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sexta-feira, julho 13, 2018

LIVROS DE CINEMA: OS CINCO MAGNIFICOS


    
   
   LIVROS DE CINEMA: OS CINCO MAGNIFICOS

Não é segredo para ninguém que sou um leitor compulsivo. Leio um pouco de tudo, do romance (nacional e estrangeiro) ao ensaio, da poesia à biografia, do policial à literatura sobre cinema. Sou um homem de paixões, entre as quais se encontram o cinema e a literatura (há outras, um dia falarei delas, enfim se tiver tempo, arte e engenho). Escrever é outra das minhas actividades preferidas, sobretudo escrever sobre o que gosto (às vezes sobre o que desgosto). Por isso não será de estranhar estes textos largamente desenvolvidos em que abuso da atenção e da paciência do leitor, mas, que querem?, paixões são assim: absorventes.
Tenho, por isso uma biblioteca imensa que, por já não caber em casa resolvi oferecer ao município de Setúbal, depois de ter tentado fazer a mesma oferta a Oeiras, sem resultados práticos. Grande parte desta biblioteca, que já estimaram em 80.000 volumes, é relativa a obras sobre cinema. Dos mais de 30.000 livros de cinema que conservo (é verdade: acusam-me de conservar tudo, defeito de quem tem uma formação em História), muitos são simplesmente de consulta, outros são raridades históricas, outras inutilidades de que não sou capaz de prescindir, e uma centenas de obras indispensáveis. Há livros de crítica de mestre André Bazin, de François Truffaut (sobre Hitchcock), de Lindsay Anderson (sobre John Ford), autobiografias de John Huston, de Luis Buñuel, de Roman Polanski, ensaios de Karel Reiz (sobre montagem), de Eisenstein e Pudovkin (sobre a época de ouro do cinema soviético), de Peter Bogdanovich (sobre Ford), de Marcel Martin (A Linguagem Cinematográfica), que tive o privilégio de traduzir para português, conjuntamente com o saudoso Vasco Granja, entre tantos e tantos outros.
Em português também há alguma coisa a sublinhar, apesar de imperar ultimamente um intelectualismo farfalhudo de quem se dá ares de grande importância. Esquecem-se que o mais importante (e difícil) é abordar temas complexos de forma acessível. Esquecem-se, ou nunca souberam, concretizar a ideia. Mas há volumes muito interessantes. António de Macedo foi autor de uma monumental “A Evolução Estética do Cinema” que ficou para a História. E os Dicionários do Jorge Leitão Ramos, e a grande história do cinema português de Leonor Areal. E existem muitas traduções magnificas a não perder.
O que voltou a acontecer agora. Surgiu uma obra de grande envergadura e de uma importância significativa: “Os Cinco Magníficos” (Five Came Back), de Mark Harris. Quem são os cinco magníficos? John Ford, George Stevens, John Huston, William Wyler e Frank Capra, na medida em que estes foram os cineastas essenciais para o percurso histórico que o livro aborda.
A América de Roosevelt defronta em dilema interno profundo no final da década de 30 do século passado e início da seguinte se agudizou: entrar ou não entrar na II Guerra Mundial, ser isolacionista ou participativo. Para mostrar que os EUA devem intervir na Europa para defender a democracia e a liberdade, a presidência Roosevelt solicitou a colaboração de Hollywood, chamando para as fileiras das forças armadas, alguns realizadores e técnicos para conceberem um conjunto de filmes para explicar essencialmente “Why We Fight” (nome da principal série dedicada a mostrar aos americanos porque devem lutar contra a ameaça das tropas do Eixo). A situação não era muito agradável para os que defendiam a intenção, até ao momento do ataque de Pearl Harbor. A partir daí os americanos perceberam que tanto Hitler como Mussolini ou o Imperador Hiroito podiam invadir a terra americano.
John Ford, George Stevens, John Huston, William Wyler e Frank Capra eram, na altura, os mais importantes e bem-sucedidos realizadores de Hollywood. Todos saídos de grandes êxitos e com carreiras promissoras e aceitaram deixar os ordenados de luxo, para integrarem a vida militar, com viagem aos cenários de guerra, onde arriscaram as vidas, e quase nada ganhando economicamente.
“Os Cinco Magníficos” é um estudo e uma análise da sociedade e da política norte americana desses anos, da sua articulação com a propagando militar oficial (segundo a hierarquia militar) e com o cinema de Hollywood alistado numa acção patriótica. Confrontos, dúvidas, esperanças, desilusões, coragem e lições de sobrevivência, de tudo um pouco se pode perceber um pouco, através de uma linguagem acessível, onde a complexidade das questões não interfere com a acessibilidade da mensagem.
A obra já foi adaptada, em 2017, para uma série documental de 3 episódios, produzida pela Netflix, narrado por Meryl Streep com testemunhos de Francis Ford Coppola, Guillermo del Toro, Paul Greengrass, Lawrence Kasdan e Steven Spielberg.
Os Cinco Magnificos, de Mark Harris / Edições 70.

domingo, fevereiro 28, 2016

OS FILMES DE 2015: CAROL


CAROL

O que distingue um belíssimo melodrama de um mau melodrama, eis uma questão curiosa, de uma difícil resposta. Creio que se trata tudo de uma questão de sensibilidade, de quem realiza a obra e de quem a observa. Na verdade, vi em dois dias sucessivos duas obras que rondam o melodramático. “Brooklyn” foi uma desilusão, “Carol” uma luminosa certeza. O filme de Todd Haynes prolonga harmoniosamente o que o cineasta já havia feito anteriormente, “Velvet Goldmine” ou “Longe do Paraíso”, por exemplo, mantendo algumas das suas constantes obsessões: o gosto pelo melodrama, e a inspiração de Douglas Sirk, o fascínio pelos anos 50 do século passado (o que se liga ao melodrama e a Sirk) e um interesse manifesto pela homossexualidade como comportamento sexual não respeitado pela sociedade. 
“Carol” parte de um romance de Patricia Highsmith, escrito em 1952, usando o pseudónimo de Claire Morgan. A obra chamava-se então “The Price of Salt” e só mais de trinta anos depois é que a autora o reivindicou em nome pessoal, com o novo título, “Carol”. Tudo porque Patricia Highsmith era lésbica e o romance era de certa forma autobiográfico, narrando uma história de amor ocorrida entre a escritora, então jovem empregada de balcão numa grande loja de brinquedos em Nova Iorque, pouco antes do Natal de 1948, e uma elegante e sofisticada loura que comprou brinquedos para a filha e convidou depois a empregada para encontros que redundaram numa apaixonante aventura emocional e sexual. Por essa altura uma história destas era altamente censurável pela sociedade bem-pensante, e quando lançou “Carol”, já na década de 80, Patricia Highsmith terminaria o seu epílogo com uma frase elucidativa: “Alegra-me pensar que este livro tenha dado a milhares de pessoas, solitárias e assustadas, algo a que se apoiarem”.


Adaptado ao cinema por Phyllis Nagy, “Carol” foi rodado, em Cincinnati, Ohio, EUA, entre 12 de Março e 25 de Abril de 2014, mas a ideia era passar por Nova Iorque no ano de 1952. A recriação dos anos 50 é excelente, não só de um ponto de vista decorativo, mas igualmente psicológico, ambiental e comportamental. Algo que já se havia notado como preocupação dominante no brilhante “Longe do Paraíso”. A recuperação da época não funciona só como cenário, mas como caracterização de um período. Magnífica é a fotografia e a banda sonora. Mas, sobretudo, fabulosa é a representação de Cate Blanchett e Rooney Mara, de uma sensibilidade, discrição, elegância, intensidade emotiva, e, no caso de Cate Blanchett, de uma provocante sedução que só uma actriz absolutamente notável consegue sugerir com olhares, pequenos gestos, palavras dúbias, presença absorvente. Depois, a realização de Todd Haynes é igualmente admirável na conjugação de todos estes elementos e na criação de um clima envolvente, mantido em suspense até final, com uma subtileza e elegância raras e uma intensidade emotiva invulgar. Grande filme de autor e de actrizes.


