sexta-feira, agosto 23, 2013

TEATRO: A VOZ HUMANA

A VOZ HUMANA

Jean Cocteau escreveu, em 1930, um monólogo teatral a que deu o título "La voix humaine". Na Comédie Française, Berthe Bovy viveu em estreia esta tragédia de uma mulher solitária, ligada pelo fio de telefone a alguém que é já passado e que ela tenta por todos os meios fazer reviver. Sem sucesso. Nos anos 40, Rossellini, no cinema, filmou Anna Magnani, numa interpretação soberba. Em Portugal, Maria Barroso, Eunice Muñoz, Isabel de Castro criaram grandes composições que se recordarão sempre. Para interpretar este monólogo de desespero são necessárias grandes actrizes e personalidades fortes que consigam encher um palco durante quarenta a sessenta minutos de dor e sofrimento, sem parceiro visível. Não é o caso de Carmen Santos, que é nitidamente um caso de erro de casting para este papel. Numa encenação de Vicente Alves do Ó (que tão bem dirigira Dalila Carmo, em “Florbela”, no cinema), numa bonita cenografia de Eurico Lopes, Carmen Santos perde-se no palco do Trindade, com uma deficiente dicção, que torna imperceptíveis as palavras (aqui tão importantes!) e não consegue nunca dar força e emoção à personagem. Curiosa a deriva na forma como se desvia o texto do seu significado original, ganhando uma interpretação diversa, mesmo contrária, à ideia de Cocteau. Mas mesmo neste aspecto, o espectáculo necessitava de uma actriz com uma outra perversidade. Fica a intenção e o arrojo de se lançar neste projecto. Infelizmente, quanto a mim, falhado. 

A VOZ HUMANA
Texto de Jean Cocteau; Encenação: Vicente Alves do Ó; Música original: João Gomes; Cenografia: Eurico Lopes; Intérprete: Cármen Santos; Produção: BS-Produção Activa; Teatro da Trindade (de 22 de Agosto a 8 de Setembro).


domingo, agosto 18, 2013

18 DE AGOSTO


Retrato de Lauro António por Lauro Corado
(Museu Grão Vasco - Viseu)

sexta-feira, agosto 16, 2013

CINEMA: A GAIOLA DOURADA



A GAIOLA DOURADA

Se o cinema português ganhasse juízo de vez em quando fazia bem. Mas esta mania que deu em Portugal, inspirada por alguém que se julgava dono e senhor dos destinos da cultura cinematográfica, em que só a estética straubeana é que valia, e que teve como consequência desprezar toda a cultura de massas e empurrar quem quisesse algum contacto com o público para subprodutos indigentes, ou cair fora da carroça, deu no que deu: raros são os espectadores para os filmes realmente bons, e os subprodutos volatizam-se sem deixarem rasto. No entanto, como todos sabem, excepto “os espíritos elevados” que também sabem, mas fazem por esquecer, para impor o seu dirigismo cultural insano, o cinema pode ter qualidade e agradar às massas, pode ser de autor e ter muitos espectadores. Não é preciso, por outro lado, copiar os esquemas estrangeiros para se ter sucesso comercial, muito pelo contrário. Não é copiando 007 ou thrillers que interessamos o público nacional e muito menos as plateias internacionais. Uns e outros sabem que americanos e quejandos fazem muito melhor. A nós falta-nos tudo, a começar pela convicção. Mas se agarrarem em temas portugueses e os trabalharem com sinceridade, sensibilidade e um olhar profundamente nacional, isto é, original em relação aos outros, faremos de certeza obras interessantes que não deixarão de despertar interesse. Veja-se o caso de “A Gaiola Dourada”, de um desconhecido Ruben Alves, português que vive em Paris, filho de mãe porteira e pai pedreiro, que resolveu fazer um filme sobre os emigrantes portugueses em França. O argumento está bem urdido, criando sólidas ligações entre a tradição da comédia francesa e da nossa comédia dos anos 30/50, as personagens têm dimensão humana, impõem-se pela sua convicção, pode dizer-se que aqui e ali correspondem a estereótipos, mas a verdade é que funcionam bem (e os estereótipos existem porque personagens assim também existem), as situações desenvolvem-se com graça, sem recurso à caricatura pesada, o clima é de bonomia, sem ser de alheamento dos problemas e das dificuldades. Impõe-se perguntar aqui: por que será que o cinema feito em Portugal é sempre tão soturno, mude o que mudar: é soturno na I República, na Ditadura (a comédia era considerada pelos responsáveis governamentais a pornografia do cinema português!), na II República, em período de vacas gordas ou magras, ou mesmo em épocas de vacas esqueléticas. Por que será que somos sempre os mais miseráveis, os mais ignorantes, os mais mal-intencionados, os mais corruptos, e o cinema português, mesmo quando é de grande qualidade, o que não contradigo em muitos casos, se mostra sempre o mais crítico e desesperado do planeta.


