sábado, novembro 29, 2008

TEATRO: WEST SIDE STORY

WEST SIDE STORY NO POLITEAMA
Ante-estreou, no Politeama, o “West Side Story”, versão portuguesa, com a assinatura de Filipe La Féria. Não seria de esperar senão um novo triunfo para a companhia, se bem que este não seja, para mim, o melhor La Féria, enfermando de um ou outro aspecto não muito logrado. Mas não é “West Side Story”- o filme, uma obra-prima do cinema, apesar da presença do canastrão Richard Beymer, e mesmo da não muito inspirada Natalie Wood?
Pois bem, vamos ao que me satisfez por completo: toda a montagem cenográfica é magnífica, sobretudo tudo o que se passa em exteriores, com a ponte de Brooklyn ao fundo, as luzes e os arranha-céus de NY no horizonte, e estruturas fechadas de edifícios de paredes de tijolo vermelho ou gradeamento de parques de jogos em primeiro plano. Excelente grafismo plástico, eficaz no plano da mudança de cenas, espectacular logo desde o seu aparecimento, bem iluminado e colorido. Bom o guarda-roupa.
O texto: globalmente uma muito boa adaptação ao português, quer de texto, quer de canções, o que de início me levantava algumas dúvidas, dado o tipo de linguagem utilizado no original, de difícil transição. Mas as palavras correm soltas, e quase nunca notei que estávamos em presença de um texto adaptado (reparei na mítica canção “Cool”, onde o “Calma contigo, meu!” não me soou tão bem). Mas, como disse, no conjunto uma boa versão.
Coreografia: este é um musical que vive essencialmente da coreografia, nervosa, ritmada, constante, hipnótica. No filme de Robert Wise e Jerome Robbins é algo de decisivo. Obviamente que os bailarinos portugueses que actuam no palco do Politeama não são da mesma qualidade dos americanos (voltamos a “Cool”, onde se sente mais a diferença: falta aos nossos aquela suspensão de voo que transformava o bailado num movimento etéreo, que oscilava entre a violência e a leveza), mas o resultado final é bom, surpreendentemente bom para a nossa realidade.
A interpretação nos espectáculos dirigidos por La Féria consegue sempre um nivelamento geral bastante agradável, sabendo-se que o encenador recorre muito a jovens actores e segundas figuras, bastando-lhe duas ou três estrelas para enfeitar o bolo. Acontece o mesmo aqui, mas o resultado nem sempre é tão homogéneo como habitualmente. Obviamente que um musical é um espectáculo muito difícil de atingir um nível geral muito alto: é muito difícil ter-se bons actores, que sejam bons cantores e tenham a aparência requerida. No cinema, como é sabido, esse aspecto é ultrapassado colocando actores dobrados por cantores. No palco essa artimanha é mais difícil de concretizar.
Na versão portuguesa de “West Side Story” há, portanto, de tudo. Excelentes trabalhos (Carlos Quintas no tenente Schrank vai muito bem, Anabela é uma convincente Anita, Pedro Bargado e Tiago Diogo são chefes de gangs de vincada personalidade, Alberto Vilar é um comovente Doc, Cátia Garcia é uma surpreendente Anybodys), e algumas incertezas. Por exemplo, no dia da ante-estreia a que assisti, os protagonistas foram Bárbara Barradas (Maria), excelente voz e boa intérprete, mas deficiente sempre que lhe pedem representação, e Rui Andrade, num Tony sem muita convicção, nem como cantor, nem como actor. De resto, o restante elenco cumpre sem sobressaltos, assegurando a tal qualidade média que caracteriza a boa direcção de actores de La Féria.
Finalizando (e enquanto não tiver oportunidade de ver o “segundo elenco” em actividade, com Lúcia Moniz, em Anita, Cátia Tavares, em Maria, e Ricardo Soler, em Tony), pode afirmar-se que La Féria conseguiu mais um grande espectáculo para o seu teatro na rua das Portas de Santo Antão, com um ou outro tropeção de somenos. Neste particular há ainda a referir uma cena de que não gosto nada, esteticamente de efeito mais que duvidoso – a noite de amor de Maria e Tony, com um bailado que pouco tem a ver com a estética do restante espectáculo. Mas estávamos numa ante-estreia, nervos à flor da pele, início de rodagem com público, e muito poderá ser melhorado nos próximos dias.
Sobre a passagem do musical da Broadway para o cinema já aqui falámos, num texto que aparece no programa do espectáculo do Politeama e que pode ser repescado AQUI.

sexta-feira, novembro 28, 2008

MISHIMA E KAWABATA, CORRESPONDÊNCIA


“COM OS MEUS RESPEITOSOS CUMPRIMENTOS…”
Correspondência entre Yukio Mishima e Yasunari Kawabata
No dia 25 de Novembro de 2008, no pequeno auditório do CCB, decorreu, em sessão única, para raros eleitos, um espectáculo invulgar. Uma leitura encenada de alguma da correspondência que, ao longo de décadas (de 1945 a 1970), se estabeleceu entre Yukio Mishima e Yasunari Kawabata, indiscutivelmente dois dos maiores escritores japoneses do século XX. Yasunari Kawabata (1899-1972), único Nobel japonês, de que conheço apenas “Terra de Neve”, “Chá e Amor”, “A Dançarina de Izu” e “A Casa das Belas Adormecidas”, é um escritor de palavra fina e delicada, um observador atento da psicologia humana, que retrata de forma miniaturista, discreta, secreta, intimista. Era muito admirado por Yukio Mishima (1925-1970), defensor das tradições e da obediência ao Imperador, um autor de escrita delicada é certo, mas abrasante, sensual e voluptuosa, arrogante e ostensiva, impositiva mesmo. Dele retenho livros admiráveis como “Confissões de uma Máscara” ou “O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar”, “Morte no Verão” ou “O Tumulto das Ondas”, “O Templo da Aurora ou “A Ruína do Anjo”. Ambos mantiveram correspondência regular onde demonstravam mutuamente enorme respeito e estima. Uma troca de cartas que reflecte não só pontos de vista políticos, sociais, literários, humanos, como sobretudo um enorme afecto pessoal. Num palco despojado, numa encenação minimalista que conferia sobretudo importância à palavra, Luís Madureira e José Manuel Mendes encheram o espaço com a recatada magia de um texto delicadamente trabalhado sem afecção, que se ouvia com prazer e se entendia por vezes com paixão. A descoberta da relação de amizade e assombro que existiu entre dois escritores e dois homens com tanto de diferente entre si. A leitura foi encenada por António Mega Ferreira, um dos especialistas em Mishima em Portugal. Muito pouco público para uma hora de bailado de palavras. A repor?
(A tradução das cartas era da Maria Eduarda e soou lindamente. Parabéns!)

