domingo, novembro 22, 2009

NOVO LIVRO DE CINEMA

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No novo bar-livraria dos cinemas King foi apresentado um livro de cinema, da autoria de José Varregoso, dedicado a Alfred Hitchcock. A edição é Chiado Editores. Convidado a apresentar essa obra, alinhavei o seguinte comentário:
EU, HITCHCOCKIANO, ME CONFESSO
No princípio era um blogue que eu visitava por vezes. Chamava-se, e chama-se, “Eu, Hitchcockiano, Me Confesso”, e por lá ia lendo apaixonadas declarações de amor ao cinema e a um cineasta em particular, Alfred Hitchcock, como devem calcular.
Mas o blogue organizava-se de uma maneira muito curiosa. Primeiramente a coerência e o método: durante cerca de três anos, cento e cinquenta semanas, para ser mais exacto, o autor colocava um novo post, um texto relativamente longo onde falava de um filme, de um tema, de um aspecto da vida, de uma curiosidade, de um colaborador de Alfred Hitchcock, mas sempre numa perspectiva muito pessoal.
Depois, estes não eram textos de um crítico encartado sobre um cineasta, eram e são divagações de um cinéfilo que escreve, na primeira pessoa do singular, sobre cinema e um cineasta que admira e ama. São diálogos, quase em tu cá tu lá, entre quem vê um filme e aquele que o concebeu. São dois eus em confronto, de forma descomplexada e simples, mas nem por isso menos profunda, intelectualmente ágil e estimulante.
Quem é este José Varregoso que assim aparece primeiro num blogue, agora em livro reunindo as crónicas, os cento e cinquenta posts ali previamente publicados? Pouco sei do autor, falei com ele uma vez, para ele me entregar o livro que li com proveito e curiosidade, mas acho que o que ele diz de si próprio no prefácio do volume que temos agora nas mãos é o bastante, pelo menos o essencial:
Escreve ele na apresentação do blogue e no primeiro texto desta obra: “Isso da identidade pessoal de cada um de nós tem muito que se lhe diga. Deixem-me contar-vos desde já que estudei Antropologia e que, portanto, me sinto rudimentarmente habilitado para falar daquilo que pode moldar a personalidade de um ser humano. Bem sei que é inevitável que se fale da soma de muitos factores biológicos, sociais e culturais. Mas é também certo que o percurso biográfico de alguém é sempre marcado pelo nível dos seus interesses e paixões particulares. Pelas suas inclinações emocionais ou psicológicas. Cada pessoa representa uma soma imensa de factores. Vejam-me como um hitchcockiano.”
E precisa o contexto do seu trabalho: “Conto publicar aqui, com regularidade, crónicas sobre o Cinema, a Vida e o Suspense. Três valores esses que serão temáticas permanentes nas minhas reflexões.”
José Varregoso tem depois algumas qualidades apreciáveis. Escrever sobre cinema (como sobre qualquer forma de expressão artística) pode ser tarefa a cumprir de muitas formas e algumas delas bastante entediantes para quem lê. Escrever simples e claro, sem que isso torne linear e desprovido de qualquer profundidade de análise o que se escreve, não é tarefa fácil. Por isso muitos escrevem “difícil” e “arrevesado” para se darem ares e assim julgarem colmatar a falta de profundidade e de originalidade.
José Varregoso sabe-o bem e tem consciência disso quando afirma: “Procurarei aqui nunca parecer entediante nem presunçoso; escrever sobre o que me agrada e motiva a compor um texto; e não esquecer que escrevo para ser lido. Porque escrever é um meio de comunicação e não tão só um meio de encontro do escritor consigo mesmo e com os seus ideais.”
E precisa o objecto da sua análise: “Claro está que um dos pontos de referência das minhas crónicas será a figura de Alfred Hitchcock. O que ela significa para o Cinema e como reflecte perspectivas de vida e conceitos culturais variados. Já saberão portanto que Hitchcock será uma figura emblemática da minha escrita neste blog. Mas não pretendo construir um site sobre o cineasta e sobre a sua filmografia. Procurarei antes contar a quem me ler como algum do cinema de Hitchcock me tem influenciado. Quero escrever sem moldes estritamente definidos. Escrever sem orientações rígidas. Cada crónica terá a sua vida própria e cumprirá o seu objectivo, mas gostava de pensar que o conjunto de todos os textos aqui apresentados reflectirá uma lógica e uma coerência uniformes.”
José Varregoso apresenta-se também de forma discreta: “Sou um cinéfilo mas não me devem ler como um crítico de cinema esclarecido, nem tão pouco como um filósofo ou um cientista social.”
O que me interessou particularmente neste trabalho, além da paixão que testemunha, é a reflexão sobre temas tão caracteristicamente hitchcockeanos como a construção do suspense, a utilização do medo, a definição de personagens femininas, o amor e o sexo na obra deste cineasta, o falso culpado, o mistério da morte, entre muitos outros. Depois, José Varregoso é também um coleccionador de curiosidades, um cocabichinhos que nos dá a lista das aparições de Hitchcock em todos os seus filmes, todos os seus trabalhos para a televisão, um nota sobre o trabalho fotográfico que a “Vanity Fair” fez para homenagear o cineasta, e tantas outras preciosidades. Muitas de difícil conhecimento e acesso para o leitor comum.
Mas como de um blogue se tratava “Eu, Hitchcockiano, Me Confesso” acompanhava também o dia a dia do autor, que tanto pode falar de amigos e amizade (citando os bons e maus amigos dos filmes de Hitch), como saudava as celebrações de um novo ano com champanhe made in Hitchcock.
“Perdoem-me se estas linhas carecerem de humor e de irreverência.”, diz José Varregoso. “Acho que sou um homem sério e frequentemente sisudo e circunspecto. Mas não me levem demasiadamente a sério. Nem tão pouco me identifiquem com um intelectual esclarecido apostado em ensinar aos outros como devem entender a Vida e o Cinema. Vejam-me antes como um hitchcockiano... Nada mais...”
Lendo “Eu, Hitchcockiano, Me Confesso” cedo se perceberá que Varregoso não só tem humor, como também o utiliza de forma criteriosa. Esta última citação testemunha-o. E se não está saudavelmente “apostado em ensinar aos outros como devem entender a Vida e o Cinema” (basta os que já existem e são tantos!), não deixa de ser verdade que é um esclarecido e apaixonado hitchcockiano. Que para quem gosta de cinema, de suspense, e da vida… é quanto basta.