Ora bem, aqui temos uma comédia divertida, que fala de portugueses em França com elegância e bom gosto, com algum orgulho na nossa maneira de ser, sem choradinhos inúteis, colocando os pontos nos iis, quando é necessário, mas com evidentes qualidades narrativas e muito boas interpretações. Falemos dos portugueses de gema: Joaquim de Almeida tem uma das suas composições mais conseguidas, Rita Blanco está uma actriz magnífica, merecendo todos os encómios, Maria Vieira recupera com justeza o tom da comédia popular portuguesa. Depois há a família dos patrões franceses, bem representada por Roland Giraud, Chantal Lauby e Lannick Gautry, todos eles certos e seguros, bem como os demais. Ruben Alves, que se estreia aqui na longa-metragem, demonstra uma maturidade inegável, na escrita, na concepção, na direcção de actores. Sem se pavonear escusadamente, com alguma humildade na aproximação do material a filmar, dá uma lição de eficácia a que o público francês primeiro (mais de 1.200 milhão de espectadores) e o português agora (180 mil nos primeiros dias) tem correspondido brilhantemente.
Dá gosto entrar numa sala quase esgotada e ouvir as reacções francas de uma plateia rendida. Não à facilidade, de que certamente alguns críticos habituais irão acusar o filme, mas à segurança de quem tem unhas para tocar o fado (que também aparece, assim como Pauleta!). Nem sempre Coimbra é uma lição. Às vezes ela vem de fora, de um emigrante português em Paris.



A GAIOLA DOURADA
Título original: La Cage Dorée ou A Gaiola Dourada

Realização: Ruben Alves (França, Portugal, 2013); Argumento: Ruben Alves, Hugo Gélin, Jean-André Yerles; Produção: Jonathan Blumenthal, Danièle Delorme, Laetitia Galitzine, Hugo Gélin, Marie Jardillier, Romain Le Grand; Fotografia (cor): André Szankowski; Montagem: Nassim Gordji Tehrani; Casting: Pierre-Jacques Bénichou, Julie David; Design de produção: Maamar Ech-Cheikh; Direcção de arte: Paulo Routier; Decoração: Jimena Esteve, Jérôme Portier; Maquilhaem: Valerie Thery-Hamel; Direcção de produção: Abraham Goldblat, Catherine Leroux, Pascal Ralite; Assistentes de realização: Sophie Berger Forestier, Matthieu de la Mortière, Mathieu Thirion; Departamento de arte: Pauline Berger, Valentine Gutierrez, Bruno Perdrigeat; Som: Christophe Brajdic, Rémi Daru, Rafael Ridao, Olivier Walczak; Efeitos visuais: Liesbeth Beeckman, Thomas Duval, Ronald Grauer; Companhias de produção: Zazi Films, Pathé, TF1 Films Production, TF1, Canal+, Ciné+, Cinémage 7, Hoche Artois Images; Intérpretes: Rita Blanco (Maria Ribeiro), Joaquim de Almeida (José Ribeiro), Roland Giraud (Francis Cailaux), Chantal Lauby (Solange Cailaux); Barbara Cabrita (Paula Ribeiro), Lannick Gautry (Charles Cailaux), Maria Vieira (Rosa), Jacqueline Corado (Lourdes), Jean-Pierre Martins (Carlos), Alex Alves Pereira (Pedro Ribeiro), Sergio Da Silva (Manuel), Nicole Croisille (Mme Reichert), Bertrand Combe (M. Bertrand), Ludivine de Chasteney, Alexandre Ruscher, Paul Ruscher, Alice Isaaz, Ruben Alves (Miguel), Olivier Rosenberg, Yann Roussel, Rosaria Da Silva, Manuela Pinheiro, Manuel Ferreira, Sissi Duparc, José da Silva, Jorge Tomé, Cécile Rebboah, Catarina Wallenstein (fadista), Luis Guerreiro, Diogo Clemente, Pedro Miguel Pauleta, etc. Duração: 90 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal: Zon Audiovisuais; Data de estreia em Portugal: 1 de Agosto de 2013.

