sábado, dezembro 30, 2006

ENCONTRO DE BLOGUES DE CINEMA - ÚLTIMAS

ÚLTIMAS
1º ENCONTRO NACIONAL
DE BLOGUES DE CINEMA
(Famafest, Famalicão,
Março de 2007)

NOVAS DATAS:
16 a 24 de MARÇO DE 2007


O I Encontro Nacional de Blogues de Cinema vai ter lugar em Famalicão, durante o próximo "Famafest" (Cinema e Literatura), entre 16 e 24 de Março (o Encontro ocupará sexta, sábado e domingo, 16, 17 e 18). Os participantes terão direito a um livre transito para todo o festival, se assim pretenderem, e a organização do festival vai providenciar, junto de hotéis, residenciais e restaurantes para obter “preços módicos” para os inscritos. Para lá das sessões de trabalho e debate, o festival vai organizar sessões especiais com obras particularmente dedicadas ao evento (entre Vanguardas dos Anos 20 e o Expressionismo, veja adiante).
A reunião terá apenas um propósito: debater ideias e criar condições de uma maior eficácia de comunicação. Não será aceite qualquer tipo de condicionante, quer tenha a ver com sexo, idade, raça, credo político, religioso, estético, cinematográfico. Não será tolerada qualquer tipo de tentativa de manipulação dirigista. Uma voz, um blogue, uma possibilidade de expor as suas ideias. Não será tolerada qualquer tentativa de coarctar a liberdade individual, a não ser aquela que reponha a liberdade dos restantes, se ela estiver ameaçada. Nesta perspectiva, poderá sair deste primeiro encontro uma Associação Portuguesa de Blogues de Cinema (e afins), cuja regra número um terá de ser o escrupuloso respeito pela liberdade de pensar e de se expressar de cada associado.
Efectuem a inscrição neste blogue. (em anexo, AQUI, pode ver a lista dos blogues que até agora se manifestaram interessados. Aproveito para pedir uma confirmação para este blogue, nos comentários desta nota).


1º ENCONTRO NACIONAL
DE BLOGUES DE CINEMA
BLOGUES DE CINEMA
Os Melhores de 2006

Na sessão de abertura do I Encontro Nacional de Blogues de Cinema, vai ser anunciado qual o Blogue Nacional de Cinema que conquistou, entre os seus pares, o título de “O Melhor Blogue de Cinema de 2006”, e também o de “O Melhor Blogue Português de Cultura.” A cada um será atribuído um Diploma autenticado pelo Famafest.
Para votar, nada mais fácil, só até ao dia 1 de Janeiro de 2007.
Regras:
1. Cada autor de blogue dispõe de dois votos por categoria
(dois para cinema, dois para cultura);
2. Cada blogue só pode votar uma vez
(deve fazê-lo neste blogue, em comentário);
3. Cada blogue não pode votar em si
(ninguém pode votar neste blogue organizador);
4. Votação vai decorrer até final do ano
(os blogues premiados serão anunciados e receberão o prémio na Sessão de Abertura do 1º Encontro Nacional de Blogues de Cinema (e afins).
5. Só se aceitam votos de blogues existentes à data do início desta votação
(por causa das confusões!).

"BLOGUES DE CINEMA
Os Melhores de 2006
"

Blogues votados até 28.12.2006

Acossado, O
Amarcord
Aranhas, As
Brain-mixer
Cineásia
Cineblog
De que raio é que ele está a falar??
Estado Civil
Fila do meio
Grindouse
Hollywood
Imagens Perdidas
Last Picture Show
Mise en Abyme
Mulholand Drive
Pasmos Filtrados
Play It Again
Royale With Cheese
Wasted Blues
Zona Negra

BLOGUES DE CULTURA
Os Melhores de 2006"

Blogues votados até 28.12.2006

A a Z
Amor atrevido, Um
Amor e ócio
Arrastão
Arte da fuga, A
Aspirina b
Bandida
Blasfémias
Da literatura
Divas e Contrabaixos
Erotismo na cidade
Fadista Valéria Mendez
Foram-se os anéis
Grande Loja do Queijo Limiano
Guilhermina suggia
Hoje há conquilhas
Indústrias Culturais
Insurgente, O
Intruso, O
Kontratempos
Lápis Exilis
Luminescências
Melhor Anjo, O
Miniscente
Miss Pearls
Origem das Espécies, A
Passado/Presente
Passengers
Piano
Portugal dos Pequeninos
Republica e Laicidade
Saudades do futuro
Sem Pénis nem Inveja
Senhora Sócrates, A
Sentido das Palavras, O

Não se especificam os votos de cada blogue para não condicionar votações de última hora. Pode-se dizer que no caso de Cinema, há 5ou 6 blogues muito bem colocados e destacados. No caso da Cultura, o caso fia muito mais fino, há muitos citados, mas nenhum a destacar-se particularmente.


1º ENCONTRO NACIONAL
DE BLOGUES DE CINEMA


TEMA PARA “WORK SHOP"

Votação (28.12.2006):

19 votos
AS VANGUARDAS NAS DÉCADAS DE 20 A 40.
18 votos:
EXPRESSIONISMO, HISTÓRIA E PERMANÊNCIA
4 votos:
GRIFFITH

As votações mantêm-se até final de Dezembro de 2006


1º ENCONTRO NACIONAL
DE BLOGUES DE CINEMA

1) Atendendo a que vai haver um “Encontro Nacional de Blogues” durante o “Famafest 2007” – IX Festival Internacional de Cinema e Vídeo (Cinema e Literatura), de Famalicão;
2) atendendo a que se está a proceder à votação do tema de um “Work Shop” para acompanhar o “Encontro”;
3) atendendo a que se está igualmente a eleger “O Melhor Blogue de Cinema de 2006”;
4) resolveu-se instituir o galardão “Os Melhores Filmes de 2006” para premiar os filmes estreados em Portugal, durante o ano de 2006, e mais votados pelos blogues de cinema (e afins, ou seja: blogues de cultura com presença forte de cinema);
Para tanto, convocam-se os autores de blogues portugueses a enviarem a este blogue (Lauro António Apresenta) uma lista de “Os 10 Melhores Filmes estreados em Portugal em 2006”.
Cada autor de blogue só pode enviar uma lista de “Os 10 Melhores Filmes estreados em Portugal em 2006”.
A votação vai estender-se de 1 de Janeiro de 2006 a 31 de Janeiro de 2007.
A lista de filmes estreados em Portugal durante o ano de 2006 pode consultar-se AQUI, constituindo uma base de trabalho para os futuros votantes;
Na contagem final, os 10 títulos que forem mais votados terão direito a um diploma a ser atribuído durante o “Encontro”. O mais votado de todos terá direito a um diploma especial, referente ao “Melhor Filme estreado em Portugal em 2006”.

sexta-feira, dezembro 29, 2006

MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS


SUPLEMENTO DE "DN"
DEDICADO A
MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS
O suplemento do "DN" de hoje, "6ª", dia 29 de Dezembro de 2006, é (quase) inteiramente dedicado a Mário Cesariny de Vasconcelos. Tem muitos e variados textos, quase todos muito interessantes, uma recolha iconográfica a merecer atenção, e a reprodução de um poema eterno do poeta:
PASTELARIA

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os
olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir
de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

"Nobilíssima Visão" (1945-1946),
in burlescas, teóricas e sentimentais (1972)

UM FELIZ E PRÓSPERO 2007

gosé t

Uma proposta de "Feliz Ano Novo" inteiramente pirateada.
Um belíssimo poema de Carlos Drummond de Andrade, que a Isabel Victor tem no seu blogue “Caderno de Campo”, e um poema-canção, brasileiro, que a Inominável colocou no seu “Ponto de Saturação". E uma garrafa de champanhe da garrafeira do Tomás Vasques, no “Hoje Há Conquilhas.”
A ideia desta “piratagem” é mostrar como se pode ser solidário neste enorme conglomerado de palavras, ideias e emoções, e reunir amigos, uns aqui nascidos, outros que já vêm detrás.
Não me digam que é fácil ser-se solidário com o que é dos outros, estou aberto a todo o tipo de idêntica piratagem. :)
Um Feliz e Próspero 2007 para todos.


Receita de Ano Novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

Texto extraído do "Jornal do Brasil", Dezembro/1997.
in http://www.releituras.com/drummond_dezembro.asp
posted by isabel victor at 7:52 PM 0 comments



O tempo que a gente perde pela vida a correr
O tempo que a gente sonha que é chegar e vencer
O tempo faz de nós um copo p’ra beber em paz
O tempo é um momento para nunca mais

O tempo mesmo agora fez a terra girar
O tempo sem demora traz as ondas do mar
O tempo que se inventa quando nunca se é capaz
O tempo é um carro novo sem a marcha-atrás

Voei p’ra te dizer
Sonhei p’ra te esquecer
Eu sei não vais parar para eu crescer
Eu sei esperei demais

Música: Donna Maria
Letra: Miguel A. Majer

quinta-feira, dezembro 28, 2006

O NATAL CONTINUA


“Natal devia ser todo o ano”, ou “Natal é quando um homem quer”, afinal são máximas que se podem concretizar, lendo o jornal. Por exemplo, no DN de hoje, 28.12.2006, sob o título “Jovem dá à luz em comboio Lisboa-Porto”, Ilídia Pinto escreve:

