terça-feira, junho 20, 2006

Armário
Eu queria, senhora, ser o seu armário
e guardar os seus tesouros como um corsário
Que coisa louca: ser seu guarda-roupa!
Alguma coisa sólida circunspecta
e pesada nessa sua vida tão estabanada.
Um amigo de lei (de que madeira eu não sei)
Um sentinela do seu leito com todo o respeito.
Ah, ter gavetinhas para suas argolinhas
Ter um vão para seu camisolão e sentir o seu cheiro, senhora, o dia inteiro
Meus nichos como bichos engoliriam suas meias-calças,
seus soutiens sem alças, e tirariam
nacos dos seus casacos,
E no meu chão,como trufas, as suas pantufas...
Seus echarpes, seus jeans, seus longos e afins
Seus trastes e contrastes.
Aquele vestido com asa e aquele de andar em casa.
Um turbante antigo. Um pulôver amigo. Bonecas de pano.
Um brinco cigano.Um chapéu de aba larga.
Um isqueiro sem carga.Suéteres de lã e um estranho astracã.
Ah, vê-la se vendo no meu espelho, correndo.
Puxando, sem dores, os meus puxadores.
Mexendo com o meu interior à procura de um pregador.
Desarrumando meu ser por um prêt-à-porter...
Ser o seu segredo,senhora, e o seu medo.
E sufocar com agravantes todos os seus amantes.

Luís Fernando Veríssimo


Aproveito sempre cada ida ao Brasil para me por a par de tudo o que sai de literatura brasileira. Este ano não foi excepção, ainda que volumes sobre a Copa e o futebol brasileiro abundassem. Comprei um desses, e vários de escritores que admiro. Novidades. Uma delas a antologia de crónicas de Luís Fernando Veríssimo, “Orgias” (Ed. Objectiva, 2005). Como sempre um humor desconcertante, um tom genuinamente brasileiro, retratos admiráveis de personagens esboçadas em meia dúzia de linhas, situações de uma imaginação e humor sem comparação na língua portuguesa. Tenho muitos dos seus livros e guardo excelente recordação de cada um. Serve este texto como pretexto para chamar a atenção para este humorista que escreve magnificamente e reinventa a língua portuguesa com uma graça e eficácia vocabular enormes. Leiam Luís Fernando Veríssimo. Vale a pena.


"Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria sua patroa! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção de lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda." (“O Gigolô das Palavras”).

Luís Fernando Veríssimo: Biografia:

Luis Fernando Verissimo nasceu em 26 de setembro 1936, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Filho do grande escritor Érico Veríssimo, iniciou seus estudos no Instituto Porto Alegre, tendo passado por escolas nos Estados Unidos quando morou lá, em virtude de seu pai ter ido lecionar em uma universidade da Califórnia, por dois anos. Voltou a morar nos EUA quando tinha 16 anos, tendo cursado a Roosevelt High School de Washington, onde também estudou música, sendo até hoje inseparável de seu saxofone.
É casado com Lúcia e tem três filhos.
Jornalista, iniciou sua carreira no jornal Zero Hora, em Porto Alegre, em fins de 1966, onde começou como copydesk mas trabalhou em diversas seções ("editor de frescuras", redator, editor nacional e internacional). Além disso, sobreviveu um tempo como tradutor, no Rio de Janeiro. A partir de 1969, passou a escrever matéria assinada, quando substituiu a coluna do Jockyman, na Zero Hora. Em 1970 mudou-se para o jornal Folha da Manhã, mas voltou ao antigo emprego em 1975, e passou a ser publicado no Rio de Janeiro também. O sucesso de sua coluna garantiu o lançamento, naquele ano, do livro "A Grande Mulher Nua", uma coletânea de seus textos.
Participou também da televisão, criando quadros para o programa "Planeta dos Homens", na Rede Globo e, mais recentemente, fornecendo material para a série "Comédias da Vida Privada", baseada em livro homônimo.
Escritor prolífero, são de sua autoria, dentre outros, O Popular, A Grande Mulher Nua, Amor Brasileiro, publicados pela José Olympio Editora; As Cobras e Outros Bichos, Pega pra Kapput!, Ed Mort em "Procurando o Silva", Ed Mort em "Disneyworld Blues", Ed Mort em "Com a Mão no Milhão", Ed Mort em "A Conexão Nazista", Ed Mort em "O Seqüestro do Zagueiro Central", Ed Mort e Outras Histórias, O Jardim do Diabo, Pai não Entende Nada, Peças Íntimas, O Santinho, Zoeira , Sexo na Cabeça, O Gigolô das Palavras, O Analista de Bagé, A Mão Do Freud, Orgias, As Aventuras da Família Brasil, O Analista de Bagé,O Analista de Bagé em Quadrinhos, Outras do Analista de Bagé, A Velhinha de Taubaté, A Mulher do Silva, O Marido do Doutor Pompeu, publicados pela L&PM Editores, e A Mesa Voadora, pela Editora Globo e Traçando Paris, pela Artes e Ofícios.
Além disso, tem textos de ficção e crônicas publicadas nas revistas Playboy, Cláudia, Domingo (do Jornal do Brasil), Veja, e nos jornais Zero Hora, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e, a partir de junho de 2.000, no jornal O Globo.
Na opinião de Jaguar "Verissimo é uma fábrica de fazer humor. Muito e bom. Meu consolo — comparando meu artesanato de chistes e cartuns com sua fábrica — era que, enquanto eu rodo pelaí com minha grande capacidade ociosa pelos bares da vida, na busca insaciável do prazer (B.I.P.), o campeão do humor trabalha como um mouro (se é que os mouros trabalham). Pensava que, com aquela vasta produção, ele só podia levantar os olhos da máquina de escrever para pingar colírio, como dizia o Stanislaw Ponte Preta. Boemia, papos furados pela noite a dentro, curtir restaurantes malocados, lazer em suma, nem pensar. De manhã à noite, sempre com a placa "Homens Trabalhando" pendurada no pescoço."
Extremamente tímido, foi homenageado por uma escola de samba de sua terra natal no carnaval de 2.000.