Lauro António, Cinemas King, bar, 21 de Novembro de 2009

TEATRO NACIONAL DE D.MARIA II - 3 PEÇAS

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No Teatro Nacional de D. Maria II vi três espectáculos muito diferentes, mas cada um deles a recomendar por variadas razões. Dois infelizmente já não se encontram em cena, mas gostaria de sobre eles deixar aqui ainda exarada uma opinião. Passemos ao rápido relance:
O CAMAREIRO

“The Dresser”, de Ronald Harwood, é uma excelente peça sobre o mundo fascinante do teatro, com as luzes do o palco vistas do seu interior e dos bastidores. O que possibilita um jogo de claro-escuro que permite toda a magia do espectáculo. Dois homens dialogam em palco, o actor, encenador, empresário, vedeta shakespeariana que é designado por Sir, e o seu camareiro, amigo e confidente Norman. Eles são respectivamente Ruy de Carvalho e Virgílio Castelo, ambos com duas soberbas interpretações, daquelas para perdurar na memória. Se do primeiro nada de diferente seria de esperar, já a interpretação de Virgílio Castelo ultrapassa tudo o que dele viramos até hoje.
“Sir” é um daqueles actores maiores que a vida, grandiloquentes, excessivos, decadente já, à beira da morte, mas em cena até ao fim, na sua dupla função de actor-encenador e de empresário. Parece que foram muito frequentes em Inglaterra, não o são tanto em Portugal. Vivem do e para o teatro, são majestosos e excêntricos, brilhantes e intoleráveis, explorados e exploradores. Quase sempre têm a seu lado alguém que os mima e acarinha, um camareiro por exemplo, para quem o actor é tudo em que se espelha, em que se revê. Norman é a bengala em quem o actor se apoia, o homem que o carrega às costas quando desmaia nas ruas da cidade onde estão instalados. Mas também aquele que não perdoa uma traição, porque se o seu amor é total e a devoção igual, não admite o desprezo ou a indiferença.
No cinema, Peter Yates havia adaptado esta peça ambientada durante a II Guerra Mundial e originalmente estreada em 1980, três anos depois da sua estreia em palco, tendo como principais actores dois fabulosos Albert Finney e Tom Courtenay, muito bem acompanhados por Edward Fox, Zena Walker, Eileen Atkins e Michael Gough. A adaptação a guião fora da responsabilidade do próprio dramaturgo Ronald Harwood, homem muito habituado a escrever para cinema igualmente (são dele guiões de obras tão importantes quanto “A High Wind in Jamaica” (1965), “Diamonds for Breakfast” (1968), “One Day in the Life of Ivan Denisovich” (1971), “The Browning Version” (1994), “The Pianist” (2002), “The Statement” (2003), “Being Júlia” (2004), “Oliver Twist” (2005), “The Diving Bell and the Butterfly” (2007) ou “Austrália” (2008). Ronald Harwood parece ter baseado esta criação na sua própria experiência pessoal, pois fora em tempos camareiro de um famoso actor-empresário inglês, Donald Wolfit (1902-68). O filme era muito interessante, justificando as nomeações para melhor filme do ano, realização, argumento adaptado, e actores (Albert Finney, Tom Courtenay).
Se o filme era excelente como retrato de uma época e como reflexão sobre o teatro, a encenação de João Mota no Nacional de D. Maria II era igualmente notável, figurando desde já como um dos melhores espectáculos do ano e palcos portugueses. João Mota, falando da peça, considerava-a "uma excelente oportunidade de conhecer o teatro por dentro, os bastidores, os problemas, as tricas, as coscuvilhices, e até a ternura e a amizade que se estabelece frequentemente". Exacto. Uma grande peça, um grande espectáculo, duas grandes interpretações e um gosto acre-doce que fica depois de atravessar este universo povoado por pesadas sombras e iluminado por fulgurantes luzes candentes.
"O Camareiro" estreou no D. Maria II a 10 de Setembro, e ainda por lá devia estar. Merecia-o bem.