“O revisor e os funcionários da carruagem-bar do comboio Intercidades número 521, que faz a ligação entre Lisboa e o Porto, com partida diária de Santa Apolónia às 8.55, viveram ontem momentos únicos de ansiedade, mas também de alegria, quando uma passageira deu à luz uma menina em plena viagem. O parto, que não durou mais de dez minutos, aconteceu à chegada à estação de Vila Nova de Gaia e foi assistido por um enfermeiro de Coruche que viajava no mesmo comboio. Mãe e filha encontram-se bem de saúde.
Mariana, assim será baptizada, nasceu com 3,270 quilogramas, cerca das 12.30, à chegada à estação de Vila Nova de Gaia. Segundo o revisor de serviço ao Comboio Intercidades 521, a jovem mãe, Sandra Rodrigues, dirigiu-se à carruagem-bar "logo que a composição saiu da estação de Espinho, pediu uma água e sentou-se". Dois ou três minutos depois, a senhora começou-se a queixar com dores e foi feito um anúncio pela instalação sonora do comboio questionado se haveria algum médico ou enfermeiro presente, explicou ao DN Jaime Serdoura. E adiantou: "Eram então cerca das 12.15 e estaríamos a passar na Granja ou na Aguda".
À chamada pela instalação sonora respondeu um enfermeiro residente em Coruche - José da Cunha - que se revelou o herói do dia, assegurando todo o processo de nascimento da pequena Mariana. "Foi ele que assistiu a senhora durante o parto. O Instituto Nacional de Emergência Médica foi chamado para que aguardasse a chegada do comboio na estação de Vila Nova de Gaia, mas a menina nasceu precisamente à paragem do comboio na estação. Os paramédicos subiram então já só para verificar o estado de saúde da mãe e da bebé e para as transportarem ao hospital", acrescentou o revisor.
A jovem mãe, de 21 anos, estava grávida de oito meses e meio e viajava sozinha. "Sabemos apenas que este é o seu segundo filho. A identificação da senhora foi, depois, feita pelos serviços hospitalares", referiu, ainda, Jaime Serdoura. Ambas estão internadas no serviço de Obstetrícia do Hospital de Gaia, onde foram visitadas por um agente da CP que transportava, especialmente para a Mariana, um ramo de flores. A CP - Caminhos de Ferro de Portugal tem prevista uma segunda iniciativa de felicitações à menina à sua jovem mãe, mas ainda está a estudar qual a medida mais apropriada.
Certo é que Jaime Serdoura, revisor há 20 anos, nunca mais esquecerá este dia. "Sou pai e avô mas é a primeira vez que ajudo ao nascimento de um bebé num comboio. Fica marcado na história da minha vida. Em dez minutos, fez-se tudo o que se podia e ficamos muitos felizes em saber que estão bem".

Só uma pequena correcção: Natal não é quando um homem quer. Tem de ser também quando a mulher quer. Se calhar, ultrapassa mesmo a vontade de um e outro. Às vezes é quando um homem e uma mulher não esperam. Mas esta carruagem-bar do Intercidade à passagem pela estação de Gaia devia parecer mesmo um presépio. Sem as figuras tradicionais, mas com o mesmo espírito de fraternal entreajuda.

imagem: "Madonna del parto", de Piero della Francesca (1420?-92)

CINEMA - O Amor não tira Férias


O AMOR NÃO TIRA FÉRIAS

Há filmes que sabe ver, mesmo tendo a certeza de que não são obras-primas nem andam lá perto. “The Holiday”, uma realização e argumento de Nancy Meyers, é um deles. Estamos obviamente no domínio dos contos das fadas, das princesas e dos príncipes mais ou menos encantados. Não há castelos como havia antigamente, há os castelos de hoje em dia. Os reis e as rainhas detêm outros poderes, todos eles ligados ao campo do cinema e do jornalismo ou da escrita criativa, ou seja, dos media, são bonitos, ricos, simpáticos e merecem toda a felicidade que alcançam depois de terem passado por desilusões graves. Como o filme se passa na quadra do Natal e é verdadeiramente um daqueles “filmes de Natal” que os ingleses produzem com bom acabamento e alguma sensibilidade, o produto final é de produção acima da média, servido por um elenco muito bom que irradia sedução e sensualidade.
Cameron Diaz é Amanda, que dirige em Hollywood um empresa que cria “trailers” de cinema e acaba de ter um desgosto de amor: descobre que o namorado andava com outra. Kate Winslet é Íris, vive nos arredores de Londres, escreve sobre casamentos numa revista inglesa, e acaba de ter um desgosto de amor: descobre que o homem que ama não só não a ama, como vai casar com outra da mesma empresa. Para tudo ser mais doloroso ainda, o patrão incumbe-a publicamente de escrever a notícia durante uma festa de Natal da publicação. Íris e Amanda têm muito em comum, e algo que as separa, para lá dos quilómetros: uma chora que se desunha, a outra não consegue chorar, por mais que faça.
Depois, bem depois vocês sabem que na Internet há sites para troca de casas: tu que vives em Londres deixas-me as chaves, eu que vivo em Los Angeles vou para lá e tu vens para a minha mansão em Hollywood. Foi assim que fizeram Amanda e Íris. Trocaram as casas e continuaram muito aborrecidas até que Amanda descobre Graham (Jude Law), o irmão de Íris, que resolveu vir pernoitar e curar uma bebedeira em casa da irmã, e encontra a bela norte-americana que lhe cai nos braços. Por seu turno, Íris também depara com algo interessante em casa de Amanda, Miles (Jack Black), o compositor de partituras musicais para filmes, para lá de dar de caras com um famoso argumentista, Arthur Abbott (Eli Wallach), agora na casa dos oitenta anos, que tem dificuldade em atravessar a rua de andarilho, mas não esquece de aconselhar os bons filmes de outrora nem o gosto muito especial de encantar os que com ele se cruzam.
A coisa é esta, sem tirar nem pôr, o clima é o que se vive nas abastadas casas de afamados profissionais da comunicação, o filme desenrola-se docemente por entre lágrimas e sorrisos de Cameron Diaz e Kate Winslet (esta verdadeiramente surpreendente), com a colaboração segura de Jude Law e Jack Black, a presença brilhante de Eli Wallach, com uma montagem escorreita, onde aqui e ali surge uma ligação mais arrojada de belo efeito (socorrendo-me por vezes dos “trailers” que Amanda monta com perícia) e o conjunto é de agrado garantido, tanto mais que, como já o referimos, os actores são muito bons e criam um clima de discreta, mas intensa sensualidade, que vai desembocar num ambiente de pura sedução e gozo (mais à portuguesa, que à brasileira).
E agora? Como se pode gostar de um tal filme? Pois sem nenhum problema de consciência particular. É um bom divertimento que não engana ninguém, realizado com alguma sensibilidade, procurando tornar mais agradáveis os dias e as noites dos seus espectadores. Um conto de fadas? Pois, sim senhor. Todos sabemos que, se calhar, não há amores assim, que não se vive em paraísos artificiais, que ninguém conserva paixões abrasadoras com milhares de quilómetros e oceanos de permeio, que tudo isto é “a fingir” para “a malta gostar”. Mas olha: finge para mim que eu gosto! Às vezes sabe bem acreditar no impossível e esperar que, uma vez por outra, o improvável seja verdade, mesmo numa tela de cinema.

O AMOR NÃO TIRA FÉRIAS (The Holiday), de Nancy Meyers (EUA, 2006); com Cameron Diaz, Kate Winslet, Jude Law; Jack Black, Eli Wallach, Edward Burns, etc. 138 min; M/ 12 anos.

CINEMA - Eragon



ERAGON
Há dias, andava pelo Monumental, apeteceu-me ir ao cinema e o filme que começa nessa altura era “Eragon”, sobre que tinha lido várias coisas, não muito abonatórias. Jeremy Irons, no dia da ante-estreia em Inglaterra, deu uma entrevista a dizer que os cães dele tinham gostado, o que me deixava de pé atrás. A publicidade dizia que era uma aventura na linha de “O Senhor dos Anéis”, o que para mim também não era nenhuma recomendação fantástica. Ainda para mais “na linha de”. Depois diziam que o filme era retirado de um romance que um rapaz de 15 anos, sobredotado, tinha escrito. Como tenho um cartão daqueles que não se paga para ver os filmes que se quiser, resolvi entrar para espreitar.
Em má hora o fiz. A história fala de um tempo em que o mundo vivia em paz, protegido por guerreiros cavalgando poderosos dragões. Mas cavaleiros e dragões passaram à História (não, não é piada ao FCP!), até que um dia um dragão volta a nascer e um jovem volta a cavalga-lo para conduzir o povo à liberdade. O cavaleiro é um jovem camponês, “Eragon, cujo destino é revelado com a ajuda de um dragão voador chamado Saphira. Para defender as suas terras e o seu povo do cruel Rei Galbatorix, Eragon torna-se um Cavaleiro Dragão e reúne um exército para o combater. Arrastado para um mundo de magia e poder, acaba por descobrir que poderá salvar – ou destruir – um Império.” (isto tendo em conta o resumo lido no site 7ª arte)
Ok. Um argumento tão bom como milhares de outros. O filme é bizarramente mau. Vi meia hora e adormeci. Acordei, vi mais dez minutos e saí da sala, coisa que só muito raramente faço. A senhora da bilheteira tentou ainda reconfortar-me: “É uma aventura mais para miúdos, não é?” Não, não é uma aventura para miúdos nem graúdos. É uma chatice. Que ameaça prolongar-se. Anuncia-se uma trilogia!
Stefen Fangmeier, o realizador, vem dos efeitos visuais e por lá devia ter ficado. A sua realização, do que vi, não desperta um mínimo de interesse, e só pergunto o que Jeremy Irons e John Malkovich andam por ali a fazer. Não me digam, eu sei: andam a ganhar a vida. Mas, que diabo!, acho que nem os cães do Irons devem ter gostado.


