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quarta-feira, fevereiro 12, 2020

TEATRO: A PEÇA QUE DÁ PARA O TORTO




A PEÇA QUE DÁ PARA O TORTO

Hoje é dia de estreia de “A Peça Que Dá Para o Torto”, no original “The Play That Goes Wrong”. É um texto dos ingleses Henry Lewis, Jonathan Sayer e Henry Shields, que se encontra em exibição em Londres, há mais de cinco anos, numa produção da Mischief Theatre Company, com encenação de Hannah Sharkey. Grande sucesso de público e de crítica, com emigração para os palcos de mais de trinta países, e muitos prémios arrecadados, quer em Inglaterra como por outras latitudes.
A versão que vamos ver em Lisboa é o que se chama uma "replica show". O que significa que a UAU, empresa produtora portuguesa, adquiriu "os direitos todos da peça, não só do texto, mas também do cenário, da luz, da música, de tudo". Uma encenadora britânica, Hannah Sharkey, tem estado em Lisboa, para assegurar que tudo corra como acontece em palcos ingleses, mas a tradução para português, com algumas indispensáveis adaptações, é de Nuno Markl, e, neste contexto,  surge igualmente a figura do encenador residente, Frederico Corado, que divide responsabilidades locais com os demais responsáveis (só para que conste, é meu filho, para assim ficar assegurado desde já algum possível conflito de interesses).
A obra é muito divertida, bem construída, sólida peça de carpintaria (não é um eufemismo, como veremos mais adiante), não pactua com a estupidez tatas vezes reinante neste tipo de produção, afirmando-se pelo contrário como obra inteligente e de humor crítico e sensível. É realmente um vendaval de gargalhadas, mas não vazio de sentido e inócuo.
Antes de mais, trata-se de uma peça no interior de uma peça. Uma peça inglesa, tipicamente british, encenada pelo núcleo de Teatro da Sociedade Recreativa e Cultural do Sobralinho. Logo de início o encenador coloca os pontos nos ii. A Sociedade tem tido muitas dificuldades para levar a cena algumas produções, sobretudo por falta de meios. A versão de Os Miseráveis passou a O Miserável, a Branca de Neve passou a ser acompanhada unicamente pelo Matulão, à falta de sete anões, de Tennesse Williams apresentaram O Triciclo Chamado Desejo (e depois tiveram ainda que actualizar: O Skate Chamado Desejo).
A peça que hoje levam a cena é uma produção de estilo policial, “Crime na Mansão Haversham”, que começa logo com o aparecimento de um cadáver estendido no meio de um cenário de um certo mau gosto britânico, uma velha mansão, como tantas outras que surgem no teatro e no cinema provindos daquela ilha que recentemente se afastou da EU. Não se trata tanto de uma paródia ao estilo de Agatha Christie, mas sim às medíocres réplicas desta escritora, que por aí proliferam.
Depois as investigações em relação àquela morte iniciam-se. Surgem sete pessoas naquela sala de estar com cheiro a velório: o irmão do morto, a noiva do morto, o irmão da noiva (por sinal brasileiro), o mordomo (não podia faltar), um inspector (está lá fora o inspector!) e ainda há mais alguns intervenientes como a contrarregra ou aderecista e ponto, e o técnico de som, irritadíssimo porque lhe roubaram um CD dos Duran Duran. Além disso, perdeu-se um cão, de que só sobrou a trela…
Primeiro aspecto a ressalvar neste contexto: a peça agarra nalguns estereótipos do policial e mesmo do romance negro e parodia-os com imensa graça. O morto, o mordomo, o inspector, a femme fatale que não resiste a nenhum macho, os suspeitos, tudo é posto em causa, assim como cada adereço, cada puxador de porta, cada vidro de janela, cada quadro, cada lareira (há só uma!), cada praticável. Nada está no sítio certo nem na hora exacta. O que potencia a hecatombe, de desgraça em desgraça até ao terramoto final.



A peça é bastante bem representada, por um elenco muito jovem, mas globalmente talentoso, mas esta não é uma representação vulgar. Todos têm de apresentar alguns resquícios de acrobatas, tal o empenhamento físico que a peça exige aos seus intervenientes. Se a construção do cenário e a colocação dos adereços pressupõe um trabalho minucioso, de relojoeiro, em que todos os elementos têm de estar no seu local determinado ao segundo exigido, o facto deste cenário já vir importado de Londres (via Espanha) ajudou em muito. Mas o elenco português teve de se adaptar a este cenário maquiavélico que impõe um ritmo endemoniado e uma certa destreza corporal. A Inês Castelo-Branco a ser retirada “desmaiada” por uma janela não é para qualquer uma, nem o Miguel Thiré a equilibrar-se com três móveis é para todos (e não digo mais, quem for ver avaliará). Mas todos os actores passam as passas do Algarve nesta comédia de slapstick, muito na linha de alguns grandes cómicos como Keaton, Chaplin ou Lloyd.
Segundo aspecto a sublinhar. Não sei se conscientemente se não, esta peça assume um papel pedagógico muito interessante. Pretende ser objectivamente uma representação realista ou naturalista e acaba por evoluir para um simbolismo, um non sense minimalista. Tal como Picasso que era um pintor realista notável ainda muito jovem, e depois foi evoluindo para o cubismo e até para a abstração, o mesmo acontece nesta peça. Um exemplo. Quando procuram retirar o cadáver da sala de estar, vão buscar uma padiola e colocam nela o corpo. Mas o pano cede, o corpo cai, os transportadores não se dão por vencidos e continuam a transportar a padiola, agora só as pegas de madeira. Mais tarde já mimam o transporte do corpo só com as mãos. A cena vai evoluindo do realismo para o simbolismo mais minimalista, um pouco uma das vias do teatro moderno.
Mais. Existe uma femme fatale (obviamente a Inês Castelo-Branco) que veste vermelho, como se esperaria. As tantas ela desaparece e a contrarregra surge a substituí-la apenas com o vestido vermelho sobre a jardineira. Buñuel realizou um filme com duas actrizes a interpretar o mesmo papel. O público na peça teatral compreende a substituição, assim como a entende mais tarde quando será um homem a aparecer neste papel.
“A Peça Que Dá Para o Torto” não só desconstrói os estereótipos do policial, como vai mais longe e deixa perceber o mecanismo da identificação num espectáculo teatral que não necessita do realismo para tornar evidente certas propostas. Por tudo isso um belo espectáculo que ainda bem que, neste caso, deu para o torto.
Prémio Olivier para Melhor Comédia Nova em Inglaterra, “The Play That Goes Wrong” tem um elenco globalmente muito eficaz, composto por Alexandre Carvalho, Cristóvão Campos, Igor Regalla, Telmo Mendes, Inês Castel-Branco, Joana Pais de Brito, Miguel Thiré e Telmo Ramalho. Sem querer menosprezar ninguém, devo sublinhar o trabalho destes quatro últimos.
Em cena a partir de hoje, no Auditório dos Oceanos, do Casino de Lisboa, tem estadia prevista até Junho.