DARWIN... TRA LE NUVOLE
No início do ano de 2009, o Piccolo Teatro Milano encenou "Darwin... Tra le Nuvole" para dar a conhecer Charles Darwin através do teatro e do imaginário, numa linguagem imediata, divertida e sempre atenta à exactidão científica. A encenação era de Stefano de Luca, e foi esse mesmo espectáculo que deu à costa lisboeta, para três únicas representações, a 31 de Outubro e 1 de Novembro, na sala Garrett do Teatro Nacional Dona Maria II.
Trata-se de uma encenação muito simples, com poucos adereços, certamente para permitir grande mobilidade em deslocações, cinco actores e uns telões, uma fabulosa redacção de texto, inventivo e cheio de graça, e um resultado surpreendente. A peça talvez se dirigisse sobretudo a públicos jovens (em idade escolar, certamente), mas a verdade é que todas as idades aderiam a esta extraordinária versão da viagem de Beagle, por ignotas terras do Brasil, da Patagónia, do Peru ou da mítica Terra do Fogo.
A ideia central é um ovo de Colombo muito bem desenvolvido: na actualidade, duas jovens amigas descobrem uns textos de Darwin que as fascinam e partem numa viagem pelo tempo para acompanhar a vida do cientista, ainda jovem, e a viagem que ele fez a bordo do Beagle, viagem que iria estar na base da escrita de “A Origem das Espécies”.
O Piccolo Teatro di Milano, que se formou no final da década de 40 do século XX, tinha como finalidade apresentar ao seu público personagens credíveis e próximas da realidade social que se vivia então, acompanhando desta forma as temáticas cinematográficas do mesmo período em Itália, nomeadamente o neo-realismo. Com base numa ideia de Luca Boschi (epistemólogo), Stefano de Luca (encenador) e Giulio Giorello (professor catedrático de BD) o espectáculo procurava documentar a vida do cientista, que comemorava este ano 200 anos do seu nascimento, e 150 sobre a edição de “A Origem das Espécies”.
Com interpretação notável de um grupo de jovens actores (Clio Cipolletta, Gabriele Falsetta , Andrea Germani, Adrea Luini e Silva Pernarella), "Darwin... Tra le Nuvole" tinha uma muito simples e eficaz cenografia de Marco Rossi, desenho de luzes de Cláudio de Pace e figurinos de Luísa Spinatelli.