ERAGON, de Stefen Fangmeier (EUA, Inglaterra, 2006), Com Edward Speleers (Eragon), Jeremy Irons (Brom), Sienna Guillory (Arya), Robert Carlyle (Durza), John Malkovich (Rei Galbatorix), Rachel Weisz (voz de Saphira), etc. 104 min; M/ 12 anos.

quarta-feira, dezembro 27, 2006

OBRIGADO E BOM ANO

Um muito obrigado a todos os que enviaram
votos de Boas Festas e Feliz Natal,
recebidas em comentários e por mails.
Que as entradas no Novo Ano sejam as mais auspiciosas
e que todos os desejos se cumpram!
Enfim, se calhar nem era preciso todos, todos.
Bastava Paz, Saúde, Amor e Pão
(e já agora um dinheirito para livros, filmes, músicas,
umas viagens, umas festarolas,
nada de muito sumptuoso.
- O quê? Já estamos a pedir demais?
Ok, Socrates! Ficamos pelo essencial,
com promessas de melhores dias!)


Pode ter este calendário, tamanho BIG, aqui

segunda-feira, dezembro 25, 2006

NATAl, 7


LADAINHA
DOS PÓSTUMOS NATAIS

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito
David Mourão Ferreira
Imagem: Tara Mcpherson, "The Pallor of Pear", 2006 (in "Ante & Post)

NATAL 2006 - BÉNARD DA COSTA

Em “A Casa Encantada”, que João Bénard da Costa semanalmente visita no "Público", podia ler-se esta semana:

“Este Natal surgiu um imprevisto. As minhas netas mais novas - a Vera de seis anos e a Leonor de oito - chegaram da escola bastante perturbadas. A professora - custa-me chamar-lhe assim, mas parece que é essa a profissão que lhe dá alimento - dissera-lhes que essas histórias de Natal, Pai Natal, presentes e Menino Jesus eram tudo tretas e que estavam em boa idade de deixar de acreditar nelas. As mães respectivas esforçaram-se a convencê-las que elas tinham percebido mal e que, em 2006, como em todos os Natais de que elas se lembram, o Menino Jesus voltaria a pôr-lhes nos sapatinhos os presentes que elas pedissem e merecessem. Ambas verificaram que foram vencedoras fáceis. Não pelos argumentos que usaram, não pela natural superioridade da palavra materna sobre a palavra escolar, mas porque elas queriam ser convencidas, porque elas não queriam outra coisa senão continuar a acreditar. Espero bem que este ano, talvez pela última vez, elas acreditem e que o Natal ainda seja para a Leonor e para a Vera aquele momento mágico em que tudo pode acontecer, porque se acredita que tudo pode acontecer.
Mas perguntei-me por que é que em três gerações (a minha, a dos meus filhos e a dos meus netos) era a primeira vez que a origem dos presentes de Natal não resultava de uma descoberta própria - mais ou menos dolorosa, mas própria -, mas fora denunciada por uma "professora", ou por alguém que ocupa essas funções, que se achava no direito -talvez no dever - de desmentir os país e de entrar na esfera privada da vida das crianças que é suposto educar.
Ignoro se a professora tem convicções ou as não tem. Suponhamos, no segundo caso, que ela resolve um dia dizer às crianças que essa história de Deus é outra leria, e as exorta a não acreditar em nada. A hipótese, agora, já não me parece nada inverosímil.”

O comentário que a seguir farei necessita de ser enquadrado
1º Fui, sou e gostaria de continuar a ser professor. Acho a profissão (melhor ainda: vocação) de profissão algo de magnifico. Por isso tenho pelos professores o maior dos respeitos e da admiração. Só idêntico ao desprezo que tenho pelos maus professores. Que os há, cada vez mais em maior número.
2º Não tenho uma particular estima pelo João Bénard da Costa. Acho que escreve brilhantemente, defende com argúcia e elegância tudo o que gosta, mas é um mau director de cinemateca, e um megalómano indesculpável que caminha a passos largos não sei para onde (um dia falarei do volume que consagrou ao excelente ciclo ‘Como o Cinema Era Belo’, da Fundação Calouste Gulbenkian, onde só falta dizer que inventou o cinema!). Mas desta feita tem razão, com em quase tudo o que defende. Pena é que tudo o que não gosta, não exista.
Falando do acontecimento que está na base deste comentário, não deixa de ser lamentável que uma chamada professora exerça uma tamanha prepotência e violência sobre os alunos. Se se pode defender a laicidade nas escolas, não é para impor uma nova religião, é para permitir a liberdade de escolha. Liberdade que não se compadece com atitudes patéticas de uma ditadora de pacotilha que quer impor aos alunos a sua visão do mundo.
Pois é Bénard da Costa: o mesmo se passa na Cinemateca Portuguesa e o mesmo se passa com a sua visão estética do cinema. Era bom que deixasse aos outros a liberdade de escolherem os seus próprios “deuses e santos” e de não impor os seus a toda a gente.

Voltando aos professores: mais dia, menos dia teremos greves gerais “contra” os professores. Contra alguns pelo menos. É que os exemplos de maus professores vão-se multiplicando.

AMO-TE, FUZILO-TE

Augusto Pinochet nem depois de morto deixa os chilenos em paz. Agora, em carta
póstuma, ontem divulgada na imprensa do Chile, justifica o golpe militar que o levou ao poder em 1973, lamentando os danos que provocou. Na carta, intitulada "Mensagem aos meus compatriotas", o antigo ditador salienta, contudo, que voltaria a fazer o golpe militar, mas "com mais sabedoria". O documento, segundo notícia do ”JN”, foi deixado aos directores da Fundação Augusto Pinochet, que decidiram publicá-lo “devido ao seu valor histórico e por constituir uma mensagem de "unidade". A carta está dirigida aos chilenos "sem excepção" (deve ser aos mortos e vivos) e Pinochet expressa o desejo de que fosse divulgada após a sua morte, que ocorreu no passado dia 10. "Quero despedir-me de vocês com muito carinho. Entendo que isto pareça incompreensível para muitos, mas é assim. No meu coração não deixei lugar para o ódio", afirma no texto.
Já não havia lugar para ódio, o ódio já o havia libertado todo, durante os anos da sua tenebrosa carnificina governativa. Com uma falta de vergonha sem equivalente, escreveu: "Amo a Pátria e a todos vocês. Por amor podem-se fazer muitas coisas boas e muitas más. Acertadas e erradas. Nunca imaginei entrar na história do meu país, assim aconteceu", refere. E pelas piores razões. Depois de considerar que uma guerra é o "pior que pode acontecer a uma sociedade", Pinochet afirma que a "maioria da população tendia para eliminar a imposição de uma ditadura marxista", em alusão ao Governo de Salvador Allende. Acrescenta que teve que actuar com o "máximo rigor" até conjurar qualquer extensão do conflito que se anunciava, pois, caso contrário, a acção militar teria sido um fiasco, que provocaria no "povo consequências negativas por muitos mais anos". Nesse sentido, Pinochet argumenta que foi preciso "empregar diversos procedimentos de controlo militar, como reclusão transitória, exílios e fuzilamentos". Um hipócrita completo, depois de um pérfido assassino. Os ratos nem quando abandonam o barco deixam de ser pestilentos. No Natal também há notícias destas.

NATAL, 6

DAVID MOURÃO-FERREIRA
"NATAL UP-TO-DATE"

Em vez da consoada há um baile de máscaras
Na filial do Banco erigiu-se um Presépio
Todos estes pastores são jovens tecnocratas
que usarão dominó já na próxima década.

Chega o rei do petróleo a fingir de Rei Mago
Chega o rei do barulho e conserva-se mudo
enquanto se não sabe ao certo o resultado
dos que vêm sondar a reacção do público

Nas palhas do curral ocultam microfones
O lajedo em redor é de pedras da lua
Rainhas de beleza hão-de vir de helicóptero
e é provável que se apresentem nuas.

Eis que surge no céu a estrela prometida
Mas é para apontar mais um supermercado
onde se vende pão já transformado em cinza
para que o ritual seja muito rápido

Assim a noite passa. E passa tão depressa
que a meia-noite em vós nem se demora um pouco
Só Jesus no entanto é que não comparece
Só Jesus afinal não quer nada convosco.

Imagem: "Natal", de Sandro Botticelli

domingo, dezembro 24, 2006

TRÊS NATAIS




NATAL, 5

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
"CARTA DE NATAL A MURILLO MENDES"


Querido Murilo: será mesmo possível
Que você este ano não chegue no Verão
Que seu telefonema não soe na manhã de Julho
Que não venha partilhar o vinho e o pão

Como eu só o via nessa quadra do ano
Não vejo a sua ausência dia-a-dia
Mas em tempo mais fundo que o quotidiano

Descubro a sua ausência devagar
Sem mesmo a ter ainda compreendido
Seria bom Murilo conversar
Neste dia confuso e dividido

Hoje escrevo porém para a Saudade
- Nome que diz permanência do perdido
Para ligar o eterno ao tempo ido
E em Murilo pensar com claridade -

E o poema vai em vez deste postal
Em que eu nesta quadra respondia
- Escrito mesmo na margem do jornal
Na baixa - entre as compras de Natal

Para ligar o eterno e este dia.