ASSIM VAI O FUTEBOL PORTUGUÊS

Só para trazer por casa?

ARSENAL 4, PORTO 0
BRASIL 6, PORTUGAL 2
SPORTING 2, BARCELONA 5
OLYMPIAKOS 5, BENFICA 1 (Olympiakos!!!)
ELES 20, NÓS 5

UM AMOR ATREVIDO

"De nada me valeram, os que vieram depois do que entre nós não houve. Por tua causa perdi o olfacto e o paladar e todos os homens me sabem ao mesmo. Procurei-os nos antípodas de ti e cuidei de escolher formatos e feitios que não os teus, numa fuga em frente, como se. Nuns casos, diverti-me; noutros, arrependi-me, mas sempre a porcaria do coração aos solavancos, a malbaratar-me em entusiasmos pré-fabricados, que cansaço. Quiseram-me muito e tratam-me bem, mas vai dar ao mesmo porque não tenho escolha: passados dias, e a minha carne rejeita-os como se o transplante falhado de um órgão estranho.(…)Quanto ao resto, amo-te sem o menor indício de desespero; apenas deixo que a tristeza me faça cócegas numa ou outra lua nova, e é se me distraio. Não tenho qualquer esperança de que tu um dia qualquer coisa, pois foges de mim como o diabo da cruz e é assim que deve ser. Quem sabe só me interessas enquanto obstáculo intransponível contra o qual gostaria de chocar, esparvoada, algures ainda neste tempo de vida. És um empata, o meu empecilho de estimação, um chove não molha que me embaraça e me troca as voltas, mas eu já não saberia viver de outra maneira. Tenho cá dentro a persistência devota de uma mulher de província, enganada pela lábia de um caixeiro-viajante, que gasta as horas num desvelo obsessivo para com o filho ranhoso que é a cara do pai."
*
"Desde o dia em que me deixaste que me fazes mal, um mal danado. Quando de noite me chegas à pele, a reboque do silêncio que rasteja pela calçada e trepa pelos muros, sabes-me a azedo, a coisa estragada, (quis escrever travo amargo, mas tu não te ficas pela minha boca como um refluxo qualquer; antes, espalhas-te pelo meu corpo, subitamente acometido de uma paralisia de bondade e de luz). Mesmo assim, deixo sempre que te enterres em mim como um prego enferrujado e que me magoes aqui de lado quando ando e respiro ou tento saltar. Desde o dia em que me olhaste através e não me viste, que trazes contigo aquele sobressalto desagradável de quando se tropeça no passeio e se dá um passo em falso, um mergulho no vazio, o coração colado às costas. Tenho-te ainda à boca do estômago, mal digerido, uma pontada, uma dor de burro, uma dormência nos dedos, razão pela qual fecho os olhos e respiro fundo a tentar expulsar-te para longe. És-me incómodo, desaprazível, molesto. És o vizinho barulhento, o cobrador que bate à porta; és a criança que chora, o cão que ladra, a torneira que pinga, a janela que não veda num dia frio de Inverno. Tenho alturas em que rondas o desastre e o infortúnio mas depois passa, com a lenga-lenga reconfortante dos refrãos matinais dentro de portas. No entanto, nada evita que sinta o espírito corcunda e encurvado, esmagado pelo peso de tanto sempre tu, independentemente das estações do ano, do índice da bolsa, da fome no mundo ou de estares a milhas. Nem que eu seja absolutamente consciente da tua pessoa, ao ponto de nos acotovelarmos no espaço onde estou e de quase jurar que me empurras (como sempre fizeste, afinal). Fazes-me mal, um mal danado, desde o dia em que nos desentranhámos e dividimos em dois: dois seres estranhos sem nada mais em comum do que o facto de nenhum de nós poder viver sem o teu corpo."

Devo dizer que gosto muito deste blogue, da sua escrita e das suas referências cinematográficas. Já o tinha dito há uns tempos largos, volto a sublinhá-lo. Para quando a edição em livro? este vale mesmo a pena ser lido. Assina uma supostamente Sofia Vieira. Pode ser lido aqui: http://umamoratrevido.blogspot.com/

quinta-feira, novembro 27, 2008

AUTO-AVALIAÇÂO

Finalmente temos a versão dos sindicatos (Fenprof) para a avaliação dos professores. Esperava-se algo de moderno e inspirador. Veio finalmente o tão esperado projecto, primeiro de auto-avaliação, depois de co-avaliação. É por isso que 120.000 professores se batam nas ruas? Por serem eles próprios a dizerem que são muito bons? Enfim, este processo arrasta-se para vergonha de qualquer pessoa de bom senso. A instrumentalização é total, o descrédito da classe é progressivo, o espaço deste sindicalismo de pacotilha é cada vez menor. Tudo para mal do País.