O ANO DO PENSAMENTO MÁGICO

Depois do regresso de Ruy de Carvalho ao D. Maria II, temos a volta de Eunice Muñoz, no monólogo “O Ano do Pensamento Mágico”, da escritora norte americana Joan Didion, baseado num romance do mesmo nome que, por sua vez, recolhia dolorosas memórias íntimas da sua autora. Tanto a peça como o romance se encontram publicados em Portugal, e devo confessar que nem uma nem outro me entusiasmam por aí além. O caso humano é obviamente trágico para quem o viveu, mas não me parece que o seu tratamento dramatúrgico ultrapasse o caso pessoal. Se o faz, é ao nível de uma obra de auto-ajuda, que também não é o meu género preferido.
Mas tudo bem, seja, um monólogo sobre uma mulher que no mesmo ano perde o marido e a filha, ele vítima de um fulminante ataque cardíaco, quando se encontrava a jantar, a filha depois de um prolongado sofrimento, internada numa clínica. "Sentam-se para jantar e a vida como a conhecem termina". Percebe-se o trauma da escritora, casada com John Gregory Dunne (igualmente escritor e argumentista, autor de um “best seller” adaptado a cinema, "True Confessions"), mãe de Quintana Roo Dunne Michael, ambos falecidos no ano de 2006, com poucos meses de intervalo.
A peça tem a vantagem de não se assumir como uma vitimização de princípio a fim, contém alguma distanciação e aqui e ali até joga com um leve humor que ajuda a suportar a descrição da tragédia, mas nunca aderi a este monólogo a que falta sobretudo garra e genialidade (o que o faria certamente diferente). É um texto bem escritinho, a puxar ao comovente.
Eunice Muñoz, que nasceu na Amareleja, a 30 de Julho de 1928 (oitenta e um anos, a maioria dos quais dedicados a representar no teatro, na televisão e no cinema, onde tive a sorte de a ter como Dona Estefânia, no meu filme “Manhã Submersa”), não tem, portanto, um texto de alto nível para defender, mas é sempre um prazer vê-la e tudo o que faz é digno de admiração incondicional.
A encenação de Diogo Infante é sóbria e eficaz, deixando a actriz representar a solo e encher um palco, apesar de estar quase sempre sentada numa poltrona, bem no centro da cena. Um espectáculo intimista, uma hora e dez minutos a beber as palavras ditas por Eunice. Vale sempre a pena, acreditem.
No mesmo teatro, “Eunice - Retrato(s) de uma Actriz”, exposição sobre a actriz Eunice Muñoz, patente ao público até dia 31 de Dezembro. Horário: 4ª a dom. das 15H às 18H30.



domingo, novembro 15, 2009

JÁ HÁ TREINADOR!


SPORTING JÁ TEM TREINADOR!
José Eduardo Bettencourt anunciava ontem:
"Treinador será uma surpresa" ("Record" de hoje)
Hoje sabe-se que o treinador é Carlos Carvalhal.
Surpresa?
Não foi José Eduardo Bettencourt quem contratou Caicedo e Angulo?
Onde está a surpresa?
O Sporting está cada vez mais homogéneo.
Havia adeptos sportinguistas que não gostavam de Paulo Bento?
Na verdade, Paulo Bento estava a mais.
Agora os adeptos devem estar felicíssimos.
A ver vamos onde iremos parar.
Ficaria muito feliz se me enganasse...

sexta-feira, novembro 13, 2009

34º JANTAR VAVADIANDO - INÚTIL

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UM VAVADIANDO COMPLETAMENTE "INÚTIL"

O "Vavadiando" vai regressar com um jantar dedicado ao nº 1 de uma revista INÚTIL. Esplendidamente INÚTIL.
Directores e muitos colaboradores saíram dos anteriores Vavadiandos. E vão estar presentes.Vamos, pois, admirar a revista, que vos afianço que vale a pena!, e rever caras amigas. Sexta feira, 20 de Novembro, pelas 20,00 horas.
Nada melhor para combater a crise que um bom jantar de amigos, falando de artes e letras. E tretas.