CAROL
Título original: Carol
Realização: Todd Haynes (EUA, Inglaterra, 2015); Argumento: Phyllis Nagy, segundo romance de Patricia Highsmith; Produção: Dorothy Berwin, Gwen Bialic, Cate Blanchett, Elizabeth Karlsen, Danny Perkins, Tessa Ross, Thorsten Schumacher, Andrew Upton, Christine Vachon, Bob Weinstein, Harvey Weinstein, Stephen Woolley; Música: Carter Burwell; Fotografia (cor): Edward Lachman; Montagem: Affonso Gonçalves; Casting: Laura Rosenthal; Design de produção: Judy Becker; Direcção artística: Jesse Rosenthal; Decoração: Heather Loeffler; Guarda-roupa: Sandy Powell; Maquilhagem: John Jack Curtin, Jerry DeCarlo, Ashley Flannery, Patricia Regan; Direcção de Produção: Gwen Bialic, Luciano Silighini Garagnani, Gretchen McGowan, Karri O'Reilly; Assistentes de realização: Kyle LeMire, Jesse Nye, Derek Rimelspach; Departamento de arte: Francis Link Boysie, Eric Johns, Meredith Lippincott, Paul Peabody, Bob Smith; Som: Geoff Maxwell, Nigel Maxwell, James David Redding III; Efeitos visuais: Ed Chapman, Chris Haney; Companhias de produção: Number 9 Films, Film4, Killer Films; Intérpretes: Cate Blanchett (Carol Aird), Rooney Mara (Therese Belivet), Kyle Chandler (Harge Aird), Jake Lacy (Richard Semco), Sarah Paulson (Abby Gerhard), John Magaro (Dannie McElroy), Cory Michael Smith (Tommy Tucker), Kevin Crowley (Fred Haymes), Nik Pajic (Phil McElroy), Carrie Brownstein (Genevieve Cantrell), Trent Rowland (Jack Taft), Sadie Heim (Rindy Aird), Kk Heim (Rindy Aird), Amy Warner (Jennifer Aird), Michael Haney (John Aird), Wendy Lardin (Jeanette Harrison), Pamela Evans Haynes, Greg Violand, Michael Joseph Thomas Ward, Kay Geiger, Christine Dye, Deb G. Girdler, Douglas Scott Sorenson, Ken Strunk, Mike Dennis, Ann Reskin, etc. Duração: 118 minutos; Distribuição em Portugal: NOS Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 4 de Fevereiro de 2016.



quinta-feira, fevereiro 25, 2016

OS FILMES DE 2015: BROOKLYN


BROOKLYN

Há filmes que podem ser destruídos por uma banda sonora. “Brooklyn” é um deles. Já de si melodramática e xaroposa, esta história de uma jovem irlandesa que vai para os EUA e se instala em Brooklyn, onde se emprega, arranja namorado e casa secretamente, voltando à Irlanda por morte de uma irmã, onde volta a encontrar o amor e as bisbilhotices habituais, para regressar a Nova Iorque, já de si não tem muito para agradar sobremaneira, se exceptuarmos algumas interpretações. Mas a banda sonora, com uma irritante e omnipresente choradeira de violinos, acaba por afastar qualquer simpatia. Não se percebe como este mediano filme que se pode ver na TV, quando se não tem mais nada para fazer, numa invernosa tarde de domingo, está na corrida aos Oscars e já arrecadou tantas nomeações e alguns prémios internacionais. A recriação dos anos 50 não é má, a fotografia é interessante, mas nada mais se poderá dizer desta realização de John Crowley.


BROOKLYN
Título original: Brooklyn

Realização: John Crowley (Irlanda, Inglaterra, Canadá, 2015); Argumento: Nick Hornby, segundo romance de Colm Tóibín; Produção: Finola Dwyer, Pierre Even, Susan Mullen, Amanda Posey, Marie-Claude Poulin; Música: Michael Brook; Fotografia (cor): Yves Bélanger; Montagem: Jake Roberts; Casting: Fiona We; Design de produção: François Séguin; Direcção artística: Irene O'Brien, Robert Parle; Decoração: Suzanne Cloutier, Jenny Oman, Louise Tremblay; Guarda-roupa: Odile Dicks-Mireaux; Maquilhagem: Michelle Côté, Ivy Ermert, Morna Ferguson, Christopher Fulton, Lorraine Glynn, R. Cory  McCutcheon, Marlène Rouleau; Direcção de Produção: Joanne Dixon, Polly Duval, Lindsay Feldman; Assistentes de realização: Keith Browett, Enda Doherty, Roisin El Cherif, Conor Flannery, Brigitte Goulet, Daniel Lloyd, Evelyne Renaud, Nick Thomas, Charlie Watson, Jessica Whelehan, Melinda Ziyadat; Departamento de arte: Paul Brady, Fiona Cooney, Melanie Downes, Denis Hamel; Som: Glenn Freemantle; Efeitos especiais: Pierre L'Heureux; Efeitos visuais: Andy Clarke, Ciara Gillan; Companhias de produção:Wildgaze Films, Parallel Film Productions, Irish Film Board, Item 7; Intérpretes: Saoirse Ronan (Eilis), Hugh Gormley (padre), Brid Brennan (Miss Kelly), Jim Broadbent (padre Flood), Maeve McGrath (Mary), Emma Low (Mrs. Brady), Barbara Drennan, Gillian McCarthy, Fiona Glascott, Jane Brennan, Eileen O'Higgins, Peter Campion, Eva Birthistle, James Corscadden, Julie Walters, Emily Bett Rickards, Eve Macklin, Nora-Jane Noone, Mary O'Driscoll, Samantha Munro, Jane Wheeler, Jessica Paré, Adrien Benn, Alain Goulem, etc. Duração: 111 minutos; Distribuição em Portugal: NOS Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 7 de Janeiro de 2016.

segunda-feira, fevereiro 22, 2016

OS FILMES DE 2015: A QUEDA DE WALL STREET


A QUEDA DE WALL STREET

Julgo que uma das habilidades dos banqueiros e do mundo da alta finança foi criar uma terminologia técnica de tal forma cerrada que poucos a dominam. Quem detém a entrada nesse universo onde imperam swaps, subprimes, agências de rating, taxas de juros, bolhas imobiliárias, hipotecas, alavancagens, singles tranches, moratórias, seguros, e muitas outras palavras e expressões de difícil significado, detém o poder e não o quer ver disseminado. Vem do tempo de “O Nome da Rosa” e do poder armazenado numa biblioteca onde só os eleitos penetravam. Hoje em dia as torres são as das Wall Streets de todo o mundo, onde se cozinham as negociatas que engordam os magnates, os banqueiros e os aldrabões de todo o género, e que depois a arraia miúda vai pagar por ter andado a “viver acima das suas posses”.
O caso de “The Big Short”, que Adam McKay realizou, e escreveu de colaboração com Charles Randolph, adaptando a obra de Michael Lewis, “The Big Short: Inside the Doomsday Machine”, é um bom exemplo para se desmistificar toda esta engrenagem que provocou o grande colapso bolsista e bancário de 2008, cuja crise se arrasta até hoje e que não sabemos bem quando irá acabar, se não for pelo contrário essa crise a acabar connosco. O filme joga com toda essa terminologia e para leigos na matéria (como eu), o risco parece grande de início. Mas cedo realizador e argumentista nos apaziguam a angústia. Estamos aqui para perceber como se forjou o grande golpe financeiro e, apesar de toda a areia para os olhos, compreende-se o essencial.  
Na verdade, trata-se de banditismo ao mais alto nível, daquele que altas figuras na hierarquia social praticam e do qual saem ilesas, sendo os prejuízos pagos pelo cidadão comum, que vai pagando aos bancos os prejuízos e as ameaças de falência com os impostos que crescem desenfreadamente com a justificação de que o estado social não se aguenta como tal, nas actuais condições. Claro que os bancos e as bolsas essas aguentam-se muito bem. “Ai aguentam, aguentam!”