Olhando para este ante-projecto da Fenprof que dizem os 120.000 profs? Podem-no ler aqui. E se corarem de vergonha, não vos fica mal. Ou então passamos todos a ser auto-avaliados. Ou há justiça, ou comem todos.

Há umas décadas estreou-se em Portugal um filme que se chamava "Ainda há Ciganos Felizes!" Bom filme, por sinal. Plagiando o título asseguro que "Ainda há Bons Professores em Portugal!" Mais, asseguro que ainda há muito bons professores justificadamente críticos em relação a algumas medidas (e sobretudo certas atitudes) do Ministério da Educação. Mas uma coisa é estar crítico e protestar e tentar modificar o que se julga sinceramente mal, outra muito diferente é este clima de insurreição que se instalou nas escolas. Parece que regressámos ao Verão Quente de 75. É essa a intenção?

terça-feira, novembro 25, 2008

PELAS ALDEIAS HISTÓRICAS

foto MEC
SAINDO DO FUNDÃO, CASTELO NOVO,
PÓVOA DA ATALAIA, MONSANTO,
IDANHA-A-VELHA
E OUTRA VEZ CASTELO NOVO,
EM TERTÚLIA
Sempre na companhia de professores do Agrupamento de Escolas da Serra da Gardunha, de quem éramos convidados, partimos manhã cedo, de autocarro, numa longa viagem por algumas das aldeias históricas da região da Beira Baixa. A primeira paragem foi em Castelo Novo, entrando-se pelo largo da Bicas, subindo até ao castelo, que remota ao século XII, sendo citado pela primeira vez como “Castelo Novo” em 1203, quando a terra foi doada aos Templários. Em 1801, sabe-se que contabilizava quase 3.000 habitantes, hoje terá 300. Mas é rica em historial, ruas estreitas de casas em granito alourado, uma pequena igreja da Misericórdia com imagens para recordar sempre, um lagar de vinho cavado na pedra, chamado lagariça, que dá igualmente o nome a uma moderna casa de artesanato de perder a cabeça. O castelo é majestoso ainda que meio destruído, e, no edifício que outrora fora o dos Paços do Concelho, à noite, decorreu a Tertúlia Poética ou Literária, a que voltaremos.
Descemos depois de Castelo Novo à Póvoa da Atalaia, terra onde nasceu Eugénio de Andrade, a 19 de Janeiro de 1923, e onde, no edifício da Junta de Freguesia, se encontra patente ao público uma exposição sobre o poeta. Fotografias, poemas e prosas organizadas pelo próprio autor, o que confere ao todo um significado muito especial. Antes de um imponente cozido à portuguesa oferecido pelo presidente da junta de freguesia local, nada melhor do que Eugénio de Andrade, de quem se pesquisaram ainda as casas onde viveu (e onde hoje vive uma velha senhora de bengala e roupa negra que não admite, por nada deste mundo, sair daquela casa, para ali se erguer um museu!) e onde nasceu (no maior dos mistérios, sussurra-se entre dentes, “filho bastardo de um senhor muito rico, muito rico”, dito “rei da Orca” ao que percebi).

Seguiu-se Monsanto, o ex-libris das aldeias portuguesas do Estado Novo. Lá está o galo de prata, erguido sobre o campanário de uma torre, a assinalar o troféu da “aldeia mais portuguesa de Portugal”. Os valores deste nacionalismo do SNI nunca me empolgaram, mas a aldeia sim, é impressionante, “não se sabe se é a casa que sai da pedra, se a pedra que sai da casa”, como diz um poeta muito citado. São dezenas e dezenas de casas incrustadas na elevação que brota isolada a caminho já do Alentejo. O castelo lá em cima parece inacessível, as ruelas sobem em ascensão desmedida. Conta-se que ninguém conseguia de lá retirar os resistentes, e que, um dia, durante um cerco de espanhóis (seriam espanhóis?), os portugueses sitiados lançaram encosta a baixo um vitelo recheado de trigo para as tropas envolventes perceberem que viviam na abastança e que não seria à fome que os derrotariam. Se é verdade ou não, não o sei, mas dizem que quem rodeava o castelo se foi embora. Grande parte do castelo também foi pelos ares quando, no século XIX, se deu uma explosão do paiol de munições. O que resta, está lá em cima, bem no alto. Serve para turismo e para celebrar as Festas de Santa Cruz, que popularizaram as bonecas de trapos conhecidas por marafonas.
Ainda hoje é difícil subir ao castelo. Eu que o diga, que tentei encher o peito de ar puro até meia encosta e desisti depois, ficando-me por um chá quente na Pousada explorada por um espanhol de Sevilha.
Mas não deixei de passar na casa e no consultório do médico Fernando Namora que ali escreveu os “Retalhos da (sua) vida de Médico” e a “Nave de Pedra”.

Foto MEC

De regresso a Castelo Novo, tempo houve ainda para uma passagem por Idanha-a-Velha, que se anuncia “um museu a céu aberto” e assim é na verdade. Aldeia parada no tempo, cidade abandonada, uma taberna aberta com quatro convivas a dividir pão, vinho e um prato de carne de porco, frente ao ecrã da televisão, e o senhor Joaquim Pinto, oitenta anos a varrer as ruas, frente ao portão do impressionante edifício da família Marrocos, foram os únicos vestígios de vida. Os trinta convivas que passavam pelas ruas desta Idanha-a-Velha, juncadas de pedras tumulares e outros vestígios arqueológicos, mais se assemelhavam a mortos-vivos de um filme de George Romero.
A discreta iluminação de tom amarelado, numa noite de céu descoberto, mas de intensa escuridão, fornecia ao grupo o sombreado de uma turba a perturbar o silêncio dos antepassados. Retomados ao autocarro e às informações da nossa simpática guia Olga, rapidamente descobrimos que a próxima paragem era “O Lagarto”, restaurante típico de Castelo Novo, onde soube que o Sporting tinha ganho à Naval por 1 a zero, com nove em campo, e onde um retemperador bacalhau com natas nos preparou para a noitada de tertúlia.