quinta-feira, novembro 12, 2009

ROBERT McKEE NA FNAC

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Robert McKee
Há poucos anos passou por salas de cinema um filme norte-americano, assinado por Spike Jonze, chamado “Adaptation” no original, “Inadaptado” em português, que contava com um complexo e fascinante argumento assinado por dois irmãos gémeos, Charlie e Donald Kaufman. O filme abordava a escrita de um guião que adaptava uma obra literária. Sobre orquídeas, o que não vem agora para o caso. O que nos interessa é que os dois irmãos se debatiam com problemas diversos na escrita de guiões para cinema. Um deles, mais expedito e menos angustiado com as suas tarefas, socorria-se de um workshop sobre escrita para cinema e recomendava-o mesmo ao outro irmão, que recusava a ideia, afirmando mais ou menos que há coisas que não se ensinam, e escrita criativa é uma delas. Se é criativa não pode conter o ensino de regras que tornam os filmes não originais, mas todos semelhantes.
Mas Charlie Kaufman acabava mesmo por ir assistir às lições do mestre em “Story”, “substância, estrutura, estilo e os princípios da escrita para cinema e televisão.” Teve uma discussão pública com o mestre, mas acabaria por esperá-lo à saída e com ele tomar um copo que haveria de se revelar particularmente proveitoso para o futuro do argumento que tinha entre mãos. O mestre chamava-se Robert McKee, era precisamente este que temos aqui connosco, ainda que interpretado por um actor, Brian Cox, que funcionava com um alter-ego prefeito.
Deve dizer-se que Charlie Kaufman é um dos mais prestigiados argumentistas americanos da actualidade, recentemente passado a realizador com o inquietante “Synecdoche, New York”, e sobretudo um homem que não pactua em nada com o conformismo da grande produção industrializada de Hollywood. Uma referência a Robert Mckee numa obra sua só pode assumir-se como uma homenagem. Que partilhamos.
Também ensinei durante quase duas décadas, e ainda o faço esporadicamente, escrita de argumento nas universidades. Mas devo dizer que uma das actividades que mais me desagrada comentar é a chamada “escrita criativa”, quer seja literária ou para audiovisual. Há compêndios e workshops de “escrita criativa” para todos os gostos e formatos, a maior parte dos quais “ensinam” como criar o verdadeiro guião de sucesso garantido, desde que tenha os seus momentos choque bem doseados, os plots e os ganchos distribuídos com dosagem certa, que logo ali explicam como se faz. Ora eu acho que essas regras não existem em escrita criativa, quanto muito podem existir em escrita industrial.
O que me agrada sobretudo no trabalho de Robert McKee é que também ele é contrário às regras, o que fica definido logo na abertura da sua “Story”, por muitos considerada a bíblia da actividade. Diz ele “Story é uma questão de princípios, não de regras.” Uma regra diz: “Isto tem de ser feito assim.” Um princípio diz: “Isto funciona… e sempre funcionou desde que há memória.” A diferença é crucial. O vosso trabalho não tem de ser moldado conforme a peça “bem feita”; deve antes ser bem feito dentro dos princípios que dão forma à nossa arte. Os escritores ansiosos e inexperientes obedecem às regras. Os escritores rebeldes, instintivos, quebram as regras. Os artistas dominam a forma.”
Julgo que nesta citação se concretiza muito do saber de Roberty Mckee, a que se junta uma outra característica para mim sábia. Robert McKee ensina a escrever analisando estruturas de guiões que se tornaram clássicos, como por exemplo o de “Casablanca”, que ele considera “o melhor argumento alguma vez escrito”. Também eu penso que escrever se aprende sobretudo a ver e a estudar grandes obras literárias e escrever para cinema ou televisão se aprende vendo filmes clássicos, e há clássicos para todos os gostos, de John Ford a Godard, de Hitchcock a Marguerite Duras, de Steven Spielberg a Manoel de Oliveira. A tarefa do mestre não será nunca a de impor um caminho, mas a de despertar, no interior de cada aluno, a sua vocação encoberta. E de ajudá-lo a encontrar as ferramentas que a tornem possível. Lendo Robert Mckee aprende-se sobretudo a amar o cinema, as suas histórias, a compreender as suas estruturas, a distinguir estilos, a perceber como foi feito, para depois cada um fazer à sua maneira.

Robert McKee, nascido em 1941, tornou-se conhecido sobretudo desde que, como professor na Universidade da Califórnia do Sul, criou o seu popular "Story Seminar". Mas a sua vida artística começa cedo, aos nove anos, como actor, em Detroit, sua cidade natal. Forma-se em Literatura Inglesa, antes de cursar “artes teatrais” e fazer algumas temporadas como actor na Broadway. Dirige uma companhia de teatro, a Toledo Repertory Company, e passa por director artístico do Aaron Deroy Theater. Viaja até Londres, trabalha no National Theater e estuda as produções shakespeareanas no Old Vic. De regresso a Nova Iorque volta à Broadway, como actor e encenador, onde permanece sete anos.
Decide mudar o rumo da sua vida e interessa-se pelo cinema. Frequenta a Cinema School na Universidade do Michigan, e dirige duas curtas metragens, “A Day Off” e “Talk To Me Like The Rain”, esta última adaptando Tennessee Williams. Os dois filmes ganham vários prémios e participam em vários festivais.
Em 1979, McKee muda-se para Los Angeles, começa a escrever argumentos para cinema e televisão, e é contratado para analisar guiões para algumas produtoras, como United Artists ou NBC.
Em 1983 inicia a sua já referida actividade como professor de escrita de guiões, e cria cursos públicos, de três dias e trinta horas que vai dispensando por todo o mundo. Desde 1984, Robert McKee trabalhou com mais de 50.000 estudantes em cidades como Los Angeles, Nova Iorque, Londres, Paris, Sidney, Toronto, Boston, Las Vegas, São Francisco, Helsínquia, Oslo, Munique, Telavive, Singapura, Barcelona, Lisboa e muitas mais.
De resto, julgo que haverá entre nós algumas diferenças (eu acho que o autor de um filme é o realizador, ele acha que é o argumentista, segundo li algures), mas nada disso impede que saúde aqui a presença entre nós de um dos grandes nomes que animam o panorama audiovisual mundial e que nele tanta influência tem exercido ao longo das últimas décadas.

