POUCO BARULHO
“Pouco Barulho” é
uma excelente comédia inglesa, da autoria de Michael Frayn, e que tem sido
encenada um pouco por todo o lado com resultados brilhantes. Em Londres “Noises
Off”, no seu título original, recebeu o prémio de melhor comédia do ano de 1982,
o mesmo acontecendo em Nova Iorque, em 1984.
O que tem de tão
especial esta comédia? Parte de uma ideia brilhante, que é muito bem estruturada.
Não se trata de um texto de tese, não procura modificar o mundo, apenas
divertir os espectadores de uma forma inteligente, ao mesmo tempo que põe a
descoberto os cordelinhos de uma produção teatral. O primeiro acto é ocupado
com o ensaio geral, ou ensaio técnico, vá-se lá saber qual é o ensaio, de uma
peça de teatro que irá estrear no dia seguinte. Nem tudo corre bem. Ou quase
tudo corre mal. O que num ensaio geral nem costuma ser mau sinal. Dizem por aí
os vaticinadores do futuro que um mau ensaio geral prenuncia uma boa estreia. No
segundo acto não vemos o que os espectadores do suposto teatro veem, mas sim o
que acontece nos bastidores, a parte detrás do cenário. Se as coisas correm mal
pela frente, por detrás são ainda mais calamitosas. Finalmente, no terceiro
acto, a companhia já rodou por várias salas e cidades, e está a dar o seu
último espectáculo. Pode dizer-se que é a bandalheira geral.
Em 1985, vi no
Teatro Villaret, numa produção Vasco Morgado um “Pouco Barulho” de boa
recordação, com um elenco de luxo, Nicolau Breyner, Manuela Maria, Henrique
Santos, Morais e Castro, Guida Maria, Victor de Sousa, Rosa de Canto, Isabel
Mota, Jorge Nery. A tradução era de César de Oliveira e Barry Scraig e a encenação
de Varela Silva, com cenários de Octávio Clérigo. Gostei bastante, mas tive uma
desilusão de peso. Por essa altura andava eu a escrever uma peça de teatro que tinha
mais ou menos a mesma ideia inicial. Depois de ver esta, desisti.
Em 2013, o Centro
Cultural Malaposta, apresentou a mesma peça, agora sob a designação de "Tudo
a Nu", com nova tradução de Paulo Oom, encenação de Fraga e música
original de Adriano Filipe. O elenco era composto por Ângela Pinto, Gonçalo
Ferreira, Hélder Gamboa, Inês Castel-Branco, Isabel Ribas, Mónica Garcez, Paulo
Oom, Rui Raposo e Rui Sérgio. Não vi esta versão, mas tinha razões para ser
interessante.
Agora surge no
Cartaxo, no Centro Cultural, numa produção “Área de Serviço”, uma nova tradução
da mesma peça, assinada por Frederico Corado, Vânia Calado e Maria Eduarda
Colares, por sinal bastante boa, com encenação de Frederico Corado, que também
assina a concepção cenográfica e ainda integra o elenco, ao lado de Hugo
Rendas, Margarida Leonor, Vânia Parente, Mário Júlio, Carlos
Ramos, Sara Inês, Mauro Cebolo e Mónica Coelho. A “Área de Serviço” é uma
companhia comunitária, onde todos trabalham por amor à arte, e se veem e
desejam para pagar os custos dos cenários e dos adereços. Nenhum apoio substancial,
apenas algumas generosas dádivas, e uma vontade férrea de fazer teatro. Ambiciosos. Já encenaram Oscar Wilde, Bernando
Santareno, William Shakespeare, Eduardo De Filippo, Nikolai Gogol, Alice Vieira,
Robert Thomas, George S. Kaufman e Moss Hart, entre outros.
Esta encenação de “Pouco
Barulho” é extremamente divertida, inteligente e consegue manter um ritmo
endiabrado. Trata-se de uma peça dentro de outra peça, de uma daquelas comédias
com muitas portas, por onde entram e saem personagens que não se devem
encontrar, com pratos de sardinhas, malas e caixas com fichas das finanças,
arranjinhos amorosos, fugas ao fisco, ramos de flores trocados e tudo o mais
que se possa imaginar. Reservam-se algumas surpresas. O cenário é bonito, sóbrio,
mas bem imaginado, e o elenco, quase todo constituído por amadores sem grande experiência,
porta-se à altura de algumas companhias profissionais (para não falar de
outras, igualmente profissionais, que é melhor esquecer!). É um excelente divertimento,
daqueles que não envergonham ninguém, e que devia, isso sim!, fazer corar de
vergonha algumas peças e filmes, ditos cómicos, que abundam nas nossas salas
nos últimos tempos.
Para os mal-intencionados
tenho uma declaração de princípios a fazer. O Frederico Corado é meu filho. Mais
uma razão para irem ver, no próximo fim de semana, sexta e sábado às 21,30, e
domingo às 16 horas, para ficarem a saber se sou parcial. Eu julgo que não, mas
vão lá e vejam. Depois digam.
Pouco
Barulho (Noises Off). Texto
de Michael Fryan | Encenação: Frederico Corado | Tradução: Frederico Corado,
Vãnia Calado e Maria Eduarda Colares | Concepção Cenográfica: Frederico Corado
| Intérpretes: Hugo Rendas, Margarida Leonor, Vânia Parente, Frederico Corado,
Mário Júlio, Carlos Ramos, Sara Inês, Mauro Cebolo e Mónica Coelho | Execução
Cenográfica: Mário Júlio | Produção da Área de Serviço: Frederico Corado, Vânia
Calado e Mário Júlio com a assistência de Florbela Silva e Carolina Viana |
Assistente de Encenação: Carolina Viana | Direcção de Cena: Mário Júlio |
Técnica: Miguel Sena | Contra-Regra: Carolina Viana | Fotografia: Vitor Neno |
Montagem: Mário Júlio | Construção de Adereços: Rosário Narciso | Uma Produção
da Área de Serviço com o Centro Cultural do Cartaxo e Câmara Municipal do
Cartaxo
1 comentário:
Tenho um calendário de bolso da peça..
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