Foto MEC

A tertúlia aconteceu a partir das 21, 30 horas, nos já referidos Paços de Concelho, uma sala espaçosa, onde mesas de oito ou dez convivas, reuniam para cima de uma centena de "tertuliadores". Havia os oradores “convidados”, quase todos professores de universidades que tinham a poesia e a palavra escrita como paixão, e que, pela prosa ou pelo verso, encheram de magia a noite fria. Antonieta Garcia, Maria de Lurdes Barata, Alix de Carvalho, José Pires, Amílcar Martins, o brasileiro Luís Octávio Fraz e o músico Miguel Carvalhinho (além de mim próprio) movimentaram-se o melhor que sabiam e podiam para conferir cor e emoção a uma noitada de troca de palavras e de sorrisos. Teve direito a manifesto. Esperemos que tenha também continuação. Sim, eu sei, não se disse nada de fundamental, mas muitas vezes o inútil pode tornar-se no essencial.
Domingo, ao início da tarde, um Intercidades, partindo do Fundão, trazia-me de volta a Lisboa. E aos blogues também.

fotos do autor e três (assinaladas) de MEC (que agradeço).

POR TERRAS DO FUNDÃO

No velho seminário do Fundão, com Vergílio Ferreira, em 1979.

NO SEMINÁRIO DO FUNDÃO
NO HOTEL "PRÍNCIPE DAS BEIRAS"

O exterior do seminário no filme "Manhã Submersa" (1980)
A convite do Agrupamento de Escolas da Serra da Gardunha, no Fundão, estive a falar sobre Vergílio Ferreira e a sua (e minha) “Manhã Submersa”. Foi algo de emocionante e único. Passo a explicar a razão:
Vergílio Ferreira escreveu “Manhã Submersa” inspirando-se em muito do que viveu e viu viver a outros no seminário do Fundão, entre 1926-1932. Depois licenciou-se em Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (1940). Foi professor de Português e de Latim em várias escolas do país, mas sobretudo em Évora e Lisboa (Camões). Nasceu em Melo, na Serra da Estrela, em 1916, e faleceu em Lisboa, em 1996. A sua escrita começa por ter uma feição neo-realista, de que depois se afastou para enveredar por um caminho mais pessoal, intimista, aproximando-se dos existencialistas, de Malraux sobretudo, e do “nouveau-roman”. Foi, e é, um dos maiores ficcionistas portugueses de sempre, num tipo de narrativa austera e rigorosa que cruzava o romanesco e o filosófico com rara exigência e sedução. O romance “Manhã Submersa” saiu em 1953, e logo por essa altura eu o li, e me impressionou fortemente. Teria eu onze anos ou doze anos. Em 1979, quando pude realizar a minha primeira longa-metragem de ficção, zarpei até Linhares da Beira com uma equipa, de técnicos e actores, para iniciar a rodagem deste filme. Antes, com uma outra equipa, reduzida, quatro pessoas e maquinaria de 16 milímetros, tinha percorrido os caminhos de Vergílio Ferreira adolescente, a sua casa em Melo, onde ainda viviam a mãe e uma tia, o seminário por onde passara, numa curva de estrada próximo do Fundão, e depois a sua casa e jardim em Fontanelas (Sintra), onde discutíamos sobre literatura. O filme, que se chamou “Vergílio Ferreira numa “Manhã Submersa” destinava-se a funcionar como “episódio zero” da mini-série “Manhã Submersa” a emitir na RTP. Assim aconteceu.
Nesse filme, de que não tenho pejo em dizer de que gosto muito, e que julgo um documentário essencial para compreender a obra do escritor, um dos capítulos era composto por um longo périplo de Vergílio Ferreira, percorrendo o espaço já dessacralizado do velho seminário (entretanto já substituído nessa altura por outro, situado não muito longe daquele), onde se procuravam traços da sua antiga existência física e espiritual. Em finais de 1979, o edifício, em ruínas, guardava várias famílias de retornados com os quais Vergílio Ferreira estabelecia conversa, no filme, qual entrevistador de uma cadeia de TV. Depois passeava pelos corredores, a estrada, o quintal, os espaços onde outrora estiveram a capela, a cozinha, as camaratas, as salas de aula… Foi assim que aprendi a geografia e que tentei penetrar no espírito do lugar, que retive para sempre. Depois, sempre que por ali fui passando, lá estava o velho edifico, a ruir…
Desta feita, noventa alunos e muitos professores esperavam por mim para falar sobre “Manhã Submersa”, o filme que tinham visto anteriormente nas suas aulas. Foi emocionante discorrer para aquela plateia que sabe o que é ser professor e aluno, que expandiam a escola para fora do edifício de pedra, que procuravam dar um outro sentido às palavras ensinar e aprender. Falei disso mesmo, da emoção que sentia em estar ali, onde hoje é um hotel (Hotel Príncipe das Beiras), da possibilidade de viver no espaço onde há oitenta anos respirara Vergílio Ferreira, onde se passaram a maioria das peripécias que eu relatava no meu filme. Um hotel? É verdade, um hotel espaçoso, cuidado, de linhas direitas e superfícies brancas e lisas (Siza Vieira a deixar marcas da sua arquitectura um pouco por todo o lado), relativamente bem decorado, com sobriedade. Bons profissionais a tomar conta dele, mas uma negligência espantosa: quase nada de Vergílio Ferreira e do anterior seminário ali é recordado.
A verdade é que raros hotéis possuem a hipótese de se transformarem em objectos de culto, em referências da História e da Cultura portuguesa. Este, que deveria, desde logo, ter sido baptizado com o nome de Vergilio Ferreira, pouco mais faz para relembrar o grande escritor do que reservar-lhe uma sala, a mais distante e discreta, ao lado de outras, bem mais grandiosas, com os nomes de Aquilino Ribeiro, António José Saraiva ou José Nuno Figueiredo. Este hotel que poderia recordar um autor e uma obra impares na cultura portuguesa esconde-se timidamente neste aspecto, talvez com vergonha de ter sido anteriormente seminário, sem uma única foto, uma frase, uma indicação histórica. E tanto se poderia fazer para transformar este belíssimo edifico e este hotel numa jóia que muitos gostariam de visitar para se sentirem no interior de um espaço histórico-literário privilegiado.
Mas foi bom estar ali, ouvir e responder a perguntas de jovens visivelmente curiosos, que tinham feito, sem esforço, o seu trabalho de casa”, jantar depois na cantina da escola com um grupo de professores muito interessantes, cativantes na sua simpatia e na sua devoção. Manuel Abelho e Pedro Rafael distinguiam-se na direcção dos acontecimentos. No dia seguinte continuámos a jornada, por aldeias históricas, e, pela noite fora, numa tertúlia à procura do valor da palavra em Castelo Novo. (A seguir)