BIBLIOGRAFIA :

Crônicas e Contos:
- A Grande Mulher Nua (7)
- Amor brasileiro (7)
- Aquele Estranho Dia que Nunca Chega (2)
- A Mãe de Freud (1)
- A Mãe de Freud (1) (ed. de bolso)
- A Mesa Voadora (6)
- A Mulher do Silva (1)
- As Cobras (1)
- A velhinha de Taubaté (1)
- A versão dos afogados – Novas comédias da vida pública (1)
- Comédias da Vida Privada (1)
- Comédias da Vida Privada (1) (ed. de bolso)
- Comédias da Vida Pública (1)
- Ed Mort em “O seqüestro o zagueiro central” (ilust. de Miguel Paiva) (1)
- Ed Mort em “Com a Mão no Milhão” (ilust. de Miguel Paiva) (1)
- Ed Mort e Outras Histórias (1)
- Ed Mort em “Procurando o Silva” (ilust. de Miguel Paiva) (1)
- Ed Mort em Disneyworld Blues (ilust. de Miguel Paiva) (1)
- As Cobras em “Se Deus existe que eu seja atingido por um raio” (1)
- As Aventuras da Família Brasil, Parte II (1)
- História de Amor 22 (com Elias José e Orlando Bastos) (3)
- Ler Faz a Cabeça, V.1 (com Paulo Mendes Campos) (5)
- Ler Faz a Cabeça, V.3 (com Dinah S. de Queiroz) (5)
- Novas Comédias da Vida Privada (1)
- O Analista de Bagé em Quadrinhos (1)
- O Marido do Dr. Pompeu (1)
- O Popular (7)
- O Rei do Rock (6)
- Orgias (1)
- Orgias (1) (ed. de bolso)
- O Suicida e o Computador (1)
- O Suicida e o Computador (1) (ed. bolso)
- Outras do Analista de Bagé (1)
- Para Gostar de Ler, V.13 - "Histórias Divertidas", com F. Sabino e M. Scliar (3)
- Para Gostar de Ler, V.14 (3)
- Para Gostar de Ler, V.7 – "Crônicas", com L. Diaféria e J.Carlos Oliveira (3)
- Peças Íntimas (1)
- Separatismo; Corta Essa! (1)
- Sexo na Cabeça (1)
- Sexo na Cabeça (1) (ed. de bolso)
- Todas as comédias (1)
- Zoeira (1)
- A eterna privação do zagueiro absoluto (2)
- Comédias para se ler na escola (2)
- As mentiras que os homens contam (2)
- Histórias brasileiras de verão (2)
- Aquele estranho dia que nunca chega (2)
- Banquete com os Deuses (2)