segunda-feira, novembro 25, 2019

CHICAGO, O MUSICAL




CHICAGO NO TRINDADE

A peça musical, é excelente. Já o sabia. A primeira encenação deveu-se a Bob Fosse, em 1975. Essa não vi no original, mas tive mesmo a sorte de ver, num palco de Londres, uma reposição interpretada pela fabulosa Ute Lemper. Depois vi o filme de Rob Marshall, com um belo elenco, onde surgiam Renée Zellweger, Catherine Zeta-Jones, Richard Gere, John C. Reilly e Queen Latifah. Agora aparece no Teatro da Trindade, numa tradução excelente de Ana Sampaio e de Rui Melo (este nas canções), com belíssima e vigorosa encenação de Diogo Infante, com um elenco competentíssimo, de actores, cantores, bailarinos, músicos e etc. De resto, é tudo bom, a cenografia, os figurinos, os desenhos de luz e de som. Ao nível do que de melhor se faz lá fora. Assim vale a pena. Além de que a peça é um prodígio de critica social, com o dedo sempre bem apontado aos poderes e as instituições. Bravo. É daqueles espectáculos que apetece rever logo a seguir.


CHICAGO. Original de Fred Ebb e Bob Fosse, segundo peça de Maurine Dallas Watkin; Música: John Kander; Tradução: Ana Sampaio; Tradução canções: Rui Melo; Encenação: Diogo Infante; Intérpretes: Gabriela Barros, Soraia Tavares, Miguel Raposo, José Raposo, Catarina Guerreiro, Ana Cloe, Carlota Carreira, Catarina Alves, Filipa Peraltinha, Leonor Rolla, Mariana da Silva, Sofia Loureiro, David Bernardino, Gonçalo Cabral, João Lopes, JP Costa, Pedro Gomes e Ricardo Lima; Direção musical: Artur Guimarães; Coreografia: Rita Spider; Cenografia: F. Ribeiro; FIgurinos: José António Tenente; Desenho de luz: Paulo Sabino; Desenho de som: Nelson Carvalho; Coprodução: Teatro da Trindade INATEL e Força de Produção.

quarta-feira, fevereiro 22, 2017

"AVENIDA Q", O MUSICAL


AVENIDA Q

“Que merda que eles são”. Eles são os actores de “Avenida Q” e é assim que iniciam a representação de cada dia. Um a um aparecem em palco e vão cantando “Que merda que eu sou”. Referem-se às suas capacidades interpretativas? Não. Falam enquanto personagens do musical. Ou seja, cada um deles considera-se uma merda porque não consegue realizar os seus sonhos. Um tirou um curso, fez mestrado, etc, e não arranja emprego, outra sonha com uma escola para “monstrinhos”, outro não sai do armário apesar de ser gay, outros ainda não têm meios para casarem, e assim por diante. É conveniente não esquecer ainda a Paula Porca que faz as delicias de quem com ela se cruza.
Elas são as personagens que vivem nesta avenida Q que durante hora e meia vão representar, dançar e cantam as desditas, mas também a esperança de cumprirem os seus sonhos, e verdadeiramente encantar o público que esgota as sessões diariamente do Teatro Trindade.
Dizem os promotores do espectáculo que “Avenida Q” “é o musical mais estúpido e genial de todos os tempos - uma Rua Sésamo em esteróides, que junta à estética Muppets uma linguagem tão adulta, que só funciona mesmo porque a vida é uma longa marcha de tédio em direção à campa. Ah, e porque as músicas são bestiais”.
Na verdade, os actores surgem em palco acompanhados cada um por uma marioneta que recorda obviamente os Marretas ou a Rua Sésamo, mas a linguagem é manifestamente outra. Muito mais abrasiva, mas tão bem-disposta e tão natural que não choca (ou choca na medida certa) o público que a ouve. Soa a crítica certeira e actual a muitos dos problemas que a sociedade em que vivemos enfrenta, do racismo ao preconceito, da dependência da internet à do sexo, da falta de emprego a etc. e tal. É um bom retrato de um mundo um pouco à deriva.
“Avenida Q” estreou na Broadway e tem sido um sucesso ali e por todos os países por onde tem passado. O texto é de Robert Lopez, Jeff Marx e Jeff Whitty, foi traduzido por Henrique Dias com graça e uma ou outra adaptação ao caso português muito a propósito, tem uma cuidada encenação de Rui Melo, que aproveita a encenação americana, mas o faz com eficácia e alguma originalidade, tem tradução e adaptação de canções dos mesmos Henrique Dias e Rui Melo, direção musical de Artur Guimarães e desenho de luz de Paulo Sabino. Do elenco, muito jovem, muito homogéneo, muito inspirado, fazem parte Ana Cloe, Diogo Valsassina, Gabriela Barros, Inês Aires Pereira, Manuel Moreira, Rodrigo Saraiva, Rui Maria Pêgo, Samuel Alves, Artur Guimarães, Luís Neiva e André Galvão. Uma produção “Força de Produção” que aconselho vivamente.