Lisboa, 22 de Dezembro de 1975
FERNANDO PESSOA
"NATAL"


Natal ... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!
Imagem: "Natal", de Beato Angelico, Museu de San Marco, Florença

UM QUENTE E FELIZ NATAL


Neste dia, Votos de um Feliz Natal.
Amigas e Amigos,
que já conhecia,
que vim a conhecer,
que conheço só pelos blogues,
que crêem,
que não sabem se crêem,
que descrêem,
que gostam do Natal,
que desconhecem o prazer de gostar do Natal
(prazer, apesar de tudo o que fazem
para lhe desvirtuar o seu espírito),
que sofrem,
que amam,
que nada têm,
que saboreiam a alegria,
que precisam de calor,
mas sobretudo
todos os que necessitam
que seja Natal todo o ano.
Recordações de um Natal em "Natal em Alcochete"
Imagem: "Natal", de Gerard Hornebout

sábado, dezembro 23, 2006

50 FILMES ESQUECIDOS

"Fat City" - uma obra-prima
"OBSERVER" ELEGE

O Frederico, do "Não há nada como o ... realmente" lançou mais um post. Chama-lhe: "é altura das listas", e diz que descobriu no blog do Pedro Mexia "que o "Observer" publicou uma lista com "50 clássicos esquecidos", muitos deles indisponíveis em DVD. A escolha colectiva foi capitaneada por Philip French. conheço alguns e isso faz-me logo dizer que a escolha é muito suspeita (o "Tin Cup" um clássico esquecido????). No entanto há filmes extraordinários, incluindo o recente "Bamboozled" de Spike Lee." Porque também eu achei curiosa esta lista, aqui ficam os cinquenta, por ordem cronológica:

The Front Page, Lewis Milestone, 1931

Ace In The Hole, Billy Wilder, 1951
The Narrow Margin, Richard Fleischer, 1952
Salt Of The Earth, Herbert Biberman, 1953
Ride Lonesome, Budd Boetticher, 1959

The Damned, Joseph Losey, 1961
The Day The Earth Caught Fire, Val Guest, 1961
Petulia, Richard Lester, 1968
The Swimmer, Frank Perry, 1968
Queimada!, Gillo Pontecorvo, 1969

The Hired Hand, Peter Fonda, 1971
Let's Scare Jessica To Death, John D Hancock, 1971
A New Leaf, Elanie May, 1971
Two-Lane Blacktop, Monte Hellman, 1971
Fat City, John Huston, 1972
49 Jeremy, Arthur Barron, 1973
Robin Hood, Wolfgang Reitherman, 1973
Cockfighter, Monte Hellman, 1974
The Parallax View, Alan J Pakula, 1974
3 Women, Robert Altman, 1977
Bill Douglas Trilogy, Bill Douglas, 1972-78
I Wanna Hold Your Hand, Robert Zemeckis, 1978
Newsfront, Phillip Noyce, 1978
Le Petomane, Ian MacNaughton, 1979
Wise Blood, John Huston, 1979

Babylon, Franco Rosso, 1980
The Ninth Configuration, William Peter Blatty, 1980
Cutter's Way, Ivan Passer, 1981
Lianna, John Sayles, 1982
The State Of Things, Wim Wenders, 1982
Breathless, Jim McBride, 1983
Terence Davies Trilogy, Terence Davies, 1984
Top Secret!, Jim Abrahams, David and Jerry Zucker, 1984
Dreamchild, Gavin Millar, 1985
Round Midnight, Bertrand Tavernier, 1986
Housekeeping, Bill Forsyth, 1987
Less Than Zero, Marek Kanievska, 1987
The Mad Monkey, Fernando Trueba, 1989

Twin Peaks: Fire Walk With Me, David Lynch, 1992
Safe, Todd Haynes, 1995
Beautiful Girls, Ted Demme, 1996
Grace Of My Heart, Allison Anders, 1996
Tin Cup, Ron Shelton, 1996
Under The Skin, Carine Adler, 1997

Bamboozled, Spike Lee, 2000
The Low Down, Jamie Thraves, 2000
The Beaver Trilogy, Trent Harris, 2001
Save The Last Dance, Thomas Carter, 2001
Millions, Danny Boyle, 2004
Day Night Day Night, Julia Loktev, 2006

Dos 50, vi 31, e dos que vi, meia uma dúzia serão para mim, clássicos esquecidos. É um lista subjectiva como todas as listas, sobretudo se reunindo várias subjectividades. Mas aqui fica como curiosidade.

NATAL, 4


MIGUEL TORGA
"NATAL"

Ninguém o viu nascer.
Mas todos acreditam
Que nasceu.
É um menino e é Deus.
Na Páscoa vai morrer, já homem,
Porque entretanto cresceu
E recebeu
A missão singular
De carregar a cruz da nossa redenção
Agora, nos cueiros da imaginação,
Sorri apenas
A quem vem,
Enquanto a Mãe,
Também
Imaginada,
Com ele ao colo,
Se enternece
Os corações,
Cúmplice do milagre, que acontece
Todos os anos e em todas as nações.

Imagem: "Mural"

sexta-feira, dezembro 22, 2006

NATAL, 3


ANTÓNIO GEDEÃO
"NOITE DE NATAL"


Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças.
de falar e de ouvir com mavioso tom.
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros - coitadinhos - nos que padecem.
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria.
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
Numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
E como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra - louvado seja o Senhor! - o que nunca tinha pensado comprar.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela vépera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus,
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura.
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a cairem ao chão como se fossem mortas:
tá - tá- tá- tá- tá- tá- tá- tá- tá- tá- tá- tá- tá- tá- tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caiam
crivados de balas.

Dia de Confratenização Universal,
dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.
Imagem: "Natal" (1492) , de Domenico Ghirlandaio (n. Florença, 1449; m. Florença, 1494)

quinta-feira, dezembro 21, 2006

NATAL, 2

qui

JOSÉ RÉGIO
"NATAL"


Mais uma vez, cá vimos
Festejar o teu nascimento,
Nós, que, parece, nos desiludimos
Do teu advento!

Cada vez o teu Reino é menos deste mundo!
Mas vimos, com as mãos cheias dos nossos pomos,
Festejar-te, - do fundo
Da miséria que somos.

Os que à chegada
Te vimos esperar com palmas, frutos, hinos,
Somos - não uma vez, mas cada -
Teus assassinos.

À tua mesa nos sentamos;
Teu sangue e corpo é que nos mata a sede e a fome;
Mas por trinta moedas te entregamos;
E por temor, negamos o teu nome.

Sob escárneos e ultrajes,
Ao vulgo te exibimos, que te aclame;
Te rojamos nas lages;
Te cravejamos numa cruz infame.

Depois, a mesma cruz, a erguemos,
Como um farol de salvação,
Sobre as cidades em que ferve extremos.
A nossa corrupção.

Os que em leilão a arrematamos
Como sagrada peça única,
Somos os que jogamos,
Para comércio, a tua túnica.

Tais somos, os que, por costume,
Vimos, mais uma vez,
Aquecer-nos ao lume
Que do teu frio e solidão nos dês.

Como é que ainda tens a infinita paciência
De voltar, - e te esqueces
De que a nossa indigência
Recusa Tudo que lhe ofereces?

Mas, se um ano tu deixas de nascer,
Se de vez se nos calar a tua voz,
Se enfim por nós desistes de morrer,
Jesus recém-nascido!, o que será de nós?!

Imagem: "Natal, à noite", de Geertgen (1460/65, Leiden; 1490, Haarlen)

Óleo, 34 x 25 cm National Gallery, Londres

quarta-feira, dezembro 20, 2006

NATAL, 1


ANTÓNIO NOBRE
"O MEU NATAL"


A noite de Natal. Em meu País, agora,
O que não vai até romper o dia, a aurora!
As mesas de jantar na cidade e na aldeia
à luza das velas, ou à luz duma candeia,
entre risadas de crianças e cristais
(de que me chegam até mim só ais, só ais!).
Dois milhões de almas e outros tantos corações,
pondo de parte ódios,torturas, aflições,
que o mel suaviza e faz adormecer o vinho:
são todas em redor de uma toalha de linho!
Imagem: Adoração dos Magos, de Vicente Gil (1498 / 1518)
Museu Nacional de Machado de Castro, Coimbra, Portugal

MAIS PATRICK SUSKIND

"O CONTRABAIXO"

Depois de reler "O Perfume", de Patrick Suskind, a propósito da adaptação para cinema, resolvi reler “O Contrabaixo”, cá por coisas, e ler “Sobre o Amor e a Morte”, recentemente lançado em Portugal. Primeira constatação a retirar, o homem é mesmo um “autor” com uma temática muito precisa e obsessões característica. Os seus heróis são personagens com muito pouco de heróico, repelidas desde sempre pela sociedade, a família, o meio ambiente, perdidas numa solidão traumática, que criam recalcamentos e frustrações tremendas que são a base das suas obras. Era assim em “O Perfume”, é assim com essa figura de contrabaixista que vive isolado, sem amor, obcecado pela presença omnipresente do instrumento. É assim nesse (meio) ensaio sobre Jesus Cristo e Orfeu, figuras míticas que o autor opõe e entre si, criando uma interpretação nova para Jesus Cristo, na sua relação com o erotismo, o prazer, outro dos temas centrais de Suskind.