Imagens actuais do hotel "Príncipe das Beiras", no antigo seminário do Fundão.

ver mais em Agrupamento de Escolas da Serra da Gardunha

FALAR DE VERGÍLIO FERREIRA
NO FUNDÃO

quinta-feira, novembro 20, 2008

FIM DE SEMANA PELO FUNDÃO

Sábado, dia 22 de Novembro de 2008
em Castelo Novo



Sexta -feira, dia 21 de Novembro de 2008
no Fundão

HOJE NO VAVADIANDO


PORTUGAL, SELECÇÃO Ahhhhhhhhhhhhhh!!!

Bons tempos em que jogava o Pauleta, e os adversários se mostravam "macios.
BRASIL, 6 - PORTUGAL, 2
A equipa portuguesa esteve bem, logo desde o guarda-redes, muito bom a ir buscar as bolas ao fundo das redes, passando pelos defesas (muito antibiótico se toma por aqui, para assim ficarmos “sem defesas”), pelo meio campo (que organização!), finalizando nos avançados, exímios a atacar a baliza, por alto e pelos lados. O banco foi excelente (Queirós leva as mãos à cabeça de uma forma inigualável!). Os brasileiros que estavam em crise (não marcavam golos em casa, a ninguém, a alguns jogos!) tiveram pela frente uma equipa verdadeiramente amiga, uma daquelas que os psicanalistas contratam para elevar o moral. Cristiano Ronaldo (e alguns portugueses mais) que joga que se farta em Inglaterra (quando tem uma equipa a jogar com ele e um treinador a “formar” essa equipa), aqui anda aos papéis, tanto faz jogar com a Albânia como com o Brasil.
Ao Brasil não foi preciso jogar senão a passo, nunca fez pressão, deixou jogar, e teve tempo para os floreados que sabe e quis desenvolver. A plateia gritou “olé”. A contratação de Carlos Queirós revelou-se um verdadeiro tiro na “mouche”. José Mota ainda é capaz de levar Portugal ao “mundial”.


Queirós quando ainda julgava que tinham sido "só" cinco. No final, foram seis!

quarta-feira, novembro 19, 2008

6 MESES DE DITADURA


O TRIUNFO DA VONTADE

(depois de seis meses de ditadura)

Já sabíamos que tínhamos alguns nostálgicos de um Estado “musculado” ou mesmo de uma “ditadura paternalista” (os salazaristas de antanho), já sabíamos que no Parlamento havia adeptos de “democracias populares”, que preconizaram durante décadas a “ditadura do proletariado”, já sabíamos que havia franjas de maoistas e mesmo saudosos de Enver Hoxha e outros que tais. Soubemos agora que, para a líder do PDS, Manuela Ferreira Leite, nada melhor do que o país colocar de lado a democracia “durante seis meses” e ser governado em ditadura. Nada mau. São estes os “heróis” que conduzem as bandeiras dos professores nas manifestações das 120.000 alminhas a descer as avenidas.
Nunca me senti tão mal neste País de anedota. Nem no tempo da ditadura (nesse tempo, eu julgava que a ditadura era temida, mas odiada pela maioria). Eu não pertenço a esta gentinha! Não sei onde pára a decência. E se fechassem para obras? Sobretudo se fechassem as bocas, se não sabem o que hão de dizer!