Este filme baseia-se em factos reais ainda que ficcionados. Fala de personagens fictícios, mas existiram outras, com outros nomes, que fizeram mais ou menos o mesmo. Michael Burry (Christian Bale) é dono de uma media empresa norte-americana que decide investir na bolsa num fundo que coordena o sistema imobiliário nos EUA, prevendo que o mesmo venha a colapsar. É jogar ao contrário do habitual. Apostar no falhanço, tal como “Os Produtores”, de Mel Brooks, o fazia, mas aí numa produção teatral. Sabendo deste invulgar investimento, o corretor Jared Vennett (Ryan Gosling) aproveita a boleia e passa a oferecê-la a seus clientes, entre os quais Mark Baum (Steve Carell), dono de uma corretora em dificuldades. Entretanto, um especialista em questões financeiras, Ben Rickert (Brad Pitt), é igualmente convocado para a geringonça.
Michael Lewis, hoje conceituado jornalista e escritor, com 24 anos foi contratado pelo banco Salomon Brothers. Era bem pago, percebia muito pouco de actividade bolsista, mas começou a descortinar o que se passava nos bastidores da banca. Três anos depois demitiu-se e escreveu o "Liar’s Poker", onde relatava as suas experiências. Nessa altura tinha a certeza de que o colapso iria surgir. Esperou até 2007, quando descobriu que muitos investidores estavam a apostar tudo na queda do sistema, na desvalorização do imobiliário e na desregularização do mercado subprime.
Tirar daqui um filme que se acompanha como uma investigação policial, cheia de ironia e de invenções narrativas, é obra. O argumento terá de ser controlado ao milímetro, a montagem tem de ser ritmada e nervosa, sem, no entanto, cair do sufoco para o espectador, as interpretações convêm que sejam eficazes e, se possível, notáveis para credibilizarem as personagens. A realização terá que controlar tudo isto e mostrar alguma agilidade. “A Queda de Wall Street” consegue tudo isso, e temos que creditar boa parte do sucesso a um pouco conhecido Adam McKay, que vem da comédia e de “Saturday Night Live”, companheiro de Will Ferrer em varias comédias, actor, argumentista e realizador pouco visto fora dos EUA e que neste seu primeiro trabalho de grande folego não deixa de espantar. Na verdade, a forma como constrói “The Big Short” é invulgar, intercalando diferentes tipos de narrativas, actores falando para a câmara ou figuras vip da sociedade internacional (como a actriz Margot Robbie, a cantora e actriz Selena Gomez, o prémio Nobel de economia Richard Thaler, o gastrónomo Anthony Bourdain…) a explicarem terminologia técnica e conceitos mais difíceis de controlar. O resultado é surpreendente, mas funciona como um puzzle bem-humorado, inteligente e particularmente ácido para os visados.
Aí está, pois, pronto a disputar os Oscars, com cinco nomeações: Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Actor Secundário (Christian Bale) e Melhor Montagem. Tudo nos diz que não virá de mãos a abanar. É um forte candidato.


A QUEDA DE WALL STREET
Título original: The Big Short

Realização: Adam McKay (EUA, 2015); Argumento: Charles Randolph, Adam McKay, segundo obra de Michael Lewis; Produção: Dede Gardner, Jeremy Kleiner, Kevin J. Messick, Arnon Milchan, Brad Pitt, Louise Rosner; Música: Nicholas Britell; Fotografia (cor): Barry Ackroyd;  Montagem: Hank Corwin; Casting: Kathy Driscoll, Francine Maisler; Design de produção: Clayton Hartley;  Direcção artística: Elliott Glick; Decoração: Linda Lee Sutton; Guarda-roupa: Susan Matheson; Maquilhagem: Michelle Diamantides, Julie Hewett, Adruitha Lee, Annabelle MacNeal, Pamela S. Westmore; Direcção de Produção: Teddy Au, Lisa Rodgers, Louise Rosner; Assistentes de realização: Matt Rebenkoff, Amy Lauritsen, Pamela Monroe, Josh Muzaffer, Cali Pomes; Departamento de arte: Chris Arnold, Joe Bergman, Randall S. Coe, Jann K. Engel, Harrison Hartley, John Herbert, Lisa Kutyreff, K. Emily Levine, Wright McFarland; Som: Andrew DeCristofaro, Becky Sullivan; Efeitos especiais: Michelle Dickson, Drew Jiritano; Efeitos visuais: Sumriti Bhogal, Richard Bluff, Paul Linden, Mare McIntosh; Companhias de produção: Plan B Entertainment, Regency Enterprises; Intérpretes: Christian Bale (Michael Burry), Steve Carell (Mark Baum), Ryan Gosling (Jared Vennett), John Magaro (Charlie Geller), Finn Wittrock ( Jamie Shipley), Brad Pitt (Ben Rickert), Hamish Linklater (Porter Collins), Rafe Spall (Danny Moses), Jeremy Strong (Vinny Daniel), Marisa ( Cynthia Baum), Melissa Leo (Georgia Hale), Stanley Wong (Ted Jiang), Byron Mann( Wing Chau), Tracy Letts (Lawrence Fields), Karen Gillan (Evie), Max Greenfield, Margot Robbie, Selena Gomez, Richard Thaler, Anthony Bourdain, etc. Duração: 130 minutos; Distribuição em Portugal: NOS Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 14 de Janeiro de 2016.

quarta-feira, fevereiro 17, 2016

OS FILMES DE 2015: SPOOTLIGHT


O CASO SPOTLIGHT

Há uma longa e meritória tradição no cinema norte-americano de filmes abordando investigações jornalísticas que tiveram importância decisiva na consciencialização do cidadão normal e das instituições públicas para certas anomalias ocorridas na sociedade. “Os Homens do Presidente” é o exemplo mais flagrante, mas há muitos mais. Aliás o jornalismo na América tem sido abordado sob diversos pontos de vista, desde o elogio do jornalista como herói justiceiro, último recurso desse quarto poder para repor a justiça no normal funcionamento das instituições, até à denúncia do profissional corrupto que se alia às máfias locais para as justificar ou inclusive à pública declaração de alianças de poder entre empresas e direcções de jornais com interesses obscuros. “O Caso Spotlight” é apenas mais um exemplo. Um bom exemplo, diga-se desde já.
O caso passa-se em Boston, e o jornal é o Boston Global. Tudo se passa recorrendo a factos reais, acontecidos entre 1976 e 2002. O filme tenta apenas recuperar, reconstituir a investigação de um grupo de quatro jornalistas que durante todo esse tempo se ocupa em investigar o que terá acontecido com alguns padres que foram acusados de práticas pedófilas. De início são 13 os visados, depois o número sobe para 90, finalmente ascende às várias centenas. Tudo perante uma certa apatia e cumplicidade das autoridades eclesiásticas que, em lugar de punir os prevaricadores, se limitavam a lançá-los em baixa clínica ou transferi-los de diocese. A averiguação acompanha-se como um policial, com os jornalistas a funcionarem como investigadores, ou dectetives privados, que de pista em pista chegam finalmente à acusação final.

