Seguiu-se Monsanto, o ex-libris das aldeias portuguesas do Estado Novo. Lá está o galo de prata, erguido sobre o campanário de uma torre, a assinalar o troféu da “aldeia mais portuguesa de Portugal”. Os valores deste nacionalismo do SNI nunca me empolgaram, mas a aldeia sim, é impressionante, “não se sabe se é a casa que sai da pedra, se a pedra que sai da casa”, como diz um poeta muito citado. São dezenas e dezenas de casas incrustadas na elevação que brota isolada a caminho já do Alentejo. O castelo lá em cima parece inacessível, as ruelas sobem em ascensão desmedida. Conta-se que ninguém conseguia de lá retirar os resistentes, e que, um dia, durante um cerco de espanhóis (seriam espanhóis?), os portugueses sitiados lançaram encosta a baixo um vitelo recheado de trigo para as tropas envolventes perceberem que viviam na abastança e que não seria à fome que os derrotariam. Se é verdade ou não, não o sei, mas dizem que quem rodeava o castelo se foi embora. Grande parte do castelo também foi pelos ares quando, no século XIX, se deu uma explosão do paiol de munições. O que resta, está lá em cima, bem no alto. Serve para turismo e para celebrar as Festas de Santa Cruz, que popularizaram as bonecas de trapos conhecidas por marafonas.
Ainda hoje é difícil subir ao castelo. Eu que o diga, que tentei encher o peito de ar puro até meia encosta e desisti depois, ficando-me por um chá quente na Pousada explorada por um espanhol de Sevilha.
Mas não deixei de passar na casa e no consultório do médico Fernando Namora que ali escreveu os “Retalhos da (sua) vida de Médico” e a “Nave de Pedra”.
De regresso a Castelo Novo, tempo houve ainda para uma passagem por Idanha-a-Velha, que se anuncia “um museu a céu aberto” e assim é na verdade. Aldeia parada no tempo, cidade abandonada, uma taberna aberta com quatro convivas a dividir pão, vinho e um prato de carne de porco, frente ao ecrã da televisão, e o senhor Joaquim Pinto, oitenta anos a varrer as ruas, frente ao portão do impressionante edifício da família Marrocos, foram os únicos vestígios de vida. Os trinta convivas que passavam pelas ruas desta Idanha-a-Velha, juncadas de pedras tumulares e outros vestígios arqueológicos, mais se assemelhavam a mortos-vivos de um filme de George Romero.
A discreta iluminação de tom amarelado, numa noite de céu descoberto, mas de intensa escuridão, fornecia ao grupo o sombreado de uma turba a perturbar o silêncio dos antepassados. Retomados ao autocarro e às informações da nossa simpática guia Olga, rapidamente descobrimos que a próxima paragem era “O Lagarto”, restaurante típico de Castelo Novo, onde soube que o Sporting tinha ganho à Naval por 1 a zero, com nove em campo, e onde um retemperador bacalhau com natas nos preparou para a noitada de tertúlia.
Foto MEC
A tertúlia aconteceu a partir das 21, 30 horas, nos já referidos Paços de Concelho, uma sala espaçosa, onde mesas de oito ou dez convivas, reuniam para cima de uma centena de "tertuliadores". Havia os oradores “convidados”, quase todos professores de universidades que tinham a poesia e a palavra escrita como paixão, e que, pela prosa ou pelo verso, encheram de magia a noite fria. Antonieta Garcia, Maria de Lurdes Barata, Alix de Carvalho, José Pires, Amílcar Martins, o brasileiro Luís Octávio Fraz e o músico Miguel Carvalhinho (além de mim próprio) movimentaram-se o melhor que sabiam e podiam para conferir cor e emoção a uma noitada de troca de palavras e de sorrisos. Teve direito a manifesto. Esperemos que tenha também continuação. Sim, eu sei, não se disse nada de fundamental, mas muitas vezes o inútil pode tornar-se no essencial.
Domingo, ao início da tarde, um Intercidades, partindo do Fundão, trazia-me de volta a Lisboa. E aos blogues também.
fotos do autor e três (assinaladas) de MEC (que agradeço).
2 comentários:
Tio Lauro António
A minha tia Lígia diz-me muitas vezes que a Gardunha e as terras do Fundão são (eram, eram...)
as mais bonitas do mundo!!!!
Beijinhos por teres andado por lá
(as saudades que eu tenho das terras do Fundão)
Chuac!_
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