PS: Socrates: já sei por que alguns lhe querem tão mal. É muito brando! Devia pedir no mínimo um ano de ditadura, "para pôr a casa em ordem".
Adenda: lido (com proveito) no Hoje há Conquilhas:
PS,2
Alguém que diz rigorosamente o que eu também penso:

terça-feira, novembro 18, 2008

CINEMA: ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, II

UM FINAL, DOIS FINAIS
Tentemos explicitar melhor por que gosto mais do filme do que romance, por que acho o romance redundante e o filme não. Agarre-se no final do romance. O médico e a mulher estão na sua sala e falam. A mulher vai à janela.
Lê-se no livro: “Porque foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Sim, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que vendo, não vêem.
A mulher do médico levantou-se e foi à janela. Olhou para baixo, para a rua coberta de lixo, para as pessoas que gritavam e cantavam. Depois levantou a cabeça para o céu e viu-o todo branco, Chegou a minha vez, pensou. O medo súbito fê-la baixar os olhos. A cidade ainda ali estava.”
Este o final do livro. Depois de 300 páginas de uma parábola muito interessante, mas óbvia, o autor ainda sentiu a necessidade de sublinhar: “Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que vendo, não vêem.” Totalmente desnecessário, inútil, uma confissão de desconfiança nas capacidades dos leitores: será que todos perceberam, vamos lá dizê-lo outra vez.
No filme, o médico retoma a vista, outros se seguirão, a mulher do médico chega à janela, e olha uma paisagem de cores garridas (a única paisagem realista do filme, julgo que de São Paulo, com os jardins em primeiro plano e a paisagem urbana lá ao fundo) e afirma qualquer coisa como “Agora vou cegar eu!?”. Mas a paisagem continua lá. Admirável, de cor, de vida.
Este final é superiormente inteligente e abre para uma nova leitura da obra que nunca está contida no filme: imagine-se que o que o livro e o filme afirmam até aqui é que nesta terra de supostos cegos, a única que “vê”, mas em sentido simbólico, é esta mulher (isto é. ela é a única que “vê”, que sente os males do mundo e os procura ultrapassar, solidarizando, oferecendo-se para viver com os cegos, em constante iminência de contágio, perdoando actos de infidelidade, oferecendo o seu corpo á violência nas horas más, pegando em armas contra a tirania, quando tudo se torna insuportável, etc.). Mas agora podemos ir mais longe: todo o filme é o resultado da imaginação dela, tudo não passou de um pesadelo (por isso a fotografia é negra, irrealista, ao longo de todo o filme, até aqui). Ela chegou à janela, olhou a cidade e a paisagem, e pensou na brutalidade do dia a dia, na competição feroz, na desumanidade, no aviltamento de uns pelos outros, e imaginou este mundo de injustiças constantes levado a extremos, se as circunstancias o facilitassem, por exemplo, se todos fossem cegos. Por um momento (que para nós espectadores dura duas horas, o tempo de projecção do filme) imagina esse pesadelo. Lá dentro está o marido, que ela pensou ser o primeiro atingido. Regressada à realidade, olha a fabulosa paisagem que tem à sua frente, e coloca a questão angustiosa, “E se agora for eu?”, isto é, E se agora cegar eu, Deixar eu de sentir esta solidariedade e esta humanidade que me tem acompanhado até agora? Questão que dela passa para os espectadores, sem demagogia, nem constrangimento. Com subtileza e inteligência. Tanta ou tão pouca que vejo muitos críticos a acusar o filme de fraquezas que não deslumbro, mas não vi nenhum ainda abrir a obra a leituras novas.