Veja-se uns excertos de “O Contrabaixo”, muito claras nas intenções:

(…) Não, de facto não se nasce para contrabai­xista. Até lá se chegar, passa-se por desvios, aca­sos e desilusões. Posso dizer-vos que lá na nossa Orquestra Nacional, de oito contrabaixistas não há um único a quem a vida não tenha abanado fortemente e a quem os golpes por ela desferidos ainda hoje se notem bem na cara. O percurso típico de um contrabaixista é, por exemplo, o meu: pai dominador, funcionário, arredado das artes; mãe fraca, flautista, dada às artes; eu, en­quanto criança, amo a minha mãe com idolatria; esta ama o meu pai, que por sua vez ama a minha irmã mais nova; só a mim ninguém me amou, na minha maneira de ver, claro. De tanto odiar meu pai decido em vez de funcionário ser artista; para fazer pirraça à minha mãe escolho o instru­mento maior, o menos portátil e o menos indi­cado para solos; e para quase a ofender de morte e, ao mesmo tempo dar ainda ao meu pai uma bofetada sem mão, acabo mesmo por vir a ser funcionário: como contrabaixista, na Orquestra Nacional, terceiro nível. É assim que, diariamente, através do contrabaixo - o maior de todos os instrumentos que lembra o corpo feminino - violo a minha própria mãe; e esta eterna relação sexual incestuosa simbólica é obviamente uma constante catástrofe moral e esta catástrofe moral inscreve-se no rosto de todos nós contrabaixistas. Já basta no que diz respeito ao lado psicanalítico do instrumento. Só que reconhecer isto não ajuda lá muito, porque... a psicanálise tem os dias contados e a própria psicanálise também o sabe. Porque, em primeiro lugar, a psicanálise põe mais questões do que as que ela própria é capaz de resolver, como uma hidra que corta a sua própria cabeça, em sentido figurado, claro está; e este é o conflito interior insolúvel da psicaná­lise com que ela constantemente se debate. E, em segundo lugar, hoje em dia, a psicanálise acabou por se transformar em património comum. Isto é do domínio público. De cento e vinte e seis membros da orquestra, mais de metade faz psicanálise. Podem pois imaginar que aquilo que hoje podia ser, ou poderia ter sido talvez uma descoberta científica sensacional, é hoje em dia absolutamente normal, de tal modo que já ninguém se preocupa com isso. Ou espanta-vos que dez por cento das pessoas sofra de depres­são? Espanta-vos? A mim não. Estão a ver! É por isso que eu não preciso da psicanálise para nada. Teria sido muito mais importante, já que estamos a falar no assunto, que aqui há cem ou cento e cinquenta anos tivéssemos tido uma psicanálise. Nesse caso, teríamos, por exemplo, sido poupados a algumas das obras de Wagner. O sujeito era altamente neurótico. Por exemplo, uma obra como o Tristão, a maior que ele jamais escreveu, como é que ela surgiu? Afinal só porque ele andou metido com a mulher de um amigo, que o sustentou anos a fio. Anos a fio! E esta traição, esta, como hei-de dizer, esta forma mesquinha de relacionamento mortificou-o de tal forma em relação a si mesmo que se viu forçado a fazer, segundo se diz, a maior tragédia de amor de todos os tempos. Total repressão através de total sublimação. “O mais elevado prazer” etcetera, sabem. Naquela época, o rompimento conjugal era ainda uma coisa invulgar. E agora imaginem Wagner a ir, por causa disso, ao psicanalista! Pois... é certo e sabido que não teria havido Tristão nenhum! Disto não há dúvida, pois a neurose só por si não teria sido suficiente. Aliás ele batia na mulher, o Wagner, Na primeira, claro. Não na segunda. Nessa, nem pensar. Mas a primeira apanhava. Em suma, uma pessoa desagradável. Pode bem ter sido um tipo extremamente simpático, insinuante a mais não poder, mas desagradável. Imagino que ele nem a si mesmo se suportava. Também andava permanentemente com eczemas na cara causados pela... antipatia. Enfim. Mas as mulheres faziam bicha atrás dele. O tipo exercia um tremendo fascínio entre as mulheres. Difícil de compreender...”
Ou
(...) Na música, a mulher ainda por cima tem um papel secundário. Quero dizer, na realização musical criadora, na composição. A mulher tem um papel secundário. Ou será que conhecem alguma compositora célebre? Uma única? Estão a ver! Já alguma vez tinham pensado nisso? Mas deviam. Pensemos... O feminino na música. Vejamos: o contrabaixo é um instrumento feminino. Apesar do seu género gramatical é um instrumento feminino e, contudo, extremamente sério; aliás como a própria morte que é feminina na sua crueldade salvadora, isto falando em termos associativos; ou como se queira, na sua inevitável função maternal surge também, por outro lado, como complementaridade no princípio de vida, como fertilidade, terra-mãe, etcetera, tenho razão? E nesta função, falando agora outra vez em termos musicais, o contrabaixo como símbolo de morte luta contra o Nada absoluto que ameaça simultaneamente afundar Música e Vida. Nós, os contrabaixistas, somos neste contexto os Cerbéros nas catacumbas do Nada, ou, por outras palavras, Sísifo que carrega aos ombros, montanha acima, a carga sensual de toda a música, ora façam favor de reter esta imagem!”
Ou finalmente:
“Sabem, muitas vezes estou só. Em casa estou quase sempre sozinho, nos dias de folga oiço então uns discos, às vezes pratico, mas não há ninguém de quem eu goste, é sempre a mesma coisa. Hoje à noite temos a estreia do Ouro do Reno no festival; dirige a orquestra o maestro convidado Carlo Maria Giulini e na primeira fila está o Presidente do Conselho de Ministros; a nata da sociedade, os bilhetes vão até trezentos e cinquenta marcos, um disparate. Mas eu estou-me nas tintas. Praticar também não pratico. No Ouro do Reno somos oito, mas isso de que é que vale, que é que interessa o que cada um toca. Quando, de certa forma, o primeiro dá o tom, os outros lançam-se atrás dele... A Sarah também canta. Faz de Wellgunde. Logo ao princípio. É um grande papel para ela, poderia vir a ser o seu grande papel de destaque. É de facto uma lástima que o grande salto seja com Wagner. Mas não somos nós que escolhemos. Nem lá nem aqui. Normalmente temos ensaio das dez à uma e depois à noite temos espectáculo das sete às dez. O resto do tempo passo-o em casa, aqui na minha sala à prova de som. Bebo umas cervejas por causa da perda de líquidos. E às vezes ponho-o ali na cadeira de verga, ali ao fundo, encosto-o assim para dentro, ponho o arco ao pé dele e eu sento-me aqui no cadeirão de braços. E depois ponho-me a olhar para ele. E. ponho-me então a pensar: um instrumento horrível! Por favor, olhem bem para ele! Mas olhem mesmo. Parece uma velha gorda. As ancas muito descaídas, a cintura perfeitamente fora do sítio, moldada muito acima e pouco estreita; e para além disso estes ombros estreitos, raquíticos e pendentes... um desgosto! Isto acontece, porque o contrabaixo é hermafrodita, do ponto de vista do desenvolvimento histórico. Na parte inferior parece uma enorme rabeca e, em cima, uma espécie de grande viola de gamba. O contrabaixo é o instrumento mais horrível, mais pesadão, mais deselegante que jamais houve. Até parece um sátiro. Ás vezes só me apetece dar cabo dele. Serrá-lo. Parti-lo aos bocados. Desfazê-lo em bocadinhos, moê-los, reduzi-los a pó e enfiá-los... num transformador de carvão! Gostar dele, lá isso não posso dizer que goste. Além disso tocar nele é repugnante.”
"SOBRE O AMOR E A MORTE"


Agora voltemo-nos para “Sobre o Amor e a Morte”.

“O que Santo Agostinho diz do tempo vale também para o amor. Quanto menos reflectimos sobre ele, mais ele parece explicar-se por si mesmo; mas, se começarmos a cismar nele, ficaremos completamente desorientados. Este curioso paradoxo é confirmado pelo facto de que, desde o início da história da civilização, o homem enquanto criador e, desde a época de Orfeu, o homem enquanto poeta se debruçaram com mais obstinação sobre o amor do que sobre outra coisa qualquer. É assim porque, como bem sabemos, os poetas não escrevem sobre aquilo de que detêm o conhecimento, mas sobre aquilo de que não possuem a última palavra; não o fazem porque não sabem mais, mas porque querem a todo o custo saber com muita precisão. É este conhecimento imperfeito, é este sentimento de profunda estranheza que os leva a pegar no cinzel, na pena ou na lira. (A cólera, o luto, a exaltação, o dinheiro, etc. são completamente secundários.) De outro modo não haveria poemas, romances, peças de teatro, etc, mas tão-só comunicados.”

Depois de ter analisado três exemplos de amor e de estados amorosos, e da relação entre Eros e Tanatos, Suskind põe lado a lado as vivências de Jesus e Orfeu, “que por amor não aceita a morte”, e ambos os discursos políticos e amorosos. Veja-se o resultado, exaltante como proposta:

“(…) Deve dizer-se que o discurso de Orfeu se distingue agradavelmente do tom bruto e de comando de Jesus de Nazaré. Jesus era um pregador fanático, não pretendia convencer, queria que o seguissem, e sem condições. As suas falas são entremeadas de ordens, de ameaças e desta forma recorrente e apodíctica: "Mas em verdade vos digo..." É assim que falam em todas as épocas, aqueles que pretendem amar e salvar, não um ser humano, mas a humanidade. Quanto a Orfeu, apenas ama uma mulher e é apenas essa mulher que ele quer salvar: Eurídice. É por isso que o seu tom é conciliador, mais amável: ele pleiteia - a raíz da palavra é o provençal “plait” e significa que ele quer agradar e quer que sejam agradáveis para com ele. E pronto, o seu discurso é um êxito! Os soberanos do reino dos mortos entregam-lhe a mulher que ele ama - mas com a condição bem conhecida de que, no caminho de volta ao mundo do alto, ele não volte uma única vez a cabeça para ela, que seguirá atrás dele. É aqui que Orfeu comete um erro. (O Nazareno nunca os comete. E mesmo quando comete erros evidentes - por exemplo, quando recruta um traidor para o seu grupo -, é um erro calculado e faz parte do plano escatológico.) Quanto a Orfeu é simplesmente um homem, sem capacidades nem planos sobre-humanos, estando portanto sujeito a cometer a qualquer instante um erro crasso, uma asneira terrível – o que, uma vez mais o torna simpático.”

