sexta-feira, março 22, 2013

CINEMA: COMBOIO NOTURNO PARA LISBOA


COMBOIO NOTURNO PARA LISBOA
 

Antes de mais, devo esclarecer desde logo que o romance “Comboio Noturno para Lisboa”, de Pascal Mercier, não me agradou nada. Achei-o empastelado, pretensioso, rico em filosofices baratas, literatice de trazer por casa. Nunca percebi o sucesso internacional que alcançou de um dia para o outro, um pouco por todo o lado.  Posso estar enganado, mas é o que sinto. Pascal Mercier é, aliás, o pseudónimo usado pelo suíço, professor de filosofia, Peter Bieri, nascido em Berna em 1944, mas mais recentemente professor de Filosofia na Universidade de Berlim. Não faz o meu género, e só o li até final por respeito para com Lisboa, cenário onde decorre grande parte do seu enredo.
De resto, a justificação que o mesmo dá para ter escolhido um pseudónimo literário não deixa de ser curiosa: "Enquanto professor receei colocar a minha reputação académica em causa quando comecei a escrever ficção. Precisava de me esconder atrás de um pseudónimo para ter coragem de me libertar na escrita. Só sabia que queria um nome com sonoridade francesa mas que não fosse extravagante. É uma experiência fantástica escolher um outro nome porque o kitsch que há em nós surge no seu máximo. Os primeiros nomes que nos surgem são extraordinários."
 

Entretanto, soube que o livro iria ser adaptado por Bille August, cineasta dinamarquês que assinou duas películas relativamente interessantes, “Pele, o Conquistador” e “As Melhores Intenções”, tendo-se perdido posteriormente em obras internacionais que nunca me seduziram. Nem a muito conhecida “A Casa dos Espíritos”, rodada parcialmente em Lisboa, me entusiasmou. Parece um homem de boas intenções e de causas, gosta muito de Lisboa, o que só lhe fica bem, mas os seus filmes, quando rodados fora da Dinamarca natal, assemelham-se a encomendas confeccionadas sem vigor nem alma.
Posto isto, que dizer de “Comboio Noturno para Lisboa”, que agora estreou?
O romance, para mim, continua a ser intragável, o filme melhora um pouco o tom geral, mas mantem-se algo incaracterístico, empastelado, sem brilho.
 
 
A história é rápida de se evocar: o suíço Raimund Gregorius, sombrio professor de filosofia numa escola de Berna, um dia ao ir para as aulas surpreende uma jovem que parece ir suicidar-se, lançando-se do alto de uma ponte sobre o rio Aar, que atravessa a cidade. Salva-a, leva-a para a sua aula, a rapariga pouco depois desaparece, mas deixa um casaco vermelho e dentro de um bolso um livrinho de um autor português, Amadeu de Prado. Começa a ler o livrinho, depois de tentar restituir o casaco à jovem portuguesa desaparecida, e encontra no interior das suas páginas um bilhete de comboio para Lisboa. Não pensa duas vezes, até porque o comboio vai partir daí a 15 minutos, e, só com a roupa no pelo, resolve viajar para a capital portuguesa, em busca de Amadeu. Obviamente que as intenções do autor do romance são mais complexas. Raimund Gregorius vem em busca de Amadeu de Prado só na aparência, quem ele procura realmente é a si próprio, a aventura que nunca viveu. Os escritos de Amadeu são dramaticamente medíocres e enfatuados, mas generosamente são reduzidos ao mínimo na adaptação cinematográfica. Um ponto a favor do filme.
Depois, de encontro em encontro, de entrevista em entrevista, descobre que Amadeu foi médico, resistente à ditadura salazarista, e que faleceu, vítima de um aneurisma cerebral. Mas vai encontrando muita gente que lhe fala de Amadeu. Quem interpreta Raimund Gregorius? Jeremy Irons. Ok. Consegue transformar uma personagem sem densidade, em alguém que se acompanha com prazer. Outro ponto a favor do filme. Quem são os actores com quem se cruza em busca de Amadeu? Tom Courtenay, Bruno Ganz, Charlotte Rampling, Lena Olin, Christopher Lee, os portugueses Nicolau Breyner, Helena Afonso, Beatriz Batarda, João Lagarto, Joaquim Leitão, Adriano Luz, José Wallenstein, todos eles muito bem e a merecerem melhor sorte do que aquela que lhes coube, em pequenas rábulas. Há ainda a referir Mélanie Laurent, bonita e talentosa. Outro ponto a favor do filme.
 

