THE REVENANT: O RENASCIDO
O
mexicano Alejandro G. Iñárritu conquistou definitivamente os americanos. Depois
de no início de 2000 ter surpreendido com “Amor Cão” e “21 Gramas”, em 2006
iniciou uma cavalgada com “Babel”, seguida de “Biutiful” (2010), para culminar
a sua ascensão para a glória em 2014, com “Birdman ou (A Inesperada Virtude da
Ignorância)” que triunfou nos Oscars de 2015 (Melhor Filme, Melhor Realizador,
Melhor Argumento Original, Melhor Fotografia, além de mais cinco nomeações),
voltando à ribalta e à passadeira vermelha de Los Angeles com “The Revenant: O
Renascido” (nomeado agora para 12 estatuetas: Melhor Filme, Melhor Realizador,
Melhor Actor, Leonardo DiCaprio, Melhor Actor Secundário, Tom Hardy, Melhor Fotografia, Melhor Montagem, Melhor
Guarda Roupa, Melhor Maquilhagem, Melhor Montagem Sonora, Melhor Mistura
Sonora, Melhores Efeitos Visuais e Melhor Direcção Artística).
“The
Revenant” parte de um argumento assinado por Mark L. Smithe e pelo próprio
Alejandro González Iñárritu, segundo romance de Michael Punke, que já estivera
na origem de um filme de 1971, “Um Homem na Solidão” (Man in the Wilderness),
uma realização de Richard C. Sarafian, com interpretação de Richard Harris,
John Huston e Henry Wilcoxon, entre outros. Esta versão de inícios da década de
70 era já uma obra extremamente violenta e um exemplo mais da renovação que se
procurava imprimir a um género a cair por essa altura no esgotamento, o
western. Com algumas alterações, a estrutura da intriga é semelhante
obviamente, mas o tratamento narrativo é substancialmente diferente nesta
versão de Alejandro González Iñárritu. Se se podia falar de alguma crueza da
versão protagonizada por Richard Harris, teremos de concluir que Leonardo
DiCaprio, na sua composição de Hugh Glass, ultrapassa em muito o realismo
anterior, colocando-se num clima de paroxismo de violência quase insuportável
por vezes. Curiosamente, na versão de 71, o protagonista procura regressar a
casa para conhecer o filho que, entretanto, nascera, na de 2015 o filho é um
adolescente que acompanha em parte a sua aventura.
Esta é
uma história de sobrevivência que tem como finalidade a vingança. No (hoje)
estado do Dakota do Sul, nos EUA, corria o ano de 1823. Hugh Glass (Leonard Di
Caprio), que funcionava como guia de um grupo de caçadores de peles, é apanhado
por um urso que o ataca e atinge violentamente. Primeira anotação: reparar na
trama que se estabelece entre caçadores de peles, índios, franceses ocupantes,
todos eles trocando entre si matérias primas e armas, num jogo de traições onde
só vigora o interesse monetário. Segunda referência obrigatória: a fabulosa
luta corpo a corpo que se estabelece entre o homem e o urso, tudo filmado num
plano único e com um realismo invulgar.
Hugh
Glass é socorrido por companheiros, mas o seu estado é agonizante. O grupo tem
de continuar, numa paisagem inóspita, mas o capitão Andrew Henry (Domhnall
Gleeson) indica dois homens para ficarem para trás para acompanhar os últimos
momentos do Glass. Um deles é John Fitzgerald (Tom Hardy) que, tempos depois, e
perante a resistência do ferido, resolve abandoná-lo à sua sorte, depois de ter
assassinado o seu filho, um mestiço, filho de uma índia. Em confronto com a
natureza nesse inverno impiedoso, martirizado pela neve e a chuva, perseguido
por brancos e índios, contando aqui e ali com uma ou outra cumplicidade humana,
encobrindo-se em covas ou protegendo-se da inclemência do tempo no interior da
carcaça de um cavalo morto (“o renascido”), Glass consegue sobreviver até à
vingança final. A luta é animalesca, Glass assume o papel de urso (ao longo do
filme ele vai vestindo cada vez mais essa pele, assemelhando-se de forma
deliberada ao urso que o atingira), a violência do tom é invulgar. Glass é um
resistente, mas será um humano? Ou será que os humanos não passam de animais a
que se junta um imperioso instinto de vingança?
Duas
horas e meia a acompanhar um homem quase sempre só, quase não falando, ferido e
mal podendo rastejar, é obra. Essa é uma das primeiras proezas do realizador Alejandro
González Iñárritu que consegue prender a atenção do espectador, no que é bem
acompanhado pela interpretação de Leonard Di Caprio (mas também do restante
elenco, nomeadamente Tom Hardy) e pela equipa técnica, da fotografia
esplendorosa à montagem, à direção artística, à própria sonoplastia que
consegue uma envolvência brilhante, criando um clima hostil e agressivo, no
entanto por vezes de grande beleza espetacular.