Tom McCarthy, que assina a realização da obra, é mais conhecido como actor, tendo participado em cerca de quatro dezenas de títulos, entre comédias (“Não Há Família Pior!”, por exemplo) e dramas sociais (“Syriana” e “Boa Noite, e Boa Sorte”, entre alguns mais), sempre como actor secundário. Escreveu vários argumentos, quase todos os dos seus filmes e ainda “Up – Altamente”. Como realizador, tem um passado interessante, mas pouco mais: “A Estação” (2003), “O Visitante” (2007), “Todos Ganhamos” (2011), “O Sapateiro Mágico” (2014), até chegar a “O Caso Spotlight” (2015). Com este título conheceu a glória como realizador e argumentista, tendo sido nomeado para tudo o que seja premiações na América, e no mundo, tendo já arrecadado vários prémios, sobretudo como argumentista. Mas nos Oscars de 2016 aparece bem colocado nas duas categorias (Melhor Realizador e Melhor Argumento Original), além do filme reunir ainda outras nomeações para Melhor Filme, Melhor Actor Secundário (Mark Ruffalo), Melhor Actriz Secundária (Rachel McAdams), e Melhor Montagem.
A obra desenvolve-se com uma escrita escorreita, na boa tradição do clássico cinema norte-americano, eficaz e nervoso, com uma fotografia intimista e densa, uma montagem eficiente e ritmada, uma boa banda sonora e uma interpretação inatacável. Mark Ruffalo (Mike Rezendes, o luso descendente que é o principal motor da investigação), Michael Keaton (o jornalista chefe Walter 'Robby' Robinson) e Rachel McAdams (a outra jornalista de campo, Sacha Pfeiffer) são excelentes.
Como denúncia de práticas criminosas e como exemplo de uma investigação jornalística, “O Caso Spotlight” merece bem figurar entre os bons filmes de 2015 e, seguramente, entre os que melhor testemunham boas práticas dos media, numa altura em que os jornais impressos atravessam uma tão grave crise. 

O CASO SPOTLIGHT
Título original: Spotlight

Realização: Tom McCarthy (EUA, Canadá, 2015); Argumento: Josh Singer, Tom McCarthy; Produção: Kate Churchill, Blye Pagon Faust, Steve Golin, Nicole Rocklin, Michael Sugar, Youtchi von Lintel; Música: Howard Shore; Fotografia (cor): Masanobu Takayanagi; Montagem: Tom McArdle; Casting: Kerry Barden, John Buchan, Jason Knight, Paul Schnee; Design de produção: Stephen H. Carter; Direcção artística: Michaela Cheyne; Decoração: Vanessa Knoll, Shane Vieau; Guarda-roupa: Wendy Chuck; Maquilhagem: Karola Dirnberger, Brenda McNally, Jordan Samuel, Teresa Young; Direcção de Produção: Danielle Blumstein, D.J. Carson, Kelley Cribben; Assistentes de realização: Adam Richard Benish,  Walter Gasparovic, Conte Mark Matal, Andrea O'Connor, Scooter Perrotta, Vibhuti Rathod, Gerrod Shully; Departamento de arte: Lara Alexander, Bobby Anderson, Jill Beecher, Carlos Caneca, William Cheng, John MacNeil, John Moran, Dusty Reeves; Som: Paul Hsu; Efeitos visuais: Kayla Cabral, Colin Davies, Brandon Terry;  Companhias de produção: Anonymous Content, First Look Media, Participant Media, Rocklin / Faust; Intérpretes: Mark Ruffalo (Mike Rezendes), Michael Keaton (Walter 'Robby' Robinson), Rachel McAdams (Sacha Pfeiffer), Liev Schreiber (Marty Baron), John Slattery (Ben Bradlee Jr.), Brian d'Arcy James (Matt Carroll), Stanley Tucci (Mitchell Garabedian), Elena Wohl (Barbara), Gene Amoroso (Steve Kurkjian), Doug Murray (Peter Canellos), Sharon McFarlane (Helen Donovan), Jamey Sheridan (Jim Sullivan), Neal Huff (Phil Saviano), Billy Crudup (Eric Macleish), Robert B. Kennedy, Duane Murray, Brian Chamberlain, Michael Cyril Creighton, Paul Guilfoyle, Michael Countryman, Tim Whalen, Martin Roach, Brad Borbridge, Don Allison, Patty Ross, Paloma Nuñez, Robert Clarke, Gary Galone, David Fraser, Paulette Sinclair, Laurie Heineman, Elena Juatco, Nancy Villone, Wendy Merry, Siobhan Murphy, Eileen Padua, Darrin Baker, Brett Cramp, Joe Stapleton, Maureen Keiller, Jimmy LeBlanc, Tim Progosh, Neion George, Laurie Murdoch, Zarrin Darnell-Martin, Krista Morin, Paula Barrett, Mairtin O'Carrigan,  Rob deLeeuw, etc. Duração: 128 minutos; Distribuição em Portugal: NOS Audiovisuais; Classificação etária: M/ 14 anos; Data de estreia em Portugal: 28 de Janeiro de 2016.

     No Festival de Toronto, realizador, actores e os autênticos jornalistas do Boston Globe. 

terça-feira, fevereiro 16, 2016

CINEMA 2015: O RENASCIDO


THE REVENANT: O RENASCIDO

O mexicano Alejandro G. Iñárritu conquistou definitivamente os americanos. Depois de no início de 2000 ter surpreendido com “Amor Cão” e “21 Gramas”, em 2006 iniciou uma cavalgada com “Babel”, seguida de “Biutiful” (2010), para culminar a sua ascensão para a glória em 2014, com “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)” que triunfou nos Oscars de 2015 (Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento Original, Melhor Fotografia, além de mais cinco nomeações), voltando à ribalta e à passadeira vermelha de Los Angeles com “The Revenant: O Renascido” (nomeado agora para 12 estatuetas: Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Actor, Leonardo DiCaprio, Melhor Actor Secundário, Tom Hardy,  Melhor Fotografia, Melhor Montagem, Melhor Guarda Roupa, Melhor Maquilhagem, Melhor Montagem Sonora, Melhor Mistura Sonora, Melhores Efeitos Visuais e Melhor Direcção Artística).
“The Revenant” parte de um argumento assinado por Mark L. Smithe e pelo próprio Alejandro González Iñárritu, segundo romance de Michael Punke, que já estivera na origem de um filme de 1971, “Um Homem na Solidão” (Man in the Wilderness), uma realização de Richard C. Sarafian, com interpretação de Richard Harris, John Huston e Henry Wilcoxon, entre outros. Esta versão de inícios da década de 70 era já uma obra extremamente violenta e um exemplo mais da renovação que se procurava imprimir a um género a cair por essa altura no esgotamento, o western. Com algumas alterações, a estrutura da intriga é semelhante obviamente, mas o tratamento narrativo é substancialmente diferente nesta versão de Alejandro González Iñárritu. Se se podia falar de alguma crueza da versão protagonizada por Richard Harris, teremos de concluir que Leonardo DiCaprio, na sua composição de Hugh Glass, ultrapassa em muito o realismo anterior, colocando-se num clima de paroxismo de violência quase insuportável por vezes. Curiosamente, na versão de 71, o protagonista procura regressar a casa para conhecer o filho que, entretanto, nascera, na de 2015 o filho é um adolescente que acompanha em parte a sua aventura.
Esta é uma história de sobrevivência que tem como finalidade a vingança. No (hoje) estado do Dakota do Sul, nos EUA, corria o ano de 1823. Hugh Glass (Leonard Di Caprio), que funcionava como guia de um grupo de caçadores de peles, é apanhado por um urso que o ataca e atinge violentamente. Primeira anotação: reparar na trama que se estabelece entre caçadores de peles, índios, franceses ocupantes, todos eles trocando entre si matérias primas e armas, num jogo de traições onde só vigora o interesse monetário. Segunda referência obrigatória: a fabulosa luta corpo a corpo que se estabelece entre o homem e o urso, tudo filmado num plano único e com um realismo invulgar. 


