terça-feira, setembro 30, 2008

MACHADO DE ASSIS NO CINEMA


(...) O que mais me espanta, hoje em dia, na escrita de Machado de Assis, sobretudo a partir de “Memórias Póstumas”, é a multiplicidade de registos que o colocam como um ainda romântico nalguns aspectos, um realista em plena maturidade, mas igualmente um modernista “avant-la-letre”, um surrealista, um concretista, um vanguardista, enfim, também um homem que alguns cuidam ser um irremediável moralista conservador, mas que eu sinto mais um militante de valores morais caídos em desuso, ou um critico da condição humana que não é tão elogiável na sua totalidade como seria de desejar, corrompida pela eterna hipocrisia, pela omnipresente corrupção, pelo viciante carreirismo, pela falta de verdade e de hombridade. Para Machado de Assis a Humanidade é, sempre o foi para trás, e não parece mudar muito no futuro, uma realidade que merece não muita credibilidade, pouca simpatia e muita desconfiança quanto aos seus propósitos mais íntimos. Céptico, pessimista, escritor de uma sibilina ironia, extremamente subtil, mas ferozmente observadora, Machado de Assis capta aí muita da simpatia do público do século XXI. Igualmente descrente e pessimista quanto ao futuro da espécie.
Mas, atenção, a existência é uma contradição insistente: lendo Machado de Assis percebe-se que, para lá do seu ingénito pessimismo e cepticismo, há uma devoradora vontade de viver, um gosto pelos prazeres da vida que é visível em qualquer das suas páginas. Podemos estar muito incrédulos em relação ao Homem, mas lendo Machado de Assis não podemos deixar de glorificar a sua arte, afinal resultado de um “humano”. Lendo as suas descrições, não deixaremos de nos seduzir pelo olhar “obliquo e dissimulado” de Capitu, pelas ruas do Rio de Janeiro, entre as quais a de Matacavalos, pelas jantaradas, pelos bailes, pelas travessias das noites e dos dias tropicais, pelo urbanismo de metrópole, pela densidades das personagens que se não esquecem. Afinal por esta Humanidade frágil que, não sendo perfeita, longe disso, não deixa de ser sedutoramente apetecível. Ler Machado de Assis é ler alguém que nos dá ganas de viver, mas muita vontade de lutar contra o que está mal, e tentar modificar, pouco que seja, o que estiver ao nosso alcance. (...)

(Toda a comunicação ao Encontro Internacional sobre Machado de Assis, pode ser lido aqui: TEXTOS e Cia)

1 comentário:

isabel mendes ferreira disse...

sempre que te leio....re.aprendo.


a admirar-te.




beijo.


meu amigo que não virtual. que sempre serás!