Dizem que a juventude não gosta de musicais. Pois desloquem-se ao Trindade e assistam in loco ao desmentir dessa (falsa) conclusão. De resto, algo se passa no teatro em Portugal. Nos últimos tempos fui quatro vezes ao teatro, ver “As Árvores Morrem de Pé”, “A Noite de Iguana”, “Amália” e “Avenida Q” em salas que não se pode dizer que tenham poucos lugares, Politeama, São Luiz e Trindade. Todas as sessões completamente esgotadas. Público que se pode muito bem afirmar em histeria no final, aplaudindo de pé. O teatro está vivo. 

quarta-feira, fevereiro 01, 2017

TEATRO: A NOITE DE IGUANA



JORGE SILVA MELO: 

A NOITE DE IGUANA



Há já alguns anos vi no Teatro Maria Matos, numa encenação de João Paulo Costa, "A Noite da Iguana", peça de Tennessee Williams, numa produção conjunta daquele teatro e do ACE/Teatro do Bolhão. Nessa altura escrevi sobre a peça: “Não me parece que “The Night of Iguana” seja uma das melhores peças de Tennessee Williams, mas sei que deu um belíssimo e intenso filme com a assinatura de John Huston e desempenhos memoráveis de Richard Burton, Ava Gadner, Sue Lyon e, sobretudo, dessa espantosa Deborah Kerr. Era um elenco explosivo. Conta-se que o velho e divertido cineasta (um dos meus preferidos!), antes de iniciar as filmagens com tão “poderoso” elenco (e ainda com a presença de Elisabeth Taylor, a “controlar” o seu então marido) resolveu presentear os protagonistas, e também Elisabeth Taylor, com uma pistola e quatro balas douradas onde haviam sido previamente gravados os nomes dos demais actores. Felizmente, ninguém chegou a precisar de usá-las. Mas isto dizia bem, ainda que de forma irónica, do grau de tensão que existia entre o elenco. O mesmo se verificou entre as personagens, no resultado final.
A intriga não tem muito que contar. Lawrence Shannon (Richard Burton), ex-pastor protestante e admirador de uma boa bebida, trabalha agora como guia turístico, e dirige uma excursão formada por professoras bem entradotas na idade, que se fazem acompanhar por uma jovem, Charlotte Goodall (Sue Lyon, a “Lolita” de Kubrick), obcecada em seduzir o ex-sacerdote.


Tudo se irá concentrar numa perdida aldeia da costa mexicana, num motel a cair de podre, com uma vista soberba, dirigido por uma viúva que se faz acompanhar nos seus banhos nocturnos por dois efebos a tocar marimbar (é o mínimo que se pode antever). Aí se juntam em refúgio Lawrence Shannon, mais o grupo de excursionistas enraivecidas, dirigidas por uma recalcada e puritana Miss Fellowes (Grayson Hall), que não perdoa a Lawrence ter seduzido, ou ter sido seduzido, pela jovem Charlotte. Para culminar surge uma outra dupla extravagante e falida, composta por Hannah Jelkes (Deborah Kerr) uma pintora empreendedora, e o seu avô, poeta, que arrasta os seus muitos anos numa cadeira de rodas.
O ex-padre ressente-se da fé abalada, esforça-se para juntar os pedaços de uma vida despedaçada, e vê-se encurralado por três mulheres que o cortejam cada uma à sua maneira. Neste jogo de vida ou de morte, de salvação ou perdição, Huston conseguia alguns bons momentos de quente sensualidade na tumultuosa paisagem mexicana. Os actores ajudavam bastante a retirar tensão dramática neste embate de destroços, mas o talento de Huston apadrinhava muito na direcção de actores, e no aproveitamento das suas potencialidades, enquadrando-os em excelentes cenários, fabulosamente fotografados a preto e branco. Nos Óscares do ano ganharia um para o melhor guarda-roupa, Dorothy Jeakins, e foi nomeado para outros três que não venceu, melhor actriz secundária, Grayson Hall, melhor direcção artística, Stephen B. Grimes, e melhor fotografia, para mestre Gabriel Figueroa”.
Quando abordava aqui a encenação então vista, acrescentava: “deve dizer-se que a cenografia de Paulo Oliveira é bonita e funcional, os figurinos de Ana Teresa Castelo interessantes, a iluminação eficaz, mas tudo o resto deixa algo a desejar”.  
Surge agora uma nova versão encenada por Jorge Silva Melo, uma co-produção dos Artistas Unidos/SLTM/TNSJ e a minha apreciação é totalmente diversa. A encenação de Jorge Silva Melo é, como se esperaria, muito interessante, criando momentos de tensão, sublinhando aspectos importantes da obra teatral, mantendo um ritmo certo e ajustado, cuidando da interpretação dos actores, alguns dos quais bastante bons, destaques especiais para Nuno Lopes (Lawrence Shannon), Maria João Luís (Maxine Faulk), Catarina Wallenstein (Charlotte Goodall) e, para mim uma revelação, Joana Bárcia (Hannah Jelkes), mas com duas ou três reservas, que lamento. Não gosto muito do cenário de Rita Lopes Alves e Luz Pedro Domingos, que me parece pobre e pouco adequado à obra, sobretudo as paredes frontais da pensão, pobre mas ao tanto!, e julgo as aparições do grupo de estouvados jovens para-nazis um pouco “garridas” demais, digamos assim, quebrando (era isso que se pretendia, eu sei) o clima de algumas cenas. Mas parecem-me excessivas e não muito consentâneas com os propósitos.
De resto, e apesar de continuar a achar esta peça menos interessante que outras do mesmo autor, como “A Gata em Telhado de Zinco Quente” ou “O Doce Pássaro da Juventude”, trata-se obviamente de uma obra a considerar, o que me leva a agradecer a Jorge Silva Melo a sua opção por colocar à disposição do público português este magnífico ciclo Tennessee William (onde ainda coube “Jardim Zoológico de Vidro”). Ficamos à espera de “Subitamente no Verão Passado” e, sobretudo, “Um Eléctrico Chamado Desejo”.


A NOITE DA IGUANA. Texto de Tennessee Williams; Tradução Dulce Fernandes; Cenografia e Figurinos Rita Lopes Alves, Luz Pedro Domingos; Som André Pires; Coordenação Técnica João Chicó; Produção João Meireles; Assistência de Encenação Nuno Gonçalo Rodrigues e Bernardo Alves; Encenação Jorge Silva Melo; Uma produção Artistas Unidos/SLTM/TNSJ; Intérpretes: Nuno Lopes (Lawrence Shannon), Maria João Luís (Maxine Faulk), Isabel Muñoz Cardoso (Judith Fellowes), Joana Bárcia (Hannah Jelkes), Pedro Carraca (Hank Prosner), Tiago Matias (JakeLatta), João Meireles (Herr Fahrenkopf), Vânia Rodrigues (Frau Fahrenkopf), Pedro Gabriel Marques (Pancho), Catarina Wallenstein (Charlotte Goodall), Américo Silva (Nonno), João Delgado (Pedro), Bruno Xavier (Wolfgang) Ana Amaral (Hilda). Em exibição no São Luiz Teatro Municipal, Lisboa, até 5 de Fevereiro; no Teatro Nacional de São João, Porto, de 9 a 26 de Fevereiro de 2017.