Romances:

- Borges e os Orangotangos Eternos (8)
- Gula - O Clube dos Anjos (2)
- O Jardim do Diabo (1)
- O opositor (2)

Poesia:

- Poesia numa hora dessas?! (2)

Infanto-Juvenis:

- O arteiro e o tempo (ilust. de Glauco Rodrigues (9)
- O Santinho (ilust. de Edgar Vasques e Glenda Rubinstein) (1)
- Pof (ilust. do autor) (10)

Viagens – Culinária:

- América (ilustrações de Eduardo Reis de Oliveira) (4)
- Traçando Japão (ilust. de Joaquim da Fonseca) (4)
- Traçando Madrid (ilust. de Joaquim da Fonseca) (4)
- Traçando New York (ilust. de Joaquim da Fonseca) (4)
- Traçando Paris (com Joaquim da Fonseca) (4)
- Traçando Ponto de Embarque para Viajar 1 (4)
- Traçando Ponto de Embarque para Viajar 2 (4)
- Traçando Porto Alegre (ilust. de Joaquim da Fonseca) (4)
- Traçando Roma (ilust. de Joaquim da Fonseca) (4)

Antologias:

- Para gostar de ler Júnior - Festa de criança (ilust. de Caulos) – (3)
- As noivas do Grajaú – (11).
- Todas as histórias do Analista de Bagé (1)
- Ed Mort - Todas as histórias (1)
- Comédias da vida privada (edição especial para escolas) – (1)
- Para gostar de ler, v. 14 - O nariz e outras crônicas (3)
- Pai não entende nada - Coleção Jovem – (1)
- Zoeira (seleção de Lucia Helena Verissimo e Maria da Glória Bordini)- (1)
- O gigolô das palavras (seleção de Maria da Glória Bordini). (1)

3 histórias para aguçar o apetite

As time goes by

Conheci Rick Blaine em Paris, não faz muito. Ele tem uma espelunca perto da Madeleine que pega todos os americanos bêbados que o Harry’s Bar expulsa. Está com 70 anos, mas não parece ter mais que 69. Os olhos empapuçados são os mesmos mas o cabelo se foi e a barriga só parou de crescer porque não havia mais lugar atrás do balcão. A princípio ele negou que fosse Rick.

- Não conheço nenhum Rick.

- Está lá fora. Um letreiro enorme. Rick’s Café Americain.

- Está? Faz anos que não vou lá fora. O que você quer?

- Um bourbon. E alguma coisa para comer.

Escolhi um sanduíche de uma longa lista e Rick gritou o pedido para um negrão na cozinha. Reconheci o negrão. Era o pianista do café do Rick em Casablanca. Perguntei por que ele não tocava mais piano.

- Sam? Porque só sabia uma música. A clientela não agüentava mais. Ele também faz sempre o mesmo sanduíche. Mas ninguém vem aqui pela comida.

Cantarolei um trecho de As Time Goes By. Perguntei:

- O que você faria se ela entrasse por aquela porta agora?

- Diria: “Um chazinho, vovó?” O passado não volta.

- Voltou uma vez. De todos os bares do mundo, ela tinha que escolher logo o seu, em Casablanca, para entrar.

- Não volta mais.

Mas ele olhou, rápido, quando a porta se abriu de repente. Era um americano que vinha pedir-lhe dinheiro para voltar aos Estados Unidos. Estava fugindo de Mitterrand. Rick o ignorou. Perguntou o que eu queria além do bourbon e do sanduíche do Sam, que estava péssimo.

- Sempre quis saber o que aconteceu depois que ela embarcou naquele avião com Victor Laszlo e você e o inspetor Louis se afastaram, desaparecendo no nevoeiro.

- Passei quarenta anos no nevoeiro - respondeu ele. Objetivamente, não estava disposto a contar muita coisa.

- Eu tenho uma tese.

Ele sorriu.

- Mais uma...

- Você foi o primeiro a se desencantar com as grandes causas. Você era o seu próprio território neutro. Victor Laszlo era o cara engajado. Deve ter morrido cedo e levado alguns outros idealistas como ele, pensando que estavam salvando o mundo para a democracia e os bons sentimentos. Você nunca teve ilusões sobre a humanidade. Era um cínico. Mas também era um romântico. Podia ter-se livrado de Laszlo aos olhos dela. Por quê?