segunda-feira, novembro 17, 2008

CINEMA: ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA
A história da literatura, a do cinema, enfim toda a história da arte está repleta de utopias e de antecipações catastróficas do futuro. Umas e outras querem no fundo significar o mesmo: que o presente que se vive não é exemplar e que, de uma forma ou outra, urge modificar as coisas para que a vida do Homem na Terra possa ser melhor (o que anunciam as utopias, pelo lado positivo) ou para que a vida na Terra não seja um pesadelo (o que as antecipações catastróficas prevêem). O romance de José Saramago, “Ensaio sobre a Cegueira” é do segundo tipo, podendo colocar-se ao lado de outras obras de antecipação como “O ÚIltimo Homem sobre a Terra” ou alguns romances e filmes de “mortos-vivos”, de “Metrópolis” ou de “Blade Runner”. Com algumas características a diferenciá-lo, certamente. Enquanto quase todos os outros partem de antecipações catastrofistas de cunho popular, esta assume o seu lugar erudito. Todas querem dizer mais ou menos a mesma coisa: que, se não se arrepiar caminho, o futuro do Homem é sombrio, mas em Saramago não há simbologias associadas a vampiros ou mortos-vivos. Há cegos, com tudo o que a palavra comporta igualmente de simbólico (cegos = os que não vêem, os que ignoram o que os rodeia). Imagine-se que, um certo dia, uma epidemia de cegueira grassava entre os humanos. Não numa cidade particular ou país em especial, mas na Terra, na Humanidade. Por isso o filme de Fernando Meirelles, rodado entre São Paulo (Brasil) e Montevideu (Uruguai), não precisa nunca qual a cidade em que estamos, e procura reunir um pouco de todas as raças, dos brancos aos negros, dos latino-americanos aos japoneses. A parábola diz respeito à Terra na sua globalidade, e à Humanidade. Se atentarmos melhor no discurso, percebe-se que se dirige a aspectos que constituem a essência do ser humano, no que este tem de pior: a necessidade de poder, a avidez, a tendência endémica para a maldade, a perversidade, a cupidez. Quando todos ficam cegos, há logo quem se imponha, se auto nomeie “Rei” e submeta pela força os restantes, ou procurando roubar-lhes as riquezas (a propriedade privada) ou impondo-lhes a indignidade (as mulheres são obrigadas a entregarem-se aos senhores da camarata que detêm o poder, o revólver, por um lado, e a sabedoria, o cego de nascença que sabe como ninguém conviver com a desgraça da escuridão, ou da luz branca). A parábola é óbvia, basta acompanhar com alguma atenção o percurso do livro ou o do filme: o homem tem de ser solidário para sobreviver, e, se for caso disso, os lobos têm de ser abatidos para que os cordeiros se salvem.
De uma crueldade invulgar, com cenas que psicologicamente roçam o insuportável, o filme de Fernando Meirelles (que nos dera “”O Fiel Jardineiro” e “Cidade de Deus”, entre outros) assume-se como um exercício de escrita coerente e compacto, sem grandes deslizes e uma progressão dramática tensa e obsessiva. A parábola da cegueira mexe com os espectadores, tal como mexe com os leitores (mas no cinema a cegueira é mais “visível”), pois continua a ser uma das ameaças mais temidas. Por isso livro e filme adquirem tamanho impacto e desespero. Depois, o significado torna-se muito claro. Os propósitos do livro eram demasiados evidentes, os do filme são-no igualmente. Não é preciso pensar muito para se chegar onde os autores querem chegar.
Neste aspecto, acho José Saramago um óptimo e fortíssimo inventor de boas histórias com moralidades sociais mais ou menos evidentes. Depois, dependendo dos títulos, a sua escrita tem pouco de subtil, não deixa grande lugar ao leitor, manipula-o deliberadamente com um maniqueísmo óbvio, esgrimindo “lições” compulsivas, que o tornam por vezes demasiado demagógico. É uma opinião pessoal, obviamente. Devo dizer que é um autor que não perco, mas que nem sempre chego ao fim. O livro retirado deste seu romance é, porém, uma adaptação fiel ao espírito da obra, mas algo que me quadra melhor. Não será uma obra-prima perfeita, longe disso, mas é um filme que consegue marcar os espectadores de forma indelével. Os monólogos do velho negro são escusados, mas as personagens são muito bem trabalhadas, os actores bons, Julianne Moore brilhante (fico a aguardar pelas nomeações para a ver incluída na lista e é bem capaz de haver mais umas quantas surpresas, argumento adaptado, por exemplo). Há cenas magníficas, a violação colectiva, a mulher morta a ser lavada, a insurreição da camarata 1, a cena de amor entre o médico e a mulher dos óculos escuros, logo a cena inicial do primeiro anúncio de cegueira, que nos introduz num ambiente de cortar à faca, e algumas mais. A segurança de Meireles a segurar a tensão num plano altíssimo é de assinalar. A fotografia colabora enormemente para este clima, não só de cegueira colectiva, como de morbidez e viscosidade contagiante. No que a direcção artística funciona bem, igualmente. As cenas de ruas, com os amontoados de carros e lixo, o cenário desolador de porcaria acumulada nos corredores das camaratas, e no interior das mesmas, os supermercados esventrados, tudo contribui para restituir um ambiente de fim de mundo convincente e brutal.
Normalmente a imagem é mais demagógica que a palavra, porque mais evidente, porque mostra em vez de sugerir. Neste caso, porém, o cuidado de Fernando Meirelles e da sua equipa em manter o filme num nível de grande plausibilidade consegue tornar uma aposta difícil e perigosa numa aposta ganha.
ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA
Título original: Blindness ou Ensaio Sobre a Cegueira
Realização: Fernando Meirelles (Canadá, Brasil, Japão, 2008); Argumento: Don McKellar, segundo romance de José Saramago (“Ensaio sobre a Cegueira”); Produção: Andrea Barata Ribeiro, Niv Fichman, Sonoko Sakai, Bel Berlinck, Sari Friedland, Simon Channing Williams, Gail Egan, Akira Ishii, Victor Loewy, Tom Yoda, Claudia Büschel, Aeschylus Poulos, Chris Romano, Austin Wong, Nicolas Aznarez; Música: Marco Antônio Guimarães; Fotografia (cor): César Charlone; Montagem: Daniel Rezende; Casting: Deirdre Bowen, Susie Figgis; Design de Produção: Matthew Davies, Tulé Peak; Direcção artística: Joshu de Cartier; Decoração: Erica Milo; Guarda-roupa: Renée April; Maquilhagem: Debra Johnson, Janie MacKay, Susan Reilly LeHane, Micheline Trépanier, Anna Van Steen, Catherine Viot; Direcção de produção: Marcelo Cotrim, Andrezza de Faria, Ivan Teixeira; Assistentes de realização: Adam Bocknek, Penny Charter, Joana Cooper, Tyler Delben, Walter Gasparovic, Tomas Portella, Flavia Zanini; Departamento de arte: Mary Arthurs, Daniel Fernandez, Steve Stack; Som: Guilherme Ayrosa, Alessandro Laroca, Eduardo Virmond Lima; Efeitos visuais: Martin Cobelo, Madhava Reddy, Andre Waller, Andre Waller; Companhias de Producção: Rhombus Media, O2 Filmes, Bee Vine Pictures, Alliance Films, Ancine, Asmik Ace Entertainment, BNDES, Corus Entertainment, Fox Filmes do Brasil, GAGA Communications, IFF/CINV, Movie Central Network, Téléfilm Canada;
Intérpretes: Julianne Moore (mulher do médico), Mark Ruffalo (médico), Alice Braga (mulher dos óculos escuros), Yusuke Iseya (primeiro cego), Yoshino Kimura (mulher do primeiro cego), Don McKellar (ladrão), Jason Bermingham, Maury Chaykin, Mitchell Nye (rapaz), Eduardo Semerjian, Danny Glover (negro com olho tapado), Gael García Bernal (o “rei”), Joe Pingue, Susan Coyne, Fabiana Guglielmetti, Antônio Fragoso, Lilian Blanc, Douglas Silva, Joe Cobden, Daniel Zettel, Mpho Koaho, Tom Melissis, Tracy Wright, Amanda Hiebert, Jorge Molina, Patrick Garrow, Gerry Mendicino, Matt Gordon, Sandra Oh, Anthero Montenegro, Fernando Patau, Otávio Martins, João Velho, Marvin Karon, Joseph Motiki, Johnny Goltz, Robert Bidaman, Niv Fichman, Oscar Hsu, Martha Burns, Scott Anderson, Michael Mahonen, Joris Jarsky, Billy Otis, Linlyn Lue, Toni Ellwand, Mariah Inger, Nadia Litz, Isai Rivera Blas, Rick Demas, Kelly Fiddick, Matt Fitzgerald, Mike G. Yohannes, Norman Owen, Jackie Brown, Victoria Fodor, Agi Gallus, Bathsheba Garnett, Alice Poon, Plínio Soares, Rodrigo Arijon, Mel Ciocolato, Heraldo Firmino, Carol Hubner, Fernando Macário, Eduardo Parisi, Rodrigo Pessin, Domingos Antonio, Ciça Meirelles, Katherine East, Katia Kieling, etc.
Duração: 120 min; Classificação etária: M/16 anos; Distribuição em Portugal: Lusomundo; Data de estreia: 13 de Novembro de 2008 (Portugal).

