AVENIDA Q
“Que merda que eles são”. Eles são os
actores de “Avenida Q” e é assim que iniciam a representação de cada dia. Um a
um aparecem em palco e vão cantando “Que merda que eu sou”. Referem-se às suas
capacidades interpretativas? Não. Falam enquanto personagens do musical. Ou
seja, cada um deles considera-se uma merda porque não consegue realizar os seus
sonhos. Um tirou um curso, fez mestrado, etc, e não arranja emprego, outra
sonha com uma escola para “monstrinhos”, outro não sai do armário apesar de ser
gay, outros ainda não têm meios para casarem, e assim por diante. É conveniente
não esquecer ainda a Paula Porca que faz as delicias de quem com ela se cruza.
Elas são as personagens que vivem nesta
avenida Q que durante hora e meia vão representar, dançar e cantam as desditas,
mas também a esperança de cumprirem os seus sonhos, e verdadeiramente encantar
o público que esgota as sessões diariamente do Teatro Trindade.
Dizem os promotores do espectáculo que
“Avenida Q” “é o musical mais estúpido e genial de todos os tempos - uma Rua
Sésamo em esteróides, que junta à estética Muppets uma linguagem tão adulta,
que só funciona mesmo porque a vida é uma longa marcha de tédio em direção à
campa. Ah, e porque as músicas são bestiais”.
Na verdade, os actores surgem em palco
acompanhados cada um por uma marioneta que recorda obviamente os Marretas ou a
Rua Sésamo, mas a linguagem é manifestamente outra. Muito mais abrasiva, mas
tão bem-disposta e tão natural que não choca (ou choca na medida certa) o
público que a ouve. Soa a crítica certeira e actual a muitos dos problemas que
a sociedade em que vivemos enfrenta, do racismo ao preconceito, da dependência
da internet à do sexo, da falta de emprego a etc. e tal. É um bom retrato de um
mundo um pouco à deriva.
“Avenida Q” estreou na Broadway e tem
sido um sucesso ali e por todos os países por onde tem passado. O texto é de
Robert Lopez, Jeff Marx e Jeff Whitty, foi traduzido por Henrique Dias com
graça e uma ou outra adaptação ao caso português muito a propósito, tem uma
cuidada encenação de Rui Melo, que aproveita a encenação americana, mas o faz
com eficácia e alguma originalidade, tem tradução e adaptação de canções dos
mesmos Henrique Dias e Rui Melo, direção musical de Artur Guimarães e desenho
de luz de Paulo Sabino. Do elenco, muito jovem, muito homogéneo, muito
inspirado, fazem parte Ana Cloe, Diogo Valsassina, Gabriela Barros, Inês Aires
Pereira, Manuel Moreira, Rodrigo Saraiva, Rui Maria Pêgo, Samuel Alves, Artur
Guimarães, Luís Neiva e André Galvão. Uma produção “Força de Produção” que
aconselho vivamente.
Dizem que a juventude não gosta de
musicais. Pois desloquem-se ao Trindade e assistam in loco ao desmentir dessa
(falsa) conclusão. De resto, algo se passa no teatro em Portugal. Nos últimos
tempos fui quatro vezes ao teatro, ver “As Árvores Morrem de Pé”, “A Noite de
Iguana”, “Amália” e “Avenida Q” em salas que não se pode dizer que tenham
poucos lugares, Politeama, São Luiz e Trindade. Todas as sessões completamente
esgotadas. Público que se pode muito bem afirmar em histeria no final,
aplaudindo de pé. O teatro está vivo.
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