segunda-feira, agosto 12, 2013

TEATRO: MARAT-SADE NO TEC

MARAT-SADE

O Teatro Experimental de Cascais tem em cena “Marat-Sade” de Peter Weiss, numa encenação de Carlos Avilez, com um elenco de várias dezenas de intérpretes, entre actores da companhia e alunos do curso de teatro. São cerca de 90 pessoas a intervir, um acontecimento “impossível” de acontecer num teatro em Portugal, actualmente, senão em circunstâncias muito especiais, como é o caso. 
“Marat-Sade: a perseguição e assassinato de Marat tal como representado pelos pacientes do Hospício de Charenton sob a direcção de Marquês de Sade” (em alemão Die Verfolgung und Ermordung Jean Paul Marats dargestellt durch die Schauspielgruppe des Hospizes zu Charenton unter Anleitung des Herrn de Sade) foi escrita pelo alemão Peter Weiss, em 1963, e desde logo conheceu grande sucesso e provocou larga polémica. A acção decorre no ano de 1808, em tempo napoleónico, quinze anos depois do assassinato de Marat, às mãos de Charlotte Corday, em 1793. Estamos numa época pós-revolucionária, onde existem revolucionários para todos os gostos e tendências, quase todos vítimas das suas próprias acções e palavras: Marat, Robespierre, Danton, o próprio Sade. A peça coloca frente a frente Sade e Marat, numa discussão filosófica e política sobre a revolução, vista de um prisma individual (Sade) e de uma óptica social radical (Marat). A ideia é que a peça a que assistimos, na sala de banhos do hospício, foi escrita e encenada por Sade, e está a ser representada pelos loucos ali internados. Há entrechoque de interesses e de perspectivas diversas, o que torna aliciante este teatro épico, que fica a dever muito ao teatro da crueldade de Artaud e ao distanciamento de Brecht.


O conceito é brilhante, o seu desenvolvimento notável, de uma inteligência e actualidade gritantes, e o espectáculo erguido na sala do Teatro Municipal Mirita Casimiro não deixa de ser um acontecimento a merecer os maiores encómios, quer pela encenação imaginativa e lúcida de Avilez, como pela direcção de um elenco muito jovem na sua maioria que, sabiamente dirigido, consegue fazer esquecer que quase todos são alunos de uma escola de teatro. Assisti a uma representação onde estava presente o primeiro elenco (existiram três durante a sua representação) e devo dizer que, apesar de ser difícil identificar nomes no meio de um tal grupo, não poderei deixar de salientar a presença de David Esteves, em Marat, Laura Stone, em Simonne, Pedro Caeiro, em Coulmier, Jani Zhao, em Arauto (apesar de algum excesso de voz, por vezes), ou o mais tarimbado António Marques, em Sade, entre muitos outros. David Esteves é mesmo uma revelação, com excelente presença, magnífica dicção e uma desenvoltura que faz adivinhar um grande actor.
A mescla de dança, música, entremez, representação funciona muito bem, relembrando aqui e ali a concepção de 1966, de Peter Brooks, que encenou a peça em teatro e, posteriormente, dirigiu uma versão cinematográfica notável.
A sala do TEC tem estado esgotada e a última sessão acontece terça, 13 de Agosto. A não perder.