quarta-feira, novembro 23, 2016

TEATRO: MAR

MAR, NO CARTAXOPELA ÁREA DE SERVIÇO


A “Área de Serviço”, companhia de teatro sediada no Cartaxo há cinco anos, tem tido uma muito meritória actividade ao encenar peças de teatro essenciais de autores dos mais importantes da dramaturgia mundial. Assim, já passaram pelo palco do Centro Cultural do Cartaxo obras de Oscar Wilde (Um Marido Ideal), Shakespeare (As Alegres Comadres de Windsor), Eduardo De Fillipo (Nápoles Milionária), Bernardo Santareno (O Crime de Aldeia Velha), George S. Kaufman e Moss Hart (Escândalo Nas Notícias da Noite), Nikolai Gógol (O Inspector Geral) Anthony Schaffe (Autópsia de Um Crime), Michael Fryan (Pouco Barulho!), Robert Thomas (8 Mulheres), entre alguns mais, num total de quinze espectáculos, com várias incursões em teatro infantil. No essencial é uma companhia de teatro comunitário, portanto não profissional, amadora na acessão mais nobre do termo. A verdade é que sendo uma companhia amadora pode ombrear galhardamente com algumas profissionais e batendo aos pontos, é uma opinião pessoal, obviamente, algumas dessas que se afirmam muito vanguardistas, mas mais não são do que aldrabices mais ou menos camufladas de intelectualices sem qualquer significado, a não ser épater le bourgeois. Os que se deixam épater, claro.
Pois a “Área de Serviço”, sempre sob a direcção de Frederico Corado, que tem selecionado o reportório e encenado o mesmo, leva agora a cena um texto de Miguel Torga, “Mar”. Um texto que diríamos essencialmente que fala da Nazaré e de pescadores e da lide do mar, nomeadamente da pesca do bacalhau, da vida aventureira e corajosa dos que partem rumo aos mares do Norte para trazerem no bojo das embarcações sustento para si e as famílias. Depois há as esperanças e os desesperos, os amores e as recordações de familiares desaparecidos, a vida de todos os dias e os dramas, as tragédias dos que não regressam.
O texto permite uma encenação cuidada, imaginativa, tensa, jogando habilmente com o espaço do palco e o espaço off, onde acontece muito do que se projecta no interior do palco, podendo mesmo afirmar-se, sem grande erro de julgamento, que este será, senão o melhor, pelo menos um dos melhores trabalhos desta companhia até ao presente, situando-se num plano de competência técnica e de esmero formal quase perfeito. Os progressos do grupo são mais do que evidentes de ano para ano. O cenário é simples e atrevo-me a dizer que brilhante nos efeitos que permite criar e sugerir.  O jogo de luzes é muito bom, a sonoplastia segura, sóbria, mas criando aqui e ali momentos de um dramatismo sólido. A direcção de actores é de rara eficácia, sendo de sublinhar não só a entrega de todo o elenco, mas a qualidade do trabalho da grande maioria destes actores não profissionais, muitos dos quais não destoariam já numa qualquer companhia profissional.
De parabéns, portanto, a “Área de Serviço”, o seu entusiasta mentor Frederico Corado, todos os seus artífices e inclusive a cidade do Cartaxo que descobriu no seu seio uma bela companhia de teatro que merece todo o apoio e aplauso.

No próximo fim de semana, 26 e 27, os dois últimos espectáculos. Sábado às 21 horas, domingo, às 16 horas. Vale a pena não perder. Já agora, senhores críticos de teatro deste país, se é que os há, saiam de Lisboa e visitem o Cartaxo. 

Ficha técnica 
Com Carolina Seia Viana, Mário Júlio, Vânia Calado, Rosário Narciso, Ana Ribeiro, Sara Xavier, Gabriel Silva, Tomás Formiga, Carlos Ramos, António Calado, Miguel Viegas, João Paulo, José Falagueira, Sara Inês, Marta Cabete, Luis Silva, João Vitor, Carolina Parente, Joana Pinheiro, Jeanine Steuve, Maria José Cerqueira.

Texto de Miguel Torga | Encenação: Frederico Corado | Concepção Cenográfica: Frederico Corado | Execução Cenográfica : Mário Júlio | Produção da Área de Serviço : Frederico Corado, Vânia Calado e Mário Júlio com a assistência de Florbela Silva e Carolina Viana | Assistente de Encenação: Vânia Calado | Direcção de Cena: Mário Júlio | Técnica: Miguel Sena | Desenho de Luz: Bruno Santos | Montagem: Mário Júlio | Uma Produção da Área de Serviço com o Centro Cultural do Cartaxo e Câmara Municipal do Cartaxo
Apoios: Câmara Municipal da Nazaré | Grupo Etnográfico Danças e Cantares da Nazaré| Casa das Peles | Sotinco | J.M.Fernandes - Vidreira e Alumínio | Negócio de Família | E.Nove | Tejo Rádio Jornal | Revista Dada | Jornal de Cá | Valor Local | Teatralmente Falando | Guia dos Teatros
Facebook: https://www.facebook.com/AreaDeServico
 
Centro Cultural do Cartaxo
Rua 5 de Outubro | 2070-059 Cartaxo, Portugal

Teatro . M/12
Bilhetes: 5€ 

Info e reservas:
CCC - 243 701 600 (quarta a domingo das 15.00 às 22.00)
Área de Serviço - 914 338 893 (segunda a segunda das 9.00 às 23.00) 
ou centroculturalcartaxo@gmail.com | areacartaxoreservas@gmail.com

segunda-feira, janeiro 11, 2016

TEATRO: POUCO BARULHO


POUCO BARULHO

“Pouco Barulho” é uma excelente comédia inglesa, da autoria de Michael Frayn, e que tem sido encenada um pouco por todo o lado com resultados brilhantes. Em Londres “Noises Off”, no seu título original, recebeu o prémio de melhor comédia do ano de 1982, o mesmo acontecendo em Nova Iorque, em 1984.
O que tem de tão especial esta comédia? Parte de uma ideia brilhante, que é muito bem estruturada. Não se trata de um texto de tese, não procura modificar o mundo, apenas divertir os espectadores de uma forma inteligente, ao mesmo tempo que põe a descoberto os cordelinhos de uma produção teatral. O primeiro acto é ocupado com o ensaio geral, ou ensaio técnico, vá-se lá saber qual é o ensaio, de uma peça de teatro que irá estrear no dia seguinte. Nem tudo corre bem. Ou quase tudo corre mal. O que num ensaio geral nem costuma ser mau sinal. Dizem por aí os vaticinadores do futuro que um mau ensaio geral prenuncia uma boa estreia. No segundo acto não vemos o que os espectadores do suposto teatro veem, mas sim o que acontece nos bastidores, a parte detrás do cenário. Se as coisas correm mal pela frente, por detrás são ainda mais calamitosas. Finalmente, no terceiro acto, a companhia já rodou por várias salas e cidades, e está a dar o seu último espectáculo. Pode dizer-se que é a bandalheira geral.