- Você se lembra do rosto dela naquele instante?

Eu me lembrava. Mesmo através do nevoeiro, eu me lembrava. Ele tinha razão. Por um rosto daqueles a gente sacrifica até a falta de ideais.

A porta se abriu de novo e nós dois olhamos rápido. Mas era apenas outro bêbado.


Este texto está nos livros “Comédias da vida privada” e “A velhinha de Taubaté”.

Amor

Ela: Você me ama mais do que tudo?
Ele: Amo.
Ela: Paixão, paixão?
Ele: Paixão, paixão mesmo.
Ela: Mais do que tudo no mundo todo?
Ele: No mundo todo e fora dele.
Ela: Não acredito.
Ele: Faz um teste.
Ela: Eu ou fios de ovos.
Ele: Você, fácil.
Ela: Daqueles com calda grossa, que a gente chupa o fio e a calda escorre pelo queixo.
Ele: Prefiro você.
Ela: Futebol.
Ele: Não tem comparação.
Ela: Você esta caminhando, vem uma bola quicando, a garotada grita "Devolve tio!" e você domina, faz dezessete embaixadas e chuta com perfeição.
Ele: Prefiro você.
Ela: Internacional e Milan em Tóquio pelo campeonato do mundo, passagem e entrada de graça.
Ele: Você vai junto?
Ela: Não.
Ele: Pela televisão se vê melhor.
Ela: Faz muito calor. Aí chove, aí abre o sol, aí vem uma brisa fresca com aquele cheiro de terra molhada, aí toca uma musica no rádio e é uma nova do Paulinho. É Sexta-feira e a televisão anunciou um Hitchcock sem dublagem para aquela noite... e o Itamar está dando certo.
Ele: Você.
Ela: Voltar a infância só pra poder pisar na lama com o pé descalço e sentir a lama fazer squish entre os dedos.
Ele: Você, longe.
Ela: A Sharon Stone telefona e diz que é ela ou eu.
Ele: Que dúvida. Você.
Ela: Cheiro de livro novo. Solo de sax alto. Criança distraída. Canetinha japonesa. Bateria de escola de samba. Lençol recém-lavado. Hora no dentista cancelada. Filme com escadaria curva. Letra do Aldir Blanc. Pastel de rodoviária.
Ele: Você, você, você, você, você, você, você, você, você e você, respectivamente.
Ela: A Sharon Stone telefona novamente e diz que se você se livrar de mim ela já vem sem calcinha.
Ele: Desligo o telefone.
Ela: Fama e fortuna. A explicação do universo e do mercado de commodities, com exclusividade. A vida eterna e um cartão de credito que nunca expira.
Ele: Prefiro você.
Ela: Uma cerveja geladinha. A garrafa chega estalando. No copo, fica com um quarto de espuma firme. O resto é ela, só ela, dizendo "Vem".
Ele: Hummm...
Ela: Como, hummm? Ela ou eu?

.... Silêncio de 5 segundos ...

Ele: Qual é a marca?
Ela: Seu cretino!