Depois há Lisboa como cenário privilegiado desta história. Lisboa muito bonita, fotogénica, um pouco melosa demais para o meu gosto, mas excelente cartaz internacional, demonstrando que esta é uma aposta que Portugal deve seguir. Só por si, cinco pontos a favor do filme.
Finalmente, um aceno de franca simpatia para os produtores portugueses, nomeadamente Ana Costa e Paulo Trancoso, pela galhardia com que se bateram, e se batem, pelo bom sucesso deste filme. Dois pontos a seu favor. Feitas as contas, são dez os pontos, numa escala de 0 a 20. Claro que estamos a ser nacionalistas, a puxar a brasa à nossa sardinha, mas se não fosse essa sardinha o cozinhado não merecia muito mais. Dez pontos é como quem diz: Vá ver que ajuda o país, a cidade de Lisboa merece, e o esforço dos produtores, técnicos e actores portugueses também. Mas não vá com muitas expectativas que ultrapassem cenário e actores.   


COMBOIO NOTURNO PARA LISBOA
Título original: Night Train to Lisbon ou Comboio Noturno Para Lisboa
Realização: Bille August (Alemanha, Suíça, Portugal, 2013); Argumento: Greg Latter, Ulrich Herrmann, segundo romance de Pascal Mercier; Produção: Kerstin Ramcke, Peter Reichenbach, Günther Russ, Ana Costa, Michael Lehmann, Benjamin Seikel, Michael Steiger, Paulo Trancoso; Música: Annette Focks; Fotografia (cor): Filip Zumbrunn; Montagem: Hansjörg Weißbrich; Casting: Patrícia Vasconcelos, Jeremy Zimmermann; Design de produção: Augusto Mayer; Decoração: Dominique Steiner-Studinka; Guarda-roupa: Monika Jacobs; Maquilhagem: Sano De Perpessac, Linda DeVetta, Jekaterina Oertel; Direcção de produção: Catherine Leroux, Tina Mersmann, Joana Synek; Assistetes de realização: Guy Travers, Raul Correia, Sonja Levy, Filipa Ruiz; Departamento de arte: Simon Bang, José Carlos Vitorino; Som: Rainer Heesch, Stefan Soltau, Björn Wiese; Efeitos visuais: Andrei Dimitriu, Dirk Frischmuth, Markus 'Maggi' Selchow; Companhias de produção: Studio Hamburg Filmproduktion, C-Films AG, PalmStar Entertainment, Efish Entertainment, Cinemate, K5 Film, K5 International, Tele München Fernseh Produktionsgesellschaft (TMG); Intérpretes: Jeremy Irons (Raimund Gregorius), Mélanie Laurent (jovem Estefania), Jack Huston (Amadeu), Martina Gedeck (Mariana), Tom Courtenay (João Eça), August Diehl (jovem Jorge O'Kelly), Bruno Ganz (Jorge O'Kelly), Lena Olin (Estefania), Burghart Klaußner (juiz Prado), Nicolau Breyner (Da Silva), Charlotte Rampling (Adriana de Prado), Helena Afonso (Maria Prado), Beatriz Batarda (jovem Adriana), Sarah Bühlmann (Catarina Mendes), Raquel Cipriano, Jean-Pierre Cornu, Maria d'Aires, Marco D'Almeida, Dominique Devenport, Marçal Godinho, Max Hubacher, João Lagarto, Christopher Lee, Joaquim Leitão, Adriano Luz, Eloy Monteiro, Hanspeter Müller, Ana Lúcia Palminha, Bruno Salgueiro, Jane Thorne, Filipe Vargas, Jorge Veríssimo, José Wallenstein, etc. Duração: 110 minutos; classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal: Zon Lusomundo; Estreia em Portugal: 21 de Março de 2013. 

1 comentário:

gps disse...

Parabéns pelo blog.

Encontrei uns artigos do Lauro António sobre o Jerry Lewis, pelo que me lembrei de lhe perguntar se sabe qual o motivo de dois dos seus filmes terem sido rodados parcialmente em Portugal