“Marat-Sade: a perseguição e assassinato de Marat tal como representado pelos pacientes do Hospício de Charenton sob a direcção de Marquês de Sade” (Die Verfolgung und Ermordung Jean Paul Marats dargestellt durch die Schauspielgruppe des Hospizes zu Charenton unter Anleitung des Herrn de Sade), de Peter Weiss.

Versão e Dramaturgia: Miguel Graça; Encenação: Carlos Avilez; Cenografia e Figurinos: Fernando Alvarez; Música original: R. C. Peaslee; Coreografia: Natasha Tchitcherova; Apoio vocal: Ana Ester Neves; Apoio contexto histórico: Ana Coelho; Apoio às patologias: Cristina Rego; Direcção Musical: Maestro Hugo Neves Reis; Assistência de direcção musical: Pedro Sousa; Músicos: Alexandre Andrade, trompete | André Mota, percussão | Bernardo Marques, harmónio | Dina Hernandez, flauta | Gil Gonçalves, tuba | Hugo Reis, guitarra e percussão | Pedro Sousa, contrabaixo; Gravação e Edição da Banda Sonora: Maestro Hugo Neves Reis e Pedro Sousa; Direcção de montagem: Manuel Amorim; Montagem e Sonoplastia: Augusto Loureiro; Montagem e Contra-regra: Rui Casares; Assistência de encenação: Pedro Caeiro e Renato Pino; Assistência de ensaios e Operação de luz: Jorge Saraiva; Produção e Comunicação: Elsa Barão; Secretariado: Inácia Marques; Contabilidade: Ana Landeiroto; Cabeleiras: Gena Ramos; Toucados: Virgínia Rico; Interpretação: António Marques, Fernanda Neves, Luiz Rizo, Pedro Caeiro, Renato Pino, Sérgio Silva, Teresa Côrte-Real, Ana Fernandes, Andreia Valles, Beatriz Bonzinho, Brandão de Mello,  Bruno Bernardo, Carlos Braz, Carlos Trindade, Miguel Ferraria, Carolina Evaristo, Catarina Névoa, Cláudia Barbosa, David Esteves, David Filipe Fernandes, Gonçalo Lucas, Inês Frias Moreira, Inês Realista, Jani Zhao, Joana Lobo, Joana Caetano Calado, João Cachola, João de Vasconcelos, Laura Stone, Mariana Graça, Matilde Oliveira, Patrícia Godinho, Pedro Jorge, Rafael Costa, Raquel Rosado, Rita Correia, Rita Silvestre, Rui Lemos, Rui Westermann, Sílvia Braga, Simão Vaz, Simão Soveral Rodrigues, Tatiana Freire, Teresa Alves e alunos dos 1º e 2º anos da Escola Profissional de Teatro de Cascais; Teatro Experimental de Cascais; Teatro Municipal Mirita Casimiro, Estoril; Classificação: maiores de 16 anos.  

domingo, agosto 11, 2013

CINEMA: O MASCARILHA


O MASCARILHA

Em boa hora decidiram o realizador Gore Verbinski, o produtor Jerry Bruckheimer e a Walt Disney erguer uma aventura-paródia que recupera muita da graça e da desenvoltura do primeiro capítulo das aventuras dos “Piratas das Caraíbas”. Parece que em termos de resultados de bilheteira o resultado não tem sido brilhante, mas mais me ajuda este facto. Os tempos não estão para aventuras prazerosas e divertidas, poucos querem saber da recuperação de clássicos, muito poucos procuram nestes blockbusters de verão outra coisa que não seja ruído e pirotecnia os mais gratuitos possíveis. Tudo o que não faça pensar, mas que sobretudo atordoe e embruteça os sentidos, é bem-vindo. Por isso se compreende que o mais curioso e divertido blockbuster deste estio seja o que mais prejuízo esteja a dar (ainda que, em boa verdade, todos estejam a ser um fracasso, na maioria dos casos merecidíssimo!). Mas “O Mascarilha” é realmente um divertido e trepidante espectáculo, um entretenimento quase sem mácula (talvez menos uns minutos de duração o beneficiasse), bem realizado, muito bem interpretado, magnificamente concretizado ao nível da concepção plástica (cenários, guarda-roupa, adereços, etc.), tecnicamente impecável (desde a fotografia até aos efeitos visuais, passando pela partitura musical).
Mas realmente o mais interessante é a própria concepção do espectáculo, a forma como recupera a figura de “O Mascarilha”), um herói dos anos 30 que inicialmente surgiu na rádio, depois passou a banda desenhada, depois a episódios de televisão e também ao cinema.