Hugh Glass é socorrido por companheiros, mas o seu estado é agonizante. O grupo tem de continuar, numa paisagem inóspita, mas o capitão Andrew Henry (Domhnall Gleeson) indica dois homens para ficarem para trás para acompanhar os últimos momentos do Glass. Um deles é John Fitzgerald (Tom Hardy) que, tempos depois, e perante a resistência do ferido, resolve abandoná-lo à sua sorte, depois de ter assassinado o seu filho, um mestiço, filho de uma índia. Em confronto com a natureza nesse inverno impiedoso, martirizado pela neve e a chuva, perseguido por brancos e índios, contando aqui e ali com uma ou outra cumplicidade humana, encobrindo-se em covas ou protegendo-se da inclemência do tempo no interior da carcaça de um cavalo morto (“o renascido”), Glass consegue sobreviver até à vingança final. A luta é animalesca, Glass assume o papel de urso (ao longo do filme ele vai vestindo cada vez mais essa pele, assemelhando-se de forma deliberada ao urso que o atingira), a violência do tom é invulgar. Glass é um resistente, mas será um humano? Ou será que os humanos não passam de animais a que se junta um imperioso instinto de vingança?
Duas horas e meia a acompanhar um homem quase sempre só, quase não falando, ferido e mal podendo rastejar, é obra. Essa é uma das primeiras proezas do realizador Alejandro González Iñárritu que consegue prender a atenção do espectador, no que é bem acompanhado pela interpretação de Leonard Di Caprio (mas também do restante elenco, nomeadamente Tom Hardy) e pela equipa técnica, da fotografia esplendorosa à montagem, à direção artística, à própria sonoplastia que consegue uma envolvência brilhante, criando um clima hostil e agressivo, no entanto por vezes de grande beleza espetacular. 
“The Revenant: O Renascido” é, seguramente, um grande filme e um dos premiados do ano com justeza. Tecnicamente é um prodígio e as condições de rodagem devem ter sido tormentosas. Daí a falar em Terrence Malick ou Andrei Tarkovsky vai um longo passo, muito embora a fotografia de Emmanuel Lubezki (que assinou igualmente a fotografia de “O Novo Mundo”, 2005) possa levar a algumas comparações. Novo sublinhado: muitas vezes a câmara de Lubezki enquadra a floresta de baixo para cima, deixando os troncos das árvores formar jaulas ou celas onde o protagonista (e o espectador, que no final é directamente invocado) sente essa claustrofobia no interior (ou no exterior?) da natureza.
De resto, há um ou outro ponto mais discutível neste filme. A referência ao transcendente, com o aparecimento de uma igreja em ruínas é um deles e uma placa colocada no corpo de um índio enforcado (“Somos todos selvagens”) também me parece redundância excessiva. O filme falaria por si só, sem placa explicativa.


THE REVENANT: O RENASCIDO
Título original: The Revenant

Realização: Alejandro González Iñárritu (EUA, 2015); Argumento: Mark L. Smith, Alejandro González Iñárritu, segundo romance de Michael Punke; Produção: Steve Golin, Alejandro González Iñárritu, Arnon Milchan, Mary Parent, Keith Redmon, Música: Carsten Nicolai, Ryuichi Sakamoto; Fotografia (cor): Emmanuel Lubezki; Montagem: Stephen Mirrione; Casting: Francine Maisler; Design de produção: Jack Fisk; Direcção artística: Laurel Bergman, Michael Diner, Isabelle Guay;  Decoração: Caitlin Jane Parsons, Hamish Purdy; Guarda-roupa: Jacqueline West;  Maquilhagem: Anthony Gordon, Adrien Morot, Michael Nickiforek, Robert A. Pandini, Vicki Syskakis, Jo-Dee Thomson, Sharon Toohey, etc. Direcção de Produção: Bruce L. Brownstein, Juan Pablo Colombo, Evan Godfrey, Douglas Jones, Drew Locke, James W. Skotchdopole, Skye Stolnitz, Valerie Flueger Veras, Gabriela Vázquez; Assistentes de realização: Scott Robertson, Jasmine Marie Alhambra, Silver Butler, Stéphane Byl, Scott Catolico, Darius de Andrade, Robin K. Flynn, Matt Haggerty, Stephen Kievit, Jeremy Marks, Josh Muzaffer, Brett Robinson, Megan M. Shank, Jerry Skibinsky, Adam Somner, Trevor Tavares, Kasia Trojak;  Departamento de arte: Cameron Chapman, Shannon Courte, John Dale, Craig Henderson, Karen Higgins, Dennis Simard, Olena Skorokhod, Joe Wolkosky; Som: Lon Bender; Efeitos especiais: David Benediktson, Stewart Bradley, Pau Costa, Cameron Waldbauer, Brad Zehr, Douglas D. Ziegler; Efeitos visuais: Tom Barber, Daniel Charchuk, Nicolas Chevallier, etc. Companhias de produção: Anonymous Content, Appian Way, Monarchy Enterprises S.a.r.l., New Regency Pictures, RatPac Entertainment; Intérpretes: Leonardo DiCaprio (Hugh Glass), Tom Hardy (John Fitzgerald), Domhnall Gleeson (Capitão Andrew Henry), Will Poulter (Bridger), Forrest Goodluck (Hawk), Paul Anderson (Anderson), Kristoffer Joner (Murphy), Joshua Burge (Stubby Bill), Duane Howard (Elk Dog), Melaw Nakehk'o (Powaqa), Fabrice Adde (Toussaint), Arthur RedCloud (Hikuc), Christopher Rosamond (Boone), Robert Moloney (Dave Stomach Wound), Lukas Haas (Jones), Brendan Fletcher, Tyson Wood, McCaleb Burnett, Vincent Leclerc, Stephane Legault, Emmanuel Bilodeau, Cole Vandale, Thomas Guiry, Scott Olynek, Amelia Crow Show, Peter Strand Rumpel, Timothy Lyle, etc. Duração: 156 minutos; Distribuição em Portugal: Big Picture 2 Films; Classificação etária: M/ 14 anos; Data de estreia em Portugal: 21 de Janeiro de 2016.

quinta-feira, fevereiro 11, 2016

CINEMA 2015: A RAPARIGA DINAMARQUESA


A RAPARIGA DINAMARQUESA

Não sou definitivamente um entusiasta do estilo de Tom Hooper, o super laureado realizador que nos deu “Maldito United” (2009), “O Discurso do Rei” (2010), “Os Miseráveis” (2012), e agora “A Rapariga Dinamarquesa”. Não posso dizer que deteste. Todos os seus títulos são interessantes, o homem tem definitivamente jeito para casting e direcção de actores, os temas são ambiciosos e estimulantes, mas o tratamento visual dado aos seus filmes não me convence de maneira nenhuma. Muito rodriguinho desnecessário, muito efeito só para encher o olho, muita grande angular, muita profundidade de campo, mas sem grande justificação. Tudo mais decorativo que eficaz.
Posto isto, “A Rapariga Dinamarquesa” é um filme obviamente de assinalar por vários motivos e desde logo pela magnifica representação de Alicia Vikander e Eddie Redmayne que interpretam as figuras de Gerda Wegener e Einar Wegener (depois Lili Elbe), um casal de pintores dinamarqueses que existiu na realidade na década de 20 e que viveu uma experiência extraordinária e percursora de muitas outras que vieram depois.


O filme baseia-se no romance homónimo de David Ebershoff e este tem como ponto de partida a vida de Gerda Wegener, casada com Einar Wegener. Parece, todavia, que há muito (ou algum) romance excessivo na biografia literária e também no filme, tendo em conta algumas críticas lidas sobre esta pesquisa. O certo é que o casal vivia feliz em Copenhague dos loucos anos vinte quando, um dia, Gerda pede a Einar para vestir uma roupa feminina a fim de servir de modelo para um quadro que estava a acabar pintar. Einar veste essas roupas e elas colam-se-lhe ao corpo. Abrem a caixa de pandora até aí esquecida no seu íntimo. Einar sente-se mulher, e a partir daí vai reivindicar essa sua natureza enclausurada num comportamento de homem. Ele será Lili. As peripécias sucedem-se até o casal aceitar a intervenção cirúrgica, experimental, na Alemanha, na altura absolutamente invulgar.
Um dos aspectos mais curiosos desta história é a relação de completa (e complexa) cumplicidade que se mantem no casal. O que permite inclusive a Alicia Vikander e Eddie Redmayne dois desempenhos notáveis, ela mais discreta e contida, ele mais exuberante na sua transformação, mas sempre com um rigor e exigência grandes. Alicia Vikander já a tínhamos visto muito bem num filme de época, histórico, bastante curioso, “Um Caso Real” (e também em “Anna Karenina”). Quanto a Redmayne, depois de “A Teoria de Tudo”, onde revivia o cientista Stephen Hawking, volta a um trabalho de composição, daqueles que parecem destinados a arrebatar todos os prémios. Com “The Theory of Everything” (2014) levou para casa Oscar, Globo, Bafta e outros. Leonardo De Caprio não estará pelos ajustes para que ele repita a dose este ano.