Em 1985, vi no Teatro Villaret, numa produção Vasco Morgado um “Pouco Barulho” de boa recordação, com um elenco de luxo, Nicolau Breyner, Manuela Maria, Henrique Santos, Morais e Castro, Guida Maria, Victor de Sousa, Rosa de Canto, Isabel Mota, Jorge Nery. A tradução era de César de Oliveira e Barry Scraig e a encenação de Varela Silva, com cenários de Octávio Clérigo. Gostei bastante, mas tive uma desilusão de peso. Por essa altura andava eu a escrever uma peça de teatro que tinha mais ou menos a mesma ideia inicial. Depois de ver esta, desisti.


Em 2013, o Centro Cultural Malaposta, apresentou a mesma peça, agora sob a designação de "Tudo a Nu", com nova tradução de Paulo Oom, encenação de Fraga e música original de Adriano Filipe. O elenco era composto por Ângela Pinto, Gonçalo Ferreira, Hélder Gamboa, Inês Castel-Branco, Isabel Ribas, Mónica Garcez, Paulo Oom, Rui Raposo e Rui Sérgio. Não vi esta versão, mas tinha razões para ser interessante.
Agora surge no Cartaxo, no Centro Cultural, numa produção “Área de Serviço”, uma nova tradução da mesma peça, assinada por Frederico Corado, Vânia Calado e Maria Eduarda Colares, por sinal bastante boa, com encenação de Frederico Corado, que também assina a concepção cenográfica e ainda integra o elenco, ao lado de Hugo Rendas, Margarida Leonor, Vânia Parente, Mário Júlio, Carlos Ramos, Sara Inês, Mauro Cebolo e Mónica Coelho. A “Área de Serviço” é uma companhia comunitária, onde todos trabalham por amor à arte, e se veem e desejam para pagar os custos dos cenários e dos adereços. Nenhum apoio substancial, apenas algumas generosas dádivas, e uma vontade férrea de fazer teatro.  Ambiciosos. Já encenaram Oscar Wilde, Bernando Santareno, William Shakespeare, Eduardo De Filippo, Nikolai Gogol, Alice Vieira, Robert Thomas, George S. Kaufman e Moss Hart, entre outros.
Esta encenação de “Pouco Barulho” é extremamente divertida, inteligente e consegue manter um ritmo endiabrado. Trata-se de uma peça dentro de outra peça, de uma daquelas comédias com muitas portas, por onde entram e saem personagens que não se devem encontrar, com pratos de sardinhas, malas e caixas com fichas das finanças, arranjinhos amorosos, fugas ao fisco, ramos de flores trocados e tudo o mais que se possa imaginar. Reservam-se algumas surpresas. O cenário é bonito, sóbrio, mas bem imaginado, e o elenco, quase todo constituído por amadores sem grande experiência, porta-se à altura de algumas companhias profissionais (para não falar de outras, igualmente profissionais, que é melhor esquecer!). É um excelente divertimento, daqueles que não envergonham ninguém, e que devia, isso sim!, fazer corar de vergonha algumas peças e filmes, ditos cómicos, que abundam nas nossas salas nos últimos tempos.
Para os mal-intencionados tenho uma declaração de princípios a fazer. O Frederico Corado é meu filho. Mais uma razão para irem ver, no próximo fim de semana, sexta e sábado às 21,30, e domingo às 16 horas, para ficarem a saber se sou parcial. Eu julgo que não, mas vão lá e vejam. Depois digam.


Pouco Barulho (Noises Off). Texto de Michael Fryan | Encenação: Frederico Corado | Tradução: Frederico Corado, Vãnia Calado e Maria Eduarda Colares | Concepção Cenográfica: Frederico Corado | Intérpretes: Hugo Rendas, Margarida Leonor, Vânia Parente, Frederico Corado, Mário Júlio, Carlos Ramos, Sara Inês, Mauro Cebolo e Mónica Coelho | Execução Cenográfica: Mário Júlio | Produção da Área de Serviço: Frederico Corado, Vânia Calado e Mário Júlio com a assistência de Florbela Silva e Carolina Viana | Assistente de Encenação: Carolina Viana | Direcção de Cena: Mário Júlio | Técnica: Miguel Sena | Contra-Regra: Carolina Viana | Fotografia: Vitor Neno | Montagem: Mário Júlio | Construção de Adereços: Rosário Narciso | Uma Produção da Área de Serviço com o Centro Cultural do Cartaxo e Câmara Municipal do Cartaxo

sexta-feira, maio 08, 2015

TEATRO: HÉCUBA


“HÉCUBA”

“Hécuba” é uma tragédia grega, escrita por Eurípides no ano de 424 a.C.. Passa-se depois de terminada a Guerra de Tróia, antes dos gregos deixarem a cidade, e tem como protagonista Hécuba, uma mulher que foi rainha e é agora escrava, que foi mãe de dois filhos e agora os chora, transformando-se “de um ser bom e humano numa “cadela vingadora de olhos de fogo” (citando o programa do espectáculo e a própria peça). 
A tragédia que agora se estreou no São Luiz, numa produção conjunta da Escola de Mulheres e do próprio São Luiz, é apresentada como “o sofrimento desmedido”, e que outra coisa se pode dizer de uma mulher que perde o país, o marido e dois filhos. A encenação de Fernanda Lapa toma esta base grega para nos falar do “sofrimento desmedido” de todas as mulheres em todas as guerras. Sem local definido, sem tempo anunciado. "Consideramos este espectáculo um libelo contra a guerra e dedicamo-lo a todas as mulheres que por esse mundo fora vivem, por esse motivo, um sofrimento desmedido", diz a encenadora. E continua: "A violência gera violência e o sofrimento em excesso a degradação. Ontem como hoje", escreve Fernanda Lapa.
Digamos que o resultado desta incursão pela tragédia grega é brilhante e asseguro que será, desde já, um dos grandes espectáculos de 2015 em Portugal. O trabalho da encenação é invulgarmente bem conseguido, moldando os corpos e as vozes do elenco, obedecendo a marcações imaginativas e surpreendentes, tudo isto num espaço extremamente austero, mas absolutamente espantoso em termos de eficácia espectacular, um cenário com a assinatura de António Lagarto, que ainda concebe um guarda-roupa admirável. Lagarto é sempre uma garantia e volta a demonstrá-lo. De resto, o elenco chega igualmente a ser notável, com presenças poderosas de Carla Calvão, Margarida Cardeal, Filomena Cautela, Fernanda Lapa, Luís Gaspar, entre outras e outros.
Escusado será aconselhar o público a entrar antes do espectáculo começar (porque também não pode entrar depois deste ter início), mas seria imperdoável perder o prólogo, com o fantasma de Polidoro a lançar luz sobre o flashback que se sucede.