Um pouco mais de detalhe no historial não ficará mal: “The Lone Ranger” teve a sua aparição pública na Rádio WXYZ, em Detroit, Michigan, EUA, a 30 de Janeiro de 1933. Durou até 3 de Setembro de 1954. Não era vulgar um herói deste tipo surgir na rádio, inicialmente. Mas foi assim que o criaram George Washington Trendle e o seu grupo de criativos que entregaram a escrita a Fran Striker (e depois a Fred Foy, entre 1948 e 1954). The Lone Ranger tem uma tradução difícil, não da parte de Lone, solitário, mas de Ranger, que era uma polícia especial do Texas, que se destinava sobretudo ao meio rural. Em Portugal, quando passou a banda desenhada foi chamado “O Mascarilha”, pois a personagem que cavalgava um cavalo branco, de nome Silver, e andava sempre associada a um índio, Tonto, usava sempre uma mascarilha. Era solitário porque no início da história os vilões malvados tinham exterminado todos os outros rangers, restando apenas um que usava mascarilha precisamente para que não o reconhecessem como sobrevivente do massacre. No seu conjunto, era uma figura muito semelhante “Zorro”, mas as diferenças são acentuadas. Desde logo Zorro era um aristocrata da Califórnia, de origem sul-americana, dado o seu verdadeiro nome, Dom Diego de la Veja. O “Mascarilha” não tinha ascendência tão prestigiante.
The Lone Ranger não era tão “lone” assim, pois andava sempre acompanhado por um índio, Tonto, seu fiel camarada de aventuras, que o herói havia um dia salvado in extremis. Nalgumas aventuras tinha como aliado um sobrinho, Daniel Reid, que no filme de Gore Verbinski foi substituído por um irmão, Dan Reid.


Depois da rádio, surgiu a banda desenhada. Primeiramente como tira de jornal, lançada pelo King Features Syndicate, distribuidor norte-americano de “histórias aos quadradinhos” pelos jornais, o que aconteceu entre 1938 e 1971. Inicialmente concebido por Ed Kressy, foi substituído em 1939 por Charles Flanders, que se manteve até o final. Em 1981, existiu outra banda desenhada, esta escrita por Cary Bates e desenhada por Russ Heath, que se estendeu até 1984. Em 1948, a Dell Comics lançou as aventuras em revista, com 145 edições, com reproduções dos jornais, ao lado de produção inédita. De 1962 a 1977, a Gold Key Comics continuaria com as revistas, até 1977. Tonto também teve sua revista própria, em 1951, com 31 edições, assim como o cavalo Silver, lançado em 1952, com 34 edições. Em 2010, a Dynamite Entertainment anunciou um “crossover” onde o Mascarilha se cruzava com o verdadeiro Zorro. A história chamava-se “The Lone Ranger: The Death of Zorro”.
No cinema, The Lone Ranger surgiu em 1938, uma produção da Republic Pictures, um serial de 15 jornadas, com realização de William Witney e John English, e interpretado por Lee Powell, no principal papel e o Chefe Thundercloud como Tonto. Curiosamente, estes filmes em episódios eram interpretados por cinco Texas Rangers e os espectadores só muito mais tarde descobriram qual era o mascarilha. Os cinco eram George Lentz (George Montgomery), Lane Chandler, Hal Taliaferro, Herman Brix (Bruce Bennett) e Lee Powell, que só no final seria revelado ser o verdadeiro herói. Em 1939, foi realizada uma continuação, “The Lone Ranger Rides Again”, desta feita com Robert Livingston no papel de Lone Ranger, ao lado do mesmo Chefe Thundercloud como Tonto, Duncan Renaldo e Jinx Falken.


