quarta-feira, fevereiro 22, 2017

"AVENIDA Q", O MUSICAL


AVENIDA Q

“Que merda que eles são”. Eles são os actores de “Avenida Q” e é assim que iniciam a representação de cada dia. Um a um aparecem em palco e vão cantando “Que merda que eu sou”. Referem-se às suas capacidades interpretativas? Não. Falam enquanto personagens do musical. Ou seja, cada um deles considera-se uma merda porque não consegue realizar os seus sonhos. Um tirou um curso, fez mestrado, etc, e não arranja emprego, outra sonha com uma escola para “monstrinhos”, outro não sai do armário apesar de ser gay, outros ainda não têm meios para casarem, e assim por diante. É conveniente não esquecer ainda a Paula Porca que faz as delicias de quem com ela se cruza.
Elas são as personagens que vivem nesta avenida Q que durante hora e meia vão representar, dançar e cantam as desditas, mas também a esperança de cumprirem os seus sonhos, e verdadeiramente encantar o público que esgota as sessões diariamente do Teatro Trindade.
Dizem os promotores do espectáculo que “Avenida Q” “é o musical mais estúpido e genial de todos os tempos - uma Rua Sésamo em esteróides, que junta à estética Muppets uma linguagem tão adulta, que só funciona mesmo porque a vida é uma longa marcha de tédio em direção à campa. Ah, e porque as músicas são bestiais”.
Na verdade, os actores surgem em palco acompanhados cada um por uma marioneta que recorda obviamente os Marretas ou a Rua Sésamo, mas a linguagem é manifestamente outra. Muito mais abrasiva, mas tão bem-disposta e tão natural que não choca (ou choca na medida certa) o público que a ouve. Soa a crítica certeira e actual a muitos dos problemas que a sociedade em que vivemos enfrenta, do racismo ao preconceito, da dependência da internet à do sexo, da falta de emprego a etc. e tal. É um bom retrato de um mundo um pouco à deriva.
“Avenida Q” estreou na Broadway e tem sido um sucesso ali e por todos os países por onde tem passado. O texto é de Robert Lopez, Jeff Marx e Jeff Whitty, foi traduzido por Henrique Dias com graça e uma ou outra adaptação ao caso português muito a propósito, tem uma cuidada encenação de Rui Melo, que aproveita a encenação americana, mas o faz com eficácia e alguma originalidade, tem tradução e adaptação de canções dos mesmos Henrique Dias e Rui Melo, direção musical de Artur Guimarães e desenho de luz de Paulo Sabino. Do elenco, muito jovem, muito homogéneo, muito inspirado, fazem parte Ana Cloe, Diogo Valsassina, Gabriela Barros, Inês Aires Pereira, Manuel Moreira, Rodrigo Saraiva, Rui Maria Pêgo, Samuel Alves, Artur Guimarães, Luís Neiva e André Galvão. Uma produção “Força de Produção” que aconselho vivamente.

Dizem que a juventude não gosta de musicais. Pois desloquem-se ao Trindade e assistam in loco ao desmentir dessa (falsa) conclusão. De resto, algo se passa no teatro em Portugal. Nos últimos tempos fui quatro vezes ao teatro, ver “As Árvores Morrem de Pé”, “A Noite de Iguana”, “Amália” e “Avenida Q” em salas que não se pode dizer que tenham poucos lugares, Politeama, São Luiz e Trindade. Todas as sessões completamente esgotadas. Público que se pode muito bem afirmar em histeria no final, aplaudindo de pé. O teatro está vivo. 

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