“(...) Lembremos que Orfeu é um artista e, como todos os artistas, não deixa de ter vaidade, ou antes: orgulho na sua arte. (...) enquanto subia, numa paisagem escarpada e cheia de ravinas, já muito longe dos mortos e ainda insuficientemente perto dos vivos, ninguém o ouvia. Excepto a pessoa que seguia atrás dele. E ela não dizia nada. Porquê? Tê-la-iam proibido de falar? Não poderia ela gritar uma vez "Bravo!" ou "Que lindo!"? Não poderia ela, pelo menos, bater as palmas, movida pela alegria e entusiasmo?
”(...) A história de Orfeu ainda hoje nos comove porque é uma história de fracasso. Acaba por falhar a prodigiosa tentativa de reconciliar as duas forças primitivas e misteriosas da existência humana, o amor e a morte, e de obrigar a mais cruel das duas a, pelo menos, um pequeno compromisso. A história de Jesus, pelo contrário, no que toca à confrontação com a morte, é triunfante desde o princípio até ao seu triste final.”

“(…) E o amor? O Eros cheio de pulsões e de desejos de que falámos? Pois bem, é desconhecido nesta morada. Em Jesus, o Eros está ausente. O Diabo, quando o tentou, bem o sabia. Oferecer lindas raparigas ou efebos à volonté àquele jovem carpinteiro arisco? Ele não teria mordido o isco. O poder era tudo o que lhe interessava. Por isso o Diabo lhe oferece o poder sobre todos os reinos do mundo desde que ele se ajoelhasse a seus pés e o adorasse — em vão, como sabemos, não porque Jesus renunciasse a todo e qualquer poder, mas porque, para o conseguir, ele apostava no partido adversário, mais poderoso.
Esta faceta calculista, esta maneira de se mostrar sempre (ou quase sempre) senhor de si, de nunca ter agido com embriaguez erótica, confere à pessoa de Jesus de Nazaré muita frieza, distância e falta de humanidade. Mas talvez não se possa pedir-lhe muito mais. Talvez ele, precisamente, tenha sido apenas um deus.
Nesse sentido, Orfeu está mais perto de nós: apesar da sua exaltação e da sua ulterior extravagância, por causa da sua coragem sem fanatismo, das suas maneiras civilizadas, da sua inteligência astuciosa que nunca tinha nada de apodíctico; apesar e por causa do seu fracasso. Dos dois, Orfeu era sem dúvida o ser humano mais completo.”

Patrick Süskind, “O Contrabaixo”, Ed. Difel, 2001.
Patrick Süskind, “Sobre o Amor e a Morte”, Ed. Presença, 2006.

CINEMA E HISTÓRIA



MARIE ANTOINETTE,
“LOST IN VERSALHES”

“Marie Antoinette”, de Sofia Coppola, é, para mim, um filme extremamente interessante e uma obra de arte particularmente curiosa como reflexo do seu (nosso) tempo. Acredito que há muitos puristas da “verdade histórica” a quem vá chocar esta visão histórica de uma Marie Antoinette aparentemente muito pouco ortodoxa. O filme de Sofia Coppola desarma logo pelo “loook” que não se assemelha em nada ao dos filmes “históricos” que normalmente são soturnos e “pesados”, com uma iluminação ténue, privilegiando as zonas de sombras intensas, o que deve ser sintoma de dois aspectos que se reúnem para o efeito: um filme “histórico” penetra numa zona de penumbra da História, “portanto” deve ser mal iluminado; por outro lado, a escuridão facilita a reconstituição, vêem-se menos coisas, logo podem ficar na escuridão adereços indesejáveis. O filme de Sofia Coppola rompe com esse esquema e irrompe com uma luz que quase chega a encadear o espectador. Ou não estivéssemos em Versalhes, na corte que foi de um rei, Luís XIV, que se auto proclamou “Rei Sol”. O seu descendente Luís XVI, e a sua mulher Marie Antoinette, também quiseram gozar um pouco dessa luz e desse fausto, mas acabaram de forma bastante desagradável, como é do conhecimento de todos.
(este é o início de um longo texto meu a aparecer na revista "História" de Janeiro de 2007. Completam o texto, uma filmografia sobre "Maria Antonieta no Cinema e na Televisão", e uma curta bibliografia. À semelhança dos últimos quatro anos, onde todos os meses tem surgido um texto dobre "Cinema e História".)

Maria Antonieta em livro
Sobre a figura de Maria Antonieta parecem existirem algumas obras essenciais de um ponto de vista histórico. Digo parecem porque algumas delas não as li, apenas delas tenho um conhecimento por terceiros. Mas tudo aponta para que “Maria Antonietta, The Journey”, de Antónia Fraser (2001), seja um título indispensável, como o foi para Sofia Coppola (ler um interessante e informadíssimo artigo de Antona Fraser, “Sofia’s Choise”, no “Vanity Fair”, de Novembro de 2006, pags. 142 a 146, será uma óptima aproximação do livro e do filme e da forma com um terá influenciado o outro).
Os trabalhos de André Castelot, “Marie Antoinette” (1962), Walter Gérard, “Procès de Marie Antoinette” (1999), Gustave Leonotre, “La Captivité et la Mort de Marie Antoniette” (1897), os de Pierre de Nolhac, “Autour de la Reine” (1896), “La Reine Marie Antoinette” (1951), “Les Jardins de Versailles” (1906) e “Le Trinon de Marie Antoinette” (1914) e ainda o célebre “Marie Antoinette”, de Stefan Zweig (1933) devem merecer toda a atenção, mesmo que muitas vezes as interpretações possam parecer diversas, quase opostas.
Recentemente saíram em Portugal duas obras que tive oportunidade de ler e que, não sendo absolutamente indispensáveis, são interessantes.
“Maria Antonieta”, de Catalina de Habsburgo (Ed. A Esfera dos Livros, 2006), é uma reflexão em torno da figura da Rainha (e também de Luís XVI), com o seu quê de discreta parcialidade. Discreta a tender para indiscreta. Catalina é arquiduquesa de Áustria, descendente directa de Carlos V, neta do último imperador da Áustria, e ainda ligada por afinidades familiares a Maria Antonieta. O seu retrato da “Delfina” denota investigação histórica (ela é licenciada em Ciências Politicas e autora de outras obras sobre personagens históricas, como Napoleão, Bismark e Margaret Thatcher, que escolha!), mas um óbvio “interesse” numa tese determinada. A sua origem aristocrática e “imperial” não a deixam não defender a realeza e branquear a figura dos reis, particularmente o da jovem rainha.
“O Diário Secreto de Maria Antonieta”, de Carolly Erickson (Ed. Aletheia, 2006) é o que se chama um “romance histórico”, uma ficção baseada em factos históricos, mas que parte logo de uma hipótese: e se o padre Kunibert tivesse sugerido à jovem princesa a escrita de um “Diário” onde arquivasse todas as considerações sobre a sua vida e o seu tempo? Pois, admitindo que assim seria, o resultado poderia ter sido este, se a princesa tivesse cultura e formação para o fazer. Um romance que se lê com agrado, vivo, emocionante, com descrições interessantes dos principais percursos da vida de Maria Antonieta e do seu tempo histórico. Carolly Erickson é historiadora e biografa, com outras obras sobre “Alexandra, a Última Czarina”, e “Catarina, a Grande”.

terça-feira, dezembro 19, 2006

VIAGEM AO NORTE, 4

4. "EU, CAROLINA"

Esta é uma mulher do Norte, carago! Uma certa mulher do Norte! De um certo Norte! Li o livro, claro. Não sou daqueles que diz que não desce a essas vilanias. Quem não desce não sabe, e também quem não desce não sobe. Li, portanto, o livro em questão, ou o livro que vem por em questão tantas coisas que todos julgavam saber, mas que só se murmuravam pelos corredores. Devo dizer que do ponto de vista desportivo e judicial, não me trouxe nada de novo. O essencial já tinha visto na imprensa. Do ponto de vista da badalhoquice privada, também esse aspecto tinha sido devidamente referido pelo “Gato Fedorento”. O que ficou então?
Um livro que sendo mau é bem construído, linear, sem bazófias de querer passar pelo que não é. E o que é? Uma vingança. Apenas literalmente o exercício de uma vingança. A própria Carolina o confessa: “Se Pinto da Costa não me tem tratado mal, nunca teria escrito o livro.” (as palavras não foram estas, mas a ideia era essa sem tirar nem por). Ou seja: este não é um ditame de consciência. É apenas uma escrita de vingança. Ler o livro é interessante para descobrir (se se conseguir), que tipo de vingança é esta? Amorosa? Ou calculistamente interesseira? Carolina vinga-se de um amante que a desprezou depois de a ter utilizado, ou vinga-se de poderoso que a fez subir até ao Papa, ao Presidente da CE, ao Presidente da República, e depois lhe tira o tapete debaixo dos pés, quando ela ainda não reuniu o pé de meia sonhado? Amor ressabiado ou ganância? Melodrama ou thriller?
Esperam-se novos capítulos da novela ou espera-se uma telenovela em capítulos?
(li o livro no alfa pendular, muito pendular).
*
Num táxi para Serralves:
- Estão o ambiente aqui no Norte está quente, com estas revelações do livro da Carolina!
Condutor (com cara de poucos amigos) - Os mouros do Benfica é que devem estar preocupados. Os directores ainda vão todos dentro!...
Sou do Sporting, mas achei que o melhor era mesmo falar das iluminações de Natal.