Houve outras tentativas: Clayton Moore e Jay Silverheels interpretaram “The Lone Ranger”, em 1956, sob direção de Stuart Heisler, e “The Lone Ranger and the Lost City of Gold”, em 1958, com realização de Lesley Selande. Em 1981, nova tentativa de relançar o herói, com “The Legend of the Lone Ranger”, uma realização fracassada de William A. Fraker, com Klinton Spilsbury, Michael Horse e Christopher Lloyd. “The Lone Ranger” (2003) foi uma tentativa de telefilme, com assinatura de Jack Bender, tendo no elenco Chad Michael Murray, Nathaniel Arcand e Anita Brown, que voltaria a não interessar o público.


E chega de história. De 2013 é esta versão de Gore Verbinski, que se inica em 1933, em São Francisco, quando um miúdo visita uma barraca de feira, onde se encontram algumas reproduções do wild west. Entre elas, um modelo de Tonto, velho e ressequido, que subitamente se anima e começa a contar as suas aventurtas ao lado do Mascarilha. Muito à maneira de “O Pequeno Grande Homem”. Mas não se pense que esta referência é única. Nada disso. Os argumentistas (Justin Haythe, Ted Elliott e Terry Rossio) são cinéfilos encartados e admiradores de westerns clássicos, e desde “O Homem que Matou Liberty Valance” a “As Portas do Paraíso”, de “Cavalo de Ferro” a “A Desaparecida”, não páram de sugerir recordações. Claro que esta referência a obras-primas pode deixar “O Mascarilha” distante. É verdade. Mas o facto de os ter como originais a relembrar é bom sinal, tanto mais que as citações não são apenas para encher o olho. O que se faz é um trabalho de absorção, de assimilação, mas como paródia, como irónica menção. O resultado é quase sempre bastante bom. Depois, isso permite passar por todos os estereótipos do género, desde o comboio a alta velocidade, as pontes e as minas, os índios, os brancos, os negros, os chineses, as grandes planícies, o Grand Kenyon, as paisagens de John Ford, os desfiladeiros traiçoeiros, os cavalos, as pistolas, os vilões, os agentes da lei que gostam de fazer justiça pelas próprias mãos e o advogado que acredita na nova ordem e na justiça institucionalizada. Enfim, há de tudo para todos os gostos e bem condimentado, com ritmo, mas sem histeria estereofónica, com momentos de repouso do guerreiro (e do espectador), contemplativos quase, onde é permitido aos actores representarem, gozarem o prazer da paródia, do olhar, do gesto.


Uma obra-prima? Não, certamente. Mas um daqueles filmes de puro entretenimento que sabe bem disfrutar. Com bons actores (Johnny Depp é excelente numa composição como ele gosta, e que me atrevo a dizer, como só ele sabe impor sem cair no ridículo).
Seria uma enorme injustiça votar este filme ao ostracismo. Se os críticos portugueses (quase todos) não gostam deste tipo de cinema, é lá com eles. Mas os espectadores não devem perder esta lufada de ar fresco.