A RAPARIGA DINAMARQUESA
Título original: The Danish Girl

Realização: Tom Hooper (Inglaterra, EUA, Dinamarca, Bélgica, Alemanha, 2015); Argumento: Lucinda Coxon, segundo romance de David Ebershoff; Produção: Tim Bevan, Liza Chasin, Eric Fellner, Nina Gold, Anne Harrison, Tom Hooper, Ben Howarth, Ulf Israel, Deborah Bayer Marlow, Kathy Morgan, Gail Mutrux, Linda Reisman, Jane Robertson, Tore Schmidt; Música: Alexandre Desplat; Fotografia (cor): Danny Cohen; Montagem: Melanie Oliver; Casting: Nina Gold; Design de produção: Eve Stewart; Direcção artística: Grant Armstrong, Céline De Streel, Tom Weaving; Decoração: Kristy Parnham, Michael Standish; Guarda-roupa: Paco Delgado; Maquilhagem: Jan Sewel; Direcção de Produção: Dorothée Baert, Tania Blunden, Laurent Hanon, Deborah Bayer Marlow, Faye Morgan, Jo Wallett, Claus Willadsen; Assistentes de realização: Baudouin du Bois, Ben Howarth, Charlotte Nichol, Vaughn Stein, Harriet Worth; Departamento de arte: Chester Carr, Darren Hayward, Megan Jones, Rebecca Pilkington; Som: Martin Beresford, Mike Prestwood Smith, Matthew Skelding, etc.; Efeitos especiais: Simon Davey, Paul Dimmer, Johannes Sverrisson; Efeitos visuais: Helen McAvoy; Companhias de produção: Working Title Films, Artémis Productions, Kvinde Films, Shelter Prod, Pretty Pictures, ReVision Pictures, Taxshelter. Be, Le Tax Shelter du Gouvernement Fédéral de Belgique, Copenhagen Film Fund, Senator Global Productions; Intérpretes: Alicia Vikander (Gerda Wegener), Eddie Redmayne (Einar Wegener / Lili Elbe), Tusse Silberg (velha senhora), Adrian Schiller (Rasmussen), Amber Heard (Ulla), Emerald Fennell (Elsa), Henry Pettigrew (Niels), Claus Bue, Peter Krag, Angela Curran, Pixie, Richard Dixon, Ben Whishaw, Pip Torrens, Paul Bigley, Nancy Crane, Nicola Sloane, Sonya Cullingford, Matthias Schoenaerts, Clare Fettarappa, Jake Graf, Victoria Emslie, Raphael Acloque, Alexander Devrient, Nicholas Woodeson, Philip Arditti, Miltos Yerolemou, Sebastian Koch, Cosima Shaw, Sophie Kennedy Clark, Rebecca Root, etc. Duração: 119 minutos; Distribuição em Portugal: NOS Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 31 de Dezembro de 2015.

CiNEMA 2015: 45 Anos


45 ANOS

Charlotte Rampling (Kate Mercer) e Tom Courtenay (Geoff Mercer) são os dois protagonistas de”45 Anos” e as duas principais razões para o sucesso deste filme discreto e simpático sobre um casal que se prepara para comemorar os quarenta e cinco anos de casados. Mas, pouco tempo antes do dia marcado para a festa que irá reunir amigos e familiares, Geoff Mercer recebe a notícia que o corpo de uma mulher que ele amara na sua juventude e que desaparecera na neve de um desfiladeiro, fora encontrado. Com essa notícia regressa um passado não revelado que provoca em Kate Mercer reações adversas. Ela sente-se enganada, frustrada, e as relações entre o casal não mais voltarão a ser as mesmas, muito embora o clima festivo que aparentemente se mantém, e as belíssimas cores outonais da paisagem do norte de Inglaterra (Norfolk Broads) onde decorre a obra. Andrew Haigh, o realizador, procura apagar-se perante os dois actores que contracenam brilhantemente, num jogo discreto e secreto de emoções. Um notável filme de actores, mas não mais do que isso.


45 ANOS
Título original: 45 Years

Realização: Andrew Haigh (Inglaterra, 2015); Argumento: David Constantine, Andrew Haigh; Produção: Chris Collins, Rachel Dargavel, Louisa Dent, Lizzie Francke, Vincent Gadelle, Tristan Goligher, Richard Holmes, Philip Knatchbull, Sam Lavender, Tessa Ross; Fotografia (cor): Lol Crawley; Montagem: Jonathan Alberts; Casting: Kahleen Crawford; Design de produção: Sarah Finlay; Guarda-roupa: Suzie Harman; Maquilhagem: Nicole Stafford;  Direcção de Produção: Roslyn Hill;  Assistentes de realização: James Chambers, Drew McDonnell, Gemma Louise Read, Gareth Tandy; Departamento de arte: Bobbie Cousins, Robin Jones, Aoife McKim, Tam O'Malley, Katie Utting; Som: Per Boström, Ben Carr, Gavin Marshall, Christer Melén, Joakim Sundström, Ivor Talbot;  Efeitos visuais: David Casey; Companhias de produção: The Bureau; Intérpretes: Charlotte Rampling (Kate Mercer), Tom Courtenay (Geoff Mercer), Geraldine James (Lena), Dolly Wells (Sally),  David Sibley (George), Sam Alexander (Chris), Richard Cunningham (Mr. Watkins), Hannah Chalmers, Camille Ucan, Rufus Wright, Martin Atkinson, Rachel Banham, Michelle Finch, Paul Goldsmith, Peter Dean Jackson, Kevin Matadeen, Alexandra Riddleston-Barrett, Max Rudd, etc. Duração: 95 minutos; Distribuição em Portugal: Alambique; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 31 de Dezembro de 2015.

quarta-feira, janeiro 06, 2016

CINEMA 2015: HOMEM IRRACIONAL



HOMEM IRRACIONAL


Abe Lucas (Joaquin Phoenix) é um atormentado professor de filosofia que entra numa universidade norte-americana em estado de depressão, desespero, futilidade, frustração e impotência. O melhor amigo morreu há pouco vítima de uma bomba no Médio Oriente e a mulher deixou-o. Nas aulas cita Heidegger e Kierkegaard, fala de liberdade e mentira e afirma mesmo que a filosofia são tretas, apenas “palavras”. Ele procura a acção directa. E vai encontrá-la, enquanto namorisca com Rita (Posey), uma colega professora, e Jill (Emma Stone), uma jovem aluna. A sua terá de ser uma escolha existencial que altere toda a sua persectiva de vida. A ambição do crime perfeito? Possivelmente.
“Homem Irracional” é Woody Allen a 100% o que não deixa de ser uma afirmação que é um lugar comum. Todos os seus filmes o são. Uma comédia que lentamente se transforma numa tragédia. Crime e castigo, com Dostoiévski de permeio, um pouco na linha de “Match Point”, “Crimes e Escapadelas”, “O Sonho de Cassandra” ou “O Misterioso Assassínio em Manhattan”, para só citar alguns dos seus títulos. Todos iguais e todos diferentes. As obsessões e os fantasma de Woody Allen, escritos com a leveza e a eficácia de quem domina a sua arte como poucos.


Não será do melhor Woody Allen, mas é um Woody Allen estimulante. Sobretudo pela forma nada convencional como combina a ligeireza da escrita, a superficialidade do tema musical, a aparente banalidade do tom inicial com a gravidade do que se vai avizinhando. O primarismo dos conceitos filosóficos que Abe Lucas vai enunciando marcam o primarismo dos seus conceitos pessoais e conduzem-no à divagação irracional, ao comportamento aberrante. “Heidegger e o fascismo” é o título do novo ensaio que prepara e que o deixa suspenso sobre a escrita. Compreensivelmente.
O filme é muito interessante, mas extremamente valorizado pelas excelentes interpretações de Joaquin Phoenix, Emma Stone e Parker Posey e ainda pela notável fotografia de Darius Khondji, deliberadamente de um romantismo de tonalidades e de cenários que envolve o espectador e contrasta como o percurso final e o desfecho.