VIAGEM AO NORTE, 3

3. CASA DA MÚSICA

É uma vergonha, eu sei, mas há outras mais vergonhosas. Pois bem, cá vai a revelação: ainda não tinha entrado na Casa da Música. Enquanto fui professor no Porto, ia semanalmente até ao Norte e não perdia muitos espectáculos e exposições. Devo dizer que gosto muito do Porto, gostava (gosto) muito dos meus alunos do CTCAV, adoro dar aulas, por isso era sempre com muito prazer que fazia a viagem até à Invicta, de comboio ou carro, sozinho ou acompanhado. Agora que deixei de fazer estas viagens com regularidade, só vou ao Porto de propósito para ver algum acontecimento especial e ainda não tinha entrado na Casa da Música, belo edifício com uma programação diversificada, onde todo o género de música tem lugar.
Aproveitando o facto de ter chegado à cidade a horas de um espectáculo, optei pela Casa da Música. Na sua sala 2, uma espécie de sala de ensaios públicos, havia nessa noite uma apresentação de alunos do Estúdio de Ópera, um curso que ali decorreu durante alguns anos, e que terminava mais uma temporada. E última, pois a experiência infelizmente terminou. Digo infelizmente porque os resultados me pareceram francamente bons, tendo em conta a audição de dez alunos que terminaram o curso (e que foram acompanhados por alguns “amigos” que se prontificaram a ajudar à festa). Era uma espécie de apresentação de “projecto de fim de curso”, o público correspondeu em bom número e entusiasmo condizente, a “festa” fez-se e foi bom ter conhecido estas jovens vozes, quase todas com enormes possibilidades. Esperemos que tendo as vozes potencialidades, lhes sejam conferidas as oportunidades de trabalho. Falei com algumas delas, as perspectivas não serão as melhores, mas já vão fazendo alguns espectáculos em grupo ou individualmente. Os nomes: Brígida Silva, Ana Barros, Eduarda Melo, Liliana Sofia Coelho, Luísa Barriga, Job Toe, Miguel Leitão, Ricardo Ceitil, cantores, António Oliveira e Rui Martins, pianistas, a que se juntaram os “amigos” Alexandra Moura, Sara Braga Simões, João Lourenço e Magda Ferreira. Tudo nomes a fixar e ouvir num futuro próximo. Uns mais dotados, outros mais convencionais, mas todos a valerem a pena serem aproveitados e bem.

Pesquisando na net, encontro uma notícia do JN, de 26/10/2006, onde se dava conta das inquietações do grupo e da possível extinção de actividades do Estúdio de Ópera, na Casa da Música. Ali se podia ler:
“O Estúdio de Ópera, um dos agrupamentos residentes da Casa da Música (CM), no Porto, tem o último recital agendado para Dezembro. Ao fim de quase dois anos de incertezas sobre o funcionamento da estrutura, criada em 1999, a Administração da CM está a equacionar o seu fecho. Cantores e pianistas foram informados da decisão há três meses.
O Ministério da Cultura e a direcção artística da Casa da Música não comentam o assunto. No entanto, ainda anteontem, por ocasião da apresentação do festival Novas Músicas, Pedro Burmester garantiu que "brevemente" haveria novidades.
O JN apurou que os elementos do Estúdio de Ópera sabem do desfecho desde Julho, quando houve uma reunião entre Burmester, António Jorge Pacheco, programador, e Andrew Bennett, actual responsável pela Orquestra Nacional do Porto. Segundo um dos cantores do agrupamento, nessa reunião "foi dito que o Estúdio de Ópera, como parte integrante da Casa da Música, ia acabar", passando a haver "projectos pontuais". Neste sentido, seria intenção da CM criar um coro e programar alguns concertos. "Coisas muito insignificantes relativamente ao trabalho que nós desenvolvemos no Estúdio", referiu.
As incertezas em torno da estrutura começaram em Janeiro de 2005, quando Couto dos Santos, então presidente do Conselho de Administração da CM, encomendou um estudo com o objectivo de avaliar as potencialidades do Estúdio de Ópera. Na altura, disse mesmo que "o sistema de co-produções é hoje mais usado", acrescentando que "a ópera é muito cara".
O referido estudo "foi feito e apresentado. Analisava outros estúdios, nomeadamente nos Estados Unidos, e apresentava uma possível solução", adiantou a mesma fonte.
Ainda de acordo com aquele elemento do agrupamento, depois disso Peter Harrison, director de estudos vocais e responsável pelas aulas de canto, apresentou uma proposta com alterações ao funcionamento "e nada foi feito".
Tirando os coros profissionais do Teatro S. Carlos e da Gulbenkian, em Lisboa, o Estúdio de Ópera "é o único sítio em Portugal onde existem cantores residentes", recorda. A estrutura foi criada por ocasião da Porto/Capital da Cultura e, enquanto a Casa da Música não abriu, o que só aconteceu em Abril do ano passado, residiu na Casa das Artes.
A mesma fonte lembra que o agrupamento "foi criado para colmatar o vazio que existe entre o mundo escolar e o mundo profissional, visto que as escolas não dão o treino suficiente para se entrar no mundo profissional, que no nosso país já é pequeno". E acrescenta que cada um dos sete cantores do Estúdio de Ópera ganha 480 euros líquidos por mês. As aulas diárias de canto demoram cerca de meia hora, mas a preparação dos espectáculos leva muito mais tempo.
Mesmo assim, é sua opinião que o anunciado fecho "não se deve a questões económicas. É uma questão de política da Casa da Música, que entende que este trabalho deve ser feito nas escolas e que, a existir um estúdio de ópera, deveria estar agregado ao S. Carlos, que é o único teatro de ópera em Portugal".
Segundo fonte oficial da CM, a programação do Estúdio de Ópera entre Janeiro e Dezembro deste ano conta um total de 20 espectáculos e 'workshops'. "Bastien und Bastienne", de Mozart, ópera incluída no formato dos recitais, "Ottone", de Händel, também interpretada em Faro, e "Joaz", de Benedetto Marcello (no parque de estacionamento), são algumas das produções que o Estúdio apresentou na Casa da Música. “

O colectivo “Estúdio de Ópera” (e Convidados) actuou na Casa da Música no passado dia 14, às 19.30, tendo interpretado obras líricas de onze compositores diferentes. Na primeira parte do concerto, ouviram-se os trechos «Stride la vampa!» (Il Tovatores, de Verdi), «L'altra notte» (Mefistofele, de Boito), «Pleurez, mes yeux!» (Le Cid, de Massenet), «Donde lieta usci» (La Bohème, de Puccini), «Excertos de Lulu» (Berg), «Ah! Que les hommes sont bêtes» (La Périchole, de Offenbach), «J'ai deux amants» (Messager) e «Duetto buffo di due Gatti» (Rossini). Depois do intervalo, foi a vez de «Liebeslieder Walzer (nº 2 a 6)», de Brahms, e com Excertos do 2º Acto de «Die Fledermaus, de Strauss», tema que é interpretado, em simultâneo, por doze cantores líricos.
Já agora uma informação: O “Estúdio de Ópera” volta ao palco da Casa da Música, no próximo 21 de Dezembro, com a Remix Orquestra Barroca, no primeiro espectáculo do ciclo “Concertos de Natal”. Quem andar por perto, vale a pena descobrir novas vozes líricas portuguesas.

BOAS FESTAS, DAQUI PARA O MUNDO


BOAS FESTAS
UM NATAL DE PAZ
UM 2007
À MEDIDA DE TODOS

segunda-feira, dezembro 18, 2006

VIAGEM AO NORTE, 2


2. EXPOSIÇÂO
DE EURICO GONÇALVES


Na Fundação Cupertino de Miranda, de que o Famafest guarda excelente recordação, pois foi ali, no seu auditório e nas suas galerias de exposições, que o Famafest começou, inaugurou-se uma exposição retrospectiva de um dos surrealistas portugueses, Eurico Gonçalves.
Eurico já estivera precisamente naquele espaço, numa exposição organizada pelo Famafest em 2000, integrada num conjunto de actividades paralelas ao festival cinematográfico. Eurico Gonçalves, Almada Negreiros e Luís Buñuel foram as exposições então apresentadas. Sinto-me feliz pelo pioneirismo. Nessa altura, no livrinho que se publicou dedicado a Eurico, escrevi um texto sobre o pintor e a obra que sobretudo um texto de amigo para amigo:

Eurico

Eurico e Dalila são meus companheiros quase diários à mesa do Vávà. Intervalam o trabalha no atelier dos Corucheus, mesmo ali atrás, com a hora de almoço, normalmente tardia, como a minha. E encontramo-nos a disputar um arroz de pato ou uma feijoada à brasileira. Fala-se de pintura e de cinema, de projectos, concretizados ou não, cruzamos interesses, e lentamente fomos deixando a amizade crescer por entre essas conversas à flor da pele. Depois, foram os anos das Bienais de Cerveira, os almoços e jantares sob a tenda desse enorme circo da vida onde a existência diária se transmuda em arte, as viagens à Corunha, os cafés, os passeios, as fotografias da Eduarda, as experiências pictóricas do Frederico, o "work shop" sobre pintura e cinema, a amizade que se vai estreitando.
À mesa do Vává, literalmente à mesa do Vávà, como já irão perceber, fui descobrindo a sua arte, e também um pouco dos automatismos do surrealismo. Nada melhor do que aprender com a prática. E foi vendo-os desenhar ao sabor do pão com manteiga e da conversa do dia, com um bom tinto para colorir o repasto, que fui assistindo à criação de alguns cadáveres exquis desenhados a quatro mãos nas toalhas de papel do restaurante. Alguns deles mereceram a gentileza de me serem depois dedicados (guardo-os religiosamente em pastas ou nas paredes da casa, como esse belíssimo "Manicure").
Diariamente, os traços e as letras vão ocupando com cavalos e peixes alados, monstros marinhos e grinaldas de flores as manchas brancas das mesas, criando um universo muito próprio, um fabuloso "puzzle" de referências pessoais, de signos, de memórias, de fantasmas, de obsessões, de desejos recalcados. Diariamente, numa das mesas do Vává, fica mais uma sessão de terapia de grupo, ou não fossem os automatismos, as coragens, as pinturas-escritas, as desdobragens, as "despinturas" dos surrealistas sessões de psicanálise transformadas em arte, na mais pura das artes. O próprio Eurico, um dia disse tudo sobre este misterioso processo criativo: "a pintura, essa, sabe mais de mim do que eu dela". Eu também o conheço melhor, depois de
ver a sua mão segura rasgar o papel num traço límpido, despojado, de uma serenidade oriental. São alguns desses desenhos e pinturas, que percorrem um longo itinerário pessoal e colectivo, e que vai desde os anos 50 até ao ano 2000, sempre ligado ao surrealismo, que aqui se apresentam em Famalicão, durante o Famafest 2000. Uma lição de arte, mas também uma lição de vida.