O MASCARILHA
Título original: The Lone Ranger

Realização: Gore Verbinski (EUA, 2013); Argumento: Justin Haythe, Ted Elliott, Terry Rossio; Produção: Jerry Bruckheimer, Johnny Depp, Eric Ellenbogen, Ted Elliott, Eric McLeod, Chad Oman, Terry Rossio, Mike Stenson, Gore Verbinski; Música: Hans Zimmer; Fotografia (cor): Bojan Bazelli; Montagem: James Haygood, Craig Wood; Casting: Denise Chamian; Design de produção: Jess Gonchor; Direcção artística: Jon Billington, Naaman Marshall, Iain McFadyen, Brad Ricker, Domenic Silvestri; Decoração: Cheryl Carasik; Guarda-roupa: Penny Rose; Maquilhagem: Gloria Pasqua Casny, Joel Harlow; Direcção de produção: Thomas Hayslip, Mark Indig, Todd London, Jason Pomerantz; Assistentes de realização: Charles Gibson, David Kelley, Simon Warnock; Departamento de arte: Marisa Frantz, Ricardo Guillermo, Scott Herbertson, Jim Hewitt, Jonas Kirk, Greg Papalia, Sara M. Pennington, Siobhan Roome; Som: Christopher Boyes, Gary Rydstrom; Efeitos especiais: John Frazier; Efeitos visuais: Christopher Blasko, Gary Brozenich, Rachel Galbraith, Jack George, James Greig, Clayton Lyons, Ale Melendez, Sara Moore, Meghan O'Brien, Allison Paul, Holly Price, DeAndra Stone, Mark Van Ee; Companhias de produção: Walt Disney Picture, Jerry Bruckheimer Films, Blind Wink Productions, Classic Media, Infinitum Nihil, Silver Bullet Productions; Intérpretes: Johnny Depp (Tonto), Armie Hammer (John Reid (Lone Ranger), William Fichtner (Butch Cavendish), Tom Wilkinson (Cole), Ruth Wilson (Rebecca Reid), Helena Bonham Carter (Red Harrington), James Badge Dale (Dan Reid), Bryant Prince (Danny), Barry Pepper (Fuller), Mason Cook, JD Cullum, Saginaw Grant, Harry Treadaway, James Frain, Joaquín Cosio, Damon Herriman, Matt O'Leary, W. Earl Brown, Timothy V. Murphy, Gil Birmingham, Damon Carney, Kevin Wiggins, Chad Brummett, Robert Baker, Lew Temple, Joseph E. Foy, etc. Duração: 149 minutos; Distribuição em Portugal: Zon Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 8 de Agosto de 2013.

quinta-feira, agosto 08, 2013

CINEMA: A MELHOR OFERTA



A MELHOR OFERTA


Perdi-o aquando da estreia em salas. Recuperei-o agora, em DVD. Um dos melhores filmes de 2013, seguramente. Giuseppe Tornatore, o autor de “Cinema Paraíso”, seu grande triunfo internacional, parece ter sido amaldiçoado em terras nacionais, pois nunca mais um filme seu teve um notório sucesso crítico, e mesmo de público. No entanto, depois de 1988 (data de "Nuovo Cinema Paradiso") ele dirigiu um significativo número de obras dignas de referência, como “Estão Todos Bem”, “Uma Simples Formalidade”, “O Homem das Estrelas”, “A Lenda de 1900”, “Malèna”, “A Desconhecida” ou “Baarìa”.
De todas as formas, “A Melhor Oferta” é um belíssimo filme, original no tema, elegante no estilo, tenso no ritmo. Fascinante na forma metafórica como aborda uma história de amor invulgar. Não por acaso o protagonista chama-se Oldman, é um antiquário e avaliador de objectos de arte, director de uma das mais conceituadas casa de leilões da Europa, situada em Viena. Frio, distante, solitário, este homem que conserva as mãos sempre envolvidas em luvas e comemora os aniversários nos melhores restaurantes, mas sempre só, ignora aparentemente os sentimentos. Nunca conheceu mulher ou o amor e as emoções, encerra-as numa sala cofre da sua casa, onde colecciona retratos de mulheres de todas as épocas da história da arte. Esta galeria privada, de valor incalculável, e adquirida ao longo de toda uma vida, com a colaboração de um amigo que vai licitando as peças desejadas, é o seu local de repouso do guerreiro, afastado do mundo, resguardado, defendido do exterior por uma porta blindada.


