: Jason Allred, Cody Harbaugh, J. Scott Smiley, David Ticotin, Heather Toone; Departamento de arte: Brent Astrope, Dillon Ellefson, Jason Haase, Hollie Howton; Som: Niv Adiri, Nicolas Becker, Glenn Freemantle; Efeitos especiais: William Aldridge, Blair Foord, Ryan Roundy; Efeitos visuais: Adam Gascoyne; Companhias de produção: Cloud Eight Films, Film4, Everest Entertainment, Darlow Smithson Productions, Dune Entertainment III, HandMade Films, Pathé; Intérpretes: James Franco (Aron Ralston), Kate Mara (Kristi), Amber Tamblyn (Megan), Sean Bott, Koleman Stinger, Treat Williams, John Lawrence, Kate Burton, Bailee Michelle Johnson, Rebecca C. Olson, Parker Hadley, Clémence Poésy, Fenton Quinn, Lizzy Caplan, Peter Joshua Hull, Pieter Jan Brugge, Jeffrey Wood, Norman Lehnert, Xmas Lutu, Terry S. Mercer, Darin Southam, etc. Duração: 94 minutos; Distribuição em Portugal: Castello Lopes Multimédia; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 24 de Fevereiro de 2011.
Classificação: ***
Sem comentários:
Enviar um comentário