Texto da apresentação de Robert McKee, hoje na Fnac do Chiado, pelas 18,30 horas.

sábado, novembro 07, 2009

4ª MOSTRA DE CINEMA BRASILEIRO

4.ª Mostra de Cinema Brasileiro

A decorrer, entre 5 e 8 de Novembro, no Cinema São Jorge, em Lisboa, a 4.ª Mostra de Cinema Brasileiro, organizada pela Fundação Luso-Brasileira, apresenta 12 filmes contemporâneos, não exibidos no circuito comercial: Entre eles, dois dias dedicados a homenagens, uma ao realizador Domingos de Oliveira, outra ao actor Matheus Nachtergaele.
Hoje, 6 de Novembro, foram projectados três filmes, enquadrados na Cinematografia Brasileira Contemporânea: “Romance”, “Santiago” e “Chega de Saudade”. À última da hora, não foi exibido “Meu Nome não é Johnny”. Uma falha que só foi anunciada às 23, 30, quando a sessão devia ter começado às 23, com uma lotação esgotada à espera no hall e que foi devolvida à rua, porque a cópia não terá sido revista a tempo de se ter remediado a falha. Enfim, alguma falta de profissionalismo, numa iniciativa que até agora mostrou muito bons filmes, e que atraiu muito público nas suas sessões da noite.
Romance
Realização: Guel Arraes (Brasil, 2008), com Wagner Moura, Letícia Sabatella, Andréa Beltrão, Marco Nanini, Vladimir Brichta, José Wilker, Bruno Garcia, Edmilson Barros, Tonico Pereira, etc. (105 min)
“Romance”, baseado no “Romance de Tristão e Isolda”, é uma complexa história de amor que reflecte igualmente sobre a paixão e a criação artística, neste caso o teatro e a televisão. Um encenador e actor de teatro, Pedro (Wagner Moura) apaixona-se por Ana (Letícia Sabatella), actriz com quem contracena na peça “Tristão e Isolda”. Enquanto no palco os assaltam dilemas da história que deu origem à ideia do amor romântico, nos bastidores, o casal esbarra nos obstáculos do amor actual, muito mais condimentado com paixão, ciúme, rotina, trabalho, arte e indústria... É possível um amor feliz? Do teatro e de um falhanço sobre o seu próprio amor, passa-se para a televisão e uma segunda oportunidade: Ana propõe a Pedro que a dirija num especial de fim de ano para a TV. A história escolhida é precisamente “Tristão e Isolda”, agora adaptada ao Nordeste brasileiro.
Filme inteligente e delicado, por vezes aqui e ali um pouquinho artificial na sua construção demasiado intelectual, sobretudo ao discutir o amor “no interior do amor” e as relações entre a arte e o comércio, tem todavia óptimos actores, e acompanha-se com agrado na sua construção e na ironia com que aborda o mundo da televisão, carregado de compromissos (é conveniente saber-se que Guel Arraes é um apreciado autor de mini-séries de tv, como “O Auto da Compadecida”, que passa igualmente nesta mostra).
Santiago
Realização: João Moreira Salles (Brasil, 2007)
Documentário (80 min) “Santiago” é um documentário sobre um filme inacabado. Santiago, uma personagem inesquecível, um homem de vasta cultura e memória prodigiosa, era mordomo em casa de um diplomata, pai do realizador João Moreira Salles que ali viveu a meninice, e cujas recordações o levaram, há uns anos atrás, a tentar dirigir um filme que não conseguiu terminar na altura. Anos depois, retoma o filme em busca das razões que o fizeram falhar. “Santiago” é um filme sobre memória, identidade e a própria natureza do documentário. Uma jóia cinematográfica, arrisco-me a considerá-lo uma obra-prima que não desmerece a cada nova visão e leitura (sobre o mesmo já escrevi aqui , quando o descobri no Brasil, em 2008).