“The
Revenant: O Renascido” é, seguramente, um grande filme e um dos premiados do
ano com justeza. Tecnicamente é um prodígio e as condições de rodagem devem ter
sido tormentosas. Daí a falar em Terrence Malick ou Andrei Tarkovsky vai um longo passo, muito embora a
fotografia de Emmanuel Lubezki (que assinou igualmente a fotografia de “O Novo
Mundo”, 2005) possa levar a algumas comparações. Novo sublinhado: muitas vezes
a câmara de Lubezki enquadra a floresta de baixo para cima, deixando os troncos
das árvores formar jaulas ou celas onde o protagonista (e o espectador, que no
final é directamente invocado) sente essa claustrofobia no interior (ou no
exterior?) da natureza.
De
resto, há um ou outro ponto mais discutível neste filme. A referência ao
transcendente, com o aparecimento de uma igreja em ruínas é um deles e uma
placa colocada no corpo de um índio enforcado (“Somos todos selvagens”) também
me parece redundância excessiva. O filme falaria por si só, sem placa
explicativa.
THE REVENANT: O RENASCIDO
Título original: The Revenant
Realização: Alejandro González Iñárritu
(EUA, 2015); Argumento: Mark L. Smith, Alejandro González Iñárritu, segundo
romance de Michael Punke; Produção: Steve Golin, Alejandro González Iñárritu,
Arnon Milchan, Mary Parent, Keith Redmon, Música: Carsten Nicolai, Ryuichi
Sakamoto; Fotografia (cor): Emmanuel Lubezki; Montagem: Stephen Mirrione;
Casting: Francine Maisler; Design de produção: Jack Fisk; Direcção artística:
Laurel Bergman, Michael Diner, Isabelle Guay;
Decoração: Caitlin Jane Parsons, Hamish Purdy; Guarda-roupa: Jacqueline
West; Maquilhagem: Anthony Gordon,
Adrien Morot, Michael Nickiforek, Robert A. Pandini, Vicki Syskakis, Jo-Dee
Thomson, Sharon Toohey, etc. Direcção de Produção: Bruce L. Brownstein, Juan
Pablo Colombo, Evan Godfrey, Douglas Jones, Drew Locke, James W. Skotchdopole,
Skye Stolnitz, Valerie Flueger Veras, Gabriela Vázquez; Assistentes de
realização: Scott Robertson, Jasmine Marie Alhambra, Silver Butler, Stéphane
Byl, Scott Catolico, Darius de Andrade, Robin K. Flynn, Matt Haggerty, Stephen Kievit,
Jeremy Marks, Josh Muzaffer, Brett Robinson, Megan M. Shank, Jerry Skibinsky,
Adam Somner, Trevor Tavares, Kasia Trojak;
Departamento de arte: Cameron Chapman, Shannon Courte, John Dale, Craig
Henderson, Karen Higgins, Dennis Simard, Olena Skorokhod, Joe Wolkosky; Som:
Lon Bender; Efeitos especiais: David Benediktson, Stewart Bradley, Pau Costa,
Cameron Waldbauer, Brad Zehr, Douglas D. Ziegler; Efeitos visuais: Tom Barber,
Daniel Charchuk, Nicolas Chevallier, etc. Companhias de produção: Anonymous Content,
Appian Way, Monarchy Enterprises S.a.r.l., New Regency Pictures, RatPac
Entertainment; Intérpretes: Leonardo
DiCaprio (Hugh Glass), Tom Hardy (John Fitzgerald), Domhnall Gleeson (Capitão
Andrew Henry), Will Poulter (Bridger), Forrest Goodluck (Hawk), Paul Anderson
(Anderson), Kristoffer Joner (Murphy), Joshua Burge (Stubby Bill), Duane Howard
(Elk Dog), Melaw Nakehk'o (Powaqa), Fabrice Adde (Toussaint), Arthur RedCloud
(Hikuc), Christopher Rosamond (Boone), Robert Moloney (Dave Stomach Wound), Lukas
Haas (Jones), Brendan Fletcher, Tyson Wood, McCaleb Burnett, Vincent Leclerc,
Stephane Legault, Emmanuel Bilodeau, Cole Vandale, Thomas Guiry, Scott Olynek,
Amelia Crow Show, Peter Strand Rumpel, Timothy Lyle, etc. Duração: 156 minutos;
Distribuição em Portugal: Big Picture 2 Films; Classificação etária: M/ 14
anos; Data de estreia em Portugal: 21 de Janeiro de 2016.
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