Um dia, porém, esta calma é perturbada pela aparição de um fantasma que desencadeia a sua curiosidade. Uma mulher jovem, Claire, vive sozinha num velho palacete quase em ruínas, recusando-se a sair à rua, negando-se a qualquer contacto com outras pessoas. Aparentemente trata-se de um caso de agorafobia. Mas Claire possuiu uma vasta colecção de obras de arte e quer desfazer-se delas. Chama Oldman para preparar o leilão, sem todavia nunca se mostrar. O que começa por uma questão incómoda passa a curiosidade, depois a obsessão, finalmente a paixão. Oldman vive obcecado por aquela mulher misteriosa, que ele começa por espiar e que, finalmente, se desvenda a seus olhos. Senhor de uma fortuna imensa e de uma honorabilidade profissional inquestionável, acaba por descuidar a vida privada e o trabalho, procurando a cumplicidade de um jovem restaurador de objectos de arte, que se entretém a recuperar um robot metálico do século XIX, com peças que Oldman vai descobrindo na cave da mansão de Claire.
Por aqui nos temos que deter, mas há que sublinhar que toda esta intriga serve para estabelecer curiosas afinidades entre o amor e arte, a verdade e a mentira, a falsificação e o original. Oldman é um obstinado coleccionador de originais, mas declara que existe sempre algo de autêntico, “mesmo numa falsificação”. Em Claire, ele encontra um duplo de si próprio: ela vive afastada de todos, com terror das multidões, ele vive fechado sobre si próprio, com medo da mulher (excepto daquelas que ele consegue aprisionar no seu cofre forte). O tema do velho sábio ou artista que se deixa seduzir pela “femme fatal” é velho e repetitivo na história da literatura (e do cinema, claro), mas Tornatore consegue torná-lo novo, refrescando-o com sugestivas ideias e imagens. Um homem que quase não se engana a descobrir uma obra de arte autêntica e a identificar uma falsificação, como se desembaraça quando se depara com idênticas opções na vida real? Sim, porque como lhe diz o seu amigo e cúmplice, “os sentimentos humanos são como as obras de arte, podem também ser o resultado de uma simulação.”


Extremamente bem conduzido, com elegância e eficácia narrativa, criando um ambiente de crescente tensão psicológica, “A Melhor Oferta” renova o tema do velho “filme negro” de inspiração sentimental, para o que conta com uma fabulosa interpretação de Geoffrey Rush (em Virgil Oldman), bem acompanhado por Donald Sutherland (o cúmplice e amigo Billy Whistler), e a quase desconhecida Sylvia Hoeks (uma misteriosa e sedutora Claire, que relembra Simone Simon, de “Cat People”). A partitura musical de Ennio Morricone é magnífica e belíssima a fotografia de Fabio Zamarion. Finalmente, há que referir as escolhas dos cenários. O velho palacete onde decorre grande parte do filme é um décor absolutamente deslumbrante, que muito contribui para o sucesso desta bela obra de suspense psicológico que volta a trazer à ribalta o nome de Tornatore.



A MELHOR OFERTA
Título original: La Migliore Offerta

Realização: Giuseppe Tornatore (Itália, 2013); Argumento: Giuseppe Tornatore; Produção: Isabella Cocuzza, Arturo Paglia, Guido De Laurentiis, Enzo Sisti; Música: Ennio Morricone; Fotografia (cor): Fabio Zamarion; Montagem: Massimo Quaglia; Casting: Reg Poerscout-Edgerton; Design de produção: Maurizio Sabatini; Direcção artística: Andrea Di Palma; Decoração: Raffaella Giovannetti; Guarda-roupa: Maurizio Millenotti; Maquilhagem: Stefano Ceccarelli, Santoro Domingo, Luigi Rocchetti, Matteo Silvi; Direcção de produção: Alice Marchitelli, Daniela Masciale, Erik Paoletti, Andrea Tavani; Assistentes de realização: Livio Bordone, Alberto Mangiante, Barbara Pastrovich; Departamento de arte: Silvia Fontana; Som: Gilberto Martinelli; Efeitos especiais: Stefano Corridori; Efeitos visuais: Francesca Baiardi, Mario Zanot; Intérpretes: Geoffrey Rush (Virgil Oldman), Jim Sturgess (Robert), Sylvia Hoeks (Claire), Donald Sutherland (Billy Whistler), Philip Jackson (Fred), Dermot Crowley (Lambert), Kiruna Stamell, Liya Kebede, Caterina Capodilista, Gen Seto, Klaus Tauber, Maximilian Dirr, Laurence Belgrave, Sean Buchanan, John Benfield, Miles Richardson, James Patrick Conway, Brigitte Christensen, Jacqueline Hopkins, Amanda Walker, Sylvia De Fanti, Victoria Chapman, etc. Duração: 124 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal: Pris Audiovisuais; Data de estreia em Portugal: 11 de Abril de 2013.