JORGE SILVA MELO:
A NOITE DE IGUANA
Há já alguns anos vi no
Teatro Maria Matos, numa encenação de João Paulo Costa, "A Noite da
Iguana", peça de Tennessee Williams, numa produção conjunta daquele teatro
e do ACE/Teatro do Bolhão. Nessa altura escrevi sobre a peça: “Não me parece
que “The Night of Iguana” seja uma das melhores peças de Tennessee Williams,
mas sei que deu um belíssimo e intenso filme com a assinatura de John Huston e
desempenhos memoráveis de Richard Burton, Ava Gadner, Sue Lyon e, sobretudo,
dessa espantosa Deborah Kerr. Era um elenco explosivo. Conta-se que o velho e
divertido cineasta (um dos meus preferidos!), antes de iniciar as filmagens com
tão “poderoso” elenco (e ainda com a presença de Elisabeth Taylor, a
“controlar” o seu então marido) resolveu presentear os protagonistas, e também
Elisabeth Taylor, com uma pistola e quatro balas douradas onde haviam sido
previamente gravados os nomes dos demais actores. Felizmente, ninguém chegou a
precisar de usá-las. Mas isto dizia bem, ainda que de forma irónica, do grau de
tensão que existia entre o elenco. O mesmo se verificou entre as personagens,
no resultado final.
A intriga não tem muito
que contar. Lawrence Shannon (Richard Burton), ex-pastor protestante e
admirador de uma boa bebida, trabalha agora como guia turístico, e dirige uma
excursão formada por professoras bem entradotas na idade, que se fazem
acompanhar por uma jovem, Charlotte Goodall (Sue Lyon, a “Lolita” de Kubrick),
obcecada em seduzir o ex-sacerdote.
Tudo se irá concentrar
numa perdida aldeia da costa mexicana, num motel a cair de podre, com uma vista
soberba, dirigido por uma viúva que se faz acompanhar nos seus banhos nocturnos
por dois efebos a tocar marimbar (é o mínimo que se pode antever). Aí se juntam
em refúgio Lawrence Shannon, mais o grupo de excursionistas enraivecidas,
dirigidas por uma recalcada e puritana Miss Fellowes (Grayson Hall), que não
perdoa a Lawrence ter seduzido, ou ter sido seduzido, pela jovem Charlotte.
Para culminar surge uma outra dupla extravagante e falida, composta por Hannah
Jelkes (Deborah Kerr) uma pintora empreendedora, e o seu avô, poeta, que
arrasta os seus muitos anos numa cadeira de rodas.
O ex-padre ressente-se
da fé abalada, esforça-se para juntar os pedaços de uma vida despedaçada, e
vê-se encurralado por três mulheres que o cortejam cada uma à sua maneira.
Neste jogo de vida ou de morte, de salvação ou perdição, Huston conseguia
alguns bons momentos de quente sensualidade na tumultuosa paisagem mexicana. Os
actores ajudavam bastante a retirar tensão dramática neste embate de destroços,
mas o talento de Huston apadrinhava muito na direcção de actores, e no
aproveitamento das suas potencialidades, enquadrando-os em excelentes cenários,
fabulosamente fotografados a preto e branco. Nos Óscares do ano ganharia um
para o melhor guarda-roupa, Dorothy Jeakins, e foi nomeado para outros três que
não venceu, melhor actriz secundária, Grayson Hall, melhor direcção artística,
Stephen B. Grimes, e melhor fotografia, para mestre Gabriel Figueroa”.
Quando abordava aqui a
encenação então vista, acrescentava: “deve dizer-se que a cenografia de Paulo
Oliveira é bonita e funcional, os figurinos de Ana Teresa Castelo
interessantes, a iluminação eficaz, mas tudo o resto deixa algo a desejar”.
Surge agora uma nova
versão encenada por Jorge Silva Melo, uma co-produção dos Artistas Unidos/SLTM/TNSJ
e a minha apreciação é totalmente diversa. A encenação de Jorge Silva Melo é,
como se esperaria, muito interessante, criando momentos de tensão, sublinhando
aspectos importantes da obra teatral, mantendo um ritmo certo e ajustado, cuidando
da interpretação dos actores, alguns dos quais bastante bons, destaques
especiais para Nuno Lopes (Lawrence Shannon), Maria João Luís (Maxine Faulk), Catarina Wallenstein (Charlotte Goodall) e, para mim uma revelação, Joana Bárcia (Hannah Jelkes), mas com duas ou três reservas, que lamento. Não
gosto muito do cenário de Rita Lopes Alves e Luz Pedro Domingos, que me parece
pobre e pouco adequado à obra, sobretudo as paredes frontais da pensão, pobre
mas ao tanto!, e julgo as aparições do grupo de estouvados jovens para-nazis um
pouco “garridas” demais, digamos assim, quebrando (era isso que se pretendia,
eu sei) o clima de algumas cenas. Mas parecem-me excessivas e não muito consentâneas
com os propósitos.
De resto, e apesar de
continuar a achar esta peça menos interessante que outras do mesmo autor, como “A
Gata em Telhado de Zinco Quente” ou “O Doce Pássaro da Juventude”, trata-se
obviamente de uma obra a considerar, o que me leva a agradecer a Jorge Silva
Melo a sua opção por colocar à disposição do público português este magnífico ciclo
Tennessee William (onde ainda coube “Jardim Zoológico de Vidro”). Ficamos à
espera de “Subitamente no Verão Passado” e, sobretudo, “Um Eléctrico Chamado
Desejo”.
A NOITE DA IGUANA. Texto
de Tennessee Williams; Tradução Dulce Fernandes; Cenografia e Figurinos Rita Lopes
Alves, Luz Pedro Domingos; Som André Pires; Coordenação Técnica João Chicó;
Produção João Meireles; Assistência de Encenação Nuno Gonçalo Rodrigues e
Bernardo Alves; Encenação Jorge Silva Melo; Uma produção Artistas
Unidos/SLTM/TNSJ; Intérpretes: Nuno Lopes (Lawrence Shannon), Maria João Luís
(Maxine Faulk), Isabel Muñoz Cardoso (Judith Fellowes), Joana Bárcia (Hannah
Jelkes), Pedro Carraca (Hank Prosner), Tiago Matias (JakeLatta), João Meireles
(Herr Fahrenkopf), Vânia Rodrigues (Frau Fahrenkopf), Pedro Gabriel Marques
(Pancho), Catarina Wallenstein (Charlotte Goodall), Américo Silva (Nonno), João
Delgado (Pedro), Bruno Xavier (Wolfgang) Ana Amaral (Hilda). Em exibição no São Luiz Teatro Municipal, Lisboa, até 5 de
Fevereiro; no Teatro Nacional de São João, Porto, de 9 a 26 de
Fevereiro de 2017.
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