HOMEM IRRACIONAL
Título original: Irrational Man

Realização: Woody Allen (EUA, 2015); Argumento: Woody Allen; Produção: Letty Aronson, Ron Chez, Helen Robin, Jack Rollins, Adam B. Stern, Allan The, Stephen Tenenbaum, Edward Walson; Fotografia (cor): Darius Khondji; Montagem: Alisa Lepselter; Casting: Patricia Kerrigan DiCerto, Juliet Taylor; Direcção artística: Carl Sprague; Decoração: Jennifer Engel; Guarda-roupa: Suzy Benzinger; Maquilhagem: Judy Chin, Jason Joseph Sica; Direcção de Produção: Helen Robin; Assistentes de realização: Mike McGuirk, Danielle Rigby, Brad Robinson; Departamento de arte: Lindsay Boffoli, David Rotondo, Carly Serodio, Shann Whynot-Young; Som: Ryan Baker, Matthew Haasch, Robert Hein, Darrell R. Smith; Efeitos especiais: Adam Bellao; Efeitos visuais: Alex Miller; Companhia de produção Gravier Productions; Intérpretes: Joaquin Phoenix (Abe), Emma Stone (Jill), Parker Posey (Rita), Joe Stapleton (Professora), Nancy Carroll (Professora), Allison Gallerani (estudante), Brigette Lundy-Paine (estudante), Katelyn Seme (estudante), Betsy Aidem (mãe de Jill), Ethan Phillips (pai de Jill), Jamie Blackley (Roy), Leah Anderson, Paula Plum, Nancy Giles, Henry Stram, Geoff Schuppert, Robert Petkoff, Alex Dunn, Ron Chez, Tamara Hickey, Sophie von Haselberg, Susan Pourfar, Tom Kemp, etc. Duração: 95 minutos; Distribuição em Portugal: Pris Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 17 de Setembro de 2015.

terça-feira, abril 21, 2015

TEATRO: ESCÂNDALO NAS NOTICIAS DA NOITE


ESCÂNDALO NAS NOTÍCIAS DA NOITE


“Escândalo nas Notícias da Noite” parte de uma peça teatral americana, de 1928, assinada pela dupla Charles MacArthur e Ben Hecht, que tem tido uma carreira brilhante no teatro, no cinema e na televisão (ver texto abaixo). Agora Frederico Corado adaptou-a à actualidade e a Portugal, mantendo toda a estrutura, sobretudo da sua última versão cinematográfica, “Linhas Cruzadas”. Um canal de televisão português debate-se com alguns problemas, sobretudo ditados pelo auto afastamento da sua repórter principal, ex-mulher do director da estação, e que se prepara para partir em viagem de núpcias para Angola com um milionário empresário de artigos de desporto. Mas a jornalista sente o apelo da notícia quando descobre que um preso condenado a pesada pena, e que ela julga inocente (e depois vem mesmo a saber estar inocente), precisa dela e de tornar visível perante a opinião pública a manobra política e judicial de que está a ser vítima. Às autoridades interessa sobretudo solucionar um caso rapidamente, sem olhar a outros interesses. Assim, ela adia a viagem para a paradisíaca ilha do Mussulo e atira-se de cabeça à tarefa de resgatar a verdade. O que pressupõe muitas peripécias, algumas divertidas, outras dramáticas, mas sempre críticas para com alguns poderes instituídos.
A produção é da equipa “Área de Serviço”, com adaptação da peça, encenação e cenários de Frederico Corado (que também interpreta um dos principais papéis), grupo que já encenou anteriormente as peças “Um Marido Ideal”, “O Crime de Aldeia Velha”, “As Alegres Comadres de Windsor”, “Nápoles Milionária”, “Pânico”, “Trisavó de Pistola à Cinta”, “O Inspector Geral”, “Oito Mulheres” e “O Dinheiro Não é Tudo na Vida”.
A encenação, movimentada e cheia de bons achados de humor, funciona num cenário relativamente simples, com adereços que apenas indicam e sugerem. O ritmo conseguido surpreende, tratando-se de uma companhia comunitária, logo de actores amadores (que, de peça para peça apuram qualidades e limam deficiências). Há mesmo alguns actores com capacidades que merecem ser dilatadas noutros trabalhos. Mas, fundamentalmente, há que sublinhar o esforço desta iniciativa muito bem orientada para textos de qualidade inequívoca, fomentando o gosto pelo teatro, quer praticando-o no palco, quer assistindo a ele na plateia do Centro Cultural do Cartaxo. O espectáculo tem novas representações a 24 e 25 de Abril, às 21 horas.

Escândalo nas Notícias da Noite / um espectáculo de Frederico Corado, no Centro Cultural do Cartaxo /24 e 25 de Abril às 21.30h
Texto e Encenação: Frederico Corado | Concepção e Execução Cenográfica: Frederico Corado e Mário Júlio | Produção CCC: Marco Guerra e Carlos Ouro | Produção Área de Serviço: Frederico Corado, Florbela Silva e Vânia Calado com a assistência de Pedro Ouro, Carolina Viana, Rita Correia Alves | Grafismo: Cátia Garcia | Assistente de Encenação: Florbela Silva, Cláudia Antunes, Maria Ramalho, Pedro Ouro, Rita Correia Alves | Desenho de Luz: Ricardo Campos | Assistência Técnica: Miguel Sena | Direcção de Cena: Mário Júlio| Contra-Regra: Amélia Martins | Fotografia: Vitor Neno | Montagem: Mário Júlio e Vitor Lima| Uma Produção da Área de Serviço com o Centro Cultural do Cartaxo; Intérpretes: Vânia Parente Calado, Frederico Corado, Carlos Ramos, Vasco Casimiro, João Nunes, Mário Júlio, Ana Ribeiro, Virgínia Teófilo, Helena Montez, Mónica Coelho, João Paulo, Carolina Viana, Ana Patrícia Jorge, Mauro Cebolo, Susana Condinho, Pedro Ouro, Pedro Lino, Luis Rosa Mendes, Paulo Cabral, Rosário Narciso, Amélia Martins, Rita Oliveira, Ana Catarina Casimiro, Daniel Mateus, Pedro Magalhães, Aureliana Campanacho, Jeanine Steuve, Catarina Carmo, Maria José Cerqueira, Andréa Silva, João Pedro Sousa, Joana Pinheiro, Beatriz Pinho, José Miguel Ribeiro, Inês Nunes, André Vieira, Joana Condinho Pais, Miguel Carias, etc.Centro Cultural do Cartaxo / Rua 5 de Outubro | 2070-059 Cartaxo, Portugal /Teatro . M6 /Bilhetes: 5€