Hécuba, de  Eurípedes; Tradução: José Luís Coelho, Maria do Céu Fialho e Fernanda Lapa; Dramaturgia e encenação: Fernanda Lapa; Espaço cénico e figurinos: António Lagarto; Coreografia e assistência de encenação: Marta Lapa; Desenho de luz: José Nuno Lima; Sonoplastia: Pedro Costa e Sérgio Henriques; Direcção de produção: Ruy Malheiro; Intérpretes: Hécuba: Carla Galvão, Cassandra: Margarida Cardeal, Polixena: Filomena Cautela, Serva: Nuna Livhaber, Clitemnestra: Fernanda Lapa, Coro: Fernanda Lapa, Filomena Cautela, Inês Santos Cruz, Margarida Cardeal, Sandra de Sousa, Nuna Livhaber, Expectro de Polidoro: Vasco Batista, Ulisses: Luís Gaspar, Polimestor: Luís Gaspar, Taltíbio: Vasco Batista, Agamémnon: Afonso Molinar; Co-produção: Escola de Mulheres e São Luiz Teatro Municipal; de 7 a 17 de Maio no São Luiz. 

sexta-feira, abril 24, 2015

TEATRO: DOCE PÁSSARO DA JUVENTUDE


DOCE PÁSSARO DA JUVENTUDE

“Sweet Bird of Youth” é mais uma peça de Tennessee Williams a ser apresentada pelos Artistas Unidos, com encenação de Jorge Silva Melo, depois de no ano passado terem levado à cena “Gata em Telhado de Zinco Quente”. Deve dizer-se que se trata de um excelente espectáculo, com eficaz e justa encenação, belos cenários, e magnífica interpretação de Maria João Luís e Rúben Gomes, à frente de um consistente e homogéneo elenco. A peça, tal como quase todas a deste dramaturgo norte-americano, teve uma versão cinematográfica muito boa, com a assinatura de Richard Brooks, e interpretação a cargo de Geraldine Page e Paul Newman e, se esse trabalho era inesquecível, deve dizer-se que Maria João Luís e Rúben Gomes não os fazem esquecer, mas também não os fazem recordar.
O próprio Jorge Silva Melo evoca de forma muito sucinta o entrecho da peça: “Uma actriz enfrenta o desastre de uma vida, longe dos doces anos da sua juventude. Um rapaz, Chance Wayne, de regresso à terra de onde partiu há anos à conquista do mundo. É Páscoa, mas não haverá ressurreição. Todos procuram voltar a um passado que imaginaram feliz. Enquanto decorre uma sórdida manobra política”.
Passa por aqui um clima de decadência e de desesperada solidão que recorda obviamente “Sunset Boulevard”, tendo como pano de fundo questões políticas e sociais relevantes. A encenação de Jorge Silva Melo é sóbria mas suficientemente clara para por a descoberto toda esta teia de relações viciadas e o trabalho dos actores faz o resto, conferindo densidade e dramatismo às personagens. Um belíssimo espectáculo.

DOCE PÁSSARO DA JUVENTUDE

Texto (Sweet Bird of Youth) de Tennessee Williams; Tradução: José Agostinho Baptista; Encenação: Jorge Silva Melo; Assistência: Leonor Carpinteiro e Nuno Gonçalo Rodrigues; Cenografia e figurinos: Rita Lopes Alves; Som: André Pires; Luz: Pedro Domingos; Produção executiva: João Meireles; Interpretação: Maria João Luís, Rúben Gomes, Américo Silva, Catarina Wallenstein, Isabel Muñoz Cardoso, Mauro Hermínio, Nuno Pardal, Pedro Carraca, Pedro Gabriel Marques, Rui Rebelo,  Simon Frankel, Tiago Matias, Vânia Rodrigues, Eugeniu Ilco, Alexandra Pato, André Loubet, Francisco Lobo Faria, João Estima, Mia Tomé, Tiago Filipe e a participação de João Vaz; Uma produção: Artistas Unidos, Teatro Nacional de São João e São Luiz Teatro Municipal; últimos dias: Sexta e Sábado às 21h00; Domingo às 17h30; Sala Principal; M/14 anos; €12 A €15 (com descontos €5 a 10,50); Duração: 2h. 