Mantenho tudo o que então disse. Substituía uma palavra: em vez de “ver a sua mão segura rasgar o papel”, escreveria “ver a sua mão segura afagar o papel.” Toda a obra de Eurico é delicada, discreta, elegante, subtil, o traço do lápis ou do pincel desliza, afaga, rasga o espaço, é verdade, mas sempre acariciando o papel ou a tela. Isso mesmo se pode ver nesta magnifica retrospectiva a que tive a honra de assistir antes da sua inauguração, conduzido pela palavra do pintor António Gonçalves que agora toma conta das actividades artísticas da Fundação Cupertino de Miranda.
Com a maioria das salas já montadas, mas algumas, as últimas, ainda a serem ultimadas, uma dúzia de telas ainda no chão, marcando lugar e esperando quem as coloque na parede, fomos falando com António Gonçalves, numa conversa sobre Eurico, comum amigo, suas etapas, desde o surrealista duro e puro dos anos 50 e 60, até ao surrealista Zen da primeira década do século XXI, admirando sempre as formas e as cores, as mais garridas e as mais suaves do pop da última fase, as figuras e a abstracção, as palavras e as letras, as tonalidades e o gestualismo, o consciente e o inconsciente, o sonho e o pesadelo, o corpo da mulher e o rosto de homem. Um universo, o de Eurico, que vale a pena não perder, em Famalicão, até 23 de Fevereiro de 2007. Visita guiada pelo pintor, dia 13 de Janeiro, a partir das 16 horas.



Para conhecer um pouco mais sobre Eurico Gonçalves, leia-se o que o pintor escreveu sobre si próprio:

“Surrealista desde 1949, nunca deixei de praticar o automatismo psíquico puro, que assumo até às suas mais extremas consequências.
Através do improviso, as minhas figuras foram dando lugar a simples sinais gráficos, ágeis caligrafias abstractas, executadas fora de qualquer motricidade imposta do exterior, ou seja, um pintura de sinais, derivada do gestualismo, tão depurada quanto possível. A execução gestual, rápida, directa e sem retoque, confrontasse com formas arquetípicas do inconsciente colectivo, tão defendido por Jung, que demonstrou haver uma grande conformidade entre o movimento das mãos e o próprio estado de espírito. Por seu turno, André Breton declarou que a finalidade do surrealismo é a reabilitação de todas as capacidades psíquicas. Os dados imediatos do inconsciente e a intervenção do acaso foram explorados por mim na pintura-escrita que assumo como um ritual, pesquisando relações entre o comportamento vitalista Dádá e a sageza do Budismo Zen.
Se, no início dos anos 60, as caligrafias a tinta da china preta evidenciam o vazio, representado pela nudez branca do papel, nas despinturas, descolagens e desdobragens que realizo posteriormente, o suporte redescoberto na sua nudez original como campo residual da intervenção da escrita, em função do acaso. Chamo a atenção para a importância do prefixo "des" no desenvolvimento da minha obra. Segundo Zen, é pela negação do sinal que se cria um novo sinal. Assim, ao despintar, que consiste em tirar a cor, ao descolar, que consiste em retirar o que foi colado, e ao desdobrar, que consiste em ver o que fica, através de um processo psicologicamente análogo ao da "decalcomania", é o suporte que é revalorizado na sua globalidade, como amplo campo de registo gestual. O primado do suporte e a meditação visual dos processos de registo permitiram-me redescobrir, intuitivamente, na minha pintura de signos, o sentido do arabesco ibérico e das tradições artesanais mediterrânicas, onde o branco e o preto valem como cores e não como luz e sombra.
Ao aprofundar o automatismo psíquico, através do gestualismo e da caligrafia espontânea, aproximei-me do espírito Zen de uma arte directa, sem correcção, nem retoque, que, quanto a mim, encontra afinidades com a atitude vitalista Dádá. Uma concepção demasiado limitada do automatismo psíquico puro tem levado alguns críticos, literatos e muitos artistas a não compreender o surrealismo fora do âmbito figurativo, quando André Breton encontrara já, em 1955, a comprovação do automatismo psíquico numa pintura de signos, tão rigorosa e puramente abstracta como a de Jean Degottex, com quem trabalhei em Paris, em 1966-67. A meditação que proporcionou o meu encontro pessoal com Degottex intensificou a minha crença no surrealismo abstracto. Pela mesma razão, vim a prefaciar uma exposição de Henri Michaux, em Lisboa, em 1972. Curiosamente, Michaux e Degottex também aderiram ao espírito Zen, bem como outros artistas que admiro como Masson, Miró, Tápies, Ives Klein e Rothko.
O que importa, escrevia Breton, é não apenas o efeito a conseguir, mas "a Qualidade, a pureza dos meios" utilizados. E, em 1962, insistia: "A pintura actual, denomine-se ela action-painting, pintura gestual, informal, etc., provém, antes de tudo, do automatismo, deriva da promoção do automatismo pelo surrealismo". "A escrita automática não poderia ser um rim em si mesmo. Quando muito, procura-se obtê-la tão pura quanto possível e, a partir dai, é fácil reconstituir a série de operações mentais que envolve". "Não se está longe do tiro ao arco e do tomar conta das vacas, na filosofia Zen".
"A SETA JÁ CONTÉM O ALVO, MAS SÓ PERCORRE A SETA AQUELE QUE LHE CONHECE O ALVO. ASSIM É DE OLHOS VENDADOS QUE O GRANDE ATIRADOR ALVEJA" - António Maria Lisboa.
A minha pintura mais recente reafirma-se em função da textura e doutras características especificas do suporte, onde, por vezes, se reintegra a colagem como meio de autoprovocação da capacidade expressiva de uma linguagem, Que condensa em si a experiência do cheio e do vazio, da mancha e do traço vertiginoso. É uma pintura-escrita livre, inteiramente inventada no momento de execução.” Eurico Gonçalves. 1993-97


Sobre DáDá-ZEN Pintura-Escrita, tema que ocupa a última obra de eurico Gonçalves, este afirma:

"O Satori ou a iluminação espiritual Zen tem algo a ver com O PONTO DO ESPÍRITO (SURREALISTA) ONDE O ALTO E O BAIXO, O INTERIOR E O EXTERIOR, O SONHO E A ACÇÃO, O REAL EO IMAGINÁRIO, DEIXAM DE SER PERCEBIDOS CONTRADITÓRIAMENTE.
O espírito surrealista tende a aproximar-se do do espírito Zen na síntese ou união dos contrários. O mondo (perguntas e respostas) e o humor Zen contribuem para despertar no espírto a apreensão imediata e total da vida, tal como o cadavre exquis e o automatismo psíquico puro surrealista.

Antes de estudar o Zen, uma árvore é uma árvore, um rio é um rio, etc. Assim que se começa a estudar o Zen, uma árvore não é uma árvore, um rio não é um rio, etc. Assim que se atinge o Satori ou a iluminação espiritual, uma árvore é de novo uma árvore, um rio é de novo um rio, etc. É nesta terceira fase que se revela a afirmação plena. A maioria dos artistas e poetas dadaístas e surrealistas ilustram a segunda fase da experiência Zen, sendomuito poucos aqueles que atingem a terceira, a do Satori ou da afirmação plena. Efectivamente, o ready-made de Marcel Duchamp, deslocado da sua função habitual, mostra por exemplo, que um urinol invertido não é um urinol, mas uma fonte; e um secador de garrafas não é mais um secador de garrafas, mas um ouriço. Dádá, dispensando a explicação dos actos e obras, afirma um novo tipo de comportamento. Repudiando todo e qualquer programa ou tentativa de sistematização da acção, aproximando-se, curiosamente, de um conceito metafísico do Taoísmo, que dizia: «O MÉTODO QUE CONSISTE EM NÃO SEGUIR NENHUM MÉTODO É O MÉTODO POR EXCELÊNCIA»; o que não está muito longe da afirmação de Tristan Tzara: «A AUSÊNCIA DE SISTEMA É AINDA UM SISTEMA, MAS O MAIS SIMPÁTICO»." - Eurico Gonçalves, in "Dádá-Zen"

Deixei Vila Nova de Famalicão em direcção ao Porto. Serralves, exposições, Casa da Música, um concerto, comboios regionais e Alfa. Voltarei amanhã para relatar.