sexta-feira, dezembro 22, 2006

NATAL, 3


ANTÓNIO GEDEÃO
"NOITE DE NATAL"


Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças.
de falar e de ouvir com mavioso tom.
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros - coitadinhos - nos que padecem.
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria.
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
Numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
E como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra - louvado seja o Senhor! - o que nunca tinha pensado comprar.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela vépera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus,
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura.
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a cairem ao chão como se fossem mortas:
tá - tá- tá- tá- tá- tá- tá- tá- tá- tá- tá- tá- tá- tá- tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caiam
crivados de balas.

Dia de Confratenização Universal,
dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.
Imagem: "Natal" (1492) , de Domenico Ghirlandaio (n. Florença, 1449; m. Florença, 1494)

2 comentários:

Maria Eduarda Colares disse...

Lindo poema, lindo ambiente, que lindo blog. Não pares. Sê feliz.

LS disse...

desejo votos de um
SANTO NATAL e
FESTAS FELIZES
...e não se esqueçam que há
quem não tenha Natal...