terça-feira, abril 21, 2015

TEATRO: ESCÂNDALO NAS NOTICIAS DA NOITE


ESCÂNDALO NAS NOTÍCIAS DA NOITE


“Escândalo nas Notícias da Noite” parte de uma peça teatral americana, de 1928, assinada pela dupla Charles MacArthur e Ben Hecht, que tem tido uma carreira brilhante no teatro, no cinema e na televisão (ver texto abaixo). Agora Frederico Corado adaptou-a à actualidade e a Portugal, mantendo toda a estrutura, sobretudo da sua última versão cinematográfica, “Linhas Cruzadas”. Um canal de televisão português debate-se com alguns problemas, sobretudo ditados pelo auto afastamento da sua repórter principal, ex-mulher do director da estação, e que se prepara para partir em viagem de núpcias para Angola com um milionário empresário de artigos de desporto. Mas a jornalista sente o apelo da notícia quando descobre que um preso condenado a pesada pena, e que ela julga inocente (e depois vem mesmo a saber estar inocente), precisa dela e de tornar visível perante a opinião pública a manobra política e judicial de que está a ser vítima. Às autoridades interessa sobretudo solucionar um caso rapidamente, sem olhar a outros interesses. Assim, ela adia a viagem para a paradisíaca ilha do Mussulo e atira-se de cabeça à tarefa de resgatar a verdade. O que pressupõe muitas peripécias, algumas divertidas, outras dramáticas, mas sempre críticas para com alguns poderes instituídos.
A produção é da equipa “Área de Serviço”, com adaptação da peça, encenação e cenários de Frederico Corado (que também interpreta um dos principais papéis), grupo que já encenou anteriormente as peças “Um Marido Ideal”, “O Crime de Aldeia Velha”, “As Alegres Comadres de Windsor”, “Nápoles Milionária”, “Pânico”, “Trisavó de Pistola à Cinta”, “O Inspector Geral”, “Oito Mulheres” e “O Dinheiro Não é Tudo na Vida”.
A encenação, movimentada e cheia de bons achados de humor, funciona num cenário relativamente simples, com adereços que apenas indicam e sugerem. O ritmo conseguido surpreende, tratando-se de uma companhia comunitária, logo de actores amadores (que, de peça para peça apuram qualidades e limam deficiências). Há mesmo alguns actores com capacidades que merecem ser dilatadas noutros trabalhos. Mas, fundamentalmente, há que sublinhar o esforço desta iniciativa muito bem orientada para textos de qualidade inequívoca, fomentando o gosto pelo teatro, quer praticando-o no palco, quer assistindo a ele na plateia do Centro Cultural do Cartaxo. O espectáculo tem novas representações a 24 e 25 de Abril, às 21 horas.

Escândalo nas Notícias da Noite / um espectáculo de Frederico Corado, no Centro Cultural do Cartaxo /24 e 25 de Abril às 21.30h
Texto e Encenação: Frederico Corado | Concepção e Execução Cenográfica: Frederico Corado e Mário Júlio | Produção CCC: Marco Guerra e Carlos Ouro | Produção Área de Serviço: Frederico Corado, Florbela Silva e Vânia Calado com a assistência de Pedro Ouro, Carolina Viana, Rita Correia Alves | Grafismo: Cátia Garcia | Assistente de Encenação: Florbela Silva, Cláudia Antunes, Maria Ramalho, Pedro Ouro, Rita Correia Alves | Desenho de Luz: Ricardo Campos | Assistência Técnica: Miguel Sena | Direcção de Cena: Mário Júlio| Contra-Regra: Amélia Martins | Fotografia: Vitor Neno | Montagem: Mário Júlio e Vitor Lima| Uma Produção da Área de Serviço com o Centro Cultural do Cartaxo; Intérpretes: Vânia Parente Calado, Frederico Corado, Carlos Ramos, Vasco Casimiro, João Nunes, Mário Júlio, Ana Ribeiro, Virgínia Teófilo, Helena Montez, Mónica Coelho, João Paulo, Carolina Viana, Ana Patrícia Jorge, Mauro Cebolo, Susana Condinho, Pedro Ouro, Pedro Lino, Luis Rosa Mendes, Paulo Cabral, Rosário Narciso, Amélia Martins, Rita Oliveira, Ana Catarina Casimiro, Daniel Mateus, Pedro Magalhães, Aureliana Campanacho, Jeanine Steuve, Catarina Carmo, Maria José Cerqueira, Andréa Silva, João Pedro Sousa, Joana Pinheiro, Beatriz Pinho, José Miguel Ribeiro, Inês Nunes, André Vieira, Joana Condinho Pais, Miguel Carias, etc.Centro Cultural do Cartaxo / Rua 5 de Outubro | 2070-059 Cartaxo, Portugal /Teatro . M6 /Bilhetes: 5€



2. “A PRIMEIRA PÁGINA” (THE FRONT PAGE) NO CINEMA
No conturbado e agitado período de final dos anos 20, a América inteira pode dizer-se que se transforma num vulcão em permanente ebulição. Estava-se no pós-guerra, os soldados do Tio Sam tinham, pela primeira vez, experimentado os amargos e os sucessos de um gigantesco conflito militar que se desenrola a muitos quilómetros da sua Pátria, numa Europa simultaneamente distante e aliciante, local de origem da maior parte dos ancestrais dos jovens combatentes, mas terra de outros costumes e outro ritmo de vida. Nos EUA germinava o Crash que iria rebentar em 1929 e progredir assustadoramente pela Grande Depressão dos anos 30. A instabilidade que parecia apostar fortíssimo em tal época era bem demonstrativa de que as armas não se haviam calado de vez, mas antes se encontravam em repouso quase forçado, à espera de que novo holocausto se viesse a verificar, sem grandes alternativas nem esperanças fundadas.
Nessa altura, um jovem jornalista de Chicago, de parceria com outro colega também pouco acomodatício, deu à estampa uma obra que intitulou “The Front Page”. Estava-se em 1928, o autor principal chamava-se Charles MacArthur e o seu comparsa Ben Hecht. De ambos ainda surgiriam “Twentieth Century” (1932) e “Ladies and Gentlemen” (1939). No entanto, a primeira das obras seria aquela que daria notoriedade a MacArthur que, casado com a actriz Helen Hayes, se dedicaria também a escrever para o cinema. Esta peça teria uma encenação portuguesa no Teatro "A Barraca", em 1994, com encenação de Helder Costa, com interpretação de Maria do Céu Guerra, Francisco Nicholson e João d'Ávila, entre outros. 
“The Front Page” foi objecto de várias adaptações cinematográficas, a primeira das quais realizada por Lewis Milestone, logo em 1931. Entre os actores, Adolphe Menjou, Pat O'Brien e Mary Brian. Mas em 1940, Howard Hawks voltaria ao tema, realizando “O Grande Escândalo” (His Girl Friend) com um elenco de nomes sonantes à frente do qual se encontravam Rosalind Russel, Cary Grant e Ralph Bellamy. Posteriormente outra gente retomaria o tema. Foram algumas as versões de TV, logo na década de 40: Ed Sobol dirigiu uma em 1945, com Vinton Hayworth, Matt Crowley e Howard Smith; o produtor Joel O’Brien lançou outra, em Inglaterra, em 1948, com Basil Appleby, Harold Ayer e Michael Balfour; entre 1949 e 1950 apareceu uma mini série, com direcção de Franklin Heller, e interpretação de John Daly, Mark Roberts e Richard Boone; finalmente em 1970, nova incursão televisiva, desta feira assinada por Alan Handley, com Robert Ryan, George Grizzard e Helen Hayes (como já vimos a mulher de MacArthur).
Os tempos mudaram, a imprensa escrita cedeu o seu lugar prioritário à televisão, por isso se compreende que, em 1988, “The Front Page” se passe a chamar “Linhas Trocadas” (Switching Channels), numa versão cinematográfica de Ted Kotcheff, com um novo elenco de luxo, Kathleen Turner, Burt Reynolds e Christopher Reeve.