2. “A PRIMEIRA PÁGINA” (THE FRONT PAGE) NO CINEMA
No conturbado e agitado período de final dos anos 20, a América inteira pode dizer-se que se transforma num vulcão em permanente ebulição. Estava-se no pós-guerra, os soldados do Tio Sam tinham, pela primeira vez, experimentado os amargos e os sucessos de um gigantesco conflito militar que se desenrola a muitos quilómetros da sua Pátria, numa Europa simultaneamente distante e aliciante, local de origem da maior parte dos ancestrais dos jovens combatentes, mas terra de outros costumes e outro ritmo de vida. Nos EUA germinava o Crash que iria rebentar em 1929 e progredir assustadoramente pela Grande Depressão dos anos 30. A instabilidade que parecia apostar fortíssimo em tal época era bem demonstrativa de que as armas não se haviam calado de vez, mas antes se encontravam em repouso quase forçado, à espera de que novo holocausto se viesse a verificar, sem grandes alternativas nem esperanças fundadas.
Nessa altura, um jovem jornalista de Chicago, de parceria com outro colega também pouco acomodatício, deu à estampa uma obra que intitulou “The Front Page”. Estava-se em 1928, o autor principal chamava-se Charles MacArthur e o seu comparsa Ben Hecht. De ambos ainda surgiriam “Twentieth Century” (1932) e “Ladies and Gentlemen” (1939). No entanto, a primeira das obras seria aquela que daria notoriedade a MacArthur que, casado com a actriz Helen Hayes, se dedicaria também a escrever para o cinema. Esta peça teria uma encenação portuguesa no Teatro "A Barraca", em 1994, com encenação de Helder Costa, com interpretação de Maria do Céu Guerra, Francisco Nicholson e João d'Ávila, entre outros. 
“The Front Page” foi objecto de várias adaptações cinematográficas, a primeira das quais realizada por Lewis Milestone, logo em 1931. Entre os actores, Adolphe Menjou, Pat O'Brien e Mary Brian. Mas em 1940, Howard Hawks voltaria ao tema, realizando “O Grande Escândalo” (His Girl Friend) com um elenco de nomes sonantes à frente do qual se encontravam Rosalind Russel, Cary Grant e Ralph Bellamy. Posteriormente outra gente retomaria o tema. Foram algumas as versões de TV, logo na década de 40: Ed Sobol dirigiu uma em 1945, com Vinton Hayworth, Matt Crowley e Howard Smith; o produtor Joel O’Brien lançou outra, em Inglaterra, em 1948, com Basil Appleby, Harold Ayer e Michael Balfour; entre 1949 e 1950 apareceu uma mini série, com direcção de Franklin Heller, e interpretação de John Daly, Mark Roberts e Richard Boone; finalmente em 1970, nova incursão televisiva, desta feira assinada por Alan Handley, com Robert Ryan, George Grizzard e Helen Hayes (como já vimos a mulher de MacArthur).
Os tempos mudaram, a imprensa escrita cedeu o seu lugar prioritário à televisão, por isso se compreende que, em 1988, “The Front Page” se passe a chamar “Linhas Trocadas” (Switching Channels), numa versão cinematográfica de Ted Kotcheff, com um novo elenco de luxo, Kathleen Turner, Burt Reynolds e Christopher Reeve.



Desconhecendo a obra de 1931 e as adaptações televisivas, vamos recuperar algumas curtas impressões críticas das restantes, escritas na época em que inicialmente as vi.
Começando pelo filme de Howard Hawks:
Numa redacção de um jornal reúne-se um grupo heterogéneo, constituído pelo próprio director do jornal, um cronista de casos de polícia e de tribunais, uma prostituta e um condenado à morte que se havia conseguido evadir da prisão em que se encontrava aguardando a execução. Com eles e outros comparsas menores se constrói uma história em que o dramático alterna com o burlesco, daí resultando uma comédia brilhante e de tal modo atractiva que, como se disse já, motivou por várias vezes o interesse dos realizadores e produtores e a consequente atenção das câmaras.
Há que referir que esta versão tem uma realização realmente brilhante de Howard Hawks e, reforçando o afirmado, de entre os intérpretes salienta-se o talento de comediante de Rosaline Russel, que aqui regista uma das suas mais significativas actuações perante as objectivas. Alguns saudosistas relembram, a propósito de “O Grande Escândalo”, “The Front Page”, de 1931, rodado num único cenário, em que o realizador Lewis Milestone utilizou com toda a propriedade os travelling que tinham sido relativamente descurados com o advento do sonoro. Voltando a “His Girl Friend” um outro termo de comparação é possível de estabelecer com a obra precedente: enquanto Milestone realizara uma fita com 101 minutos de duração, Hawks reduz o tempo de projecção para 92 minutos. E por isso que esta velha glória do cinema debruçado sobre a informação é considerada por muitos como tendo um ritmo mais dinâmico do que a primeira versão d “The Front Page”. Dir-se-ia, antes, que são duas concepções diferentes, com quase dez anos a separá-las. Vale, porém, a pena recordar-se um e outro destes filmes que ficaram na História da Sétima Arte.



Depois de Lewis Milestone e de Howard Hawks, “The Front Page” é já uma obra teatral consagrada, esta que Billy Wilder retoma para a marcar com o seu espírito sarcástico, o seu humor corrosivo, o rigor do seu trabalho de encenação, e a magnifica direcção de actores, onde sobressaem Jack Lemmon, Walter Matthau e Carol Burnet.
Com um condenado à morte à espera da hora final, é nos bastidores de certa imprensa sensacionalista, que manipula pessoas e acontecimentos, que se irá centrar a análise de Wilder. O prestígio político, os interesses criados, o lucro fácil, são algumas das peças de uma engrenagem desmontada pelo cineasta que, desde início, se coloca do lado do condenado à morte e de uma prostituta que o procura ajudar, tendo em seu redor uma matilha que os tenta devorar com intuitos diversos, mas sempre com igual barbaridade, em nome de um qualquer lucro.



“Linhas Trocadas”, de Ted Kotcheff, versão mais recente (1987), actualizada, da peça teatral de Hecht e MacArthur, acusa alguma banalização de processos, tendentes a um riso burlesco e algo inconsequente, que lhe retira um pouco da sua força, agressividade e poder corrosivo.
Christy Collerau (a belíssirna Kathleen Turner) é uma jornalista, vedeta de uma cadeia de televisão norte americana, onde trabalha também o seu ex-marido, John Sullivan (um turbulento Burt Reynolds). Em férias, conhece um empresário aprumadinho, Blaine Brighaam (Christopher Reeves, aqui atraiçoando a sua predilecção por papeis de jornalista), com quem resolve casar-se e abandonar a TV. Mas John Sullivan joga o mais sujo que sabe para não perder nem a colaboradora nem a mulher e oferece-lhe uma reportagem irrecusável: entrevistar Ike Roscoe, um condenado à morte na cadeira eléctrica, que tudo aponta estar inocente. Christy não é capaz de renunciar a este desafio. Mas Roscoe consegue fugir, Christy e Sullivan conseguem escondê-lo, mas o filme não consegue comparar-se aos outros extraídos da mesma base, muito embora atinja momentos hilariantes, sobretudo nas perseguições derradeiras e na descrição tumultuosa do ambiente dos estúdios de televisão.
Uma comédia divertida, mas um filme relativamente falhado nos seus propósitos, enquanto obra cinematográfica.

O GRANDE ESCÂNDALO (His Girl Friday) - R: Howard Hawks (EUA, 1939); A: Charles Lederer, segundo «The Front Page», peça de Charles MaeArthur e Ben Heeht; F (preto e branco): Joseph Walker; M: Morris Stoloff; I: Rossalind Russell, Cary Grant, Ralph Bellamy, Gene Loekhart, Porter Hall, Ernest Truex, etc.; D: 92 m; CI: xxxxx (M/12 anos).
PRIMEIRA PÁGINA (Front Page) - R: BiIly Wilder (EUA, 1974); A: BiIly Wilder e I.A.L.Diamond, segundo peça teatral de Ben Heeht e Charles MaeArthur; F (cor): Jordan S. Cronenweth; M: BilIy May; Mont: Ralph E.Winters; Dir.art.: Henry Bumstead; P: Paul Monash/ MA C/ Universal; I: Jack Lemmon, Walter Matthau, Carol Burnett, Susan Sarandon, Vineent Gardenia, David Wayne, Allen Garfield, Austin Pendleton, Charles Durning, Herbert Edelman, etc.; D: 105 m; CI: xxxx (M/12 anos).

LINHAS TROCADAS (Switching Channels) - R: Ted Kotcheff (EUA, 1987); A: Jonathan Reynolds, segundo «The Front Page», peça teatral de Ben Hecht e Charles MacArthur; F (cor): François Protat; M: Michel Legrand; Mont: Thom Noble; Dir. Art.: Charles Dunlop; P: Martin Ransohoff; I: Kathleen Turner, Burt Reynolds, Christopher Reeves, Ned Beatty, Henry Gibson,etc. D: 110 m; CL: xxx (M/12 anos).