Chega de Saudade
Realização: Laís Bodanzky (Brasil, 2008), com Leonardo Villar, Tônia Carrero, Cássia Kiss, Betty Faria, Stepan Nercessian, Maria Flor, Paulo Vilhena, Elza Soares, Marku Ribas, Conceição Senna, Marcos Cesana, Clarisse Abujamra, Luiz Serra, Miriam Mehler, Marly Marley, etc. (92 min)
“Chega de Saudade” é nome de clube de dança, na noite de São Paulo. Nessa sala de baile, frequentada predominantemente pela terceira idade, acompanhamos amor e ciúmes, dramas e alegrias, aventuras e desventuras de cinco núcleos de personagens que frequentam habitualmente aquela sala. Tudo começa quando a sala abre, pelas cinco da tarde, o pano corre quando a sala fecha por volta da meia-noite. Tudo se passa em meia dúzia de horas, crescendo a intensidade dramática (e erótica) à medida que as horas decorrem, os chopes e o whisky desaparecem, e os olhares se vão cruzando com um furioso desejo que mistura impotência e impetuosidade incontida. E repetidas frustrações. E alegrias breves, “uma hora de cama vale bem uma vida sem nada”. A condição humana concentrada num laboratório de análise, prefigurado numa sala de baile, como já o havia feito Ettore Scola, em “O Baile”, mas com outras intenções, ou Sydney Pollack, em “Os Cavalos Também se Abatem”, mas num outro contexto, ou “O Baile dos Bombeiros”, de Milos Forman, mas por detrás da “cortina”.
Esta é a segunda longa-metragem de Laís Bodanzky (que, em 2000, dirigira “Bicho de Sete Cabeças”), e trata-se de um verdadeiro sucesso, com um naipe de actores a roçar o genial (Leonardo Villar, intimista, Tônia Carrero, sublime, Cássia Kiss, magistral, Betty Faria, tocante, Clarice Abujamra, fulgurante, Stepan Nercessian, sem mácula, Maria Flor, de uma candura a rondar a perversidade, entre outros).
Laís Bodanzky cria uma envolvência emocional notável, com planos de conjunto e outros, aproximados, cerrados sobre rostos ou pormenores, com movimentos de câmara insidiosos e reveladores, com olhares trocados e pensamentos expressos pelo rosto ou o gesto. Emocionante e belo. Com um daqueles “puzzles” admiráveis de Robert Altman, mas com o sabor da música brasileira a envolver o pacote. Elza Soares e Marku Ribas são os cantores de serviço, de uma banda sonora para não esquecer. Notável a fotografia de mestre Walter Carvalho.
Sobre a terceira idade, o desespero e a recusa de ser “enterrado à espera da morte”, só vindo do Brasil nos poderia chegar um filme tão cheio de optimismo, no meio da solidão e da decrepitude. Mas com um calor humano que ultrapassa qualquer barreira de angústia existencial.

quarta-feira, novembro 04, 2009

MARIA JUDITE DE CARVALHO


Colloque International
Maria Judite de Carvalho:
thèmes, représentations, genres, style -
50 ans après la parution de ‘Tanta Gente…Mariana !’

Université de la Sorbonne /Paris IV,CRIMIC Université de Lisbonne/Faculté de Lettres,CEC, Université Paris Ouest Nanterre La Défense,

CRILUS, Chaire Lindley Cintra de l’Institut Camões/ Paris Nanterre,
l’Université Paris 8 saint-Denis
Direcção- Geral do Livro e das Bibliotecas ( DGLB)
Centre Culturel Calouste Gulbenkian/Paris
4 -5-6 novembre 2009

aux Universités de Paris 8 / Saint –Denis, la Sorbonne /Paris IV
et Centre Culturel Calouste Gulbenkian

Maria Judite de Carvalho (1921-1998) est l’une des voix les plus secrètes da la littérature portugaise depuis 1959, date de la publication de son premier recueil de nouvelles, Tanta Gente…Mariana ! Bien connue par ses chroniques par le public lecteur de périodiques, activité que Maria Judite pratique de 1968 à 1984, son œuvre est à présent constitué par seize titres, dont trois posthumes. Cependant elle est un écrivain presque inconnu et ses œuvres sont épuisées ou se trouvent difficilement dans les librairies. Ecrivain de ceux qui n’ont pas de parole, souvent en situation de profonde solitude et d’incommunicabilité extrême, ses personnages sont pour la plupart des bannis qui vivent des situations sans issue. Ecriture épurée, fine et percutante, percée par une fine ironie, où l’on peut déceler une vison désenchantée du monde et au même temps une hyper lucidité critique et moderne, une sorte de pulsion vitale face à un monde plein de débris et d’inhumanité A fin de susciter des travaux scientifiques qui mettent en valeur sa place incontestable dans la L.P. , ce colloque mettra en évidence, dans le cadre des études littéraires, histoire littéraire, approches comparatiste de gender ou d’autres les axes suivants :