Desconhecendo a obra de 1931 e as adaptações televisivas, vamos recuperar algumas curtas impressões críticas das restantes, escritas na época em que inicialmente as vi.
Começando pelo filme de Howard Hawks:
Numa redacção de um jornal reúne-se um grupo heterogéneo, constituído pelo próprio director do jornal, um cronista de casos de polícia e de tribunais, uma prostituta e um condenado à morte que se havia conseguido evadir da prisão em que se encontrava aguardando a execução. Com eles e outros comparsas menores se constrói uma história em que o dramático alterna com o burlesco, daí resultando uma comédia brilhante e de tal modo atractiva que, como se disse já, motivou por várias vezes o interesse dos realizadores e produtores e a consequente atenção das câmaras.
Há que referir que esta versão tem uma realização realmente brilhante de Howard Hawks e, reforçando o afirmado, de entre os intérpretes salienta-se o talento de comediante de Rosaline Russel, que aqui regista uma das suas mais significativas actuações perante as objectivas. Alguns saudosistas relembram, a propósito de “O Grande Escândalo”, “The Front Page”, de 1931, rodado num único cenário, em que o realizador Lewis Milestone utilizou com toda a propriedade os travelling que tinham sido relativamente descurados com o advento do sonoro. Voltando a “His Girl Friend” um outro termo de comparação é possível de estabelecer com a obra precedente: enquanto Milestone realizara uma fita com 101 minutos de duração, Hawks reduz o tempo de projecção para 92 minutos. E por isso que esta velha glória do cinema debruçado sobre a informação é considerada por muitos como tendo um ritmo mais dinâmico do que a primeira versão d “The Front Page”. Dir-se-ia, antes, que são duas concepções diferentes, com quase dez anos a separá-las. Vale, porém, a pena recordar-se um e outro destes filmes que ficaram na História da Sétima Arte.



Depois de Lewis Milestone e de Howard Hawks, “The Front Page” é já uma obra teatral consagrada, esta que Billy Wilder retoma para a marcar com o seu espírito sarcástico, o seu humor corrosivo, o rigor do seu trabalho de encenação, e a magnifica direcção de actores, onde sobressaem Jack Lemmon, Walter Matthau e Carol Burnet.
Com um condenado à morte à espera da hora final, é nos bastidores de certa imprensa sensacionalista, que manipula pessoas e acontecimentos, que se irá centrar a análise de Wilder. O prestígio político, os interesses criados, o lucro fácil, são algumas das peças de uma engrenagem desmontada pelo cineasta que, desde início, se coloca do lado do condenado à morte e de uma prostituta que o procura ajudar, tendo em seu redor uma matilha que os tenta devorar com intuitos diversos, mas sempre com igual barbaridade, em nome de um qualquer lucro.



“Linhas Trocadas”, de Ted Kotcheff, versão mais recente (1987), actualizada, da peça teatral de Hecht e MacArthur, acusa alguma banalização de processos, tendentes a um riso burlesco e algo inconsequente, que lhe retira um pouco da sua força, agressividade e poder corrosivo.
Christy Collerau (a belíssirna Kathleen Turner) é uma jornalista, vedeta de uma cadeia de televisão norte americana, onde trabalha também o seu ex-marido, John Sullivan (um turbulento Burt Reynolds). Em férias, conhece um empresário aprumadinho, Blaine Brighaam (Christopher Reeves, aqui atraiçoando a sua predilecção por papeis de jornalista), com quem resolve casar-se e abandonar a TV. Mas John Sullivan joga o mais sujo que sabe para não perder nem a colaboradora nem a mulher e oferece-lhe uma reportagem irrecusável: entrevistar Ike Roscoe, um condenado à morte na cadeira eléctrica, que tudo aponta estar inocente. Christy não é capaz de renunciar a este desafio. Mas Roscoe consegue fugir, Christy e Sullivan conseguem escondê-lo, mas o filme não consegue comparar-se aos outros extraídos da mesma base, muito embora atinja momentos hilariantes, sobretudo nas perseguições derradeiras e na descrição tumultuosa do ambiente dos estúdios de televisão.
Uma comédia divertida, mas um filme relativamente falhado nos seus propósitos, enquanto obra cinematográfica.

O GRANDE ESCÂNDALO (His Girl Friday) - R: Howard Hawks (EUA, 1939); A: Charles Lederer, segundo «The Front Page», peça de Charles MaeArthur e Ben Heeht; F (preto e branco): Joseph Walker; M: Morris Stoloff; I: Rossalind Russell, Cary Grant, Ralph Bellamy, Gene Loekhart, Porter Hall, Ernest Truex, etc.; D: 92 m; CI: xxxxx (M/12 anos).
PRIMEIRA PÁGINA (Front Page) - R: BiIly Wilder (EUA, 1974); A: BiIly Wilder e I.A.L.Diamond, segundo peça teatral de Ben Heeht e Charles MaeArthur; F (cor): Jordan S. Cronenweth; M: BilIy May; Mont: Ralph E.Winters; Dir.art.: Henry Bumstead; P: Paul Monash/ MA C/ Universal; I: Jack Lemmon, Walter Matthau, Carol Burnett, Susan Sarandon, Vineent Gardenia, David Wayne, Allen Garfield, Austin Pendleton, Charles Durning, Herbert Edelman, etc.; D: 105 m; CI: xxxx (M/12 anos).

LINHAS TROCADAS (Switching Channels) - R: Ted Kotcheff (EUA, 1987); A: Jonathan Reynolds, segundo «The Front Page», peça teatral de Ben Hecht e Charles MacArthur; F (cor): François Protat; M: Michel Legrand; Mont: Thom Noble; Dir. Art.: Charles Dunlop; P: Martin Ransohoff; I: Kathleen Turner, Burt Reynolds, Christopher Reeves, Ned Beatty, Henry Gibson,etc. D: 110 m; CL: xxx (M/12 anos).