domingo, novembro 16, 2008

CINEMA: DESTRUIR DEPOIS DE LER

DESTRUIR, DEPOIS DE LER
Não custa muito acreditar que certa crítica tenha ficado um pouco desasada coma última película dos irmãos Joel e Ethan Coen. Para muito boa gente, “Este País Não é Para Velhos” era apenas um grandioso e seriíssimo filme de uma violência sem limites, sobre a violência sem limites, esquecendo que os Coen são uns brincalhões, uns humoristas, por vezes muito negros, que, no que eu me lembre, nunca fizeram um filme sem uma ponta de ironia e de sarcasmo. Não está nos seus genes essa coisa de não se rirem, mesmo do que parece não ter graça nenhuma. Quando a coisa não tem graça, eles inventam-na. Uma vez por outra falham (desastroso o remake de “O Quinteto era de Cordas”), mas quase sempre acertam.
Umas vezes pode pender mais para o sério, outras mais para a galhofa, mas nunca anda o grave e o austero sem a sua quota de ironia, nem o humor sem a sua parcela de crítica inteligente e corrosiva. O que se passa em “Burn After Reading” é um curioso equilíbrio entre a crítica a uma certa e despudorada actual sociedade norte-americana e a sátira a essa mesma sociedade, num filme em que todos os seus intervenientes se divertiram magnificamente, uns a escrever e realizar, outros a interpretar figuras de uma imbecilidade total, todas elas ligadas a aspectos essenciais da actualidade ianque.
Há o agente da CIA, o inspector de finanças, a médica, a escritora, os empregados de um ginásio, os directores da CIA, e afins. Estamos em Washington (e por alguma razão os Coen escolheram a capital política do País), e esta gente toda, como num filme de Robert Altman, começa sem se conhecer entre si, mas, à medida que a acção progride, os cordelinhos vão-se interligando. São todos frustrados e estúpidos como as portas, andam todos engalfinhados sexualmente uns com os outros e, no meio das infidelidades que se cometem a toda a hora, vai girando um CD com dados aparentemente reservados de um agente da CIA que está a escrever as memórias e cuja mulher lhe rouba os segredos do PC, sobretudo para lhe escamotear as contas bancárias. Os segredos vão parar à Embaixada da Rússia, em busca de uma boa recompensa que dê para esticar as mamas e adelgaçar o rabo e as pernas à empregadota de meia idade do ginásio, que leva consigo, a reboque, um mais que idiota "personal trainer" do mesmo estabelecimento. Não vale a pena imaginar a confusão, vale a pena mesmo ver in loco.
O filme é divertidíssimo, interpretado com um humor irresistível por um grupo de excelentes actores que não só trabalham bem, como gostam de se divertir à grande e à americana: Brad Pitt, quase irreconhecível, com um humor de caricatura a roçar Jerry Lewis, George Clooney, como sempre a parodiar-se a si próprio e à imagem do garanhão que se lhe colou, John Malkovich, mais louco de que alguma vez já aparecera, Frances McDormand, numa personagem tão forte e convincente como a que interpretara em “Fargo”, Tilda Swinton, fria e distante, mas muito bem integrada no grupo, e ainda as breves aparições de J.K. Simmons, um dos chefes da CIA que não sabe nada de nada do que se passa na sua casa, são apenas os rostos principais de “uma conspiração colectiva” que aterrou nos EUA e nos oferece um retrato bem inquietante da América de Bush. Esta era nitidamente a intenção dos Coen. Conseguida. Ainda por cima através de uma divertida paródia que nos remete para algumas das obsessões e traumas da sociedade actual, dos encontros marcados via “chats” da Internet à mórbida dependência das cirurgias plásticas. Tudo em nome de encontrar um grande amor, o que quase todos procuram, mas nenhum consegue. Aparelhos imaginosos para provocar mecanicamente o prazer, almofadas para melhor orientar as “orgias” ou corridas pedestres de oito quilómetros para manter o físico são alguns artifícios vislumbrados, mas ineficazes.
De resto, nada disto parece ter importância, nenhuma destas intrigas que provoca assassinatos e loucuras representa o que quer que seja, se vistas de longe, lá do cima, do majestoso universo, como nos indicam os planos iniciais e finais de "Burn After Reading". Quando a câmara se afasta rumo à vastidão do desconhecido, a imbecilidade dos homens dilui-se numa paisagem liliputiana.
Os Coens informaram que com esta obra deram por terminada a sua trilogia dos idiotas (os títulos anteriores tinham sido, segundo eles, "O Brother, Where Art Thou?", 2000, e "Intolerable Cruelty", 2003). A verdade é que quase toda a filmografia destes irmãos cineastas é composta por filmes que não nos falam senão de idiotas em momentos de crise, que os levam a desbloquear situações de uma violência incontrolável. Uns mais sérios, outros mais parodiantes. Mas todos “loucos”.
Não é uma obra-prima mas sabe muito bem.