Conselho de Mãe

Conselhos que mães dão para filhas antes do casamento fazem parte do folclore de todos os povos. Variam de cultura para cultura e mudam com o tempo, pois o que uma filha de antigamente ouvia da mãe, quando havia pelo menos uma presunção de virgindade, era muito diferente do que ouve hoje.
Como não há mais nada a ser ensinado sobre as surpresas e as artimanhas de uma noite de núpcias - a não ser o que a filha pode ensinar à mãe - os conselhos devem tratar de aspectos práticos da vida em comum com um homem.
Ou com um marido, que é o homem no cativeiro, portanto ainda mais perigoso.
Por exemplo.
É importantíssimo estabelecer, desde o primeiro minuto de um casamento, os perímetros de poder de cada um.
- Importantíssimo, minha filha. Escute.
- Estou escutando, mamãe.
- Acabou a lua-de-mel. É o primeiro dia do casamento real. Deste momento em diante vocês não são mais apenas duas pessoas apaixonadas. São coabitantes.
- Certo, mamãe.
- Entende? Coabitantes. Vão ocupar o mesmo espaço e o espaço que define a relação entre as pessoas. Não é a cama. A cama é um espaço para tréguas, negociações, troca de prisioneiros, etc. O verdadeiro espaço em que se decide um relacionamento é fora da cama. É tudo que não é cama. Você está me ouvindo?
- Estou, mamãe.
- Muito bem. É o primeiro dia normal de vocês. O primeiro em que vocês passarão mais tempo fora da cama do que na cama. O dia em que começará a se delinear a rotina do seu casamento, as regras implícitas da sua coabitação.
Você precisa deixar claro o seu perímetro de poder, desde o primeiro momento. Como um bicho marcando, com a urina, os limites do seu território.
- Ai, mamãe!
- O assunto é sério, minha filha. O sucesso ou o fracasso de um casamento dependem deste primeiro momento. Estamos falando da possibilidade do convívio humano. Talvez até da sobrevivência da espécie. Preste atenção.
- Estou prestando.
- Primeiro dia normal. Você precisa definir o seu espaço. Cravar a sua bandeira antes que ele crave a dele. O que você faz?
- Ahn... Ocupo todo o armário do banheiro com as minhas coisas.
- Não.
- Exijo uma linha de telefone só pra mim.
- Não.
- O que, então?
- O controle remoto.
- O controle remoto?!
- Da televisão. Apodere-se dele. É o seu alvo prioritário. Sua primeira ação. Sua cabeça de ponte. Quem domina o controle remoto da televisão, domina o casamento.
- Mas se ele quiser...
- Não deixe. Você está me ouvindo? Defenda a sua posse do controle remoto a qualquer custo. Ceda em outras coisas, ofereça compensações. Mas não largue o controle remoto.
- E se eu tiver que sair e...
- Leve o controle remoto. Durma com ele embaixo do travesseiro, ou acorrentado ao seu pulso. Use-o pendurado no pescoço.
- Como é que eu vou andar com um controle remoto de televisão pendurado no pescoço, mamãe?
- Você quer elegância ou um casamento que dê certo? E quem sabe? Você pode lançar uma moda.
- Não sei...
- Minha filha, ouça o que eu digo. Não faça o que eu fiz. Deixei que seu pai assumisse o controle remoto desde o primeiro dia, e ele nunca mais largou. Minha vida tem sido um inferno. Sabe por quê? Porque minha mãe não me avisou. Ela era do tempo em que essas coisas nem eram discutidas. Deus me livre, falar sobre controle remoto com o meu pai. Ele era capaz de me expulsar de casa.
- Pensando bem, o papai não larga mesmo o controle.
- Seu pai não viu mais de cinco segundos de nenhum programa nos últimos dez anos. Até dormindo ele muda de canal, o dedão não pára. Só posso acompanhar minhas novelas em segmentos de cinco segundos, de cinco em cinco minutos. Confundo tudo. Na outra noite, achei que a Jade estava de caso com um macaco do Discovery Channel.
- Acho que você tem razão, mamãe...
- Pegue o controle remoto, minha filha!
Meses depois:
- Minha filha, eu não queria lhe contar isso, mas seu marido foi visto saindo de um motel ontem à noite.
- Eu sei, mamãe.
- Você sabe?!
- Ele vai sempre que tem futebol. Para ver na televisão.
- Ah, bom. E o controle remoto, minha filha?
- Pendurado no pescoço. E sabe que muitas das minhas amigas estão usando também?


Para saber mais sobre Luís Fernando Veríssimo:

http://portalliteral.terra.com.br/verissimo/index.htm
http://www.releituras.com/lfverissimo_menu.asp
http://www.dotdotdot.com.br/lfv/
http://www.gsdr.dc.ufscar.br/~wesley/verissimo.html
http://www.consciencia.net/opiniao/verissimo.html
http://www.planetanews.com/autor/LUIS%20FERNANDO%20VERISSIMO
http://www.revista.agulha.nom.br/@lf.htmlhttp://portalliteral.terra.com.br/verissimo/biobiblio/sobreele/sobreele_imprensa.shtml?biobiblio3

1 comentário:

Anónimo disse...

E então, de repente, como quem não quer a coisa e pensa que já não vou insistir mais, eis que ele começa a aceitar comentário anónimo! É a capacidade de comunicação estabelecida!
MEC