1. thèmes
2. représentations
3. style
4. genres

Participants :

1 - Paula Morão (Université de Lisbonne, Portugal), « Maria Judite de Carvalho, héritière de Irene Lisboa ?
2 - Helena Buescu (Université de Lisbonne, Portugal): “Maria Judite de Carvalho: hors temps”
3 - Cristina Almeida Ribeiro (Université de Lisbonne, Portugal) « De contos e colectâneas : Maria Judite de Carvalho e a narrativa breve »
4 - Ruth Navas (Enseignant, chercheur, Lisbonne, Portugal) « À la recherche de l`oeuvre journalistique de Maria Judite Carvalho »
5 - Carina Infante do Carmo (Université d’ Algarve, Portugal) “ O trabalho da mémoria em Maria Judite de Carvalho”.
6- Ana Filipa Prata (Université de Lisbonne, Portugal): “ ‘Habitar a cidade em ruínas’. O espaço urbano nas crónicas de Maria Judite de Carvalho”
7 - José Nobre da Silveira ( Université d’Anvers, Belgique): « Maria Judite de Carvalho et la construction de la littérature: formes d’élaboration du réel "
8 - Maria João Amaral (Université de Seoul, Corée du Sud) : «’Les machines à apprivoiser le temps’ : peinture et écriture chez Maria Judite de Carvalho
9 - Vincenzo Arsillo ( Université de Venise): "Fenêtres sans horizon: regard et destin dans l’écriture de Maria Judite de Carvalho"
10- Jane de Freitas (Université de S.Paulo, Brésil): "En tissant le fil des heures: le temps chez Maria Judite de Carvalho".
11 - Teresa Abelha ( Université Fédérale Rio de Janeiro, Brésil): “Sous la tutelle de Pênia: négativité et vide chez Maria Judite de Carvalho”
12 - João Amadeu Silva (Université Catholique de Braga, Portugal): «Havemos de Rir?: l’espace limité de l’ humain»
13- Cândido Oliveira Martins (Université Catholique de Braga, Portugal): "Représentations du féminin dans la fiction de Maria Judite de Carvalho »
14 - Luiza Leal ( Univ de Caceres, Espagne), “Pseudonymes et mondes intérieurs: de João Falco (Irene Lisboa) à Emília Bravo (Maria Judite de Carvalho)”
15 - Pedro Serra ( Université de Salamanque, Espagne): “Chroniques du temps. Maria Judite de Carvalho et la chronique »
16 - José Manuel Esteves ( Université Paris Ouest Nanterre La Défense): « L’œuvre de Maria Judite de Carvalho : ‘Une façon de dire adieu’ »
17- Maria Graciete Besse ( Université de Paris- Sorbonne/Paris IV) : « Le corps souffrant des femmes chez Maria Judite de Carvalho »
18- Fernando Curopos (Université de Paris-Sorbonne/Paris IV) : « Maternités marginales dans l’œuvre de Maria Judite de Carvalho »
19 - Maria Araújo da Silva (Université de Paris-Sorbonne/Paris IV) : « Maria Judite de Carvalho : une écriture sur fond de silence »
20- Maria Helena Carreira ( Université Paris 8) : «Le rôle de l’ambiguïté dans la construction du sens textuel chez Maria Judite de Carvalho ».
21- Graça Costa ( doctorante Paris IV), « Le fantastique dans l’œuvre de Maria Judite de Carvalho)
22- António Manuel Ferreira (Université de Aveiro, Portugal, Departamento de Linguas e Culturas , aferreira@dlc.ua.pt ), “Les contes de Maria Judite de Carvalho: la mélancolie du réalisme”
23 – Pedro Calheiros ( Université de Aveiro, Portugal), “ Maria Judite de Carvalho e Machado de Assis”
24- Lauro Antonio (cinéaste); “A escrita imagética de Maria Judite de Carvalho”

Organisation :
CRIMIC – Université de la Sorbonne/Paris IV
CEC – Centro de Estudos Comparatistas (FLUL, Portugal)
Département d’Études Lusophones, CRILUS (Centre de Recherches Interdisciplinaires du Monde Lusophones), Cátedra Lindley Cintra/Instituto Camões de l’ Université Paris Ouest Nanterre La Défense
Collaborations : Lectorats de portugais de l’Institut Camões aux universités da la Sorbonne Nouvelle/Paris III, Sorbonne/Paris IV et Paris 8/Saint-Denis;
Centre Culturel Calouste Gulbenkian, Paris
Association des étudiants lusophones de Paris X Nanterre
BN –Lisbonne