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OS MIÚDOS ESTÃO BEM
Novas formas de comportamento humano implicam alterações profundas na organização social. As instituições transformam-se, tentando adaptar-se a esses novos tempos. O casamento é uma dessas instituições em crise de crescimento, que tenta progressivamente adaptar-se às novas necessidades criadas. Mas se tudo se transforma, no comportamento colectivo e nas instituições sociais que o coordena (ou procura disciplinar), há algo de imutável na condição humana, no seu comportamento individual ou colectivo que não se deixa ensinar: as paixões humanas são imutáveis. Podem educar-se, aqui e ali, mas estão sempre prontas a explodir ao mais pequeno sinal. A esperança é que nos vamos civilizando lentamente, procurando cada vez mais interagir melhor com o nosso semelhante. Mas nada anula a paixão, o ciúme, a ira, o desejo, a violência, o ódio, o amor… São partes constitutivas da condição humana, não deixarão de existir.
Podem, e devem, civilizar-se, polir-se, aparentemente domesticar-se, mas estão prontas a romper a barreira. Nesse aspecto não devemos ser utópicos. Ou então a utopia será vivermos o melhor possível com a nossa condição. Ir melhorando na medida do exequível, sem acreditar que o óptimo chegará, porque nunca chegará. Não vai deixar de haver crimes. Por vezes odientos. Nem lutas pelo poder, nem guerras. A utopia será controlá-los, sabendo que nunca os estriparemos do nosso convívio. Não deixará de haver paixões funestas. Nem grandiosas paixões que tudo sublevam. Não deixará de haver ciúme. Nem amor-próprio magoado. Quer seja num casal heterossexual, como num homossexual. Podem os gays vivem escondidos, em comunhão de facto ou casados civilmente, os sentimentos serão os mesmos, as mesmas as dúvidas, iguais as discussões, semelhantes as disputas.
“The Kids Are All Right”, de Lisa Cholodenko, é um bom exemplo de que o que se passa entre homem e mulher, pode muito bem passar-se entre um casal de parceiros do mesmo sexo. Este é o caso de Nic (Annette Bening) e Jules (Julianne Moore), duas mulheres que vivem juntas e que têm dois filhos adolescentes, um rapaz, Laser (Josh Hutcherson), e uma rapariga, Joni (Mia Wasikowska), que foram concebidos por inseminação artificial. Quando um deles atinge os 18 anos e a possibilidade de oficialmente investigar a paternidade, ambos querem saber quem é o pai, e resolvem procurar quem vendeu o esperma. Descobrem Paul (Mark Ruffalo), agricultor e dono de um restaurante, que irá provocar uma pequena revolução na tranquilidade morna da vida do casal. Não interessa especificar pormenores, mas sim referir que os filhos começam a gostar da companhia do pai biológico, pai “dador”, e que Jules se deixa enfeitiçar pela virilidade de Paul. A complexidade das relações vem ao de cima, nada é tão sereno e plácido como parece à primeira vista.
Lisa Cholodenko e Stuart Blumberg assinam um argumento original muito bem estruturado, num estilo de comédia dramática, sensível e inteligente. A realização é sóbria, mas muito eficaz, clássica e transparente, deixando brilhar as actrizes (Annette Bening é fabulosa, de simplicidade e rigor, de interiorização e de perspicácia, e Julianne Moore é igualmente brilhante, num trabalho mais nuanceado) e o actor (Mark Ruffalo, muito bem, registando com uma contenção total a força viril que o seu retrato requeria, sem nunca cair num estereotipo). Também os dois jovens actores se movimentam à altura dos progenitores.
As pequenas e muito subtis anotações psicológicas dispersam-se pela obra, conferindo-lhe a autenticidade necessária. Este é um casal como todos os outros que, todavia, convive com especificidades muito próprias. A procura da felicidade não é fácil, mas é, mais uma vez, através da experiência e da sabedoria que se ultrapassam as dificuldades.
Cada novo desafio justifica respostas diferentes. Mas no fundo, cada novo desafio não é mais do que a duplicação, em fórmulas novas, de velhas questões. Querelas eternas, a que nunca se soube dar uma resposta única. Afinal, não será esse um dos prazeres da existência?
OS MIÚDOS ESTÃO BEM
Título original: The Kids Are All Right
Realização: Lisa Cholodenko (EUA, 2010); Argumento: Lisa Cholodenko, Stuart Blumberg; Produção: Charles E. Bush Jr., Gary Gilbert, J. Todd Harris, Philippe Hellmann, Jordan Horowitz, Neil Katz, Todd J. Labarowski, Jeffrey Levy-Hinte, Riva Marker, Camille Moreau, Joel Newton, Anne O'Shea, Celine Rattray, Laura Rosenthal, Andy Sawyer, Steven Saxton, Christy Scott Cashman, Ron Stein, Bergen Swanson, Daniela Taplin Lundberg; Música: Carter Burwell; Fotografia (cor): Igor Jadue-Lillo; Montagem: Jeffrey M. Werner; Casting: Laura Rosenthal; Design de produção: Julie Berghoff; Direcção artística: James Connelly; Decoração: David Cook; Guarda-roupa: Mary Claire Hannan; Maquilhagem: Cydney Cornell, Elaine L. Offers, Valli O'Reilly; Direcção de Produção: James Debbs, Tracey Landon, Bergen Swanson; Assistentes de realização: Jasmine Alhambra, Emily Hogan, Jesse Nye; Departamento de arte: Cindy Peters; Som: Frank Gaeta, Elmo Weber; Efeitos especiais: Neil Smith; Efeitos visuais: Marcus Lansdell; Companhias de produção: Mandalay Vision, Saint Aire Production, 10th Hole Productions, Antidote Films, Artist International Management, Artist International, Gilbert Films, UGC PH; Intérpretes: Annette Bening (Nic), Julianne Moore (Jules), Mark Ruffalo (Paul), Mia Wasikowska (Joni), Josh Hutcherson (Laser), Yaya DaCosta (Tanya), Kunal Sharma (Jai), Eddie Hassell (Clay), Zosia Mamet (Sasha), Joaquín Garrido (Luis), Rebecca Lawrence, Lisa Eisner, Eric Eisner, Sasha Spielberg, James MacDonald, Margo Victor, Amy Grabow, Stuart Blumberg, Diego Calderón, etc. Duração: 106 minutos; Distribuição em Portugal: Castello Lopes Multimédia; Classificação etária: M/ 16 anos; Estreia em Portugal: 18 de Novembro de 2010.
Classificação: ****
2 comentários:
Então bonita este site está bem posicionado.........bom trabalho :)
Muito Bonito faz mais posts assim !!
Excelente filme.
Encantam-me os filmes sobrios, despojados de efeitos especiais.
Uma boa história,uma boa realização, excelentes atores...É quanto basta.
E concordo consigo: no essencial, os problemas continuam os mesmos. Apesar das novas variantes familiares. Parece-me que tudo se resume a "to love and be loved".
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